UMA ANALISE DA VISÃO DE COMPROMISSO ÉTICO COM A LINGUAGEM E CONHECIMENTO DE SÓCRATES EM DETRIMENTO DA IMPOSIÇÃO DO ORDENAMENTO JURIDICO GREGO

 

Juliana Cristina dos Reis Freire²

Marynelle Leite³

SUMÁRIO: 1. Considerações gerais a respeito do julgamento.2. Concepção de ética e justiça socrática. 3. A lei como limite entre a civilização e a barbárie. 4. O respeito à vida política em detrimento à própria vida.

 

 

 

            RESUMO

Como sabemos, Sócrates era considerado um mestre da retórica e poderia muito bem ter se defendido das acusações direcionadas a ele por Anitos, Meletos e Licon, decidindo, porém, se deixar julgar, mas manter-se fiel às ideias que defendia. Neste trabalho iremos analisar a importância da ética e da moral para o homem grego em contraposição à política e o jurídico, tendo como alicerce principal o julgamento de Sócrates e a forma como este encarou sua condenação, tendo em vista a defesa da sua ética em detrimento da própria vida.

PALAVRAS-CHAVE: Julgamento, Sócrates, Ética, Estado, Lei.

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¹ Graduanda do 9º Período do curso de Direito da UNDB

² Graduanda do 10º Período do curso de Direito da UNDB

INTRODUÇÃO

 

            Ao falar de Sócrates e suas concepções de ética e justiça, é necessário realizar um breve retorno a Antiguidade Clássica da civilização Grega. Nesse período em especial, ocorre o apogeu da civilização grega. Na Grécia antiga, devido a organização das cidades-estado, o direito era caracterizado na vivência da cultura democrática, ou seja, o direito era encontrado a partir de discursos e  deliberações que ocorriam no espaço público, no qual o individuo exerce sua cidadania, tornando-se um ser político. Assim, o direito grego era caracterizado como um direito mais vivenciado  que escrito.

            Ainda que no período clássico  “o predomínio da religião na vida social na vida social tivesse deixado de ser absoluto, inúmeros traços religiosos remanesceram nas instituições publicas” (COMPARATO, 2006,p.52). E justamente essa característica é levada em consideração, tendo em vista que Sócrates foi condenado à morte pela assembleia do povo – único com competência para decidir assuntos de caráter religioso, com a acusação de introduzir novos deuses na polis.

            Segundo Fustel de Coulanges as leis para os gregos era a principio parte da religião.As leis eram caracterizadas como o corpo da sociedade , sendo que para Sócrates a apreciação das leis de fundamental para qualquer cidadã da polis, tendo em vista que a lei é considerada como o limite entre uma sociedade politicamente organizada e a barbárie. Portanto, o que importa é a eficácia que a lei tem dentro da sociedade, sendo ela justa ou injusta.

1 CONSIDERAÇÕES GERAIS A RESPEITO DO JULGAMENTO

 

No ano de 399 a.C., Sócrates é acusado, diante do tribunal popular, por três homens: Anitos, político democrata, Meletos rico curtidor de peles e Licon considerado personagem de pouca importância.

As acusações que pairavam sobre ele eram de “não reconhecer os deuses da cidade, introduzir novos seres divinos e corromper a juventude” (DUHOT, 2004, p. 67). O relato de seu julgamento é feito por Platão em Apologia de Sócrates, considerado uma representação fiel dos fatos.

O processo de acusação que pendia sobre Sócrates é, antes de tudo, um processo de caráter religioso, sendo considerado ateu por acreditar na imoralidade da alma. “A censura religiosa, que ocupava dois dos três itens de acusação, foi considerada um pretexto destinado a mascarar s ação política inconfessável.” (DUHOT, 2004, p. 69).

            O julgamento, segundo o relato platônico, em Apologia de Sócrates é dividido em três partes. Na primeira parte Sócrates procura examinar e refutar suas acusações; na segunda parte, busca dialogar com um de seus acusadores com relação a acusação de “corromper a juventude”. Num terceiro momento, Sócrates faz seus últimos direcionamentos àqueles que o acusam.

             No decorrer de seu julgamento Sócrates em momento algum se utiliza da retórica para “proteger-se com palavras emotivas, replicou aos que lhe queriam imputar crimes por ele não cometidos, certo de que não deveria proteger-se, pois sua vida havia sido o maior dos testemunhos de justiça, felicidade e retidão” (ALMEIDA; BITTAR, 2004, p. 71).

            Sócrates, então é condenado, e após o veredito é convidado, como já era de praxe, a fixar sua pena. Entretanto, Sócrates submete-se à pena, condenado a beber cicuta pelo tribunal ateniense, resignando-se a injustiça de seus acusadores, em respeito à lei de Atenas.

2 CONCEPÇÃO DE ÉTICA E JUSTIÇA SOCRÁTICA

 

            A respeito de ético podemos caracterizar o pensamento socrático com caráter profundamente ético, “revesti-se em todas as suas latitudes de, de preocupações éticas sociais” (ALMEIDA; BITTAR, 2004, p. 67). A teoria moral da ética tem seu principio com Sócrates, pois foi ele “quem primeiro procurou definir as virtudes morais” (COMPARATO, 2006, p. 91.

            Sócrates baseava sua ética que impõe respeito, “seja por sua logicidade, seja por seu caráter” (ALMEIDA; BITTAR, 2004, p. 68), tendo em vista, que sua ética de respeito às leis apresenta-se  como algo coletivo, procurando “fixar o principio ético fundamento de que os homens, em gera, e os governantes, em particular, são sempre pessoalmente responsáveis por seus atos ou omissões intencionais”(COMPARATO, 2006, p.92).

            Assim. Sócrates vem a definir a ética com pressuposto básico tanto para o conhecimento, quanto pra felicidade, pois só por meio do conhecimento é possível julgar acerca do bem e o mal, com o devido discernimento. Sócrates vem a vislumbrar nas leis como um conjunto indispensável de preceitos de caráter incontornável, sendo estas justas ou injustas (ALMEIDA; BITTAR, 2004).

Com relação à justiça, Sócrates vem a definir o direito como um instrumento de coesão social, que tem por finalidade o alcance do Bem Comum, entretanto, a justiça não pode se opor aos preceitos postos pela lei, tendo em vista que a justiça deve vir a garantir a eficácia da lei , pois só assim a ordem social poderá ser mantida . Assim, Sócrates, a justiça política, representa a orientação da vida dos indivíduos dentro da sociedade, sendo que aos indivíduos era possível opiniões a cerca do justo e do injusto, desde que, não ultrapassasse o limite da critica (ALMEIDA;BITTAR, 2004).

3 A LEI COMO LIMITE ENTRE A CIVILIZAÇÃO E A BARBÁRIE

 

            Segundo Sócrates, a vida em sociedade é uma forma do homem de fugir do Estado de barbárie, desse modo, as leis são uma forma de manter a sociedade. O estado de barbárie é o estado anterior ao em que o homem vive em sociedade.

            Pode-se, assim, comparar o estado de barbárie ao estado de natureza, de Hobbes. Sendo um estado de constante insegurança. Desse modo, o Estado vem a retirar o homem desse estado de barbárie e as leis são regras que impedem o homem de voltar à barbárie. De acordo com Sócrates, por essa razão, as leis devem ser seguidas independentemente de serem justas ou não, não convem discuti-las, pois é importante seguir as normas para que os indivíduos não voltem ao estado de barbárie. No entanto, para que essas leis sejam eficazes, é necessário que sejam seguidas por se acreditar na justiça delas e não por medo da punição que lhes será empregado no caso de uma infração.

            Em seu julgamento, fugir seria não só transgredir as leis, mas, principalmente, ir contra tudo que defendia e acreditava. Seria uma contraposição entre o que deve ser e o que se acredita ser o certo. Um dilema interessante a ser comparado com o de Sócrates, é o de Antígona, cuja protagonista enfrenta o mesmo problema: seguir as leis do Estado ou as leis dos deuses? A personagem fica entre seguir o que é determinado por Creonte e o que manda as leis dos deuses, mas

“para Antígona, isso não passa de uma desculpa; ela parte para sepultar o irmão, resignada com a punição que a aguarda. Sua morte será ‘honrosa’; viver com o conhecimento de sua incapacidade de agir seria negar significado à sua vida e fazer dela uma não-existência”. (MORRISON, 2006)

            Do mesmo modo, Sócrates enfrentou o dilema de seguir o que pregava e acreditava ou salvar-se e negar a tudo que considerava certo. Por certo percebe-se que ele escolheu a primeira opção. Essa é uma importante característica do homem grego: morrer por suas ideias. É, antes de tudo, acreditar realmente no que defende e ser fiel às suas ideias.

           

4 O RESPEITO À VIDA POLÍTICA EM DETRIMENTO À PRÓPRIA VIDA

 

            O homem grego não possuía uma noção de indivíduo bem desenvolvida, tendo-se uma preocupação com o todo, com a vida em sociedade. Sócrates apresentava certa confiança no poder estatal, defendendo, inclusive, que as leis estatais deveriam ser seguidas independente de serem justas, mas que, entretanto, para que estas fossem eficazes, deveriam ser seguidas não por medo da punição, mas sim por acreditar-se na justiça das mesmas.

            Desse modo

“O homem enquanto integrado ao modo político de vida deve zelar pelo respeito absoluto, mesmo em detrimento da própria vida, às leis comuns a todos, às normas políticas (nómos póleos). O homem, assim radicado naturalmente na forma de vida comunitária, tem como dever o cumprimento de seu papel como cidadão participativo e, assim, integrado nos negócios públicos, deve buscar a manutenção da sacralidade e da validade das instituições convencionadas que consentem o desenvolvimento da harmonia comunitária.” (ALMEIDA, BITTAR, 2004, p. 73)

            Na concepção platônica de Estado, este vem a buscar a promoção do bem-comum, devendo cada um dos indivíduos cumprir sua função específica no meio social. Nesse sentido, Platão é, sem dúvida, “elitista e centralizador; o poder deve ser exercido por um conjunto de especialistas sistematicamente produzidos e educados” (MORRISON, 2006) e cada um dos indivíduos deve conformar-se com sua natureza, buscando cumprir sua função que vá servir à sociedade. Segundo Almeida e Bittar (2004), Platão afasta-se

“da política e do seio das atividades prático-políticas. Se Sócrates ensinava nas ruas da cidade, Platão, decepcionado com o golpe que a cidade desferiu contra a filosofia, ensinara num lugar apartado, no recôndito onde o pensamento pode vagar com tranqüilidade, e onde se pode desenvolver um modo de vida ao mesmo tempo que preocupado com a cidade, dela, de suas corrupções, torpezas e problemas, distante: a Academia.” (ALMEIDA; BITTAR, 2004, p. 78).

            A concepção aristotélica de Estado é ele com uma extensão da família. As mesmas relações existentes do poder do pai sobre o filho, do marido sobre a esposa e do contratante sobre o empregado, é a relação de poder do governante para com os cidadãos. Em Aristóteles, todo o indivíduo tem uma potencialidade para determinado fim,

“Tudo, no cosmo, tem o poder de tornar-se aquilo que sua forma estabeleceu como seu fim. O fim de uma bolota de carvalho, por exemplo, é transformar em um carvalho. Por hora, sua realidade fenomenal é uma bolota; sua potencialidade é um carvalho.” (MORRISON, 2006)

            Entretanto, a finalidade de sua potencialidade só será alcançada se submetido às condições ideais. Enquanto Platão se volta mais para um mundo ideal, Aristóteles volta-se ao real.

            Lembrando que, de certa forma, todos são ramificações da filosofia socrática, visto que Platão foi discípulo dele e Aristóteles de Platão, trazendo, ainda que pequena, influencia da filosofia de Sócrates. Contudo, estes últimos desenvolveram uma filosofia mais afastada da política proposta por Sócrates.

            Para Sócrates, o viver em sociedade é o fugir da barbárie, é buscar a virtude por meio do conhecimento. Vivendo em sociedade e buscando o conhecimento, o homem será capaz de agir virtuosamente, assim, o viver em sociedade é mais importante que o individual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            A ética e compromisso de Sócrates tanto com sua lições quanto para com as imposições do ordenamento jurídico, servem para reafirmar sua tarefa de erradicar a ignorância por meio da educação e da obediência à leis.

            Assim, pode-se dizer que sua submissão à condenação serviu para reafirmar seus valores sociais e religiosos, que eram a base da formação da pólis grega. Ao contrário de estimular a desordem  primou pela ética coletiva em sobreposição a ética individual, acrescentando a importância de moralidade e legalidade caminharem juntas para garantir a coesão social.

REFERÊNCIAS

BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 3 Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2004.

COMPARATO, Fábio Konder. Ética: Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno. 2 Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

DUHOT, Jean-Joël. Sócrates ou o Despertar da Consciência. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

HESPANHA, Antônio Manuel. Cultura Jurídica Europeia: Síntese de Um Milênio. 3

  Ed. Portugal: Europa-América LDA, 2003.

JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

MORRISON, Wayne. Filosofia do Direito: Dos gregos ao pós-modernismo. Tradução Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

 OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Ética e Sociabilidade. 2

 Ed. São Paulo: Loyola, 1993.

PLATÃO. Apologia de Sócrates. 3 Ed. Lisboa: Universitária, 1990.

SÓFOCLES. Antígona. Tradução: Donaldo Schüler. São Paulo: L&PM Pocket, 2007.

XENOFONTE. Ditos e Feitos Memoráveis de Sócrates. São Paulo: Nova Cultural, 2000 (Os Pensadores).