A BESTA FERA

 

          Dizem que a Bíblia diz que no fim dos tempos vai aparecer a besta fera. É um animal feroz que vai destruir todos os homens. Ninguém  vai poder lutar contra ela, pois a  cuja vai ter uma força descomunal. Todos  aqueles  que lutarem  contra  ela,  serão  destruídos. Só mesmo Deus terá força superior a ela.

 

          Este tipo de coisa cai bem na cabeça de alguns pobres sertanejos  e  os coitados passam a acreditar nisto piamente. E os pobres morrem de medo da tal  besta  fera. Acontece que eles nunca viram a coisa, nem têm idéias de como ela seja.

 

          Antonino era um pobre sertanejo. Tinha memória curta e acreditava  em  tudo o que os amigos falavam. Sobre a besta fera então nem se comentava. Era  um  Deus  nos acuda. O pobre se arrepiava todo e morria de medo. Não sabia  ler, o  que  piorava  ainda mais as coisas.

 

          Antonino jamais fora a uma cidade. Lá por volta de 1930 o progresso não era ainda tão acentuado.

 

          Um dia ele teve que ir a uma cidade fazer uma compra. Não havia ninguém  para ir, muito menos ir com ele. O moço partiu sozinho com as informações fornecidas pelos amigos. Ele foi, mas sempre de olho para não encontrar a besta fera. Andou muito por aquela estradona bonita.  Havia muita coisa bonita. Tudo ali era diferente. Casas de um lado e outro e aquela estrada no meio.  Para que aquela estrada  tão  larga? As  pessoas não precisavam de um caminho tão largo assim. Mas, não se importou com isto e continuou andando.

 

          Até agora não encontrou nenhuma besta fera.  Fez  as  suas  compras, colocou tudo dentro do saco e se preparou para vir embora.  Assim que ele saiu ouviu um  ronco muito forte. Ficou de orelha em pé. Aquilo estava muito estranho. Ouviu  de  novo. Novo ronco forte. Quando ele olha na ponta da estrada lá vinha  um  bicho. Bicho  feio, enorme, preto, vinha correndo, roncando e soltando fumaça e poeira pra  todo  lado. Antonino  não  teve dúvida: era a besta fera. Largou o saco no chão e correu. Andou só um pedacinho e a besta fera já estava no encalço dele. Ele virava de  um  lado  e outro  e  a  besta fera atrás. De vez em quando a besta fera dava algumas buzinadas de amedrontar qualquer vivendo. Não havia lugar para se esconder. Antonino já se via morto. Não tinha  escapatória. Seria tragado pela besta fera. Ele que lutara tanto para não ser derrotado por  ela. Mas chegou o seu dia. Era o fim. E não avisara ninguém na fazenda. E tinha mais uma:  quem era tragado pela besta fera, ia direto pro inferno, pois ela era o demônio em vida. E o nosso pobre Antonino corria. Não tinha onde se esconder e se livrar dela.

 

          De repente ele viu uma portona aberta. Graças a Deus. Era ali que ele  iria  se esconder dela. Entrou imediatamente naquela sala, mas a besta fera sabia que ele  iria  entrar ali. Ela lia os seus pensamentos. Não tinha como fugir. Entrou  também.  Pronto!  Agora sim! A besta fera entrou ali e ficou roncando, roncando. Queria  comê-lo  de qualquer maneira.

 

          A besta fera parou de roncar, mas de repente duas portas se abriram: uma de um  lado e outra do outro. Saíram de dentro dela dois homens e vieram para cima de  Antonino.

 

          O pobre coitado não agüentou. Era muito sofrimento para  um  homem  só. Desmaiou. Acordou tarde no hospital. Estava rodeado de pessoas de branco,  todos  cuidando dele. Olhou de um lado e outro. Perguntou onde estava, se na  terra,  no  céu  ou no inferno. Perguntou se a besta fera desaparecera. Besta fera? Que besta fera. Ele explicou  tudo aos senhores que estavam ali. Eles caíram na gargalhada. Que besta  fera  nada,  moço. Aquilo se chama carro e serve para transportar pessoas. Aquela  casinha  onde  o senhor se escondeu é a casa da besta fera, aliás a garagem do carro. O senhor é louco? Tem algum problema na cabeça?

 

          Não. Antonino não era louco. Tinha a cabeça certinha. Tudo estava no lugar. Ficou ainda com muitas dúvidas, mas não perguntou nada, tamanha a vergonha que  passara. Ele estava agora num hospital, quando já devia estar em casa. Mentiram tanto  pra ele que era uma pessoa tão séria. Onde já se viu correr quilômetros com medo de um  carro, supondo que seria esta tal de besta fera.  Começou   a  pôr  em  cheque  os  conhecimentos Bíblicos  que lhe ensinaram. O melhor era ter muito cuidado. Iria se cuidar mais daqui para a frente.