Existem alguns registros na História da humanidade de várias formas de dificuldades ou pesares, sendo alguns destes trazidos por pestes e epidemias – ou pandemias, a depender das dimensões alcançadas na Terra – que causaram estragos, desesperos e perdas para muitos seres humanos, surpreendidos, às vezes, com formas de vidas (vírus, bactérias etc.) microbianas que tem poderes devastadores na vida ou no organismo dos seres humanos. A peste negra, a gripe russa, a gripe espanhola, são alguns dos exemplos de enfermidades que trouxeram perdas, angústias e alardes no decorrer dos séculos; umas mais outras menos. De qualquer forma todas indesejáveis, para muitos, ou para a maioria, pelas as mais diversas razões. Ou apenas uma única razão.

Certamente, de todas as pandemias ou calamidades de saúde pública registradas pela História uma delas é a “peste negra” (peste bubônica), doença causada pela picada da pulga do rato – ou por pessoas já infectadas pela pulga (bactéria Yersinia pestis ) – que causou a morte de milhões de seres humanos. Estima-se que cerca de 1/3 da população da Europa foi a óbito, com o advento de tal enfermidade que foi a primeira, quiçá, catalogada pela História e a Medicina, na segunda metade no século XIV, com um número estimado em mais de 25 milhões de mortes, segundo a coleta de dados de alguns historiadores, médicos; em livros, artigos...

 

A peste, em Florença, não teve o mesmo comportamento que no Oriente. Neste, quando o sangue saía pelo nariz, fosse de quem fosse, era sinal evidente de morte inevitável. Em Florença, apareciam no começo, tanto em homens como nas mulheres, ou na virilha ou na axila, algumas inchações. Algumas destas cresciam como maças; outras como um ovo; cresciam umas mais outras menos; chamava-as o populacho de bulhões. Dessas duas referidas partes do corpo logo o tal tumor mortal passava a repontar e a surgir por toda parte.

[...]

O que se poderia dizer ainda – pondo-se de parte do condado, para se tornar a tratar da cidade –, a não ser que a crueza do céu foi de tal monta e tanta, e quiçá também o tenha sido, em parte, a crueldade dos homens, que, no período que vai de março a julho, mais de 100. 000 pessoas é certo que foram arrebatadas da vida, no circuito de muros da cidade de Florença? Nesse número estão incluídos tanto aqueles que foram levados pela força da pestífera doença, como aqueles que, doentes, foram mal atendidos, ou abandonados às contingências, em razão do medo que os sãos alimentavam.[1]

 

Outra derrota que atingiu a humanidade foi a “gripe russa”, dos anos de 1889 a 1890, com registros históricos que indica sua origem em Bukhara (Uzbequistão nos dias de hoje), que com o passar do tempo se disseminou pelos demais continentes – Europa, África e América. Acredita-se que tudo isto em um período de 3 meses, causando um número estimado entre 1 a 1,5 milhão (um milhão e meio) de mortes em todo o mundo.

Já em 1580, existem relatos da primeira pandemia de gripe, que se espalhou por Ásia, Europa, África e América. Séculos depois, em 1889, a Gripe Russa foi a primeira a ser documentada com detalhes, com proliferação inicial de duas semanas sobre o Império Russo e chegando até o Rio de Janeiro. Ao todo, 1 milhão de pessoas morreram por conta de um subtipo da Influenza A.[2]

Sem nos atermos a outras pestes, ou pandemias e/ou patologias, outra enfermidade que assolou e açoitou os povos do mundo foi a “gripe espanhola” (mesmo que não tenha se originado na Espanha), a qual predominou dos anos de 1918 a 1919 (ponto culminante da Primeira Guerra Mundial), e levou o mundo a perder mais ou menos 100 milhões de seres humanos – ou mesmo desumanos, pois a humanidade não composta só por bons seres humanos – em pouco tempo, uma quantidade de óbitos que superou todas as pandemias de outrora.

 

A chamada gripe espanhola — que nada tem de espanhola — matou de 50 a 100 milhões de pessoas em 1918 e 1919. Esse número representa mais mortes do que o montante provocado pelas duas grandes guerras juntas. Mais do que a aids causou em 40 anos. Foi e ainda é a maior pandemia de que se tem notícia. E o Brasil não passou ileso por ela. Por aqui foram cerca de 35 mil óbitos, entre eles o do presidente da época, Rodrigues Alves (1848-1919).[3]

Passadas algumas décadas, a sociedade se depara outra vez com um micro-organismo e patógeno letal (o coronavírus) que apresentam sintomas, apenas alguns, semelhantes aos do passado, trazendo, inclusive, como resultado morte, conforme o histórico de vida, a imunidade, a alimentação etc. Até agora a Organização Mundial da Saúde já contabiliza cerca de mais de 411 mil falecimentos em todo mundo, provocados por este micróbio aterrador nos dias atuais, desde que ele foi identificado na China, na cidade de Wuhan, em 2019, e espalhado pelos demais continente, sobretudo em 2020, com as viagens para turismo, os intercâmbios estudantis, as viagens de cunho comerciais etc.

Algumas mudanças foram já identificadas e registradas, como, por exemplo, a diminuição da poluição atmosférica; a redução da poluição sonora; a melhora do fluxo do trânsito das grandes cidades ou capitais, com seus congestionamentos; a economia com a manutenção da limpeza de regiões ou áreas praieiras etc. etc.

Mas um fato interessante é como as pessoas estão reagindo e se comportando perante o clamor ou desespero causado por esta forma de vida microscópica (vírus) e mortal, numa sociedade, ou num mundo, tão individualizada, nos mais diversos sentidos, e dividida. Apesar de seguir a uma lógica e doutrina muito antigas, pessoas e/ou empresas (grandes empresas e seus empresários) estão fazendo uma coisa admirável e valorosa: dividindo, ou partilhando, ou repartindo aquilo que possuem em abundância. Quem sabe para viver por toda existência.

Grandes empresas, conhecidas – ou mesmo desconhecidas –, têm se revelado solidárias, fraternas ou até mesmo humanistas, fazendo as mais diversas formas de doações para os famulentos e mais famintos deste País, doando dinheiro, medicamentos, álcool gel, álcool 70°, alimentandos, aparelhos e tecnologias e outras coisas que não mencionaremos para não nos delongarmos.

Estas pessoas estão pondo em prática, por incrível que pareça, antigos ensinamentos deixados por algumas doutrinas e homens, como por exemplo, o taoísmo, o budismo, o hinduísmo, o confucionismo… E quem sabe efetivando, com algumas diferenças, o próprio pensamento do comunismo, no melhor sentido do termo, pois os mais opulentos estão doando – de forma valiosa e digna de reconhecimento – uma parte daquilo que possuem para socorrerem a desvalidos, seja pela política, seja pela economia etc.

Em um mês, famílias e grandes empresas doaram quase R$ 2,7 bilhões para ajudar no combate ao coronavírus – valor equivalente ao orçamento mensal do Bolsa Família. Segundo o Monitor das Doações, atualizado diariamente pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), em uma semana o valor cresceu quase R$ 500 milhões, com a diversificação do destino. (grifo meu).

Cerca de 70% do montante doado é para financiar a saúde durante a pandemia. Mas, com o passar do tempo e os reflexos da paralisia econômica na renda das famílias e dos pequenos empreendedores, parte das doações começou a ser destinada a comunidades carentes e ao apoio a micro e pequenas empresas, diz o diretor executivo da ABCR, João Paulo Vergueiro. “Tem havido um aumento das doações com a finalidade de gerar renda para a população.”[4]

 

Conforme a leitura de uma das máximas (ou ideias) disseminadas pelo modo de produção comunista ou pelo marxismo (nem sempre pelos marxistas), seria necessário que se dividisse as riquezas – depois de multiplicadas – com todos aqueles que produziram a ela, desta forma evitando-se tantas misérias pela falta de recursos de uns e a grande quantidade acumulada de outros, desta forma causando-se diferenças imensuráveis nas condições de vida dos trabalhadores.

Indo além disto, ou mais do que isto, nossos semelhantes (mesmo que mais ricos ou opulentos) estão realizando dações em dinheiro – mesmo correndo riscos de desvios pelos gestores públicos, com as devidas exceções – e tantos outros bens ou riquezas (como os aparelhos para respiração) essenciais e vitais para cada necessitado ou flagelado. Sem tomar dos ricos suas propriedades, já que eles devem ficar, gozar, usufruir delas, por pertencer a eles, certamente.  Mas apenas, quiçá, fatiando-as ou repartindo-as com aqueles que clamam em estado de calamidade, de forma a minimizar as agruras e pesares vividos neste mundo por incontáveis.

Neste sentido, das melhores ideias marxistas, bastava que alguém que tem anualmente um lucro real de 10 milhões de reais, todos os anos, chamasse seus multiplicadores e doasse, de forma equitativa, 2 milhões para seus funcionários (um valor de 20% do total lucrativo). Um empresário que tivesse 20 milhões de lucro líquido, sem mais despesas algumas, conseguisse se desprender de 4 milhões de reais para partilhar com sua mão de obra (seus empregados). Imaginemos que uma empresa tivesse um ganho real de 2 milhões de reais (2.000.000,00), líquido, constante a cada ano, um grupo de funcionário de 10 (dez) pessoas e no final do ano seu empresário, ou dono, dividisse em partes iguais R$ 400,000,00 (quatrocentos mil reais), equivalente a 20% do lucro final, com os dez operários, dando um valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para cada um. Sobrando, ainda, para o proprietário da empresa o valor de 1.600.000,00 (um milhão e seiscentos mil reais) líquidos. Certamente, isto se repetindo todos os anos, o empresário jamais iria ser superado por seus funcionários, em nível de riquezas, pois seria sempre tido como milionário, uma vez que seu capital só estava aumentando a cada ano; quem sabe seus multiplicadores ou colaboradores cada vez mais ficassem dedicados e satisfeitos, consequentemente mais produtores, mesmo que quarenta mil reais não se aproximem, jamais, de um milhão de seiscentos mil reais; nem mesmo R$ 400.000,00. Isto porque se multiplicarmos 40.000,00 por 10 (bônus recebido por anos de trabalho, no final do ano), um trabalhador de tal empresário teria – além dos seus salários mensais – um valor de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), enquanto que seu patrão ou empregador, acumulando um lucro certo e constante de um milhão e seiscentos no mesmo tempo, todos os finais de ano, teria uma soma em dinheiro de R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais) líquidos. Ou seja, sempre iria superar em muito. Mas, de qualquer forma, nenhum operário conseguiria, possivelmente, poupar e acumular R$ 400.000,00 num período de 10 anos, sem nunca mexer nele, já que assalariados estão sempre necessitados ou carentes de alguma coisa ou bem importante (habitação decente, alimentação digna, meio de transporte próprio, instrução de qualidade para os filhos - já que eles mesmo não tiveram - e outros bens materiais desejáveis por todos). Sendo oportuno salientar que as riquezas - ou o capital - dos mais opulentos devem ser preservadas e multiplicadas, claro, pois o estado de pobreza ou as misérias extremas a ninguém faze bem. Que se aumentem as riquezas da sociedade, reduzindo-se seus famintos e famulentos.

Certamente, tudo isto que esta sendo feito por homens de grandes propriedades ou riquezas é algo que estar impressionando a muitos, aqui, ali e alhures, promovendo-se satisfação e felicidades para incontáveis necessitados ou miseráveis, no sentido econômico do termo. Principalmente aos mais humildes ou carentes, seja no Brasil, seja no exterior. Doar, como estar sendo feito, uma parte daquilo que se tem bastante para se minimizar as misérias daqueles que têm bastante escassez (de pão, de chão, de alimentação, de medicação, de lazer, de instrução...) além de louvável e gratificante, para alguns, também pode ser transformador de um mundo carente ou necessitado de valores (sem preço) espirituais, emocionais, mentais, humanos, esquecidos ou desprezados ao longo dos séculos que se passaram. Valores estes que o taoísmo, o budismo, o hinduísmo e tantos outros “ismos” já comentavam, ensinavam, discutiam nas sociedades primitivas, como a China, a Grécia e a Índia dos séculos V ou VI antes do cristianismo existir, como forma de apaziguar as agruras e carências da humanidade. A riqueza é, como tantas outras coisas são, uma grande dádiva e neste mundo que vivemos ela pode ser vital ou essencial, conforme a condição humana de cada um, logo ninguém pode, ou deve, querer destruí-la ou acabar com os mais ricos, pois de uma empresa a uma igreja todos precisam dela; inclusive os indivíduos e as famílias. 

Em uma música com o título “O dia em que a terra parou”, Raul Seixas (cantor, compositor, filósofo, “visionário”, talvez), parece ter antevisto, em 1977, os fatos que estão ocorrendo hoje, os quais afetaram a todos, ou quase todos, ou, ainda, a muitos, no sistema produtivo em todos os continentes, contudo, mesmo assim, outro também grande cantor e compositor, Gonzaguinha, compôs no final dos anos 80 a música “Gentileza”, a qual diz: “nem tudo apodrecido de modo que se possa dizer nada presta, nada presta; nem todos derrotados de modo que não dê pra se fazer uma festa, uma festa [...]”.[5]

 

Referências

BOCCACCIO, Giovani. Dacamerão. Tradução: Torrieri Guimarães. São Paulo: Nova Cultural, 2002.

CAMPOS, Flávio de. A escrita da História: ensino médio. Vol. único. 1ª ed. São Paulo: Escala Educacional, 2005.

FARIA, Ricardo de Moura. História. Vol. 1. Belo Horizonte, MG: Editora Lê, 1989.

MORAES, José Geraldo Vinci de. História geral e do Brasil. Vol. único. 1ª ed., 3ª reimpressão. São Paulo, Atual, 2003.

 

Publicações eletrônicas

As principais pandemias dos últimos séculos. Disponível em: https://www.qualittas.com.br/blog/index.php/as-principais-pandemias-de-gripe-dos-ultimos-seculos/. Capturado em: 11 jun. 2020.

Doações de empresas somam 2,7 bilhões. Disponível em: https://jornaldebrasilia.com.br/economia/doacoes-de-empresas-somam-r-27-bilhoes/. Capturado em 10 jun. 2020

Doações de empresas somam 2,7 bilhões. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,doacoes-de-empresas-somam-r-2-7-bi,70003276566. Capturado em: 11 jun. 2020.

Doações de empresas somam 2,7 bilhões. Disponível em: https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/economia/2020/04/735253-doacoes-de-empresas-somam-r-2-7-bilhoes.html. Capturado em 11 jun. 2020.

GONZAGUINHA. Gentileza. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=j5cewnEzcFY. Capturado em: 22 jun. 2020.

Gripe: quais foram as maiores epidemias da História. Disponível em: https://saude.abril.com.br/medicina/gripe-quais-foram-as-maiores-epidemias-da-historia/. Capturado em: 11 jun. 2020.

Gripe espanhola: 100 anos da mãe das pandemias. Disponível em: https://saude.abril.com.br/blog/cientistas-explicam/gripe-espanhola-100-anos-da-mae-das-pandemias/. Capturado em: 10 jun. 2020.

Peste negra. Disponível em: https://www.historiadomundo.com.br/idade-media/peste-negra.htm. Capturado em: 12 jun. 2020.

Pandemias na história: o quê há de semelhante e de novo na Covid-19. Disponível em:  https://www.sanarmed.com/pandemias-na-historia-comparando-com-a-covid-19. Capturado em: 12 jun. 2020.

Pandemias de influenza e a estrutura sanitária brasileira: breve histórico e caracterização dos cenários. Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/pdf/rpas/v7n1/v7n1a02.pdf. Capturado em 12 jun. 2020.

 

[1] BOCCACCIO, Giovani. Dacamerão. Tradução: Torrieri Guimarães. São Paulo: Nova Cultural, 2002, p. 10-14.

[2]Pandemias na história: o quê há de semelhante e de novo na Covid-19.. Disponível em:  https://www.sanarmed.com/pandemias-na-historia-comparando-com-a-covid-19. Capturado em: 12 jun 2020.

[3]Gripe espanhola: 100 anos da mãe das pandemias. Disponível em: https://saude.abril.com.br/blog/cientistas explicam/gripe-espanhola-100-anos-da-mae-das-pandemias/. Capturado em: 10 jun. 2020.

[4] Doações de empresas somam 2,7 bilhões. Disponível em: https://jornaldebrasilia.com.br/economia/doacoes-de-empresas-somam-r-27-bilhoes/. Capturado em 10 jun. 2020.

[5] O cantor e compositor Gonzaguinha, compôs a música “Gentileza” no final dos anos 80, porém a mesma só tornou-se pública ou conhecida em 1992, já depois de sua morte, em lançamento do CD “Cavaleiro Solitário”, num trabalho produzido pela Som Livre. Está música e mais 14 grandes sucessos do autor podem ser vistas, e ouvidas, no compact disc “Gonzaguinha”, Coleção Perfil, 2004.