Um paralelo jurídico entre Administração Pública e Administração Privada

SAMPAIO, Rubem José Bruno
Advogado e Bacharel em Direito

 

RESUMO

Este artigo faz um paralelo jurídico entre Administração Pública e Administração Privada nas mais diversas fases. Para se ter um Estado Democrático de Direito é basilar o entendimento das diferenças dessas relações, entender os poderes e os limites que Administração Pública tem sobre a Administração Privada.

Palavras-Chave: Administração Pública, Constituição Federal, Direitos, Direito Público, Direito Privado

 

I) DICOTOMIA ENTRE ESFERA PÚBLICA E ESFERA PRIVADA

Segundo o dicionário Priberam, dicotomia tem as seguintes definições:

1. Divisão em dois; oposição entre duas coisas.

(...)
"dicotomia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/dicotomia [consultado em 03-12-2013].

Fundamentado na nossa atual etapa de estudos, o significado mais relevante de dicotomia seria oposição entre duas coisas, mais especificamente a oposição entre a esfera pública e privada.

A dicotomia entre público/privado consiste que tudo que está contido na área privada, obrigatoriamente não faz parte da área pública, seria como popularmente se exemplifica duas coisas totalmente diversas em que não se misturam como a água e o óleo. Analisando superficialmente essa relação entre a área pública e privada, chegam parecer óbvias suas diferenças, porém aprofundando os estudos e vivenciando a prática, essa diferenciação pode não ser tão simples.

            O direito em sentido lato, o direito se ramifica em Direito Público e Direito Privado, onde o primeiro trata principalmente dos interesses do Estado e dos interesses sociais, regulando de forma reflexa as condutas individuais, podendo ser usado como exemplo de uma das matérias de Direito Público o Direito Constitucional.

            Já o Direito Privado ampara primordialmente os interesses individuais, para que assim seja garantida a convivência social entre indivíduos, assim como a proteção de suas posses, seja na relação entre si ou na sua relação com o Estado, sendo o Direito Comercial uma das áreas do Direito Privado (MEIRELLES, 2007)

Diante do exposto, concluímos em síntese, que o Direito Público regula a priori, o interesse estatal e social enquanto o Direito Privado, a relação dos particulares entre si, podendo até em determinadas situações abranger a relação dos particulares com o Estado.

                       

II – ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS

            Organização privada trata-se de associações do setor privado cujos principais objetivos, propósitos, existência e sua condução, desde que observados os limites legais, são definidos pelos seus membros. Temos como exemplo uma cooperativa de enfermagem, cujos cooperados se reúnem com a finalidade de promover treinamento e qualificação entre seus membros.

            Organização pública é criada pelo Estado estando sob a sua gerência do mesmo, e diferente do que ocorre com a organização privada, seu objetivo está delimitado por lei, não existindo uma autonomia restrita para seus membros, porém este fator, não indica que não exista autonomia alguma na gestão de uma organização pública. O nosso ordenamento jurídico, temos a figura da descentralização institucional, que permite que determinadas instituições vinculadas ao poder executivo, tenham algum tipo de autonomia em sua gestão.
            A descentralização é o fato administrativo, que permite que seja repassada a execução de uma determinada atividade do poder executivo, a uma determinada organização pertencente à Administração Pública ou não. Este fato possui exclusivamente um caráter administrativo e não político (CARVALHO FILHO, 2012). Como exemplo podemos citar o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social – INSS).                  

A descentralização está contida na forma de organização do Estado e podem ser classificadas em administração direta e a administração indireta.

As organizações da administração indireta são organizações com personalidade jurídica própria e têm vinculação com órgãos do poder executivos (Ministérios e Secretarias). Elas possuam autonomia não somente na gestão administrativa, mas também possuem autonomia financeira e são dividas em Autarquias, Fundações, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. O artigo 37, inciso XIX da Constituição Federal, define que estas, serão criadas por lei especifica.

As autarquias são pessoas jurídicas de direito publico, executando atividades típicas a administração pública. Essas atividades são executadas de maneira descentralizada e o sistema de contratação de funcionários é orientado pela lei que a criou. Temos com exemplo a Agência Nacional de Saúde Suplementar, criada pela lei 9.961 de 2000 e está vinculada ao Ministério da Saúde e seu objetivo é regular, normatizar, fiscalizar a assistência à saúde suplementar.

As fundações também são pessoas de direito público e sua função é executar serviços de interesse público, sem fins lucrativos e que não são considerados como típico a administração. O regime de contratação de seus funcionários poderá ser através da Consolidação das Leis do Trabalho ou definido através da lei que a instituiu. Podemos citar como exemplo de fundação a FIOCRUZ (Fundação Oswaldo Cruz), que tem a como objetivo a promoção da saúde e o desenvolvimento social. Esta fundação é vinculada ao Ministério as Saúde.

Empresas públicas possuem personalidade jurídica de direito privado, e o patrimônio que a compõem é público. Sua existência está relacionada à realização de obras e serviços que tenham interesse público. O regime de contratação de seus colaboradores será pela Consolidação das Leis do Trabalho. Um exemplo de empresa pública é a Empresa de Correios e Telégrafos, e esta vinculada ao Ministério das Comunicações, criada pelo Decreto-Lei Nº 509/1969, alterado pela Lei 12.490 de 2011.

As Sociedades de Economia Mista são pessoas jurídicas de direito privado, porém, seu capital é formado pelo do poder público e privado. Sua responsabilidade é realizar atividades econômicas que são definidas pelo poder executivo. O Regime de contratação de seus trabalhadores se dá através da Consolidação das Leis do Trabalho. A Eletrobrás (Centrais Elétricas Brasileiras S.A) é um exemplo de sociedade de economia mista, que foi instituída pela Lei 3.890/61 e seu objetivo é especificamente a gestão das linhas e distribuição de energia. Esta vinculada ao Ministério de Minas e Energia.

III) RELAÇÃO DOS SETORES PÚBLICO E PRIVADO COM A LEGISLAÇÃO  

A grande diferença que merece grande destaque, são onde estão os limites da esfera pública e da esfera privada.  Na esfera privada, os indivíduos podem fazer o que a lei não proibir e pode deixar de fazer o que a lei não obrigar. A questão supracitada, que é alvo de nosso estudo na presente Unidade, transmite em outras palavras, o que está presente em nossa Magna Carta, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, inciso III, in verbis:


 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

II -  ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei

Constituição Federal da República de 1998, http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_13.07.2010/art_5_.shtm [acesso em 03-12-2013].


            A(s) lei(s) de que o artigo supracitado se refere, são as leis infraconstitucionais, que regulam a esfera privada, como o, por exemplo, o código civil, código tributário e etc.

            A esfera pública, ao contrário da esfera privada, só pode fazer aquilo que se encontra positivado em lei. A própria Constituição Federal, faz esse contraponto, no título de organização do Estado,no capítulo que trata da Administração Pública, mais especificamente no caput do artigo 37:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (nosso grifo)

Constituição Federal da República de 1998, http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_13.07.2010/art_37_.shtm [acesso em 03-12-2013].

O princípio da legalidade é o alicerce para o comportamento dos agentes da Administração, pois este princípio, nada mais é do que o garantidor do direito dos cidadãos, uma vez que havendo um conflito entre conduta e a lei, a última prevalecerá para que assim se elimine a ilicitude (CARVALHO FILHO, 2012).

            Caso fosse aplicada a regra geral do artigo 5º, da Constituição Federal, na esfera pública e não o princípio da legalidade, além de trazer uma grande insegurança jurídica, estaríamos correndo um sério risco de ficar de sob o julgo, de uma Administração Pública opressora.

IV – ATIVIDADES PRODUTIVAS DOS SETORES PÚBLICOS E PRIVADOS

           

Não poderíamos dizer que atividades produtivas são exclusivas do setor privado, pois, quando aprofundamos nossos estudos, logo podemos  identificar, que no decorrer do século XX, visando o interesse comum, a intervenção estatal esteve presente em setores que só eram explorados pela esfera privado, como na regulação pública de relações sociais, na prestação de serviços sociais e na produção de essenciais.

 Como exemplo da intervenção estatal em áreas que eram predominantemente do setor provado, citamos Companhia Nacional de Álcalis, fundada em 1943 pelo Governo brasileiro, com a finalidade de impulsionar a industrialização no Brasil. Essa empresa era responsável pela produção de barrilha e sal.

            Diante do que foi exposto trazemos novamente à baila o movimento pendular das relações entre Estado e Mercado, uma vez que é possível perceber novamente, que ao longo do tempo a relação entre esfera pública e privada sempre se modifica, dentro dos nossos estudos nessa unidade e de acordo com o exemplo supradito, esse movimento ocorreu em função do bem estar social.

             Seguindo o fluxo da evolução, esse movimento pendular permanece presente, quando o Estado faz uso de sua primazia e precedência, aumentando e retraindo sua intervenção sobre os particulares, com a finalidade de promover o bem comum dos indivíduos na sociedade. No final do século passado e no início deste, tivemos em nosso país o movimento inverso, ocorreram privatizações, como o da Mineradora Vale do Rio Doce.

            Então o movimento pendular, responde de certa forma, o questionamento da questão, pois quando o Estado achar necessário toma para si, atividades até então do setor privado, da mesma forma, retrai-se quando achar necessário, logo não pode se dizer que há atividades produtivas exclusivas do setor privado.

           

V – PRERROGATIVAS DO PODER PÚBLICO SOBRE OS AGENTES PRIVADOS

            O poder público representa os cidadãos e a busca o bem comum, enquanto os agentes privados visam o interesse particular, diante disso, de plano podemos perceber que os interesses da sociedade, devem preceder o interesse individual e somente com prerrogativas e consequentemente com um maior poder, o Estado pode intervir e exercer sua administração. Caso não fosse dessa forma, seria impraticável que o Poder Público pudesse dirimir os conflitos na sociedade, através de seu poder normativo, fiscalizatório, de policia e etc.

            É sabido, que na esfera privada, prevalece o brocardo jurídico Pacta sunt servanda, que quer dizer que os acordos devem ser cumpridos, ou seja prevalece uma relação bilateral na formação do contrato, até o cumprimento da obrigação e qualquer alteração contratual ou rescisão , deve ser convencionada entre as partes.
            Já o Estado, por representar o interesse público, possui prerrogativas como o de fazer uma alteração contratual ou recisão contrato de forma unilateral, mediante compensação ao agente privado, em decorrência de um eventual prejuízo. Essa relação de contrato entre o poder estatal e o particular, é regulada pelo poder administrativo.
            Como exemplo, podemos citar quando o Artigo 78, inciso XVII, da Lei de Licitações (8.666/93), que prevê que em decorrência de caso fortuito ou de força maior que venha a impedir a execução do contrato, este poderá ser rescindido unilateralmente pela administração pública.

VII - FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS E FUNCIONÁRIOS DA INICIATIVA PRIVADA

Os funcionários da iniciativa privada convencionam com seus empregadores (pessoas físicas ou jurídicas) uma relação contratual, teoricamente, impondo condições mútuas para a relação de trabalho, isso tudo logicamente, dentro daquilo que não seja vedado por lei. Além disso,  ainda respeitando os limites da liberdade negativa, o empregador tem uma maior flexibilidade na contratação e demissão de funcionários na iniciativa privada, lançando mão por vez, de critérios subjetivos para sua escolha.

            Na administração pública a contratação tem que ser seguida por critérios específicos, muito menos flexíveis do que na iniciativa privada. Na esfera pública, a relação é entre a Administração Pública e o servidor, sendo o último agente do primeiro. Os cargos e atribuições não pertencem ao agente público, esses cargos são da Administração Pública e o exercício de sua função deve observar os limites previstos em lei. Cumpre destacar que as funções e cargos destinados aos agentes públicos, são criações do Estado e que este, também define plano de carreira e locais de trabalho. Como regra geral a investidura no funcionalismo público será por concurso público, ressalvando as exceções previstas em lei, porém essas exceções (como cargo de confiança por exemplo), não há estabilidade. O agente público após o estágio probatório, diferentemente dos funcionários da iniciativa, gozam de estabilidade e para serem demitidos, terão que passar por um processo administrativo.

            Para o agente público político, em nosso ordenamento jurídico pátrio, a investidura de cargos políticos no legislativo assim como para o executivo, se dá por meio de escrutínio e seus mandatos são temporários.


BIBLIOGRAFIA

 

BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível na internet: http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_13.07.2010/art_5_.shtm Acesso em 03 de dez de 2013

BRASIL. Empresa de Correios e Telégrafos. Disponível na internet: http://www.correios.com.br/sobreCorreios/empresa/legislacao/leisDecretos/default.cfm

Acesso em 07 de dez de 2013


BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Disponível na internet: http://www.mme.gov.br/mme/menu/entidades_vinculadas/eletrobras.html

Acesso em 7 de dez de 2013

BRASIL. Agência Nacional da Saúde Suplementar. Disponível na internet: http://www.ans.gov.br/ Acesso em 05 de dez de 2013


BRASIL. LEI Nº. 8.666 de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível na internet: http:\\www.planalto.gov.br\ccivil_03\leis\ L8666coms.htm.Acesso em 7 de dez de 2013

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual do Direito Administrativo. 25ª. Ed, Revisada e ampliada. Atualizada até 3.1.2012. São Paulo, Editora Atlas, 2012.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33ª ed. Editora Malheiros, 2007.


CONTEÚDO aberto. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível na internet: http://pt.wikipedia.org/wiki/Companhia_Nacional_de_%C3%81lcalis. Acesso em: 2 dez 2013.

PRIBERAM, Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível na internet:  http://www.priberam.pt/DLPO/dicotomiahttp://www.priberam.pt/DLPO/dicotomia. Acesso em 7 de dez 2013


UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE,  Esfera pública e esfera privada no mundo contemporâneo Disponível na internet: http://www.cead.uff.br/moodle/pluginfile.php/63368/mod_resource/content/3/Unidade1_Publico_e_Privado.pdf. Acesso em 3 de dez 2013