Violência nossa de cada dia

 

AIRTON RODRIGUES MOREIRA – Advogado Criminalista

O que deve fazer o Estado?

A cidadania e o respeito à pessoa humana.

Quem nos protege de fato?

 

                                               São tempos difíceis estes em que não se pode mais transitar ou trafegar com segurança pelas ruas e logradouros de uma cidade, ou suas praças (1) como ainda faziam os nossos avós.

*Acho que nem existem mais praças. Os prefeitos as detestam.

Sofrer o perigo de um assalto aqui ou ali, de estupro ou da própria morte que vai à espreita, sem que se possa lutar para impedir isso, faz restar a cautela de não mais sair de casa, fazendo-se isso somente quando extremamente necessário, e cria uma situação de convivência do homem moderno com o medo e com o inevitável.

Não é preciso ir muito longe de nossas casas para que se enfrente algo ruim, trágico ou que a algum seria incomum, como tiroteios, gritos de desespero de pessoas apanhadas pela onda de violência.

À noite, em nossas casas, ficamos estarrecidos com os noticiários televisivos, informando todos os dias pessoas mortas brutalmente, mulheres despedaçadas, balas perdidas e sequestros inaceitáveis.

Parece que vivemos em meio a uma guerra civil ou, como li certa vez, o retorno do velho oeste, só que não mais na terra dos “yanques”.

As autoridades, misto de apatetadas e impotentes, dão justificativas sem nó e sem nexo na mídia, prometendo isso, dizendo aquilo, culpando a justiça que solta, sem explicar, no entanto, que quase 80% dos crimes ocorridos no país sequer são investigados, e os que são sequer tem apuração clara e correta.

E é um país onde falta tudo: polícia, recursos, estrutura, política clara de combate ao crime e á violência, estudos dos problemas sociais e respectivas soluções, protelações econômicas e de investimento em saúde e educação, enquanto estas autoridades fazem e bancam verdadeiras “folias de ruas” com o dinheiro público, e algumas, antecipam sua incompetência, o que justifica a inação das mesmas.

 

Mas, falta às pessoas de um modo geral, a confiança na solução destes problemas, e falta ainda a consciência do que é preciso ser feito ou cobrado das autoridades, por exemplo, porque não existe uma programa claro e eficiente, ou testado, visando findar tais questões, sejam sociais, econômicas ou políticas, ou pelo menos fazer o correto controle?

Tudo porque, no caso brasileiro, temos um Estado, que não tem muita preocupação com o cidadão e a cidadania. Não tem. Esses termos repetidos apenas para discursos e retórica.

A mídia fala o Estado corre atrás, os políticos se apequenam, com medo de prejuízo eleitoral. A mídia denuncia, muitos se escondem.

No nível maior, o governo toma conta das questões com pouca importância, nenhum planejamento, algo de somemos.

A prova disso está nas medidas que o Governo toma para sanear a economia, ou para retomar o desenvolvimento que sugere, medidas tomadas para satisfazer amigos do Poder, ou seja, espoliando as classes menos favorecidas e trabalhadores.

Alguns arautos vêm à televisão dizer que isso é por que o país está mudando e a globalização tem encontrado um povo sem formação ou qualificação, daí o desemprego, o atraso, a legislação retrógrada, e outras explicações, como apenas estivessem eles constatando o óbvio.

                                               Os discursos esbravejados são contra a CLT ou a lei penal, ou a favor de redução de menoridade penal, penas mais duras, como se somente leizinhas de cartilhas bastassem.

Por outro lado, mantém-se uma cultura policial hostil e pouco afeita ao homem, ao cidadão, mas fundada em algumas estratégias de segurança pública, herdadas do sistema militarizado que até então nos governava. Vige com todo o vapor, a ideia de hierarquização nas polícias. Tenentes, capitães, coronéis, patentes que não valem absolutamente nada para desenvolver polícias urbanas ou rurais armadas.

Nossa Polícia com estrutura militar, por exemplo, é preparada para identificar o cidadão como um “paisana”, que nada tem a ver com um que use farda, sendo seu inimigo, ou no mínimo, pouco confiável.

Aliado a isso, temos policiais investidos em funções burocráticas, em trocas de memorandos e no cumprimento de diligências, totalmente afastados da investigação técnica e científica criminal. Técnicas que desconhecem, pois a única forma que conhecem é a de sair perguntando quem fez isso e quem sabe onde está o infrator.

Somando ainda, temos outras questões extra policiais, como problemas com a Reforma Agrária, boa no discurso, sem coragem política e sem decisão planejada.

Pior para nós, pois nossas cidades inchadas e sem oportunidades ou mercado para todos, que aglomerados vão aumentando o sistema crítico de vivências e convivências, baseado mais em conflito do que em esperança de vida urbana saudável e sustentada. Gera-se contradições de natureza antropológicas, somadas as sociais e econômicas.

Os conflitos originados nessa dimensão e tumulto populacional sem controle e sem investimento governamental, geram a desconfiança de um abandono, e daí outros problemas e mergulho de pessoas em atividades ilícitas em busca de sobrevivência.

Litígios e conflitos pessoais são resolvidos à bala, em qualquer lugar e hora, no trânsito, nos bares, nas ruas. Há até matanças coletivas, um absurdo, que mostra-nos uma sociedade reativa mas de forma negativa.

Nas ruas de qualquer cidade, o retrato é: menores abandonadas, meninos nos faróis pedindo dinheiro ou ajuda, outros até abordando pessoas em seus carros para tomar-lhes pertences.

Ruas, estas, cheias de famílias abandonadas e menores que se tornam infratores, onde alguns deles acabam iniciando cedo a vida criminosa.

Para solucionar conflitos e litígios dessa natureza o governo é tímido, aliás, teme até fazer alguma coisa pois não planeja o que fazer. Nada é realmente tratado ou retratado, mas sim adiado.

Por sua vez um Judiciário abarrotado de ações e reclamações sem respostas e sem andamento, sem agilidade ou tecnologia, o homem comum prefere nomear outros tipos de soluções, dispensando a tutela jurisdicional.

Aliás, o Judiciário mais teme a mídia que ações ou reações públicas. Quando esta estampa o que o Judiciário não faz, no dia seguinte aparecem juízes condenando quem aparecer na frente deles ou mandando prender o que esqueceu de fazer antes.

 

                                               A temática é atual, oportuna e se encontra cristalizada no nosso sentimento de incerteza ante o futuro da sociedade, que sendo marcada por tanta violência e por tantos crimes,  já não tem proteção em casa, quanto mais na rua, de arremate, não confia nas instituições.

                                               Não está mais adiantando construir condomínios, áreas fechadas, “shoppings”, pois não importando o que se faça, pela inação, os bandidos se saem ousados.

                                               Todavia, resta o problema irresoluto quando pensamos como ou quanto custa morar em uma casa, quando se tem uma. Pelo menos, um lar, dá a vantagem de defendê-lo, e cria no ser e dono, a obrigação de sua defesa e vida.

                                               Os mais favorecidos, são também vítimas comuns, vão investindo em “tipos de fortalezas”, blindagens, que não vem resolvendo muito, pois não podem viver trancados toda uma vida.

                                               O crime é um fato humano, mas a violência um fato e realidade social, onde vários fatores convergem para desnormalização.

                                               A criminalidade é o resultado ou soma das violências, fenômenos de massa.

                                              

                                               Sabemos, por exemplo, que encontrando na desordem das migrações feitas do campo para a cidade, sua contingência e condição, e essa gente jogada nas periferias dos centros urbanos ou longe deles, entregue à própria sorte, sem um mínimo de estrutura e saneamento básico, um fato que pressiona e revolta, levando o homem à deflagração de conduta violenta e criminosa.

                                               Voltando-se às soluções, que não vemos, não nos anunciam as autoridades, não se movem coerentemente, temos que conhecer fatores que marcam, necessidades humanas, se possível a busca d deum modelo econômico mais justo, e então sim, aplicar o modelo de combate desde normas e aparelhos repressivos, que se apresentem quando fracassadas as medidas de prevenção ao crime.

Mero endurecimento de pena pouco ajuda, pois persistindo a impunidade consequente da pouca atividade técnica e científica do Estado, do preparo de seus agentes, das respostas tecnológicas aplicáveis, da eficiência da aparelhagem, sabe o bandido que sequer será pego, muito menos preso, daí as estatísticas indicando que mais de 80% dos crimes não são solucionados.

O povo em meio ao marasmo, amedrontado, cria reações que levam a novas violências e desobediências civis.

Há que se planejar seriamente a proteção os menores, a retirada deles das ruas, a proteção das mulheres com um sistema capaz de regredir o agressor, quer quem ele seja, pena dura sim para o adulto que usar menor em suas empreitadas ilícitas, a melhoria da vida nos bolsões de miséria e nas favelas, investimento nas escolas para preparar os alunos ao combate de drogas ilícitas.

Menoridade penal? Bobagem. Se a lei disser que menor é abaixo de 16 anos, temos que nos preparar para combater os menores 11, 12, 13, 14 e 15 anos, as próximas vítimas do sistema mal planejado e baseado tão somente em leis de fornalhas. Aquelas que saem quentes e depois esfriam.

Ademais, as ruas continuarão abarrotadas, os faróis idem, etc., etc.

Já disse em outra oportunidade, que ouvimos falar e lemos nos noticiários jornalísticos de violência praticada contra a mulher.

Que alguns Estados, criaram as chamadas “Delegacia da Mulher”. Fui em uma dessas, uma repartição precária, e o agente dali mais mal preparado que os agentes das delegacias comuns. Até o perfil machista muitos conservam.

Esse perfil é cultural, mas devia ser reciclado e não devia ser encontrado ali.

Certa vez uma cliente minha foi presa, com estardalhaço da mídia, quando compareci à DP, todos queriam saber quem era musa.

Mas os comentários eram os mais jocosos possíveis, que preferi fingir que não era eu o advogado do caso.

Em Brasília, no Rio e em São Paulo, ou no Nordeste, a coisa muda pouco e o Brasil se parece em tudo, despreparo, medidas precárias, soluções para inglês ver, leis que saem do Congresso para utilidade alguma, ou mesmo leis que não vão ser implementadas, vão reclamar recursos para elas não criados, enfim, as coisas funcionam mal, e a violência num e noutro lugar pouco muda.

Tenho dito a amigos, que o Brasil deveria ser dividido em quatro regiões autônomas, e cada uma deveria ter um presidente e um poder local bem específico, aí sim, as coisas iam funcionar melhor e o controle também. Do jeito que está até a doutrina anarquista tem medo de colaborar. Vai saber, o mal ainda é pior que o PT.

                                               Há outras violências, como a violência no trânsito, contra crianças abandonadas e menores de rua ou adolescentes, muitos são mortos até pela própria polícia.

                                               A falta de investimentos para retirar os menores das ruas e encaminhá-los a uma vida mais oportuna, a violência nos presídios e a policial, seguem em crescimento e vão se alastrando em todo o país, e falar disso já está cansando, o discurso volta tudo para o mesmo lugar.

                                               Também combato a Polícia Militar, não pela denominação dela, mas por que implícito sempre está a correia de uma hierarquia inútil, de aparato militar, igual as polícias setoriais das armas.

                                               A questão de sua melhor não passa por usar ou não farda, ou equipamentos de repressão ostensiva, mas um repensar do próprio sistema de polícia para retirar da Polícia Militar, aquela mentalidade de que é um polícia para servir o Estado e acima de tudo o Estado e agir como se exército fosse.