A aparente antinomia entre liberdade religiosa e proibição da poligamia no Brasil diante da religião Islâmica ¹.

 

                                                                                     Renata Cristina de Oliveira Lima ²                                                                                                                                                                                                    Thais Auzier Queiroz ³

Sumario: Introdução; 1 Poligamia no Brasil; 2 A religião Islâmica; 3 Antinomia do direito e a liberdade da crença religiosa; 4 A força dos costumes brasileiros; Conclusão; Referências.

RESUMO

 

 O caso a ser exposto nesse trabalho é quando a crença religiosa (em especial a religião Islâmica), e a força de um costume entram em dualidade com a nossa legislação, causando assim uma atinomia. Quais das situações, ou das leis presentes em nossa legislação seriam mais justas prevalecerem?

PALAVRA-CHAVE: Poligamia; Lei; Costumes; Antinomia.

 

 

INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho tem como principal objetivo proporcionar um melhor entendimento sobre a força de alguns costumes brasileiros, que entram em confronto com a legislação brasileira. Trabalharemos com a religião islâmica e suas crenças, com principal foco na pratica da poligamia, que pelo islamismo é permitido, só que em nossa legislação existe uma lei que a proíbe.

Desta forma então, surge uma antinomia em nossa constituição, onde uma lei proíbe o casamento poligâmico, e outra lei permite a liberdade da crença religiosa. A exemplo temos a religião Islâmica, que atualmente tem um aumento significativo no numero de praticantes em nossa sociedade e no mundo todo, onde os mesmos brigam por seus direitos em praticar todos os mandamentos de sua religião.

Faremos um breve resumo sobre a religião Islâmica tratando especificamente sobre a prática da poligamia e a sua legalidade no âmbito da religião, também abordaremos o que diz a legislação brasileira a respeito da poligamia, mostraremos o conflito das duas leis presentes em nossa constituição e por fim a força do costume no Brasil em permitir casamento monogâmico e torna tal costume como lei.

Enfim, essa pesquisa tem um caráter finalístico, pretende esgotar o seu objeto de estudo, com o pretexto de explicitar a força do costume brasileiro e uma das antinomias presente em nosso país.

  1. 1.                 Poligamia no Brasil

 

Existem duas formas de casamento no âmbito jurídico, o monogâmico e o poligâmico. Na maioria dos sistemas jurídicos atuais o mais freqüente é o monogâmico, que é o adotado pelo nosso país, onde só permite o casamento, uma relação jurídica, com um único cônjugue, diferente do poligâmico ou da bigamia (uma das formas da pessoa cometer a poligamia) que é aquele onde permite que um indivíduo tenha mais de um casamento de forma lícita.

É importante ressaltar que dentro da poligamia existem dois tipos de divisão, a referente ao sexo masculino chamada de poliginia, e que se faz respeito ao sexo feminino é a poliandria. A mais freqüente em nosso país é a poliginia. 

Como já vimos o Brasil considera crime o casamento entre mais de dois indivíduos, uma vez que é seguido o monogâmico. A lei onde encontramos essa proibição estar presente no nosso Código Penal, precisamente, no art. 235, capítulo I onde diz respeito aos Crimes contra o casamento, a bigamia: Pena - reclusão, de dois a seis anos.

§ 1º - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três anos.

§ 2º - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime.

  Em nosso país existem inúmeros casos de poligamia, principalmente envolvendo as classes baixas, em favelas, morros e invasões. A exemplo temos dentro de favelas traficantes que relacionam-se com varias mulheres e as obrigam a seguir suas regras de respeito e fidelidade absoluta. Porém temos outros casos onde a poligamia se faz presente em nosso país e é defendida e justificada pela crença religiosa, como por exemplo, o islamismo, que permite a concessão da poligamia, exclusiva do homem em ter mais de uma mulher (ou poliginia).      

 

  1. 2.                 A religião Islâmica

A religião islâmica foi fundada por Maomé, um fiel seguido da tribo árabe chamada coraixita, que com o passar do tempo recebe revelações por um arcanjo e faz um livro conhecido como o Alcorão. Depois de sua morte deixa vários seguidores, os judeus, recebendo o nome de mulçumanos, que segue seus mandamentos e o culto ao único deus conhecido como Alá, a religião fundada por Maomé recebe o nome de Islamismo. Atualmente o Islamismo é uma das religiões que mais cresce no mundo todo, encontrada principalmente no Oriente Médio.

São vários os deveres, mandamentos a serem seguidos pelos mulçumanos. Um desses mandamentos é a pratica da poligamia, onde é totalmente liberada por Alá, desde que o homem possa ter condições suficientes de proporcionar de forma igual a suas mulheres o seu amor, não fazer distinção entre uma e outra, todas devem ser tratadas e presenteadas da mesma forma e devendo assim morar na mesma casa e vivendo em total harmonia. No Alcorão onde faz referencia a essa pratica:

"Se vós temeis não serdes capazes de conviver justamente com os órfãos, casai com mulheres de sua escolha, 2 ou 3 ou 4 vezes; mas se temerdes que não sereis capazes de conviver justamente com elas, então casai somente com uma" (4:13).

A poligamia é uma pratica muito antiga, que há muito tempo atrás não era só seguida pelo islamismo, mais por todas outras religiões, inclusive a cristã, que hoje se mostra totalmente contra, acreditando que seja pecado. Os mulçumanos justificam essa pratica, alegando que no Antigo Testamento, da Bíblia, a poligamia era permitida, encontramos vários personagens fiéis vivendo com mais de uma mulher, que é o caso do Rei Davi, Rei Salomão, Noé e outros. O islã aconselha a ter no máximo quatro esposas como já vimos no Alcorão, e deve-se notar que só é permitida quando a um consenso mútuo, nenhuma mulher é obrigada a se casar com um homem que já venha a ser casado.  

O maior problema enfrentado hoje pelos mulçumanos, a respeito desta pratica, é sua proibição, por lei, em vários países. O islã defende que existem mais mulheres no mundo do que homens, e acham que esse desequilíbrio deve ser resolvido de alguma forma. No mundo existem algumas maneiras a serem seguidas para resolver este desequilíbrio, em alguns casos o celibato, outros preferem o infanticídio feminino, outros acreditam na tolerância de permissividade sexual (prostituição, sexo fora do casamento, homossexualismo...).

Desta forma eles justificam que a poligamia não poderia ser banida por lei na sociedade, uma vez que o concubinato e a prostituição são tolerados. Vendo assim, a poligamia como a melhor forma de controle desse desequilíbrio, como em algumas sociedades africanas e asiáticas que acham o casamento poligâmico a melhor saída.

É uma violação por lei, tomar uma segunda esposa, ainda que com consentimento da primeira, mas por outro lado a traição com ou sem o consentimento da esposa é totalmente legitimada. Questiona-se então, qual seria a sabedoria por detrás de tal condição e qual a força da lei pra premiar a decepção e punir a honestidade? Fazendo com que fosse criado um paradoxo em nosso mundo “civilizado”.   

   

  1. 3.                 Antinomia do direito e a liberdade da crença religiosa.

Segundo Maria Helena Diniz (1998, p. 19) “Antinomia é a presença de duas normas conflituantes, sem que possa saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular” Junto a esse conceito conseguimos analisar duas normas conflituantes, a da liberdade a crença religiosa e a proibição da poligamia.   

A liberdade da crença religiosa se faz presente em nossa constituição, e é considerada como um direito humano fundamental. No Brasil existem muitos tipos de religião e todos com um número significativo de seguidores, pois a pratica a cultos religiosos ou a não opção de seguir nenhuma religião é totalmente assegurado por lei como um dos principais direitos dos cidadãos.

O Brasil estar entre os 58 países membros do conjunto das Nações Unidas que adotaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Essa declaração definia a liberdade de opinião e religião, presente no artigo 18 como:

Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

Pela nossa Constituição Federal o Brasil é um Estado laico, que consoante a C.F, o Estado deve-se preocupar em proporcionar ao seus cidadãos uma compreensão religiosa, excluindo a intolerância e o fanatismo. Desta forma o Brasil nao pode estabelecer uma única religião como a oficial, ele deve assegurar e garantir a todos o livre exercício a praticar religiosa. A lei que faz referência a essa liberdade é o artigo 5 inciso VII, artigo 19 inciso I e artigo 150 incisoVI “b”, da Constituição Federal.

É exatamete nesse ponto quando a prática a qualquer religião e seus mandamentos são permitidos que existe a antinomia na Constituição. Os mulçumados alegam exatamente essa liberdade os exercícios de sua religião, pois a prática do Islasmismo é assegurada pela C.F, e a poligamia, sendo permitida pelo islamismo, é totalemente ilícita, ilegal segundo a constituição. Então, nos deparamos com um confronto de leis, onde não podemos identificar qual das leis se deve seguir, uma vez que não existe soberania entre elas.

  1. 4.            A força dos costumes brasileiros

 

Os costumes surgem a partir de práticas de uma determinada conduta, quando pessoas agem de uma determinada forma, e na ocorrência de muitas situações semelhantes é que os costumes se tornam válidos. Diferente do Direito eles são resultados de acontecimentos espontâneos da sociedade, baseados nos valores morais relativos ao bom senso e ao ideal de justiça.

Em nosso país não temos o costume de casarmos mais de uma vez, e quando se tem em uma relação com mais de duas pessoas a sociedade já vê com maus olhos. O costume da sociedade em não aceitar a poligamia é que converte tal atitude como crime. Daí podemos observar a relevância da vontade e força da sociedade em aceitar ou não tal conduta, nesse caso a poligamia.    

O direito dessa forma, como nesse caso, absorve esses costumes, e faz ter a mesma coercitividade e imposição de uma lei escrita. Com isso surge o Direito Consuetudiário, que faz referência ao direito estabelicido com base dos costumes. Mais para serem considerados costumes a prática precisa-se ser uniforme, constante, necessária e obrigatória.

Segundo FERRERA, citado por Hermes Lima o costume seria "um ordenamento de fatos que as necessidades e as condições sociais desenvolvem e que, tornando-se geral e duradouro, acaba impondo-se psicologicamente aos indivíduos”. Torna-se assim o costume resultado de ações sociais que se desenvolveram e acabaram encontrando espaço no âmbito jurídico e ganhando desta forma a sua legalidade. 

CONCLUSÃO

 

Pelo o que se viu no decorrer deste trabalho, o costume é imposto pela sociedade através de atitudes frequêntes, ou seja é um ato social. Daí observamos também quão grande é a força social e o poder em transformar costumes em leis através de procedimentos competentes.

A exemplo que demos neste trabalho, da poligamia, o costume dos brasileiros em não aceitar mais de uma casamento, tornou-se lei. Por isso é considerado crime a poligamia, pois não é de costume a sua prática entre a sociedade brasileira.

Pela força do costume ser tão forte, acabamos assim, criando uma antinomia entre as leis. Uma vez que é permitida a liberdade da crença religiosa e a poligamia é uma prática aceitável pelo islamismo. Porém não é de costume da nossa sociedade o casamento de homens com mais de uma mulher, tornando-se uma atitude criminosa tal conduta.

Então, concluimos que quando alguma lei entre em confronto com outra é necessário que se tenha uma analise minunciosa para saber qual das leis deverá sobresair. No caso no âmbito religioso, temos outros exemplos de leis que se confrontam com a nossa legislação. Quando acontece isso deverá saber se não obedecendo as normas da legislação descaracterizará ou colocará em questão o direito do livre culto.

REFERÊNCIAS:

 

Thiago Oliveira Catana e Sérgio Tibiriça Amaral CATANA, Thiago Oliveira e AMARAL, Sérgio Tibiriça. Liberdade Religiosa e seus conflitos. Presidente Prudente- SP. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1580. Acesso em: 21. Outubro 2011      

 

ZIAD, Mohamad. Islamismo, poligamia. Disponível em: http://www.islamismo.org/poligamia.htm Acesso em: 24. Outubro 2011

LUSTOSA, OTON. A lei, o costume e o direito. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/2113/a-lei-o-costume-o-direito Acesso em: 21. Outubro 2011

Artigo. O que são costume e como eles influenciam no direito? Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/pergunta.asp?idmodelo=6374> Acesso em: 24. Outubro 2011

DINIZ, Maria Helena Diniz. Conflitos de normas. Vol.1, 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

SORIANO, Aldir Guedes. A Liberdade Religiosa no Âmbito do Direito Constitucional Brasileiro. In: Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, Ribeirão Preto/sp, vol. 19, jul./2001.

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 2ª ed., São Paulo: Atlas, 1998.

"O Alcorão" - tradução de Mansour Challita ISBN 978-8-7799-168-6 -Ed. 1ª - Jan.2010

___________. Comentário Contextual à Constituição. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.