A REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL DO MENOR, CIVILMENTE INCAPAZ, ABSOLUTA OU RELATIVAMENTE: Ilegitimidades e Incapacidades.[1]

 

 

David Costa Alves e Ecio Fonseca Costa[2]

Valdênio Nogueira Caminha[3]

 

 

SUMÁRIO: Resumo. 1 Introdução. 2 Arcabouço teórico-doutrinário. 2.1 Partes no Processo Civil; 2.2 Capacidade Civil; 2.3 Capacidade Processual; 2.4 Representação de Incapazes Civilmente. 3 Casos de Ilegitimidade Processual. 3.1 Ilegitimidade Processual na Representação do Menor Incapaz Civilmente. 4 Conclusão.

 

 

RESUMO

 

O presente trabalho tem como objetivo apresentar os casos de representação legítima e ilegítima no processo civil, dos menores, considerados pela lei civil como incapazes (absoluta ou relativamente), os quais, pela lei processual, possuem plena capacidade de ser parte em processo judicial. Para tanto, inicialmente se traça uma abordagem conceitual e doutrinária sobre partes no processo civil, capacidade civil e processual e representação de incapazes civilmente. Por fim, discorre-se a respeito dos casos de ilegitimidade processual na representação ou assistência do menor incapaz civilmente em processo civil.

 

Palavras-chave: Partes no Processo Civil. Capacidade Civil. Capacidade Processual. Representação do menor. Ilegitimidade Processual.

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

 

                   O Código de Processo Civil garante o direito de acesso a todos à Ação Processual. Contudo, mesmo existindo capacidade processual, algumas pessoas não possuem plena capacidade civil para, per si, fazer exercício da mesma. É o caso dos menores, civilmente incapazes (relativa ou absolutamente). Nesses casos, há que se fazer representação das partes por outras pessoas. Dessa forma, questiona-se: Quais os casos de legitimidade (ou ilegitimidade) para que se faça, dentro da lei, a devida e legítima representação no processo civil do menor civilmente incapaz, absoluta ou relativamente?

                   Diante dessa questão, resolveu-se delimitar o tema pela relevância que o mesmo alcança no meio acadêmico, com vistas a possibilitar a obtenção de respostas que supram a lacuna de exercício de casos práticos de ação civil junto aos acadêmicos dos períodos iniciais dos cursos de Direito. Nesse sentido, o estudo despertou o interesse dos autores do paper em desenvolver tal pesquisa a fim de colher informações que possam fomentar a discussão acadêmica e, em um futuro não tão distante, servir de balizamento para a escrita de uma monografia.

                   Nesse tocante, o artigo tem como objetivo geral apresentar os casos de representação legítima e ilegítima, no processo civil, dos menores, considerados pela lei civil como incapazes (absoluta ou relativamente), os quais, pela lei processual, possuem plena capacidade de ser parte em processo judicial. Como objetivos específicos o trabalho pretende: (i) traçar uma abordagem conceitual e doutrinária sobre partes no processo civil, capacidade civil e processual e representação de incapazes civilmente; (ii) discorrer a respeito dos casos de ilegitimidade processual na representação do menor incapaz civilmente que precisa demandar ou ser demandado em processo civil. 

                   A metodologia deste trabalho teve como base de apoio a pesquisa bibliográfica, tendo como objetivo balizar o posicionamento do pesquisador sobre as teorias que já foram expostas ou escritas sobre o tema da pesquisa. As fontes bibliográficas que deram o embasamento teórico consistiram de livros, artigos, textos, publicações da internet e/ou monografias e artigos disponíveis a consulta em qualquer um dos meios citados aqui. Caracteriza-se, pois, tal pesquisa como teórico-descritiva, cujo fulcro espelha-se na linha de pensamento de autores já conhecidos pelas exposições de seus conhecimentos didático-científicos.

 

 

2 ARCABOUÇO TEÓRICO-DOUTRINÁRIO 

 

 

2.1 Partes no Processo Civil

 

                   Sendo de suma importância para o Direito Processual, o conceito de parte não é algo fácil de ser determinado, pois sendo polissêmico e muitas vezes ambíguo, ele se revela sob dois aspectos distintos: o primeiro diz respeito à possibilidade de abarcar uma parte ou o todo do processo. Já o segundo aspecto está relacionado ao indivíduo que participa diretamente de uma relação jurídica processual.

                   Nesse sentido, Cintra et. al (2013, p. 327-328) trata do conceito de parte sob a ótica do segundo aspecto supracitado, evidenciando que “autor e réu são os principais sujeitos parciais do processo, sem os quais não se completa a relação jurídica processual [...]”.

                   Assim, os autores definem os dois da seguinte forma:

 

Autor é aquele que deduz em juízo uma pretensão (qui res in iudicium deducit); e réu, aquele em face de quem aquela pretensão é deduzida (is contra quem res in iudicium deducitur). (CINTRA et. al, 2013, p. 328).

 

 

                   Tratando do assunto sob a mesma ótica (segundo aspecto comentado outrora), Rocha (2004, p. 222) diz que partes no processo “são os sujeitos sobre os quais recaem os efeitos da prestação jurisdicional”. Confirma esse autor que as partes em um processo são autor e réu e indica que o “autor é quem pede em nome próprio ou em cujo nome é pedida a prestação jurisdicional do Estado; réu é aquele contra quem se pede a prestação jurisdicional do Estado” (ROCHA, 2004, p. 223).

                   Complementando o assunto, mister se faz frisar que tanto a pessoa física, a pessoa natural, a pessoa humana, quanto a ficção jurídica personificada, conhecida como pessoa jurídica, podem figurar em uma relação processual na qualidade de parte. Além disso, certas organizações formais, como o espólio, a massa falida ou o condomínio, mesmo sem o reconhecimento legal de constituir-se pessoa jurídica, podem figurar, no processo civil, como partes de uma relação processual (ROCHA, 2004, p. 223).

                  

2.2 Capacidade Civil

 

                   O Art. 1° do Código Civil de 2002 proclama que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”, ou seja, todo ser humano tem personalidade jurídica, a qual é adquirida, conforme determina o art. 2°, com o nascimento com vida (BRASIL, 2002). Contudo, mister faz evidenciar-se que tal personalidade jurídica ou capacidade de direito não é suficiente per si para que o individuo exerça os seus direitos perante a sociedade, já que necessita de outra capacidade, ou seja, a capacidade civil ou capacidade de exercício. Nesse sentido, a capacidade civil da pessoa ou capacidade de exercício, segundo Rodrigues (2003, p. 39), é “[...] a de pessoalmente atuar na órbita do direito”.

                   Assim, mesmo dotado de personalidade jurídica ou capacidade de direito, pode ser que a pessoa humana não detenha a capacidade civil ou capacidade de exercício, tendo em vista que a Lei Civil impõe alguns requisitos para que o indivíduo adquira essa última capacidade. Dessa forma, aparecem, sob a ótica da Lei, três categorias de indivíduos, ou seja, os plenamente capazes civilmente e os absolutamente e os relativamente incapazes civilmente. Sobre capacidade civil, assim discorre o Código Civil de 2002:

 

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I - os menores de dezesseis anos;

II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil (BRASIL, 2002). (grifamos)

 

 

                   Em relação a esse assunto, interessará para fins de escrita desse paper a incapacidade absoluta ou relativa das pessoas grifadas na transcrição acima, ou seja, dos menores de 18 (dezoito) anos, quer se enquadrem em uma ou outra categoria de incapazes.

 

2.3 Capacidade Processual

 

                   O art. 7° do Código de Processo Civil proclama que “toda pessoa que se acha no exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo” (BRASIL, 1973).

                   Assim, aliando o conceito de (in)capacidade civil, discutido no tópico anterior, com essa disposição do CPC, chega a se concluir que nem todas as pessoas podem estar em juízo para exercerem seus direitos de forma plena. Há a capacidade de ser parte em processo, que se confunde com a personalidade jurídica, e capacidade processual, que se confunde com a capacidade civil plena. Nesse sentido, Gonçalves (2011, p. 168) estabelece que “dentre as pessoas físicas, nem todas terão capacidade processual, a aptidão para estar em juízo pessoalmente”. Complementando esse entendimento, Donizetti (2007, p. 33-34) afirma que:

 

Capacidade de ser parte não se confunde com a capacidade de estar em juízo (capacidade processual ou legitimação processual). Enquanto a primeira relaciona-se com a capacidade de gozo ou de direito (aptidão para adquirir direito e contrair obrigações na vida civil), a segunda guarda relação com a capacidade de fato ou de exercício (aptidão para exercer por si os atos da vida civil). Os incapazes (CC, arts. 3º e 4º) têm capacidade de ser parte, mas falta-lhes capacidade processual ou capacidade para estar em juízo (legitimatio ad processum), razão pela qual precisam ser representados ou assistidos pelos pais ou representantes legais.

 

 

                   Nessa esteira de entendimento, Rocha (2004, p. 223-224) conceitua capacidade processual como sendo “a aptidão que deve ter a parte para exercitar, por si mesma, o poder jurídico de que é titular no processo [...], a aptidão da parte para manifestar, por si mesma, sua vontade no processo”.

 

2.4 Representação de Incapazes Civilmente

 

                   Os incapazes (relativa ou absolutamente) não têm capacidade processual plena; diz-se que sua capacidade processual é relativa, ou seja, a parte necessita de assistência ou autorização de outras pessoas para que consigam exercer seus poderes no processo (ROCHA, 2004, p. 224).

                   No caso dos incapazes, o Código de Processo Civil, em seu Art. 8º, afirma que “Os incapazes serão representados ou assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da lei civil” (BRASIL, 1973). Obviamente, os pais são os representantes naturais dos incapazes. Contudo, há casos em que se verifica a ausência dos pais, quando, então, devem ser nomeados tutores para assisti-los ou representa-los. Sobre nomeação de tutor aos menores incapazes, assim se posiciona o Código Civil de 2002:

 

Art. 1.728. Os filhos menores são postos em tutela:

I - com o falecimento dos pais, ou sendo estes julgados ausentes;

II - em caso de os pais decaírem do poder familiar.

Art. 1.729. O direito de nomear tutor compete aos pais, em conjunto.

Parágrafo único. A nomeação deve constar de testamento ou de qualquer outro documento autêntico.

Art. 1.730. É nula a nomeação de tutor pelo pai ou pela mãe que, ao tempo de sua morte, não tinha o poder familiar.

Art. 1.731. Em falta de tutor nomeado pelos pais incumbe a tutela aos parentes consanguíneos do menor, por esta ordem:

I - aos ascendentes, preferindo o de grau mais próximo ao mais remoto;

II - aos colaterais até o terceiro grau, preferindo os mais próximos aos mais remotos, e, no mesmo grau, os mais velhos aos mais moços; em qualquer dos casos, o juiz escolherá entre eles o mais apto a exercer a tutela em benefício do menor.

Art. 1.732. O juiz nomeará tutor idôneo e residente no domicílio do menor:

I - na falta de tutor testamentário ou legítimo;

II - quando estes forem excluídos ou escusados da tutela;

III - quando removidos por não idôneos o tutor legítimo e o testamentário (BRASIL, 2002). (grifos nossos).

                   A partir dessa disposição do Código Civil e os conceitos de partes e capacidade processual, traçar-se-á a partir no capítulo seguinte casos em que se torna ilegítima a representação dos incapazes, quer pelos próprios pais quer por tutores que não se enquadrem nas exigências da lei para que se dê sua nomeação como tal.

 

 

3 CASOS DE ILEGIMIDADE PROCESSUAL 

 

3.1 Ilegitimidade Processual na Representação ou Assistência do Menor Civilmente     Incapaz

                  

                   Conforme ficou explícito no capítulo anterior, os menores são incapazes, quer absoluta quer relativamente. Isto significa que os mesmos, não obstante terem direito a ser parte de um processo civil (personalidade jurídica ou capacidade de direito), não detêm possibilidade de se fazerem presentes para exercício pleno desse direito, ou seja, não detêm capacidade civil ou capacidade de exercício. Dessa forma, para que tal direito concedido em lei não se dilua no espaço e no tempo por falta do requisito da capacidade civil, a própria lei civil indica o caminho, isto é, a representação ou assistência do menor no processo por alguém que detenha o requisito e que responda pelo interessado perante às outras partes do processo civil. No caso dos menores a lei indica que os pais são os representantes ou assistentes naturais e que, na falta destes, tutores, por aqueles ou por um juiz nomeados.

                   Existe uma profunda e grande diferença entre capacidade e legitimidade. Segundo entendimento de Gonçalves (2011, p. 162), “a capacidade é pressuposto processual, que não se confunde com a legitimidade ad causam, uma das condições da ação. Esta é requisito para que o litigante tenha o direito de ação, ao passo que aquela é indispensável para que o processo tenha regular seguimento”. Dessa forma, conforme exposto anteriormente, ao passo que a capacidade processual está relacionada com a capacidade absoluta das partes em conflito, a legitimidade está atrelada ao processo civil, pois esta faz referência à titularidade do direito material posto em conflito após a propositura da ação.

                   Consta no Código de Processo Civil, em seu art. 6°, que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei” (BRASIL, 1973). Através da leitura desse artigo, pode-se compreender o que vem a ser a legitimidade, ela garante que a pretensão do direito material seja apresentada em juízo, a favor ou contra, dos indivíduos ligados a esse direito. Contudo, conforme consta no final do artigo supracitado, existem exceções a essa regras previstas em lei. A esse respeito, Cintra et. al (2013, p. 290) evidencia que “os casos excepcionais, previstos na parte final do art. 6° do Código de Processo Civil, caracterizam a chamada legitimação extraordinária, ou substituição processual [...]”.

                   Surgem, entretanto, dúvidas acerca dessa legitimidade de representação (ou assistência) dos pais. Por exemplo: (i) no caso de separação do casal, com filhos obviamente, que a guarda recai para um dos cônjuges apenas, os dois cônjuges continuam com o mesmo poder familiar que garantem o direito de representar ou assistir os menores ou apenas o cônjuge com a guarda do(s) filho(s)? (ii) E, nesses casos, a falta do cônjuge que detém a guarda do(s) filho(s) transfere automaticamente a guarda para o cônjuge “sobrevivente”? (iii) Ou, ainda, se, mesmo com pais vivos e capazes civilmente, a guarda judicial do(s) filho(s) recair sobre outra pessoa (avós, tios, irmãos, padrinhos etc.), subsiste a capacidade de representação processual dos pais? (iv) No caso de falecimento de ambos os pais, sem indicação de tutor em testamento, há a necessidade imperiosa de nomeação do tutor por um juiz ou um ascendente ou parente responsável próximo pode se autodesignar a tutoria? São essas perguntas que ajudarão a se chegar ao cumprimento dos objetivos do paper sobre ilegitimidades na representação ou assistência de menores civilmente incapazes.

                   Primeiramente, cumpre-se tentar dar respostas à primeira questão formulada acima, que trata de pais separados e guarda não compartilhada. O Código Civil trata de guarda dos filhos nos seguintes termos: “Art. 1.583.  A guarda será unilateral ou compartilhada. § 1º  Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores [...], concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”. Complementado, cita-se o que dispõe o Art. 1.728, II, do mesmo Código Civil: “Os filhos menores são postos em tutela: [...] em caso de os pais decaírem do poder familiar” (BRASIL, 2002).

                         Depreende-se, a partir da inteligência desses dispositivos da lei civil, que o poder familiar, no caso da guarda unilateral, recai sobre apenas o cônjuge que a detém e que a perda do poder familiar por ambos os pais enseja a nomeação de tutor. Isso significa que a representação ou assistência do menor pelos pais somente se pode legitimar com o pleno exercício do poder familiar por um ou ambos. Se apenas um detém esse poder, ele o exerce; se ambos não o detêm, nomeia-se um tutor. Dessa forma, em relação à legitimidade (ou ilegitimidade) para representação ou assistência do menor em processo civil, esta se verifica ao cônjuge que detêm a guarda do(s) filho(s) menor incapaz civilmente. Qualquer representação ou assistência feita pelo cônjuge que não detém a guarda do(s) filho(s) se constitui em caso de ilegitimidade de parte no processo, razão pela qual o juiz deve extinguir o processo por falta de um dos pressupostos da Ação, ou seja, legitimidade da parte.

                   Quanto ao segundo questionamento, que trata da falta do cônjuge que detém a guarda, para se apresentar respostas ao mesmo, busca-se o auxílio do que dispõe o Art. 1.584, I e II, do Código Civil, in verbis:

 

Art. 1.584.  A guarda, unilateral [...], poderá ser:

I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;

II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe (BRASIL, 2002).

 

 

                   Aqui, tem-se que se verificar a forma com que se originou a guarda, ou seja, se por consenso entre os pais (Inciso I do Art. 1.584) ou se por decretação judicial (Inciso II do Art. 1.584). No primeiro caso, na falta do cônjuge que detém a guarda (morte ou ausência), automaticamente a guarda recai sobre o cônjuge remanescente, pois não se verificam razões para o mesmo cuidar e exercer o poder familiar, já que ele tinha aberto mão desse direito de forma livre e consensual, consciente da característica temporalidade intrínseca a essa decisão. Assim, não há necessidade, s.m.j., de se requerer judicialmente a guarda por parte do cônjuge remanescente, ficando ele, a partir da ausência do outro, plenamente capaz de exercício do poder familiar sobre o(s) filho(s) menor, inclusive de representa-lo(s) ou assisti-lo(s) em processo civil.

                   Agora, no tocante à segunda hipótese, de a guarda ter recaído sobre um dos cônjuges por decretação de um juiz, parece razoável que a guarda não recaia ou se transfira de forma automática ao cônjuge remanescente. Nesse caso, há sim a necessidade de este requerer ao juiz a transferência da guarda para si, sob pena de ilegitimidade no exercício do poder familiar sobre seu(s) filho(s) menor(es). Inclusive, neste caso, outras pessoas podem requerer ao juiz que sejam nomeadas tutores, mesmo existindo um dos pais vivos. Dessa forma, para o tema do paper, o cônjuge sobrevivente necessita requerer ao juiz a transferência da guarda que estava a cargo do outro cônjuge para si, a fim de possuir legitimidade processual de representar seu(s) filho(s) em juízo.

                   No que toca à terceira questão, isto é, sobre a possibilidade de nomeação judicial de tutores ainda que os pais (ou um deles) estejam vivos, o § 5º do Art. 1.584 do Código Civil dá essa resposta: “Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade” (BRASIL, 2002). Está explícito, pela análise do dispositivo citado, que a existência dos pais vivos não garante a eles a legitimidade natural e obrigatória de representação judicial em processo civil. O caso excepcional trazido nessa disposição da lei civil, induz ao fato de que existe a possibilidade fática e real de o exercício do poder familiar sobre o(s) filho(s) recair sobre terceiro (parente ou não) com o qual o(s) menor(es) tenha afinidade e afetividade, ainda que os pais estejam vivos. Nesse caso, os pais seriam partes ilegítimas para representar o(s) filho(s) em juízo, pois apenas a pessoa nomeada (o tutor) é quem deterá o poder familiar e, assim, constituir-se em parte legítima para representar o(s) menor(es) incapaz civilmente em processo civil.

                   Por fim, porém sem esgotar o assunto, tratar-se-á da quarta e última questão levantada, sobre autodesignação de tutor por parente ou pessoa próxima ao menor. Nesse caso, para obter respostas, recorre-se ao que trata o Art. 1.731, I e II do Código Civil, a seguir transcrito ipsi literis:

 

Art. 1.731. Em falta de tutor nomeado pelos pais incumbe a tutela aos parentes consanguíneos do menor, por esta ordem:

I - aos ascendentes, preferindo o de grau mais próximo ao mais remoto;

II - aos colaterais até o terceiro grau, preferindo os mais próximos aos mais remotos, e, no mesmo grau, os mais velhos aos mais moços; em qualquer dos casos, o juiz escolherá entre eles o mais apto a exercer a tutela em benefício do menor (BRASIL, 2002). (grifos nossos).

 

 

                   Percebe-se, a partir da leitura do texto legal, que apenas os ascendentes, dentre os parentes consanguíneos, é que podem fazer a autodesignação, pois o texto final do Inciso II do Art. 1.731, quando trata dos parentes consanguíneos colaterais até o terceiro grau remete a escolha do tutor ao juiz, que decretará sua designação como tal. Dessa forma, constitui-se, de forma automática, sem necessidade de atuação judicial, na falta dos pais, parte legítima para cuidar dos interesses do(s) menor(es) incapaz(es), inclusive quanto à legitimação de representação ou assistência em processo civil, os avós (maternos ou paternos) que tenham maior afinidade e afetividade com o(s) menor(es). Qualquer outro parente ou terceiro que se autodesignar tutor do(s) menor(es) não possuem legitimidade para representar ou assisti-los em polo ativo ou passivo de uma relação processual. Nesses casos, há que ocorrer sempre a intervenção judicial na nomeação do tutor.

                   Resumindo, somente se constituem partes ilegítimas para representar ou assistir menor(es) incapaz(es) que necessitem figurar em polo ativo ou passivo de uma relação processual, as seguintes pessoas:

  1. O pai ou a mãe (ou ambos) que não detiver o pleno exercício do poder familiar, que por declínio consensual ou por decretação judicial da perda (ou não ganho) da guarda do(s) filho(s) menor(es);
  2. Os ascendentes dos pais, na ausência destes, que não, por declínio consensual ou por decisão judicial, não pode se autodesignar tutor do(s) descendente(s) de menor(es) de seu(s) filho(s);
  3. Qualquer outra pessoa, inclusive parentes consanguíneos colaterais até o terceiro grau, que, na falta dos pais, não recebam nomeação ou escolha judicial como tutor de menor incapaz.

                   Além desses casos, mister se faz citar os casos que a lei civil cita de pessoas que estejam impedidas ou impossibilitadas de se tornarem tutores, para os quais nem o juiz pode decretar a nomeação:

 

Art. 1.735. Não podem ser tutores e serão exonerados da tutela, caso a exerçam:

I - aqueles que não tiverem a livre administração de seus bens;

II - aqueles que, no momento de lhes ser deferida a tutela, se acharem constituídos em obrigação para com o menor, ou tiverem que fazer valer direitos contra este, e aqueles cujos pais, filhos ou cônjuges tiverem demanda contra o menor;

III - os inimigos do menor, ou de seus pais, ou que tiverem sido por estes expressamente excluídos da tutela;

IV - os condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade, contra a família ou os costumes, tenham ou não cumprido pena;

V - as pessoas de mau procedimento, ou falhas em probidade, e as culpadas de abuso em tutorias anteriores;

VI - aqueles que exercerem função pública incompatível com a boa administração da tutela (BRASIL, 2002).

 

 

                   Dessa forma, se verificando uma Ação em que o menor esteja sendo representado ou assistido por qualquer das pessoas citadas acima, o juiz deverá, nos termos do Art. 267, VI, do Código de Processo Civil: “Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: [...] quando não concorrer qualquer das condições da ação, como [...] a legitimidade das partes [...]” (BRASIL, 1973).

                   Assevere-se que, o menor incapaz civilmente, mesmo tendo interesse em agir, tendo em vista não possuir a capacidade de exercício plena, para se legitimar a estar em juízo, precisa de representação ou assistência e esta precisa ser legítima, pois a ilegitimidade dessa representação ou assistência culmina na ilegitimidade do menor como parte no processo civil.

  1.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

                   O artigo teve o propósito de apresentar os casos de representação legítima e ilegítima no processo civil, dos menores, considerados pela lei civil como incapazes (absoluta ou relativamente), os quais, pela lei processual, possuem plena capacidade de ser parte em processo judicial. Para tanto, partiu-se da apresentação de conceitos teóricos-doutrinários sobre partes no processo civil, capacidade civil e processual e representação/assistência de filhos ou tutelados menores incapazes civilmente. Por fim, discorre-se a respeito dos casos de ilegitimidade processual na representação ou assistência do menor incapaz civilmente em relação processual no âmbito civil.            Dessa forma, ainda que de forma resumida, demonstrou-se que os menores, que ainda não detêm a capacidade civil plena e assim poder exercer independentemente seu direito de ser parte em um processo civil, precisa de representação ou assistência, conforme seja absoluta ou relativamente incapaz para os atos da vida civil, respectivamente. Necessitam, pois, que outras pessoas estejam junto deles representando-os ou assistindo-os nas relações processuais que demandam ou sejam demandados.   

                   Contudo, conseguiu-se constatar que não é qualquer pessoa, ainda que seja pai ou mãe do menor incapaz, que pode representa-lo ou assisti-lo legitimamente em juízo. Há casos em que um ou ambos os pais, ainda que estejam vivos, não podem figurar como representantes ou assistentes dos menores, tendo em vista que abdicaram livremente (ainda que temporariamente) ou perderam, por determinação judicial, o exercício do poder familiar sobre os filhos. Nesses casos, o pai, a mãe ou ambos não podem representar ou assistir seus filhos em juízo numa relação processual. Além disso, verificou-se que, na ausência de ambos os pais, por morte, ausência ou perda em juízo do direito ao exercício do poder familiar sobre os filhos menores, há que se recorrer a um tutor. Nesse caso, apenas os avós (ou bisavós), na condição de ascendentes dos pais dos menores, podem autodesignarem-se tutores e, assim, representa-los ou assisti-los sem a necessidade de nomeação por um juiz. Nos demais casos, qualquer pessoa deve requerer e obter autorização e nomeação judicial para poder figurar como representação legítima do menor em uma relação processual, quer seja no polo ativo quer seja no polo passivo de tal relação processual.

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

BRASIL. Código Civil Brasileiro (2002). Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm > Acesso em: 12 de out. 2013.

 

 

______. Código de Processo Civil Brasileiro (1973). Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em:                                                                    < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm > Acesso em: 13 de out. 2013.

 

 

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

 

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

 

 

DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

 

 

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011.

 

 

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. São Paulo: Saraiva, 2003.

 

[1] Artigo apresentado à disciplina Teoria Geral do Processo da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluno do 3º período do curso de Direito da UNDB.

[3] Professor Especialista, Orientador.