Marcos Vinícius Sousa Dos Santos 

Josilene da Silva Lima²

José Humberto Oliveira³

 

Sumário: 1 Introdução; 2 Efeitos do contrato de compra e venda com relação a objeto imóvel; 3 A introdução da figura atípica do “contrato de gaveta” no ordenamento jurídico brasileiro; 4 Os riscos nas transações imobiliárias realizadas através de “contrato de gaveta”; 5 Conclusão; 6 Referências.

 

RESUMO

 

Este paper teve por objeto, analisar os efeitos da concessão ao mutuário do direito de transferir direitos e obrigações decorrentes do contrato firmado no âmbito do SFH, no que se refere à legitimidade do contrato de gaveta. Tal contrato configura uma ferramenta de operação em alienação imobiliária, sem a formalidade inerente a anuência da instituição financeira. Para tanto, abordou-se os efeitos do contrato de compra e venda envolvendo objeto imóvel; verificou-se a introdução da figura atípica do “contrato de gaveta” no ordenamento jurídico brasileiro; apontou-se os riscos nas transações imobiliárias realizadas através de “contrato de gaveta”. A temática abordada demonstrou-se relevante ao possibilitar um melhor entendimento a respeito dos procedimentos para a transferência de uma propriedade imobiliária, que começa com um contrato de promessa de compra e venda, e depois é feita a sua escritura pública. E, é com essa escritura que ocorre o registro legitimado pelo órgão competente, onde finalmente é transferida a propriedade. Aferiu-se, que o tema é de grande importância para a sociedade, já que os “contratos de gaveta” trazem consigo riscos reais, entre eles, a própria insegurança jurídica. Esta pesquisa também se caracterizou, quanto aos objetivos como uma pesquisa exploratória, pois buscou explorar os estudos sobre a utilização dos contratos de gaveta nas relações de contratos de imóveis. E, no que tange aos procedimentos como bibliográfica, por ter utilizado fontes como: artigos, livros e estudos sobre a temática proposta.

Palavras-chave: Contrato de gaveta. Sistema Financeiro de Habitação. Compra e venda. Imóveis. Transferência. Escritura. Registro.

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¹Paper institucional apresentado à disciplina de Contratos Cíveis e Comerciais, do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

² Discentes do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

³ Professor Orientador.

 

01. INTRODUÇÃO

 

A moradia e a habitação são temas de grande discursão histórica, no que diz respeito à dificuldade da aquisição da casa própria por parte dos brasileiros, e a insuficiência de recursos capazes de estruturar e desenvolver um mercado financeiro mais sólido e acessível.

Sendo assim, foi no século XX que esses temas acabaram sendo incluídos em uma política habitacional, a partir do advento da Lei n.º 4.380 de 1964, lei esta responsável por regulamentar o Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Dessa forma, por meio de uma iniciativa governamental, foi possível propiciar, aos cidadãos brasileiros, moradia e habitação através de financiamentos, o que viabilizou a efetivação do exercício dos direitos de propriedade e suas facetas.

Partindo dessa ampliação de direitos de propriedade, nota-se que o indivíduo ao buscar um empréstimo junto às instituições financeiras se depara com um contrato de mútuo com garantia hipotecária. O certo é que no âmbito do SFH, o tipo de contrato firmado é o de adesão, cujo objeto é o empréstimo de coisa fungível, em que o órgão financeiro transmite a propriedade de coisa fungível ao mutuário, no caso tal coisa fundível é o dinheiro.

No que se refere ao imóvel, este é adquirido pelo mutuário por intermédio da utilização do valor emprestado pelo Banco, dessa maneira, entende-se que o mutuário já possuirá os direitos inerentes à propriedade plena. Há de se destacar, que o contrato possui uma garantia hipotecária, e que é através dessa garantia que se eventualmente o mutuário tornar-se inadimplente, o agente financeiro poderá expropriar aquele específico bem, o qual terá preferência em possível disputa judicial que possa ser desencadeada.

Entretanto a realidade brasileira do baixo poder aquisitivo, e de um sistema cartorial caro e dificultoso ainda atinge grande parte da população. Diante desse problema, as pessoas passam a criar mecanismos atípicos no que tange a natureza contratual imobiliária.

 Dessa forma, nasce o “contrato de gaveta”, que consiste nos “negócios de compra e venda de imóveis sem a transferência do financiamento para o nome do novo proprietário. O financiamento segue no nome do antigo proprietário, mas é o comprador quem arca com os custos das prestações” (WERKA, 2006, pg. [?]). Nesse contexto, questiona-se: há segurança jurídica nos “contratos de gaveta” firmados nas relações de compra e venda de imóveis?

A partir disso, buscou-se analisar os efeitos da concessão ao mutuário do direito de transferir direitos e obrigações decorrentes do contrato firmado no âmbito do SFH, no que se refere à legitimidade do contrato de gaveta. Isso, por meio da abordagem dos efeitos do contrato de compra e venda envolvendo objeto imóvel, e da verificação da introdução da figura atípica do “contrato de gaveta” no ordenamento jurídico brasileiro, o que facilitou para que se apontassem os riscos nas transações imobiliárias realizadas por meio do “contrato de gaveta”.

Dessa maneira, a abordagem a respeito da inserção dos contratos de gaveta nas negociações é importante tanto para a sociedade como para o viés acadêmico, visto que aprofunda os detalhes envolvendo “o contrato de gaveta” e o negócio jurídico o qual está inserido. Ressalta-se ainda, que a existência do negócio jurídico pressupõe alguns requisitos de validade fundamentais, que de acordo com o artigo 104 do Código Civil, são: agente capaz, objeto lícito, e a forma. Nos contratos de gaveta que tem objetivo de transferir imóveis, contudo, não se identifica o preenchimento do requisito forma, pois nessa relação se dispensa a escritura pública.

Logo, o que se nota é que as pessoas acreditam que a simples celebração de um contrato particular, confere por si só a legitimidade de transferir a propriedade, levando aqueles que optam por essa forma de contrato a viver uma falsa situação de propriedade. Por isso, é de essencial importância que antes de firmar um contrato, as partes selecionem um profissional competente que tenha conhecimento jurídico sobre o assunto, para que o referido contrato possa ser estudado e revisado, no intuito de assegurar que seus efeitos jurídicos sejam produzidos.

Para tanto, a pesquisa se delineou quanto aos objetivos como uma pesquisa exploratória, pois explorou os estudos sobre a utilização dos contratos de gaveta nas relações de contratos de imóveis. E no que tange aos procedimentos como uma pesquisa de cunho bibliográfico, pois fez uso de fontes bibliográficas de pesquisa, entre elas artigos, livros e estudos sobre a temática proposta.

 

02. EFEITOS DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM RELAÇÃO A OBJETO IMÓVEL.

 

A aquisição da propriedade encontra uma variedade de meios classificatórios, entre eles, há que se destacar o critério quanto ao modo originário ou derivado de aquisição. Essa classificação é esclarecida por Freitas (2015), onde dentre suas características distintas, aponta que na forma originária inexiste a transmissão entre os sujeitos, ao passo que na forma derivada há relação causal decorrida de negócio jurídico. E essa distinção é demonstrada pelo próprio Freitas (2015, p. 42), ao destacar que:

 

Na forma originária não há transmissão entre sujeitos, o sujeito torna titular do direito por fazê-la sua. De outro modo, a forma derivada de aquisição da propriedade há uma relação causal oriunda de negócio jurídico onde o anterior proprietário e o consequente adquirente figuram uma relação da qual envolva manifestação de vontade, transmissão de domínio como na tradição ou como no registro do título translativo.

 

Assim, independentemente da maneira em que é adquirida a propriedade imóvel, ou seja, sob a forma originária ou derivada, é necessário que seja realizado o registro do título de transferência no registro de imóveis. Pois é esse registro, quem regerá os efeitos contra terceiros, e acarretará também a publicidade, continuidade, especialidade, obrigatoriedade, e dará fé pública ao contrato (FREITAS, 2015).

Dito isso, e ao se observar as atividades que circundam os contratos de compra e venda. Esses se configuram como contratos solenes, pelo fato de exigirem formalidades especiais, que atribuem aos contratos de compra e venda de bem imóvel, caráter solene, haja vista que é necessária escritura da aquisição do imóvel (MIRANDA, 2008).

Torna-se de notória importância, ressaltar a validade que rodeia essa compra e venda para que ela alcance os efeitos almejados. Dessa maneira, é essencial que seja feita a chamada escritura do imóvel, junto ao cartório de notas (CAMPOS e SANTOS, 2012).

Essa efetivação essencial da escritura do imóvel em cartório de notas, também é apontada por Freitas (2015, p.44), onde destaca seu posicionamento ao dizer que:

 

Quando a coisa tratar-se de bens imóveis, o contrato de compra e venda dependerá de elementar substancial para que ocorre plena efetividade da transação. Qual seja a exigência dos artigos 108, 215 e 1.245 do código civil, quanto ao pressuposto da escritura pública e consequente registro junto ao cartório de imóveis competente; salvo quando envolver transação de imóveis com valor inferior a trinta vezes o salário mínimo vigente no país.

 

Outro fator inerente à compra e venda é no que se refere à chamada promessa de compra e venda, pois para Campos e Santos (2012), é por meio dessa promessa que as partes envolvidas na negociação selam seus compromissos para a futura consolidação do contrato. Ou seja, o comprador se responsabiliza em adquirir o bem em negociação, e o vendedor se compromete em vender tal bem. A partir desse feito, entra em ação o instrumento da promessa, também conhecido como pré-contrato, contrato preliminar ou ajuste prévio.

No entanto, nem tudo é tão simples como parece no que se relaciona a esse instrumento. Pois, “[...] infelizmente, grande parte das promessas de compra e venda não é levada para registro, não tendo, portanto nenhuma segurança jurídica são os famosos ‘contratos de gaveta’ (CAMPOS e SANTOS, 2012, p.119)”.

Sendo assim, essa modalidade de disposição em bens imóveis é caracterizada pela venda de imóvel acima de trinta salários mínimos, ainda que confeccionado um instrumento público de compra e venda, por sua vez não levado á registro no Registro de Imóveis competente. Neste caso, somente perfaz a existência de direitos reivindicatórios, obrigacionais, e não a efetiva disposição de direitos reais, qual seja a transferência do título de domínio (FREITAS, 2015).

No que se refere “a transferência do imóvel, no Brasil se exige uma escritura pública, mas a tendência é a simplificação. No SFH já se admitem as escrituras particulares” (RIOS, ARTHUR; RIOS JÚNIOR, ARTHUR, 2010, p. 80). Contudo, a existência somente do instrumento por escritura pública ou particular, não produz efeitos, devendo ser levado ao legítimo registro de imóveis para consolidar a transferência do direito de propriedade, exaurindo os efeitos reais sobre o mesmo e garantindo segurança jurídica.

Partindo desse contexto, segundo Scavone e Scavone Júnior (2014), a aquisição dos bens imóveis, entretanto, não se completa com a escritura. De acordo com os arts. 108, 1.227 e 1.245 e 1.267 do Código Civil se faz necessário o registro desse título aquisitivo. Dessa forma, a escritura, enquanto não registrada, não atribui direito real de propriedade, apenas direito pessoal, obrigacional, vinculando as partes. Portanto, a transferência do domínio sobre bens imóveis se concretiza com o registro do título aquisitivo junto ao registro de imóveis da comarca competente.

É importante ressaltar que a escritura pública de compra e venda é um instrumento obrigatório em todos os casos que o imóvel objeto do negócio seja de um valor superior a 30 salários mínimos conforme o mencionado art. 108 do Código Civil. Ela é um instrumento público, e que também gera obrigações entre as partes e será feita por um tabelião de notas. Já o registro não é um instrumento e sim um ato praticado pelo registrador de imóveis que vai fazer, enfim, a transferência da propriedade do vendedor para o comprador.

Portanto, o registro é a única forma de transferência da propriedade entre vivos, segundo o que dispõe o art. 1245 caput Código Civil, além disso, o § 1º do mesmo artigo afirma que aquele que não registra não é dono, o efeito do registro é erga omnes, então ele tem oponibilidade contra todos.

 

03. A INTRODUÇÃO DA FIGURA ATÍPICA DO “CONTRATO DE GAVETA” NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

 

O Brasil ao longo de sua história convive com problemas sociais, entre eles relacionados ao direito a moradia que rodeiam não somente a sociedade, mas também o próprio sistema jurídico como um todo. Pelo fato de a necessidade da moradia e habitação ir de encontro com a falta de recurso, aos brasileiros, para aquisição da casa própria. E isso é observado por Freitas (2015, p.66), ao apontar que: “a necessidade de moradia e habitação contrapondo com a carência de recursos e do precário acesso em vias de aquisição da casa própria por parte dos brasileiros, sempre persistiu dentre as pautas reivindicatórias [...]”.

Dessa maneira em 1964 criou-se a Lei n.º 4.380, que regulamenta o sistema financeiro de habitação (SFH), e que surge como um novo preceito para a política habitacional adotada no Brasil. Pelo fato de ter como intuito o reconhecimento inequívoco da participação do governo, com relação a problemas voltados para habitação e moradia. Tal lei visa assegurar moradia e habitação aos brasileiros através de financiamentos, e com isso conseguir a garantia do direito fundamental a propriedade e seus desdobramentos (FREITAS, 2015).

Entretanto essa Lei, ainda não é suficiente para a garantia integral do direito a propriedade. Pois a figura atípica do “contrato de gaveta”, ainda possui presença marcante nas relações de compra e venda de bem imóvel, uma vez que a compra desse bem acaba sendo baseada no instrumento da promessa de compra e venda que por não ser registrada em cartório de notas, acaba não sendo dotada de toda a solenidade que o contrato de compra e venda detém. Sendo assim, Freitas (2015, p.68) aponta que “[...] notoriamente ficou conhecido esta modalidade de disposição em bens imóveis, como: ‘Contrato de Gaveta’, ainda que carecedora de todos os elementares para tal consecução”.

Modalidade essa, que já faz parte das relações de compra e venda de imóvel realizada entre os brasileiros. Pois, de acordo com Campos e Santos (2012, p.117):

 

Hoje em dia o que se percebe com muita frequência é a realização da Compra e Venda de bens imóveis através da famosa Promessa de Compra e Venda, ou Compromisso de Compra e Venda e usualmente chamado pela população em geral de contrato de gaveta.

 

Essa modalidade acaba ocorrendo com tanta normalidade entre os brasileiros, pelo fato de boa parte da população desconhecer a necessidade de registro do imóvel para efetivação do uso da propriedade. E também, por crerem que a simples realização de um contrato entre particulares, já possua o poder de transferência da propriedade. Fator esse, que acaba induzindo os brasileiros a uma falsa situação de propriedade (CAMPOS e SANTOS, 2012).

 

04. OS RISCOS NAS TRANSAÇÕES IMOBILIÁRIAS REALIZADAS ATRAVÉS DE “CONTRATO DE GAVETA”.

 

A falta de registro público dos contratos de gaveta, unida às normas que limitam a validade e eficácia desses contratos acarreta diversos riscos, para aqueles que decidem por essa forma de utilização de contrato. Pois, as partes que optam por contratos como esses, fazem isso na intenção de ceder os contratos de aquisição e financiamento do SFH. (CONSTANTINO, 2007).

Para elucidar essa situação de riscos e insegurança, delineados nos “contratos de gaveta”, Freitas (2015, p. 94), ressalta que:

 

Como a negociação por via de “contrato de gaveta” é carecedora de formalidades, ausência do registro no cartório de imóveis, para cumprir seus efeitos, e sobretudo na maioria das vezes ocorre a termo, perdurando a nova relação negocial por diversos anos; a relação negocial fica sujeita à uma insegurança, traçando vulnerabilidade dentre as partes interessadas e ou terceiros.

 

Ressalta também, Castilho apud Carvalho (2009, p.16), ao alertar para os riscos do contrato de gaveta, ao destacar, por exemplo, que:

 

[...] a demora para regularizar o inventário, contrato de gaveta e falta de documentos que tragam clareza à negociação podem resultar em sérios problemas para ambas as partes do negócio. Problemas com documentação (ou falta dessa) – documentos sem assinatura, por exemplo – podem levar à desvalorização e até mesmo, à perda do bem, como também imóveis por quem não poderia realizar tal ato [...].

 

Atrelada a essa demora surgem outros aspecto relevante a essa insegurança contratual, que vão desde, por exemplo: a ocorrência da morte superveniente do cedente/vendedor; a sujeição de penhora do imóvel por dívida do vendedor; a venda do mesmo imóvel para outras pessoas; dificuldade por parte do adquirente, quando da quitação, para efetivar a transferência do título, ou outorga da propriedade plena; etc., até desembocar na conduta movida por má-fé daquele que vende o imóvel, e que movido por esse ideal poderá, por exemplo, alienar o imóvel, objeto do contrato de gaveta, para uma variedade de interessados. Fator esse último, que poderia ter sido evitado caso tivesse sido juntada à matrícula uma averbação de cessão de direitos, ou promessa de compra e venda concluída e dotada de produção de efeitos. Pois, a partir do momento em que há essa produção de efeitos, qualquer interessado no imóvel, poderá solicitar certidões junto ao cartório de imóveis, que especifiquem todas as condições do imóvel pleiteado (FREITAS, 2015).

Outrossim, essa demora na regularização do contrato de gaveta e a falta de documentos que carreguem consigo clareza à negociação, podem acarretar em problemas para ambas as partes na negociação. Uma vez, que a simples apresentação de documentos referentes ao imóvel, com ausência de assinaturas, por exemplo, poderá incorrer na desvalorização do mesmo, ou na própria perda do bem, e até mesmo na venda de imóveis por pessoas sem habilitação para realizar tal venda (CASTILHO APUD CARVALHO, 2009).

Além desses riscos já mencionados, Freitas (2015, p. [?]), ainda pontua que:

 

[...] a mais notória das dificuldades se refere à outorga do título de domínio, tendo em vista que o “contrato de gaveta” seja nas modalidades de promessa de compra e venda, cessão de direitos ou das inúmeras fórmulas tituladas, quando não tendo registro prévio junto ao registro de imóveis competente não estará apto em produzir os efeitos reais junto ao imóvel, este, a transferência de domínio. Mesmo que em alguns casos, as avenças envolvam como acessório a existência de procuração pública com o instituto “em causa própria” regulado pelo código civil artigo 685 “Conferido o mandato com a cláusula “em causa própria”, a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte [...].

 

Logo, se constata que existem consequências tanto para o cedente, como para o cessionário. Ao passo que para o primeiro, há a transferência do direito de pagamento das prestações que faltarem para um gaveteiro, e em caso de inadimplência desse gaveteiro o cedente pode ser inscrito no banco de dados para protesto, além de ser obrigado a cobrir a inadimplência do gaveteiro. No segundo, pode haver a penhora e adjudicação judicial do bem, pois a propriedade encontra-se registrada no nome do mutuário original, além de poder ocorrer coexistir a má fé por parte do vendedor, tendo em vista que não há registro do contrato. E, também nesse caso não haverá a presença do seguro por morte ou invalidez, que existe nos contratos amparados pelo SFH, entre outros riscos ocasionados pela execução do contrato de gaveta (CONSTANTINO, 2007).

 

05. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

 

Portanto, partindo da premissa da construção lógica deste trabalho a respeito do presente tema, entende-se que algumas noções são imprescindíveis para o conhecimento das pessoas. Vale ressaltar que o contrato de promessa de compra e venda é um instrumento particular o qual uma parte promete vender e a outra promete comprar de acordo com as condições estipuladas no contrato.

Este contrato não é um instrumento obrigatório, mas quando feito ele gera obrigações entre as partes, ele não é um instrumento que se faz possível a transferência da propriedade com ele, desde que esse imóvel seja superior a 30 salários mínimos. Pois conforme o art. 108 do Código Civil todos os imóveis com o valor abaixo de 30 salários mínimos não precisam de uma escritura pública de compra e venda para transferir a propriedade no registro de imóveis, então nesses casos o simples contrato vai bastar para que seja feita a transferência da propriedade (BRASIL, 2002, art. 108).

Já a escritura de imóvel é feita no cartório de notas, mas este ato não conclui o processo da compra do imóvel, é muito importante logo após a escritura, levar a escritura para registro na matrícula do imóvel, essa matrícula descreve o histórico do imóvel, ela fica localizada em um cartório de registro de imóveis.

Além disso, quando se faz a compra através de um financiamento habitacional, o contrato de financiamento adquire poder de escritura. Ele é um instrumento particular, mas tal instrumento vai funcionar como uma escritura, sendo, assim, possível leva-lo para o cartório de registro de imóveis da mesma forma que a escritura, a fim de consolidar o registro.

Há de se destacar o fenômeno dos “contratos de gaveta”, que nada mais são do que acordos particulares realizados entre o mutuário que adquiriu o financiamento com o Banco e terceiro para o qual o imóvel é transferido, porém para o Banco o devedor continua sendo o mutuário. O comprador de um imóvel faz um financiamento com a instituição financeira tornando-se proprietário do bem e devedor do financiamento. Existe uma garantia do financiamento incidente sobre imóvel, ou seja, se o comprador não quitar o valor do financiamento o imóvel responderá pela dívida, embora o bem possa ser vendido o negócio apenas pode ser realizado com o consentimento do Banco, acontece que as instituições financeiras muitas vezes não concordam com a venda do imóvel sem o reajuste do saldo devedor, dessa forma, cogita-se firmar um contrato de compra e venda.

Este tipo de contrato se dá por meio de um instrumento particular de um compromisso de compra e venda que não pode ser registrado devido à discordância formal do Banco. Apesar de ser muito comum o contrato de gaveta não é seguro, pois traz riscos evidentes, por exemplo: o proprietário antigo poderá vender o imóvel à outra pessoa, o imóvel pode ser penhorado por dívida do antigo proprietário, o proprietário antigo pode morrer e o imóvel ser inventariado e destinado aos herdeiros, como não bastasse, o próprio vendedor poderá ser prejudicado caso o comprador fique vendendo taxa condominial, ou impostos do imóvel, pois está sujeito a ser acionado judicialmente em razão de ainda figurar como proprietário do bem.

Em um país como o Brasil, é lamentável que os financiamentos do SFH estejam inseridos em um contexto tão caótico e deficitário no que tange a questão habitacional. Desse modo, cabe aos jurisprudentes a emissão das decisões definitivas acerca do problema, para que se conduzam os casos concretos a um desfecho em consonância com a vigente noção de justiça (VIEIRA, [s.d]).

Por fim, é notável que o “contrato de gaveta”, no que diz respeito às transações de bens imóveis acima de trinta salários mínimos, como já mencionado, costumeiramente carece dos efeitos reais inerentes ao registro no cartório de imóveis. Pois requer regulamentação, formalidade e apresentam nos casos concretos grande vulnerabilidade e insegurança jurídica.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 outubro 1988. Disponível em: . Acesso em: 26 de Março de 2017.

 

BRASIL (1964). Lei 4.380 de 21 de agosto de 1964: Institui a Correção Monetária nos Contratos Imobiliários de Interesse Social, o Sistema Financeiro Para a Aquisição da Casa Própria, Cria o Banco Nacional de Habitação (BNH), e Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo e dá outras Providências.  Brasília: Presidência da República.

 

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial

da  República  Federativa  do  Brasil,  Brasília,  DF, 2002.  Disponível em: .  Acesso em: 27 de Março de

2017. Artigo 104.

 

CARVALHO, Cristiane Miranda de. A importância da regularização do patrimônio imobiliário para a participação econômica das famílias na cidade de recife: uma análise exploratória. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2009. 68 p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Economia, Recife, 2009. Pdf.

 

CAMPOS, Carolina Lopes; SANTOS, Verônica Lopes Cançado dos. Noções básicas para a compra e venda de imóveis: uma busca pela segurança jurídica. In: SynThesis Revista Digital FAPAM, Pará de Minas, nº 3, 107 - 129, abr. 2012. Disponível em:< http://periodicos.fapam.edu.br/index.php/synthesis/article/view/55>. Acesso em: 14 mar. 2017.

 

CONSTANTINO, Murilo Rafael. Contratos de gaveta no sistema financeiro da habitação: um tipo social de contrato. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2007. 66 p. Monografia (Graduação) – Setor de Ciência Jurídica, Curitiba, 2007. Pdf.

 

FREITAS, Regis Arantes de. Carência regulatória do contrato de gaveta. 1ª ed. Frutal, Minas Gerais: Prospectiva, 2015.

 

MIRANDA, Maria Bernadete. Teoria Geral dos Contratos. In: Revista Virtual Direito Brasil, vol.2, nº 2, 2008. Disponível em:< http://www.direitobrasil.adv.br/artigos/cont.pdf >. Acesso em: 25 mar. 2017.

 

RIOS, Arthur; RIOS JÚNIOR, Arthur. Manual de Direito Imobiliário. 4. ed., Curitiba: Juruá, 2010.

 

SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio, Direito imobiliário: teoria e prática, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014.

 

VIEIRA, Rodrigo Martins. Aplicabilidade do caráter social no Sistema Financeiro Habitacional brasileiro. Bacharel em Direito - Formado na Universidade Estácio de Sá. Disponível em: < www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/28920-28938-1-PB.pdf> Acesso em: 04 de Junho de 2017.