A RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO  

 

 

Fabiana Cristina Mota de Urzedo  

Kenimar Aparecida Cândido Borges 

 

1.INTRODUÇÃO  

  

Para que as relações familiares permaneçam saudáveis é imprescindível que o vínculo entre pais e filhos seja rodeado de cuidados e responsabilidade, mesmo que os pais não sejam casados, mesmo que não haja amor entre eles ou que o nascimento do filho não tenha sido planejado. 

É um tema bastante discutido, havendo correntes de juristas que defenda a possibilidade de responsabilizar os pais pelo abandono afetivo dos filhos, sendo devida a indenização para reparar os danos sofridos, e correntes que se posicionam contra essa medida, defendendo que o amor não se compra. 

O presente trabalho é relevante na medida que visa abordar a responsabilidade civil por abandono afetivo nas relações familiares, uma vez que, mesmo não havendo nada normatizado, existem decisões proferidas pelos tribunais acerca do assunto. Trata-se de um tema que vem ganhando destaque no âmbito da responsabilidade civil, por atingir uma significante parcela das crianças e adolescentes em nosso país.  

A pesquisa que se pretende realizar seguirá a metodologia bibliográfica, de natureza descritiva – qualitativa e parcialmente exploratória. 

 

2. O ABANDONO AFETIVO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA RELAÇÃO FAMILIAR 

  

Apesar do abandono afetivo estar presente em todos os tempos, nos últimos anos a matéria mereceu debates jurídicos, com o seu enfrentamento na justiça, por meio de ações indenizatórias, chegando, inclusive, ao Superior Tribunal de Justiça. Considera-se tal abandono o descumprimento dos deveres legais de cuidado, criação, educação e convivência, protegidos na Carta Magna. 

O jurista Rodrigo da Cunha Pereira citado por Tartuce (2020, p. 943), defende que 

o exercício da paternidade e da maternidade – e, por conseguinte, do estado de filiação – é um bem indisponível para o Direito de Família, cuja ausência propositada tem repercussões e consequências psíquicas sérias, diante das quais a ordem legal/constitucional deve amparo, inclusive, com imposição de sanções, sob pena de termos um Direito acéfalo e inexigível.  

  

A saúde psíquica e emocional da criança é fortemente comprometida frente a negativa de afeto, causando danos permanentes, prejudicando seu desenvolvimento e crescimento, comprometendo a formação de sua personalidade. 

 

A ausência de um dos pais resulta em tristeza, insatisfação, angústia, sentimento de falta, insegurança, e mesmo complexo de inferioridade em relação aos conhecidos e amigos. Quase sempre se fazem sentir efeitos de ordem psíquica, como a depressão, a ansiedade, traumas de medo e outras afecções. Se a morte de um dos progenitores, em face da sensação de ausência, enseja o direito à reparação por dano moral, o que se tornou um consenso universal, não é diferente no caso do irredutível afastamento voluntário do pai ou da mãe, até porque encontra repulsa pela consciência comum e ofende os mais comezinhos princípios de humanidade (RIZZARDO, 2019, p. 229).  

  

A orientação dos pais representa diretrizes fundamentais na formação dos filhos. A assistência moral e afetiva é extremamente importante no desenvolvimento do filho. Mesmo não sendo a intenção dos pais, os filhos passam a ser prejudicados em decorrência da negligencia e do abandono afetivo. 

   

2.1.A RESPONSABILIDADE CIVIL NO ABANDONO AFETIVO  

 

Para a configuração da responsabilidade civil subjetiva deve estar presente a culpa do autor, o dano e o nexo causal. Entretanto, nas relações familiares há ainda mais complexidade por conta do alto grau de subjetividade, pois envolvem a afetividade. 

O entendimento de Maria Berenice Dias (2009, p. 416 apud SOUZA FILHO, 2016, p.12), ensina que “comprovado que a falta de convívio pode gerar danos, a ponto de comprometer o desenvolvimento pleno e saudável do filho, a omissão do pai gera dano afetivo susceptível de ser indenizado”.  

Para Sílvio Venosa (2020, p. 437) toda atividade que acarreta prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar. Ressalta-se que em determinadas situações, há excludentes, que impedem a indenização. Entretanto, o autor demonstra que o termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual uma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato, ou negócio danoso. Dessa forma, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar. 

Rizzardo (2019, p. 229) ressalta que é direito dos filhos, e impõe-se por reclamo da natureza humana, a convivência com o pai e a mãe. “O abandono afetivo constitui descumprimento do dever legal de cuidado, criação, educação e companhia. Ademais, a omissão caracteriza ato ilícito passível de compensação indenizatória”. 

É dever dos pais criar, assistir e educar os filhos. Violado esse dever e sendo causado o dano, estar-se-á configurado o ato ilícito, nos exatos termos do que estabelece o art. 186 do Código Civil em vigor. (TARTUCE, 2020, p. 946)   

Hoje no Brasil prevalecem os julgados que afastam a indenização por abandono afetivo, principalmente pela ausência de prova do dano e nexo causal. Entretanto, se o pedido for bem fundamentado, demonstrando real dano psicológico desenvolvido no filho, assim como o prejuízo imaterial suportado, existe sim a possibilidade de reparação por danos morais decorrentes do abandono afetivo.  

 

A jurisprudência pátria vem admitindo a possibilidade de dano afetivo suscetível de ser indenizado, desde que bem caracterizada violação aos deveres extrapatrimoniais integrantes do poder familiar, configurando traumas expressivos ou sofrimento intenso ao ofendido. Inocorrência na espécie. Depoimentos pessoais e testemunhais altamente controvertidos. Necessidade de prova da efetiva conduta omissiva do pai em relação à filha, do abalo psicológico e do nexo de causalidade. Alegação genérica não amparada em elementos de prova. Non liquet, nos termos do artigo 373, I, do Código de Processo Civil, a impor a improcedência do pedido (TJSP, Apelação 0006195-03.2014.8.26.0360, Acórdão 9689092, 10.ª Câmara de Direito Privado, Mococa, Rel. Des. J. B. Paula Lima, j. 09.08.2016, DJESP 02.09.2016) (TATURCE, 2020, p. 948).  

  

De acordo com Pereira (2012, p. 73), “embora de fato o judiciário não possa obrigar um pai a amar seu filho, por outro norte, deve puni-lo por não ter participado de sua formação, pois, quando há o dever de agir, a omissão deve ser repreendida, sobremaneira quando dela resulta dano irreversível”. 

A Professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, uma das maiores juristas deste país na atualidade, expoente não só do Direito de Família, mas também da Responsabilidade Civil, defendeu em um julgado que: 

 

A responsabilidade dos pais consiste principalmente em dar oportunidade ao desenvolvimento dos filhos, consiste principalmente em ajudá-los na construção da própria liberdade. Trata-se de uma inversão total, portanto, da ideia antiga e maximamente patriarcal de pátrio poder. Aqui, a compreensão baseada no conhecimento racional da natureza dos integrantes de uma família quer dizer que não há mais fundamento na prática da coisificação familiar (...). Paralelamente, significa dar a devida atenção às necessidades manifestadas pelos filhos em termos, justamente, de afeto e proteção. Poder-se-ia dizer, assim, que uma vida familiar na qual os laços afetivos são atados por sentimentos positivos, de alegria e amor recíprocos, em vez de tristeza ou ódio recíprocos, é uma vida coletiva em que se estabelece não só a autoridade parental e a orientação filial, como especialmente a liberdade paterno-filial (TARTUCE, 2020, p. 944).   

  

Entretanto, a decisão foi reformada pelo Superior Tribunal de Justiça, afastando o dever de indenizar, pela ausência de ato ilícito, uma vez que é obrigação do pai zelar e cuidar do filho, mas este não é obrigado a amar a criança. 

Para a Ministra Nancy Andrighi, o dano moral está presente nas relações familiares diante de uma obrigação dos pais de dar auxílio psicológico aos filhos. “Aplicando a ideia do cuidado como valor jurídico, a julgadora deduz pela presença do ilícito e da culpa do pai pelo abandono afetivo, expondo a frase que passou a ser repetida nos meios sociais e jurídicos: ‘amar é faculdade, cuidar é dever’” (TARTUCE, 2020, p. 946). 

A compensação pecuniária apresenta função punitiva e educativa, já que o afeto não pode ser valorado pecuniariamente, devendo servir como demonstração ao genitor que se trata de um ato ruim, tanto moral quanto juridicamente. 

 

3.CONSIDERAÇÕES FINAIS 

  

Por meio deste artigo buscou-se proceder uma análise do tema abandono afetivo e sobre a possibilidade de indenização por danos morais decorrentes deste abandono. Observou-se que existe divergência de opiniões, apresentando decisões favoráveis à condenação dos genitores negligentes s decisões contrárias por não reconhecer ilicitude na negligencia afetiva.  

É necessário que o Judiciário defenda os direitos fundamentais principalmente quando estiver ligado à situação da criança ou adolescente. Sobre o campo subjetivo da responsabilidade civil por abandono afetivo, cabe ressaltar que o que se pretende com a indenização não é trazer o afeto para quem foi abandonado afetivamente, a indenização é uma reparação de caráter educativo, garantidor da pessoa humana, da eficaz proteção aos filhos, buscando assim, coibir que os pais abandonem seus filhos. 

Conclui-se, portanto, que a indenização por abandono afetivo é uma forma de amenizar os danos causados ao filho, não uma forma de transformar o afeto em negócio, priorizando o bem-estar e a saúde emocional da criança ou adolescente.  

 

4. REFERÊNCIAS 

  

PEREIRA, R. da C. Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. São Paulo: Magister, a. 14, n. 29, p. 5-19, ago. /set. 2012. 

 

RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil, 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. 

 

SOUZA FILHO, José de. Responsabilidade civil por abandono afetivo e alienação parental nas relações do direito de família. EMERJ. Rio de Janeiro: 2016. Disponível em: <https://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/rcursodeespecializacao_latosensu/direito_do_consumid or_e_responsabilidade_civil/edicoes/n52016/pdf/JosedeSouzaFilho.pdfAcesso em: 30 mai 2020. 

 

TARTUCE, Flávio. Responsabilidade Civil, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. 

 

VENOSA, Sílvio. Direito civil: Obrigações e responsabilidade civil, 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2020.