A teoria de sistemas no conceito de justiça e direito para Alf Ross 

Fabiano Abrão Martins De Fraia Souza, advogado formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sócio do escritório GM Carvalho & Fraia Advogados, pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD) e mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

 

Resumo

Alf Ross nasceu na Dinamarca, em 1899, filho de um procurador do Ministério das Finanças com uma dona de casa. Iniciou seus estudos do Direito em 1917 e em 1922 prestou o exame necessário aos juristas. Em 1924, chegou a Viena e tornou-se aluno de Hans Kelsen, quem muito influenciou sua forma de pensar. Sua tese de doutorado foi publicada em 1934, intitulada “uma crítica aos fundamentos teóricos da ciência do direito” e começou a lecionar no ano seguinte. O autor é considerado um dos criadores do realismo jurídico escandinavo. Assim, no presente artigo é abordado o conceito de justiça e direito para o autor escandinavo, que para muitos pensadores da área do direito é uma referência mundial no campo da teoria geral do direito.

 

Palavras-chave: Alf Ross; crítica aos fundamentos do direito; realismo jurídico.

 

Abstract

Alf Ross was born in Denmark in 1899, the son of a Ministry of Finance attorney with a housewife. He began his studies in Law in 1917 and in 1922 took the mandatory examination to jurists. In 1924, he arrived in Vienna and became a student of Hans Kelsen, who greatly influenced his way of thinking. His doctoral thesis was published in 1934, entitled “a critique of the theoretical foundations of the science of law” and he began reading the following year. The author is considered one of the creators of Scandinavian legal realism. Thus, this article addresses the concept of justice and law for the Scandinavian author, who for many thinkers in the area of law is a world reference in the field of general theory of law.

Keywords: Alf Ross; criticism of the fundamentals of law; legal realism

Sumário

  1. Introdução. 2. Direito e justiça: ideias principais. 2. A ideia de justiça. 3. O Utilitarismo e a Quimera do bem-estar Social. 4. Ciência e Política. 5. O domínio e a tarefa da política jurídica. Ginástica. 6. O papel da consciência jurídica na política jurídica. 7. Conclusão. 8. Referência

 

1.  Introdução

De certa maneira, o autor escandinavo, objeto do presente artigo, Alf Ross, nos explicita e com maestria nos ensina sobre a velada teoria do realismo jurídico escandinavo. Ou seja, na maioria das vezes o Direito nasce das próprias decisões do Poder Judiciário e não como deveria ser no mundo ideal – por meio das leis criadas pelo Poder Legislativo. Tem-se, portanto, para-Ross que é um pensador da corrente positivista e admirador de Hans Kelsen, afrima que a lei não possui condão de realizar o Direito, mas que esse se realiza em cada decisãodo Poder Judiciário – portanto é o órgão que efetivamente realiza o surgimento do Direito. Ora, tomando como base e parametron tal ensinamento, temos bastante claro que tal teoria fica mais forte ainda quando reforçamos a ideia de que a ponta do Poder Judiciário – ou seja, cada juiz e magistrado teremos o Direito no caso concreto. Portanto, de maneira rasa e introdutório, temos que para Alf Ross o Direito surge de cada decisão, cada sentença, cada ato do Poder Judiciário como um todo e, assim, temos o surgimento do Direito.

 

  1. Direito e justiça: ideias principais

De acordo com o prefácio da obra Direito e justiça, seu objetivo é “levar no campo do direito os princípios do empirismo às suas conclusões últimas”, o que significa exigir do estudo do direito os “padrões tradicionais de observação e verificação que animam toda a moderna ciência empirista, e a exigência analítica das noções jurídicas fundamentais serem interpretadas obrigatoriamente como concepções da realidade social”.

Segundo o autor, “o problema da natureza do direito é o problema de como interpretar o conceito de direito vigente como uma parte constitutiva integrante de toda proposição do estudo doutrinário do direito ou da ciência do direito. O objeto da filosofia do direito não é o direito, nem qualquer parte deste, mas a ciência do direito, olhando-a ‘de cima’”.

Para Alf Ross, as leis são promulgadas com o objetivo de dirigir as pessoas a agirem de uma certa maneira desejada, de modo que as regras jurídicas não são verdadeiras ou falsas, mas diretivas e objetivam prescrever comportamentos. Diante disso, considera o ordenamento jurídico como um de conjunto de regras para o estabelecimento e funcionamento do aparato de força do Estado, enquanto a “ciência jurídica” não poderia ser separada da “política jurídica” porque a descrição científica estaria imbuída de elementos políticos.

Para Alf Ross, a interpretação do direito é política jurídica e não ciência do direito, o que lhe faz concluir que Alf Ross aborda os aspectos sintáticos, lógicos, semânticos e pragmáticos dos problemas da interpretação do direito. Com isso pretende ele revelar o real alcance da administração da justiça praticada pelos magistrados, independentemente dos “critérios” interpretativos, e tendo em vista a “eterna” tensão entre a vontade subjetiva do legislador e a vontade objetiva da lei.

É contundente a insistência de Alf Ross no dever de conhecer a jurisprudência e a prática dos tribunais, de sorte que somente assim seria possível estabelecer um eventual critério seguro de como o direito realmente tem funcionado e como poderá vir a funcionar na solução de problemas futuros.

Alf Ross discorre sobre os postulados da “consciência jurídica” e nos convida a refletir sobre o papel social desempenhado pelo jurista na defesa dos interesses políticos refletidos no ordenamento jurídico e na prática dos tribunais, e acusa o jurista de estar à disposição de quem segura as rédeas do poder.

 

2. A ideia de justiça

O Capítulo XII inicia-se com a crítica de Ross ao pensamento do direito natural de que haveria em nossa consciência uma ideia simples e evidente – a ideia de justiça, que seria o princípio mais elevado do direito em oposição à moral. A ideia de justiça seria simples e clara enquanto dotada de poderosa força motivadora, de forma a delimitar e harmonizar os desejos e interesses conflitantes na vida em sociedade. Ao se considerar que os problemas sociais decorrem da distribuição, “o postulado de justiça equivale a uma exigência de igualdade na distribuição ou partilha de vantagens e cargas”, e, nesse sentido, seria a justiça seria a própria igualdade.

Ocorre que, a aplicabilidade do princípio da justiça como igualdade significaria que todos deveriam estar no mesmo patamar que os demais, o que não é possível em virtude das diferenças pessoais e reais de cada indivíduo. Deste modo, Alf Ross conclui que a “exigência de igualdade deve ser compreendida, portanto, num sentido relativo, isto é, como uma exigência de que os iguais sejam tratados da mesma maneira” (fls. 315).

Por consequência, as distinções deverão ser feitas por meio de parâmetros que permitam estabelecer a qual categoria cada membro da sociedade pertence, a fim de que seja aplicada a sua igualdade em conformidade com os demais membros. São esses os critérios apresentados pelo autor:

 

  1. a cada um segundo seu mérito – critério pelos méritos e valores morais de uma pessoa;
  2. a cada um segundo sua contribuição – contribuição de cada um na economia social (MARX – relação entre trabalho e remuneração);
  3. a cada um segundo suas necessidades – cada um contribui de acordo com a sua capacidade e recebe de acordo com sua necessidade;
  4. a cada um segundo sua capacidade – utilizado para a distribuição de cargas e não vantagens (ex. imposto de renda); e
  5. a cada um segundo sua posição e contribuição – princípio aristocrático que justifica distinções sociais.

 

Percebe-se que a exigência da igualdade, então, deverá ser complementada por um critério material capaz de determinar qual norma será aplicada em qual classe, sem que haja a exclusão de uma diferenciação entre pessoas que se encontram em situações distintas. Para Ross, justiça então pode ser expressa como “uma exigência de racionalidade no sentido de que o tratamento dado a uma pessoa deve ser pré-determinável por critérios objetivos, estabelecidos por regras dadas” (fls. 318).

Essa exigência formal de racionalidade ou regularidade decorre do elemento da exigência pura da igualdade, mas tal não é capaz de justificar porque uma regra é preferível à outra, estando satisfeito o requisito apenas pela sua aplicação, ainda que o legislador seja orientado para escolher a regra “correta”. Diante disso, não é possível discutir a justiça racionalmente com aquele que apenas a invoca sem argumentos, posto que é possível advogar a favor de qualquer postulado em nome da justiça, já que carente de significado (ex. pancada na mesa).

Alf Ross analisa teorias da filosofia do direito e as critica sempre com base na impossibilidade de se tratar a justiça como algo abstrato e carente de conteúdo. Avalia a teoria de Leonard Nelson e que é caracterizada por três elementos: (i) a norma de ação é restritiva porque nos coloca limites à liberdade; (ii) esses limites consistem na necessidade de se levar em conta os interesses dos demais; e (iii) a exigência de pesar os interesses. Tais fatores levam à seguinte definição da norma de justiça: “nunca ajas de tal maneira que não aprovasses tua ação se todos os interesses afetados fossem os teus” (fls. 323).

Ora, é impossível considerar os interesses de outrem como próprios, de modo que, segundo Ross, Nelson equivoca-se ao acreditar na possibilidade de ponderação dos interesses dados e ao falar dos interesses como se fossem determináveis pelo valor objetivo dos benefícios correspondentes (o que na prática se reputa impossível).

Para Alf Ross, “a ideia de justiça se resolve na exigência de que uma decisão seja o resultado da aplicação de uma regra geral” (fls.326), não podendo ser reduzida a um padrão ou um critério para julgamento da norma. Reputar uma norma como injusta nada mais é do que expressar a emoção em face de uma reação a ela desfavorável.

Isso, no entanto, não significa que não exista relação entre a ideia de justiça e o direito positivo: (i) qual o papel a ser desempenhado pela ideia de justiça na formação do direito positivo? e (ii) qual o papel desempenhado pela ideia de justiça na sua administração, devendo ser entendida como uma exigência de que a decisão do caso individual deve aplicar corretamente o direito?

No tocante à primeira indagação, Alf Ross afirma que seria impossível falar em ordem jurídica sem racionalidade de modo a pressupor a possibilidade de interpretação das ações humanas como coerentes e previsíveis, o que nem sempre acontece. Nesse passo, o formalismo afigura-se como problema na medida em que nem sempre o desenvolvimento social é acompanhado pela mudança na legislação (equidade X norma).

Com relação à segunda indagação, há que se lembrar que nenhuma situação enseja uma aplicação única da lei, havendo sempre margem de extensão variável. Qual, no entanto, seria essa margem? O que é “típico, normal”, ou seja, quando cabe dentro de princípios de interpretação ou valorações correntes na prática.

Ao final, Alf Ross conclui que “se diz-se que a exigência de igualdade não deve ser tomada em sentido formal, mas que o fato decisivo é se a limitação ocorre de acordo com características distintivas que estejam bem fundadas, que sejam razoáveis ou justas”(fls. 334).

 

3. O utilitarismo e a Quimera do bem-estar social

O direito tem como meta realizar o ideal de justiça. Alf Ross critica o pensamento do utilitarismo de Bentham que estabelece que “todo esforço humano é um esforço em busca do prazer” (fls. 337), de modo que as ações de cada um são tal a fim de que a soma total de felicidade no mundo seja a maior possível. “O princípio do utilitarismo, no seu último aspecto, se apoia na pressuposição de que em toda situação prática nossa escolha pode ser reduzida a uma escolha racional entre montantes quantitativos, medidos em termos de prazer” (fls. 339).

Isto pois as nossas necessidades e desejos diferem qualitativamente e são mutuamente incomensuráveis, sendo que o único critério concebível para chamar um bem de maior do que o outro é a preferência por aquele bem, o que, no entanto, também pode ter sido chamado de maior justamente porque preferido.

Diante disso, “a incomensurabilidade das necessidades não permite uma maximização quantitativa. Por isso, o princípio utilitarista é inaplicável em situações de conduta nas quais haja competição de muitas necessidades (interesses, considerações) qualitativamente diferentes” (fls. 340).

Os defeitos fundamentais do utilitarismo (incomensurabilidade das necessidades e desarmonia dos interesses) são contornados (mas não superados) pela introdução do conceito de sociedade como um sujeito único cujo bem-estar deve ser promovido na maior medida possível, em resultado da necessidade da consciência de ter um princípio de ação absoluto (fls. 342).

 

4. Ciência e Política

Pressupõe-se que cabe à política jurídica descobrir o direito correto e válido, sendo este problema resolvido cognoscitivamente pelo estabelecimento de certos princípios gerais na qualidade de diretrizes para apreciar a retidão (justiça) do direito positivo, de tal modo que o princípio da política jurídica seria um conhecimento compreensivo e simultaneamente uma exigência. Conhecimento por apreensão dos princípios válidos que o direito tem que satisfazer para ser correto e exigência porque reclama do legislador que aja em conformidade com esses princípios.

Segundo Ross, “o conhecimento jamais poderá motivar uma ação, porém, pressupondo um dado motivo (interesse, atitude), ele pode dirigir a verdade” (fls. 346), concluindo-se que todo motivo para a ação surge por necessidade desses fatores irracionais. Nesse sentido, explica que os fatos só ganham relevância ao serem colocados em relação com um interesse ou atitude que é independente deles.

Toda ação está condicionada a dois fatores: as crenças do agente e suas atitudes. A crença deve ser entendida como toda ideia sobre a realidade que o seu sujeito julga verdadeira, ou, ao menos, provável. A atitude, por sua vez, deve ser compreendida como o fenômeno de consciência volitiva e emocional que é a fonte de toda atividade consciente.

Alf Ross crê que “todos os métodos para lograr acordos práticos são intervenções técnicas que se propõem a influir de forma causal sobre a outra parte visando a alterar seu ponto de vista” (fls. 354), sendo que a eficácia do argumento não depende tanto das verdades da asserção, mas deste fazer parte da crença do oponente. São apresentadas diversas táticas de persuasão.

Após, o autor volta a tratar do papel da ciência mediante a premissa de que é tarefa desta “estar a serviço da argumentação racional, suprindo-lhe asserções cientificamente sustentáveis e excluindo, mediante discriminação crítica, as que não são capazes de resistir a um teste científico” (fls. 363), concluindo que a persuasão se encontra fora da ciência.

Com relação à tarefa política, diz Ross que está sempre terá como referência uma multiplicidade de atitudes que não constituem um sistema mas um conglomerado, de modo que deve ser considerada uma tarefa de integração, um ajuste de considerações incomensuráveis. A decisão política, então, terá o caráter de uma resolução e não de solução (“a ciência social jamais pode pretender uma solução, quer dizer, uma diretiva que brote inequivocamente do objetivo dado em conexão com o conhecimento técnico” – fls. 371).

Nesse passo, a tarefa política não pode ter início da mesma forma que as ciências naturais porque não encontra suas premissas no mesmo estado de elaboração e clarificação, sendo necessária uma investigação da compatibilidade dos diversos objetivos. Somente após poderão ser formuladas premissas hipotéticas, a lista de considerações e objetivos políticos.

“Analisando o papel da ciência e da política na teoria geral do direito, Ross conclui que a teoria política tem sido analisada somente à luz do absolutismo filosófico e do racionalismo. A ação política é considerada um problema relacionado com a discussão política, isto é, busca-se encontrar uma maneira de determinar, em relação aos princípios racionais, qual é a ação correta”.

 

5. O Domínio e a Tarefa da política Jurídica

A tarefa específica da política jurídica e que a distingue das outras políticas é que “o direito tem o seu objetivo em si mesmo: aperfeiçoar a ideia de justiça a ele inerente”, de modo que não é determinada por um objetivo específico, mas por uma técnica específica: “abarca todos os problemas práticos que surgem do uso, para o atingimento de objetivos sociais, da técnica do direito, em particular da legislação” (fls. 376).

Ocorre que, ao assim ser definida, a política jurídica acaba por ocupar um domínio muito mais amplo do que aquele que é comumente legitimado como campo de um jurista. Trata-se de mais uma evidência de que a natureza da política jurídica não pode ser buscada num objetivo específico (ex. medicina), de modo que sua posição deverá ser invertida, “condicionada por um corpo particular de conhecimento que é relevante logo que a técnica do direito seja empregada para a solução de problemas sociais” (fls. 377).

Segundo Alf Ross, a política jurídica abrange, na prática, quatro elementos: (i) os problemas especificamente técnico-jurídicos de natureza sociológica-jurídica; (ii) os outros problemas políticos ligados àqueles que, na realidade, pertencem ao campo profissional de outros especialistas; (iii) a atividade de pesar considerações e decidir como árbitro de especialistas; e (iv) a formulação linguística da decisão (fls. 379/80). A política jurídica serve de guia não só para o legislador, mas para todos os operadores do direito, e em especial, o juiz.

A primeira tarefa da política jurídica é a “enunciação de premissas, ou seja, o estudo dos objetivos e atitudes que, de fato, predominam nos grupos sociais influentes e determinantes para os órgãos legislativos” (fls. 383), devendo ser examinadas as ideologias e plataformas políticas. Problema a enfrentar é que as exigências dos diversos grupos sociais são conflitantes, motivo pelo qual será preciso “buscar as premissas em um nível mais elevado, na tradição cultural, no corpo de ideias compartilhadas relativamente permanentes” (fls. 384).

Diante disso, o espírito com o qual se deve empreender tal investigação é decisivo, sendo necessária a consciência de que as diretivas político-jurídicas adotadas deverão estar necessariamente baseadas em fatos e atitudes pressupostas, devendo as premissas emocionais ser eleitas de forma objetiva (sem qualquer expressão do próprio credo ou vontade do investigador).

A segunda tarefa é a formulação de conclusões após a investigação político-jurídica.

Tais conclusões serão alcançadas após a descrição dos fatos sociais a fim de que sejam definidas as “correlações causais sociais que são operativas em relação às premissas” (fls. 386), e que serão operativas em relação às premissas ao serem formuladas conclusões sob a forma de diretivas (uma recomendação, um conselho) ao legislador ou juiz (e não como conclusões científicas revestidas de autoridade), sendo este o terceiro e último elo da investigação.

 

6. O Papel da Consciência Jurídica na Política Jurídica

Em seu último Capítulo, Alf Ross afirma que as necessidades do ser humano surgem como experiências de descontentamento e anseio relativamente a algo, sendo a atividade estimulada por essas necessidades um esforço, de modo que, consciente do objeto de sua necessidade, a experiência de uma pessoa em suas diversas fases possui o caráter de uma atitude para esse objeto, a qual é usualmente denominada interesse.

Os interesses são normalmente individuais pois experimentados por pessoas, não se conhecendo outros centros de experiência. Interesses comuns, por sua vez, não se confundem com interesses coincidentes, sendo que, para tanto depende-se de algo subjetivo, qual seja, “que cada uma das partes se identifique de tal maneira com as outras ou com o todo, que nasça em cada uma delas uma consciência de grupo” (fls. 413).

A atribuição do interesse a um todo supra-individual nada mais é do que uma expressão metafórica para a experiência individual de coparticipação de interesses, sendo que essa experiência pressupõe com quase certeza a reciprocidade da parte do outro indivíduo (ex. A e B na cela querendo fugir). O autor passa ao exame do senso moral para alcançar suas conclusões aplicáveis à consciência jurídica e seu papel na política jurídica.

 

São três os postulados fundamentais concluídos por Alf Ross:

 

  1. a consciência jurídica do próprio homem político jurídico não deve ser considerada como medida da retidão (correção) de uma norma;
  2. a consciência jurídica que predomina nos círculos dos governos não deve fazer parte dos pressupostos impessoais de atitude do homem político;
  3. a consciência jurídica predominante na comunidade só pode ser levada em consideração como um fator espiritual de que depende a viabilidade prática de uma reforma jurídica.

 

A consciência jurídica deve desempenhar um papel decisivo na ausência das considerações práticas, que podem faltar seja porque o ordenamento jurídico é indiferente à essas considerações, seja porque o nível de conhecimento das relações sociais não permite a formação de opiniões bem fundadas a respeito das consequências sociais das possíveis soluções, de modo a impossibilitar uma escolha racionalmente justificada por uma delas. É nessa hipótese que a consciência jurídica deverá atuar como guia das escolhas levando-se em consideração a tradição jurídica e cultural existente na sociedade.

 

7. Conclusão

Para Alf Ross, claramente existe um link obvio entre o direito corrente e o conceito de justiça. Assim, com base neste cenário, pode-se distinguir dois pontos: a exigência de que haja uma norma como fundamento de uma decisão; e a exigência de que a decisão seja uma aplicação correta de uma norma. E, por isso, o problema pode ser formulado de duas maneiras,
a) Podemos nos indagar sobre o papel desempenhado pela idéia de justiça na formação do direito positivo, na medida em que é entendida com uma exigência de racionalidade, isto é, uma exigência de que as normas jurídicas sejam formuladas com a ajuda de critérios objetivos, de tal maneira que a decisão concreta tenha a máxima independência possível diante das reações subjetivas do juiz e seja, por isso, previsível.b) Pode-se perguntar, então, que papel desempenha a idéia de justiça na administração da Justiça, na medida em que essa idéia é entendida como uma exigência de que a decisão do caso individual aplique corretamente o direito vigente. (ROSS, 2000, p. 326-330).

 

8. Referência

BERGMANN, Érico R. A Constituição de 1988 e o princípio da proporcionalidade, Porto Alegre: Estudo MP 5, 1992.

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. 2 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.

LARENZ, Karl. Metodologia de la Ciencia del Derecho. Barcelona: Ariel, 1996.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro, 1995.

ROSS, Alf. Direito e Justiça. São Paulo: Edipro, 2000.