O TRATADO DA ARTÁRTICA

Maria Carollina Nicolini

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Introdução

 Localizada no extremo Sul do planeta e a menos de mil quilômetros da América do Sul, com capacidades econômicas ainda pouco avaliadas (ou divulgadas) temos a Antártica, continente minimamente habitado, com apenas poucas bases de alguns países e com temperaturas gélidas. O que tende a ser manter deste modo e com um futuro pacífico garantido até 1941 graças ao Tratado da Antártica de 1959. Não foi fácila atingir esse objetivo e neste trabalho veremos alguns pontos de vista históricos e políticos sobre o assunto.

 O continente e as primeiras reivindicações

   Como não há povos nativos na Antártica, a sua história é a história da sua exploração. Até meados do Século 18, não se tinha certeza da existência da Antártica, a não ser por lendas de povo indígenas que habitavam o Sul da América do Sul. Eis que com a circunavegação do globo de James Cook aumentamos o nosso conhecimento sobre o continente. Porém não temos estudos mais profundos da Antártica até o final do século XIX e tínhamos a presença do homem apenas em algumas ilhas subantárticas. Como principais exploradores podemos citar Roald Amundsen ( Norueguês) e Robert Falcon Scott (Inglês) pela conquista do Polo Sul e a posterior tentativa de Ernest Henry Shackleton (Irlandês). Eles participaram da chamada Idade Heroica da Exploração da Antártida, período assim denominado pois reconhece as adversidades que pioneiros tinham que ultrapassar, em alguns casos inclusive levando à mortes. Lembrando ainda que recursos, transportes e comunicações eram muito limitados, estavam no limite das possibilidades, nos limites de apoio logístico, de resistência física e capacidade tecnológica. Felizmente na exploração da Antártica tivemos uma série de homens que foram capazes de escrever sobre suas experiências com eloquência e sensibilidade, esta é uma das razões de que a história da exploração da Antártica continua tão popular e bem conhecida. A riqueza de registros de boa qualidade e escritos originais também torna o assunto um rico para pesquisadores e historiadores. Temos então no final do século, dois Congressos Internacionais de Geografia e a situação começa a mudar com países como os Estados Unidos e governos europeus financiando explorações. Recentemente, graças ao Tratado da Antártida 27 países mantém bases científicas e mais cientistas vem realizando expedições. 

Patrimônio comum da humanidade

  A Antártida é um patrimônio comum da humanidade, ou seja, é uma região que não está sobre o domínio direito de Estado algum e cuja preservação é de interesse de toda a humanidade. Ela pode ser usada apenas para fins de pesquisa científica pacífica, trata-se de uma “reserva natural dedicada à paz e à ciência”. Ela não pode ser explorada economicamente ou ser o palco de atividades militares. O uso da região é regulado pela Convenção da Antártica de 1961, renovada pelo protocolo de Madrid, de 1991, com vigência até 2041. Nos anos cinquenta, a Argentina reclamou o continente, alegando que se tratava de uma extensão natural de seu território. Alguns Estados industrializados fizeram o mesmo, alegando que se tratava de res nullis ("coisa sem dono" ou "coisa de ninguém”) e, portanto, teriam direito decorrente da primeira ocupação. Finalmente, o tratado de 1961 foi realizado, garantindo o direito de exploração comum. Trata-se de uma região ainda pouco conhecida, hoje ocupada por bases de diferentes Estados e até utilizada como região de turismo. 

O Brasil na Antártica

  A Antártica ou Antártida Brasileira é uma região do continente antártico de interesse pelo Brasil, localizado a sul do paralelo 60°S. Há uma suposta reivindicação brasileira, também chamada de Teoria da Defrontação. Essa "Teoria da Defrontação" (ou de enfrentação), é uma tese criada para determinar os limites dos países sul-americanos em uma futura divisão do setor antártico denominado Quadrante Antártico Sul-americano ou Antártida Americana, criada pela geopolítica brasileira Therezinha de Castro e publicada em seu livro Antártica: Teoria da Defrontação. A teoria se baseia na projeção das costas sul-americanas sobre as costas da Antártida mediante os mesmos meridianos. Os pontos costeiros mais extremos ao ocidente e ao oriente de cada país definem os meridianos que se projetariam sobre a Antártida. Leva-se em conta também as ilhas para ampliar o arco de projeção mais além das costas sul-americanas. Essa teoria, nunca foi reconhecida pelo governo apesar de ter tido razoável aceitação entre círculos militares. O Brasil jamais fez uma reivindicação territorial: por um lado porque isso traria um desnecessário conflito com argentinos e britânicos, que reivindicam o setor proposto por Castro e Carvalho, por outro, por quê o Tratado da Antártica suspende por tempo indeterminado qualquer reivindicação territorial que venha a ser feita no continente. Em 1986 o Brasil estabeleceu uma base no continente, base essa que passou a ter o nome de "Comandante Ferraz" e que serve de base para pesquisas científicas no continente. A população é de cerca de 48 pessoas no inverno e 100 durante o verão. No ano de 1975, o Brasil aderiu ao Tratado da Antártica, e sete anos depois realizou sua primeira expedição ao continente Antártico. A primeira expedição ocorreu entre os verões de 1982/1983 e com os bem sucedidos resultados da expedição, fizeram com que o Brasil, em 1984, fosse aceito como membro pleno do Comitê Científico sobre Pesquisa Antártica. Infelizmente a base brasileira foi parcialmente destruída por um incêndio no dia 25 de fevereiro de 2012.

O internacionalismo

  Entre as primeiras explorações, no início do Século 19, e a Segunda Guerra Mundial, a Antártica despertou menos interesse entre os Estados do que depois do conflito. Registram-se nesse período a organização de expedições exploratórias e a fundação de institutos de pesquisa científica. A partir da Segunda Guerra Mundial, ficou ressaltada a posição estratégica do Oceano Glacial Antártico enquanto interface de três outros oceanos: Pacífico, Atlântico e Índico, lembrando-se que o continente chegou a servir como base de submarinos alemães em seus ataques a embarcações aliadas. Durante a Guerra Fria, a Antártica não foi exceção ao conflito de fundo ideológico que dividiu o mundo entre interesses americanos e soviéticos, registrando-se incursões de ambos, e de respectivos associados, aos seus territórios insulares e continentais. Mas, o período reivindicações possessóri. A mais evidente dessas divergências ocorreu tendo de um lado a Grã- Bretanha e de outro a Argentina e o Chile, que se arvoravam em detentores de direitos sobre o mesmo território antártico – a Península Antártica e áreas circundantes. Por diversas vezes o primeiro país tentou resolver a questão levando-a à Corte Internacional de Justiça, em meio à oposição dos dois outros e a escaramuças armadas entre suas respectivas forças armadas. Um dos mais importantes fatores a impulsionar a busca por uma solução global para as reivindicações territoriais na Antártica, no entanto, foi, em 1947, a inclusão do continente como área estratégica americana pelo Tiar, já referido. Esse fato, para vários defensores de direitos territorialistas, consagrou a Teoria da Defrontação pois estabeleceu meridianos com centro no Pólo Sul como marcos para a defesa ocidental contra um eventual ataque soviético A primeira tentativa de elaboração de um estatuto internacional para a Antártica ocorreu em 1948 (um ano, portanto, após a assinatura do Tiar, e diante da ocorrência de incidentes armados entre países reivindicantes), quando os Estados Unidos convidaram Argentina, Austrália, Chile, França, Grã-Bretanha, Noruega e Nova Zelândia para discutir a questão com vistas a uma possível internacionalização do continente. A iniciativa não logrou êxito. O acirramento das tensões resultantes da Guerra Fria fez com que em todo o mundo pesquisadores com interesse na Antártica se levantassem para buscar uma forma de defender o continente de possíveis escaladas militares. Assim, inicialmente sem a participação de Estados (mas depois com a presença de representantes destes), foi instituído o Ano Geofísico Internacional (AGI), que deveria se desenvolver apenas em 1957 mas que se estendeu também por 1958.                                                                                                                                                          No AGI, cientistas de 12 países do mundo elegeram a Antártica como região para a realização de pesquisas em diferentes áreas da muito impulsionaram o conhecimento sobre o continente. De um ponto de vista político, o AGI foi importante para chamar a atenção dos Estados à importância de um estatuto que preservasse os territórios para a paz, para a ciência e para a cooperação internacional. O AGI inovou em alguns aspectos o Direito Internacional ao tempo em que foi realizado, tendo sido, em plena Guerra Fria, a primeira iniciativa a pôr em relevo todo um continente como espaço global dedicado à preservação ecossistêmica e como zona desnuclearizada. Tornou-se, por isso, um epíteto de idéias de base internacionalista.

O tratado da Antártica

  Logo após o AGI, entre 15.10.58 e 01.12.59, foram realizadas cerca de 70 reuniões de trabalho entre os participantes, ao cabo das quais estes decidiram implementar o Tratado da Antártica, também chamado deTratado de Washington devido ao fato de que a maioria dos encontros foi realizada na capital dos Estados Unidos, sob os auspícios da sua Fundação Nacional da Ciência (FNC). O Tratado da Antártica foi assinado em 01.12.59 entre os governos de 12 países que haviam participado do Havia um entendimento comum de que as bases de pesquisa instaladas no território do continente no decorrer dos estudos deveriam ser desativadas, porém a União Soviética negou-se a fazê-lo, abrindo precedente para que os demais países não apenas lá permanecessem, mas ampliassem suas presenças. Na verdade, a instalação de bases de pesquisas no continente antártico foi desde o início. A mesma autora (SILVA, 1987, p. 47) salienta que ao se examinar a localização das estações científicas estabelecidas no continente antártico é possível concluir que as mesmas têm muito mais motivação política do que científica. De fato, a maior concentração de estações é na Península Antártica ou ilhas próximas, precisamente o espaço antártico mais setentrional – e mais disputado. Inicialmente o Tratado da Antártica tomou a forma de um ‘’clube’’, com reuniões bieniais vedadas aos não signatários e em que havia necessidade de unanimidade para a tomada de deliberações, vindo a entrar em vigor em 23.06.61, quando os 12 países signatários terminaram de fazer o depósito dos instrumentos de ratificação no país depositário, os Estados Unidos. As decisões consultivas do Tratado da Antártica já resultaram em normas de ampla aceitação internacional, como foi o caso das Medidas Acordadas para a Conservação da Fauna e Flora Antárticas, em 1964, da Convenção para Conservação das Focas Antárticas, em 1972, e da Convenção Sobre a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos, em 1980. Admitindo-se a existência do referido ‘’legislativo’’, que tem como membros representantes de Estados, poderá ser preciso admitir também a existência de um ‘’executivo’’, formado por outro órgão, não-governamental e integrado por cientistas de todo o mundo engajados na pesquisa antártica:  O scar.

  O Scar é composto por grupos de trabalho distribuídos por várias áreas da ciência: Biologia, Biologia Humana, Medicina, Física da Atmosfera Superior, Geodésia e Cartografia, Geofísica da Terra Sólida, Geologia, Glaciologia, Logística, Meteorologia e Oceanografia. Suas reuniões são bieniais e realizadas em geral nos anos seguintes às reuniões consultivas. Seus membros são escolhidos pela comunidade científica internacional. Há comitês nacionais do Scar nos países-membros do Tratado da Antártica, sua sede é no Instituto de Pesquisa Polar Scott da Universidade de Cambridge, na Grã-Bretanha, e suas atividades entre as reuniões bieniais consistem de troca de informações sobre atividades científicas e prestação de consultoria a governos. Entre várias outras realizações, o Scar executou dois programas científicos internacionais, o primeiro o Biomass (do inglês, Biological Investigation of Marine Antactic Systems) e o Amrea (do inglês, Environmental Impact Assestment of Mineral Resource Exploration and Exploitation in the Antarctic). É possível considerar, assim, que o Tratado da Antártica seja constituído de dois órgãos, um deles governamental e outro não-governamental, que atuam de forma sistêmica e que, tendo inovado na concepção de um enorme espaço territorial destinado à paz, à ciência e à cooperação internacional, corporificou uma ideologia internacionalista – que busca a manter o continente preservado e internacionalizado - à qual se opõe a ideologia territorialista – que acredita poder repartí-lo entre Estados. Nos termos da Convenção Sobre Direitos dos Tratados, firmada em Viena em 1969, o Tratado da Antártica poderia ser considerado uma organização internacional, posto que pressupõe como uma de suas partes constitutivas uma organização.

Referências

1. http://www2.mma.gov.br/sitio/

2.http://www.coolantarctica.com/Antarctica%20fact%20file/History/T he_heroic_age_of_Antarctic_exploration.php

3. Borchgrevink, Carstens. First on the Antarctic Continent. [S.l.]: George Newnes Ltd, 1901.

4. Site oficial do Programa Antártico Brasileiro: http://portal.cnpq.br/programasespeciais/proantar/index.htm

5. IZAGUIRRE, Irina e MATALONI, Gabriela. Antártida, descubriendo el Continente Blanco, p.24.Ediciones Caleuche. S. C. de Bariloche, 2000

6. Encyclopedia of the antartic, Volume 1 by Beau Riffenburgh

7. CAPOZOLI, Ulisses 1995, p.362

8. VARELLA, Marcelo. Direito Internacional Público. 4ª edição