UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

CONSTITUCIONAL III

DOCENTE: JACKSON NOBRE

FRANCISCO YTALLO DA SILVA SAUNDERS

 

RESENHA – A GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA E SUA ARQUITETURA JURÍDICA ( DEZ TENDÊNCIAS DO DIREITO CONTEMPORÂNEO)

FORTALEZA

2022 

Título do artigo: a globalização econômica e sua arquitetura jurídica (dez tendências do direito contemporâneo) 

Considerado um dos precursores da sociologia jurídica no Brasil, o Prof. Dr. José Eduardo Campos de Oliveira Faria, autor do artigo, é sociólogo, jurista e professor universitário brasileiro. Durante o período de formação do autor, dedicou-se, entre outros temas, ao estudo das relações de direito e economia, tema do artigo aqui citado. Fez pós-doutorado pela University of Wisconsin, Madison, Estados Unidos (1984). Integrou por três mandatos o comitê da área de direito e economia do CNPq e a coordenadoria de ciências humanas da FAPESP. Além disso, seus livros mais recentes são: Baú de ossos de um sociólogo do direito (2018), Corrupção, Justiça e Moralidade Pública (2019), A liberdade de expressão e as novas mídias (2020) e Direitos, política e ciência em tempos de pandemia (no prelo, 2022). 

Quanto ao caminho percorrido no artigo, o autor se dedica em conceituar os termos e o contexto histórico em que ele pretende, posteriormente, traçar seus prognósticos acerca do futuro do Direito contemporâneo, o que inclusive já pode ser tido como presente, em vista do artigo ter sido escrito a mais de uma década. Construído o cenário de incapacidade Estatal de modelo positivo centralizado, conclui com as seguintes tendências: 

  1. A ampliação da discrepância temporal entre a capacidade da legislação processual como um todo e a necessidade de resolução de conflitos nas relações mercadológicas internacionais.
  2. A expansão do padrão legal anglo-saxônico.
  3. A disseminação das chamadas “áreas de jurisdição funcional” paralelas às jurisdições dos países como um todo.
  4. A progressiva diminuição da coercibilidade do direito positivo.
  5. A reestruturação do direito como voltado ao privado.
  6. O enfraquecimento gradual das conquistas de proteção laboral formalizadas no Direito do Trabalho.
  7. O desenvolvimento dos blocos de união comercial e política, com a difusão desse modo de congregação de Estados às outras regiões globais, por meio da abdicação de determinado grau de autonomia.
  8. A alteração dos fins do Direito Internacional em prol da proteção e da estabilização dos mercados transnacionais.
  9. A regressão maior de direitos históricos, sejam sociais ou humanos.
  10. O aumento da produção de normas penais, bem como da visão desse Direito como um mecanismo simbólico de garantia dos direitos comerciais e societários. 

Inicialmente, o professor abre o tema definindo “globalização” como um conceito aberto muito em voga com as tendências mundiais. Nesse sentido, há a apresentação dos efeitos desta mudança mundial com enfoque preciso à parte mais interessante ao artigo: o campo econômico. Dentro disso, destaca a expansão das teias relacionais para além do ambiente regional, o que modifica a postura de clara superioridade hierárquica definível por um Estado. Assim, discorre o autor, na medida em que se complexifica o fluxo de informações e se torna um fenômeno global, instantâneo, descentralizado e ramificado, tanto mais os Estados vão sendo ultrapassados e descreditados na sua capacidade de garantia de estabilidade e de desenvolvimento. 

Como consequência disso, entende o autor, o Estado passa a produzir leis cada vez mais específicas, numa tentativa, que nasce morta, de acompanhar essa globalização. Dentro desse fracasso, a tendência é a modificação dessa concepção de Estado protagonista para a de Estado garantidor, portanto, volta à concepção de intervenção mínima. O intuito é a concentração dos esforços em produzir princípios e conceitos gerais que devem convergir com a demanda internacional, ao mesmo tempo que reflete o caráter regional do Estado. Além disso, com essa complexificação crescente das áreas, o Estado surge tendo que delegar jurisdição e posicionamentos aos entes privados, que agirão autonomamente. 

Dentro desse contexto de expansão da concepção privada de mundo, José Eduardo Faria traça o que entende por tendências para o direito contemporâneo. A primeira, já observável dentro da análise dos últimos dois séculos de extraordinária expansão informacional, é que se torna cada vez maior a impossibilidade da jurisdição, de atos concatenados, acompanhar o número enorme de situações geradoras de conflitos dentro de um universo de bilhões de relações instantâneas de um mundo globalizado. Nesse caso, como consequência da crescente, o autor destaca que o meio privado vai tomar cada vez mais o papel de solucionador de conflitos e definidor de costumes a serem seguidos. Sob essa lógica, o professor conecta a segunda tendência, na medida que o padrão legal anglo-saxão surge como um modelo mais poroso e flexível às demandas mercadológicas internacionais. A terceira tendência é estabelecer “zonas jurídicas” que facilitem essa flexibilidade e otimizem determinadas rotas. Por outro lado, a quarta tendência é consequência do aumento da autonomia das relações privadas e diminuição da interferência estatal, visto que esta, ao se retrair, leva consigo a coerção direta, restando os mecanismos de estímulo e desestímulos presentes no mercado. A quinta tendência é posterior à crise das constituições dirigentes, sendo que, para o autor, o movimento atual é no sentido inverso, já que a ineficácia regional de controle produz pressão no sentido de descentralizar, de desregulamentar e de desconstitucionalizar o ordenamento, com o objetivo de ascender o direito civil. Como aprofundamento da anterior, a sexta tendência resulta da nova dinâmica de relações laborais, posto estarem os trabalhadores sendo realocados no setor de serviços, cujo procedimento foge, muitas vezes, do funcionamento clássico de trabalho definido no Direito Trabalhista. A sétima tendência, que envolve a “multi-soberania” forjada na reunião voluntária de países, surge para sustar o processo de perda do controle estatal das relações internacionais. No entanto, considerando que o artigo é relativamente antigo, tal processo perdeu força frente ao que se observava no início do século XXI. Na verdade, se tenho mínima possibilidade de discordar de tão notável intelectual, tal processo parece ter retrocedido em diferentes esferas nos últimos anos, muito pelas crises recorrentes que atingiram tais blocos econômicos, mas principalmente pelo sentimento nacionalista crescente entre os países envolvidos. A oitava tendência pode ser tida como amadurecimento do capitalismo internacional, no sentido de pressionar a jurisdição a lhes ser útil naquilo que produz e aloca. Nesse sentido, importa aos mercados mundiais que os Estados convirjam não só diplomaticamente, mas também economicamente, de modo a permitir que grandes corporações e suas relações tenham mobilidade espacial. Se há expansão das relações internacionais somada a ainda incipiente legislação internacional, é comum que os avanços nos direitos sociais e humanos sejam relativizados, já que estes direitos dependem de eficácia internacional e de convenção, enquanto aqueles direitos dependem da ação do poder público para se realizarem. Por fim, a última tendência, como exceção que o autor traz à diminuição da coercibilidade do Direito, é uma forma de repressão das tensões sociais existentes entre, especialmente, segundo o autor, os mais pobres. 

Portanto, o texto traz um tema muito estudado, mas com uma visão prognóstica corajosa do autor. José Eduardo Faria também não dispensa de expor dos seus frutos acadêmicos nas áreas da sociologia e da economia jurídicas, propondo um campo de análise bem mais abrangente que o nacional. A leitura é de fácil compreensão, especialmente por tratar de fatos e efeitos observáveis no cotidiano.

 

Referências Bibliográficas:

 

Currículo do Sistema de Currículos Lattes (Jose Eduardo Campos de Oliveira Faria) (cnpq.br). Acesso em 08/11/2022. 

FARIA, José Eduardo de Campos. (2010). A globalização econômica e sua arquitetura jurídica (dez tendências do direito contemporâneo. Congresso Jurídico Globalización, Riesgo y Medio Ambiente.