Introdução

Adotando a visão de que o “direito” é uma técnica de solução de conflitos humanos com a finalidade de obtenção da pacificação social, que não implica na paz entre as partes, mas apenas na solução estatal da divergência, vamos endereçar os nossos estudos a duas posições que se complementam. A primeira visão é a da construção de um “edifício jurídico” como fundamento e ferramenta; e o segundo é a da aplicação desse instrumento na solução dos conflitos. Em outras palavras: vamos verificar como a sociedade constrói o seu ordenamento jurídico e depois como ela faz para aplicar esse instrumental nos seus problemas.

Quando alguém estuda o direito como um conjunto de normas ele perde a visão das partes do todo. O conjunto de normas, que denominamos de ordenamento jurídico, pode ser estudado de outro modo. Devemos reconhecer que o mundo jurídico se compõe de três fases, completamente distintas, muito embora complementares, porque não existem sozinhas. Cada uma delas necessita da outra para a sua própria existência como um corpo jurídico válido e eficaz.

1. A CONSTRUÇÃO DE UM SISTEMA JURÍDICO

A “construção” do sistema jurídico se faz em três fases distintas, mas complementares: a) a primeira fase, onde estudaremos a criação da norma jurídica como instrumento eficiente da intervenção do Estado nas relações particulares; b) a segunda fase, que ocorre quando a hipótese normativa é concretizada por alguém e provoca a incidência da previsão, condicionando deôntica e coativamente a conduta das pessoas envolvidas pela relação jurídica que se criou com a realização do comportamento previsto como hipótese (antecedente) da norma e que acarreta, inexoravelmente, desde que constituída por agente competente, a aplicação do consequente; c) a terceira fase compreende a atividade atribuída ao Poder do Estado de fazer o sujeito passivo da relação jurídica cumprir com as obrigações estabelecidas por ela de forma coativa: ou restringe a liberdade ou sequestra o patrimônio.

2. O DIREITO É UMA TÉCNICA OU UMA CIÊNCIA?

Aristóteles já estabelecia a distinção entre techne e episteme. Episteme, segundo a Ética a Nicômaco, (6, 3, 1.139-b, 18 e seg), é um hábito de demonstrar a partir de causas necessárias e últimas, e portanto, uma ciência; techne, segundo a obra citada (6, 4, 1.140-a, 6 e seg) é um hábito de produzir por reflexão razoável. ”3 Na definição de Celso (Κέλσος - filósofo grego do séc. II) - ius est ars boni et aequi - o direito é uma arte (técnica) e não ciência principalmente porque a ação humana é sempre imprevisível. Atualmente há uma tendência de se imaginar o direito como uma técnica de solução de conflitos sociais, que se aperfeiçoa na sentença irrecorrível do juiz. As normas comportamentais ou organizacionais, são meros instrumentos para fundamentação das decisões. Entendido o direito com essa forma, inexoravelmente devemos distinguir que ele se realiza em três fases distintas, mas complementares. Na primeira fase, encontramos a elaboração das regras de conduta e das regras instrumentais, ambas denominadas de “normas jurídicas”4 , a primeira de natureza prescritiva, e as segundas, estruturantes do sistema jurídico, pelas quais os legisladores, devidamente capacitados por regras instrumentais anteriores, criam as denominadas normas de conduta ou hipóteses normativas. A segunda fase é o momento em que um evento qualquer social, anteriormente transformado em fato jurídico, atrai a incidência da regra deôntica, resultando no estabelecimento de uma relação entre duas ou mais pessoas, outorgando a algumas o poder de exigir de outras o cumprimento de uma obrigação. É a relação jurídica, cujo conceito foi introduzido nos estudos jurídicos por SAVIGNY5 . A terceira fase só ocorre quando a obrigação prevista na norma, e estabelecida pela incidência da hipótese normativa no evento social, é descumprida pela pessoa colocada no polo passivo da relação jurídica e surge a necessidade da intervenção do Estado para restabelecer a ordem jurídica violada pelo descumprimento da obrigação.

3. O CONCEITO DE DIREITO

Direito, tal qual a maioria das palavras por nós utilizadas em nossa comunicação, não tem um sentido preciso e determinado, podendo significar uma porção de coisas diferentes. É um termo ambíguo, como todos os demais. São raros, em nossa comunicação, os termos que denotam um único e exclusivo objeto. A maioria sofre de ambiguidade, sendo necessário estabelecer “a priori” um sentido unívoco do termo utilizado para tornar inteligível a comunicação. Nesse passo, vamos adotar, para as nossas finalidades um conceito de Direito, desprezando-se, propositadamente, todas as outras possíveis significações desse vocábulo. Vamos chamar de DIREITO a técnica de solução de conflitos sociais que se desenvolve em três estágios complementares: (i) a elaboração e criação das normas jurídicas, (ii) o nascimento das relações jurídicas pela ocorrência fática da hipótese normativa, e, (iii) a atuação do Estado, ou de alguém por ele nomeado, obrigando o sujeito passivo da relação jurídica ao cumprimento da obrigação. [...]