VISÃO DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL EM RELAÇÃO A ÁREAS DE VÁRZEAS

Paulo Sergio Sampaio Figueira

Advogado e Mestre em Direito Ambiental e Políticas Públicas

 

As normas ambientais e florestais surgiram para instruir sobre o uso dos recursos naturais e podem ser considerados como principal instrumento de conservação e proteção ambiental. Para fazer cumprir as normas, é estabelecida a legislação ambiental e florestal que tem o objetivo  traduzir a política ambiental e florestal para a vida prática no campo. 

A realidade no Brasil é que a maior parte das propriedades no Brasil não seguem os requisitos legais ambientais, devido, principalmente, à dificuldade de adequação, custos e falta de informação. 

Em tempos atuais, é pacífico o entendimento de que a degradação desenfreada presenciada no histórico de desenvolvimento do Brasil e do mundo não pode continuar. Não obstante, a necessidade de preservação esbarra em interesses socioeconômicos, havendo, pois, muitas divergências quanto aos critérios e meios de se garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado, ainda que haja certeza e concordância quanto à existência em si do próprio Direito. O ponto de equilíbrio entre os vários fatores e vieses do desenvolvimento sustentável (social, econômico, ambiental, político, cultural).

Na região terminante deste problema, encontra-se a legislação florestal que, em função das Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal, é vista por muitos como uma das principais normas do Ordenamento Jurídico pátrio com o escopo de proteção ambiental, em que pese ser, de outro turno, vista, por tantos outros, como uma Lei que impõe obrigações impossíveis de serem cumpridas, constituindo, ao final, um inaceitável entrave ao desenvolvimento do País e à melhoria das condições da vida no campo. Essas discussões foram muito bem apontadas nos debates que culminaram na promulgação do Novo Código Florestal (Lei nº. 12.651/12), que tinham em lados opostos os “ruralistas” e “ambientalistas”.

O Novo Código Florestal, Lei n.º 12.651/12 conservou o mesmo conceito dado para as APPs estabelecido na Lei Federal n.º 4.771/65 (antigo código florestal), considerando o caráter de preservação da área, independente de estar ou não coberta por vegetação nativa. Assim, como sustenta ainda as funções ambientais, isto é, a preservação dos recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade geológica e da biodiversidade, bem como de promover o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e de assegurar o bem-estar das populações humanas (art. 3º, II).

Por sua vez, a Lei n.º 12.651/2012 prevê dois tipos de áreas de preservação permanente no Brasil: o primeiro tipo é previsto no artigo 4°, cujo conceito tem relação com a situação das áreas e da vegetação. Há aqui, uma autoaplicabilidade da própria lei, não exigindo regulamentação para sua efetividade, uma vez que as áreas de preservação permanente constantes do citado artigo, são consideradas existentes, ou como devendo existir, desde que haja a ocorrência de determinadas situações fáticas. Neste diapasão, são áreas de preservação permanente, segundo o artigo 4° da Lei n.° 12.651, com as modificações da Lei n.º 12.727, ambas de 2012, aquelas situadas em zonas rurais ou urbanas, com as seguintes categorias:

 

I - as faixas marginais de qualquer curso d’água (...); II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais (...); III - as áreas no entorno dos reservatórios d’água (...); IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica (...); V - as encostas ou partes destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive; VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; VII - os manguezais, em toda a sua extensão; VIII - as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; IX - no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25°, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base (...); X - as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação; XI - em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado (BRASIL, 2012).

 

Cabe asseverar que as referidas áreas de preservação permanente, são estabelecidas diretamente pelo texto legal, portanto, de forma genérica, e atingem a todos os imóveis que se encaixem na caracterização decorrente da conjugação dos artigos 3º, inciso II e 4º da Lei, não havendo qualquer alteração na titularidade do domínio do bem, e, por conseguinte, qualquer tipo de indenização para o proprietário. O que ocorre, simplesmente, é a concretização da função socioambiental da propriedade, somente sendo garantida a propriedade ao dono da coisa partir do momento em que há o atendimento da função socioambiental.

Por outro lado, o segundo tipo de área de preservação permanente, é previsto no artigo 6° da Lei n.º 12.651/2012, e tem relação com a finalidade das mesmas. Assim, é possível que o Poder Público, possa instituir outras áreas de preservação permanente, declaradas de interesse social por ato do chefe do executivo, destinadas a uma ou mais das seguintes finalidades:

 

Art. 6º [...] I - conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha; II - proteger as restingas ou veredas; III - proteger várzeas; IV - abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção; V - proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico, cultural ou histórico; VI - formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias; VII - assegurar condições de bem-estar público; VIII - auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares; IX - proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional.

 

Nesse contexto, é o decreto do Prefeito, do Governador ou do Presidente da República o ato jurídico adequado para a criação de uma nova área de preservação permanente nos casos especificados no artigo 6° da Lei n.º 12.651/2012. Observa-se que diferentemente do que ocorre na APP prevista no artigo 4º da Lei n.º 12.651/2012, caso a APP constante do artigo 6° se constitua em área de domínio privado, levará à desapropriação e consequente transferência do imóvel para o domínio público, havendo ainda a obrigação de indenizar o expropriado pelo prejuízo em seu exercício de propriedade.

Entretanto, verifica-se alteração bastante expressiva quando estabelece que as APPs de cursos d´água sejam contabilizadas da borda da calha do leito regular e não do seu nível mais alto.

Desta maneira, foi reduzida de forma drástica a proteção dos cursos d´água, pois a faixa ao longo dos mesmos é localizada no que se entende ser o próprio corpo d´água, uma vez que o leito maior sazonal nada mais é do que o local em que as águas extravasam no período de cheias, correspondentes às planícies de inundação, também conhecidas como várzeas. A figura x ilustra a situação em epígrafe, com a locação da APP tal como determina a legislação vigente.

 

 

               Figura 1: Ilustração da APP locada a partir da borda da calha do leito regular.

              Fonte: ABES (2012).   

 

Assim, o corpo d´água não pode ser entendido somente onde as águas correm na maior parte do tempo, pois o seu leito, sazonalmente, varia, em função das chuvas.

Como consequência as várzeas, situadas no leito maior sazonal, ficaram muito vulneráveis, pois parte delas corresponde à APP e o restante não tem nenhum tipo de proteção. Fato este que não acontecia no antigo Código Florestal de 1965 que as protegiam.

É importante salientar que as várzeas são ambientes extremamente importantes sob o aspecto da manutenção do equilíbrio da dinâmica do sistema hídrico assim como do equilíbrio ecológico. São as várzeas que dissipam as forças erosivas do escoamento superficial de águas pluviais, funcionando como importantes controladores de enchentes.

Também as várzeas promovem a precipitação e a deposição de sedimentos suspensos na água, reduzindo substancialmente os custos de tratamento de água para abastecimento. Assim, como têm importância biológica porque fornecem alimento, abrigo e sítios de alimentação e reprodução para muitas espécies, podendo ter ainda valores estéticos e culturais ímpares.

Na zona marginal, além do abrigo da biodiversidade com seu provimento de serviços ambientais, os solos úmidos e sua vegetação nas zonas de influência de rios e lagos são ecossistemas de reconhecida importância na atenuação de cheias e vazantes, na redução da erosão superficial, no condicionamento da qualidade da água e na manutenção de canais pela proteção de margens e redução do assoreamento.

Destarte, vale enfatizar que existe amplo consenso científico de que são ecossistemas que, para sua estabilidade e funcionalidade, precisam ser conservados ou restaurados, se historicamente degradados.

De todo exposto, uma importante alteração ocorreu na forma de contagem: enquanto na legislação anterior se iniciava a contagem do “leito maior” do curso; no Novo Código, o início se dá da “borda da calha do leito regular”. A mudança diminui a área protegida, permitindo por exemplo, a utilização da várzea que se encontre após a metragem estipulada de APP contada da borda da calha do leito regular do curso d’água, com isso o Novo Código Florestal exclui proteção das várzeas e não impede sua exploração econômica, tudo baseado com a justificativa de tirar da ilegalidade histórica milhares de ribeirinhos, entretanto não exclui uso das áreas por empresas e prevê fim da proteção ao entorno dos lagos naturais.

Isto significou uma a efetiva redução dos limites das APPs às margens de cursos d'água, uma vez que a nova medida ignora as épocas de cheias dos rios. Dado que o regime fluvial varia ao longo do ano, a calha será menor nos meses secos que nos meses chuvosos.

Vale enfatizar que além das áreas descritas no artigo 4º, ainda podem ser consideradas nesta categoria, quando assim declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo, as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinadas à contenção da erosão do solo e mitigação dos riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha; à proteção as restingas ou veredas; à proteção de várzeas; ao abrigo de exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção; proteção de sítios de excepcional beleza ou de valor científico, cultural ou histórico; formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias; assegurar condições de bem-estar público; auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares; proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional (art. 6º).

Por sua vez, em no dia 18 de outubro, a Lei nº 12.727/12, altera a legislação sobre Novo Código Florestal em nove vetos, a seguir exposto:

Os  dispositivos  vetados  tratam  de  várzeas  (art.  4º,  §9º);  cômputo  de  APP  e  RL (art.15,  §4º,  inciso  II);  de  reflorestamento  com  frutíferas  (art.35,  §1º);  implantação  do PRA (art.59, §6º); e dos parâmetros para a recomposição de APP em áreas consolidadas (arts. 61-A, incisos I, V e §18; 61-B, inciso II). Este último ponto estava contido na MP n.º 571/2012 e causou muita celeuma no Congresso Nacional por abranger mudanças no escalonamento de faixas  de  recomposição  de  APP,  em  função  do  tamanho  da  propriedade. 

 

Artigo alterado

Temática

Art. 4º, §9º

Não se considera Área de Preservação Permanente a várzea  fora  dos  limites  previstos  no  inciso  I  do   caput, exceto  quando  ato  do  poder  público  dispuser  em contrário nos termos do inciso III do art. 6º.” Segundo especialistas e ambientalistas, essas áreas têm proteção específica e não  se  incluíam  na  regra  voltada  aos  rios,  portanto,  vetar  esse  artigo  significa impedir que essas áreas que regulam a produção, o fluxo de água e os organismos biológicos fiquem desprotegidas.

Art. 15, §4º, II

Quando ocorresse o computo da Reserva Legal com a APP, seria permitido o uso alternativo do solo em até 50% da propriedade. Com o veto  fica  claro  que  esta  é  uma  possibilidade  que  regula  uma  situação  extrema  e excepcional  (caso  de  floresta  da  Amazônia  Legal)  ficando  as  demais  situações

protegidas pelas regras de proteção em vigor.

Art. 35, §1º

Tratava de autorização prévia para plantio e reflorestamento. Com o veto, fica impossibilitada a recomposição da APP apenas com frutíferas, incluindo espécies florestais nativas e exóticas.

Art. 59, §6º

Estabelecia um prazo de 20 dias para promover a regularização de produtores já autuados, após a disponibilização do PRA. Com o veto, essa previsão deixa de existir.

Art. 61-A, §4º, I

Tratava da recuperação mínima de 15m para as propriedades entre 4 Modulos Fiscais  e 15 Modulos Fiscais  em rios menores de 10 metros. Para suprir a lacuna deixada, o Decreto n.º 7.830/12 definiu a necessidade de recuperação entre 30 e 100m para imóveis com área superior a 10 módulos fiscais; 20m para imóveis com mais de 4 e até 10 módulos fiscais; 15m para imóveis com mais de 2 e até 4 módulos fiscais; 8 m para imóveis com área superior a 1 e até 2 módulos fiscais; e 5 m para imóveis com até 1 módulo fiscal.

Art. 61-A, §13, V

Permitia o uso de frutíferas para recuperação de APP. Para imóveis, reafirma-se a impossibilidade de recomposição de APP apenas com frutíferas (exóticas ou nativas).

Art. 61-A, §18

Exigia uma recuperação mínima de 5m nos rios intermitentes de até 2m. Exclui-se a previsão de recuperação de apenas 5m para atividades consolidadas em ao longo de cursos d’água intermitentes.

Art. 61-B, III

Com o veto, retira-se a exceção criada para os imóveis com área superior a 4 e de até 10 Módulos Fiscais, no caso daqueles que detinham até 10 módulos fiscais em 22 de julho de 2008. Ficam, portanto, obrigados a recompor a integralidade da área, independentemente do fato da APP ocupar área superior a 25% do imóvel.

Art. 83

O dispositivo revoga uma série de atos normativos importantes, referentes ao Código Florestal. Em nome da boa técnica legislativa, o artigo 83 foi vetado, tendo em vista as implicações de se revogar, por exemplo, um dispositivo pertencente ao próprio diploma legal em que está inserido. 

Dos nove pontos vetados pela presidente Dilma Rousseff à Medida Provisória n.º 571/12 que altera o Novo Código Florestal, um é considerado mais preocupante que é referente ao artigo 4º que não considerava Área de Preservação Permanente (APP) a várzea fora dos limites pré-estabelecidos. Com o veto, a questão fica sem regulamentação legal definida, deixando margem para vários tipos de interpretação, consequentemente com isso abre uma lacuna jurídica a ser definida, uma vez que o produtor não terá certeza se pode ou não plantar nas áreas de várzea.

Com esta nova lei também não será mais necessária à averbação da Reserva Legal, porém, será obrigatório o registro da propriedade no Cadastro Ambiental Rural (CAR).  O CAR é um registro eletrônico, para todos os imóveis rurais. Sua finalidade é integrar as informações ambientais referentes à situação das APPs, Reserva Legal e das florestas e dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Uso Restrito e das áreas consolidadas das propriedades e posses rurais do país.