RESUMO

Este artigo tem por objetivo fazer uma reflexão de como se estabeleceu o Tráfico Internacional de mulheres, para fins de exploração sexual partindo do Brasil e a conexão com os outros países. O tráfico de mulheres para fins de exploração sexual é uma questão abstrusa, apesar de muito versado na comunidade acadêmica. Indubitavelmente, inúmeras brasileiras são traficadas diariamente, sendo mártir de exploração sexual, interrompendo utopias e deixando marcas no próprio corpo. Pretende-se também, fazer uma análise dos principais aspectos que influenciaram para a consolidação do crime organizado, bem como os aspectos jurídicos e os programas de prevenção, combate ao tráfico, o que contribuiu para o desenvolvimento do tráfico com foco nas mulheres, o perfil das vitimas e dos aliciadores e as rotas do tráfico no Brasil. O estudo foi desenvolvido a partir de uma pesquisa bibliográfica sobre o tema e estruturou-se sob os seguintes aspectos: Como se estabeleceu o tráfico de mulheres no Brasil e a conexão com outros países, levando em consideração o contexto sócio econômico e cultural; o perfil das vítimas traficadas, dos agressores e aliciadores; os aspectos jurídicos, as políticas de segurança e prevenção adotadas pelo governo, visando com isso dar efetividade às convenções internacionais já recepcionadas pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro.

INTRODUÇÃO

O tráfico de mulheres tem fomentado grandes discussões na sociedade contemporânea. A mídia tem se encarregado de denunciar os casos ocorridos através dos telejornais e ultimamente através da teledramaturgia brasileira, transmitida em horário nobre, em que o assunto é abordado, ainda que de maneira não condizente com a realidade, alertando a sociedade sobre a forma como o crime organizado se estabelece no país e como se dá o tráfico de pessoas. Com isso o assunto também passou a ter mais notoriedade por parte das autoridades competentes e abriram-se os espaços para discussões e debates acerca do polêmico assunto. É sabido que a questão do tráfico de pessoas não surgiu a partir da modernidade. Estudos mostram que tal fato já ocorria desde a antiguidade e sendo mais bem retratado durante o período da colonização em que pessoas, consideradas inferiores, eram dominadas à força, retiradas de suas comunidades e traficadas para serem exploradas e escravizadas em condições subumanas.
O tráfico de pessoas tem seus primeiros registros na Antiguidade Clássica, especificamente na Grécia e Roma. Nessa época, não havia um interesse de atividade comercial, mas sim a intenção de obter prisioneiros de guerra, a fim de torná-los escravos, uma vez que as duas cidades estavam em pleno processo de expansão, em busca de conquistas territoriais.
Com o advento do período renascentista, por volta dos séculos XIV-XVII (período caracterizado pela valorização da razão humana, expressada notoriamente nas artes, expansão do comércio e acúmulo de riquezas, principalmente nas cidades italianas de Gênova, Veneza e Florença) o tráfico de pessoas passou a ser praticado com fins lucrativos, evidenciando a "atmosfera" comercial que envolvia a época. A autora Mariane Strake Bonjovani, na abordagem histórica de seu livro, "O Tráfico Internacional de Seres Humanos", ressalta as afirmações:
Historicamente, o tráfico de seres humanos teve início na Antiguidade Clássica, na Grécia e, posteriormente, em Roma. Visava apenas à obtenção de prisioneiros de guerra, sem caráter comercial. O primeiro caso de tráfico de seres humanos que objetivou lucro aconteceu nas cidades italianas, entre os séculos XIV e XVII, durante o Renascimento. A prática estimulou o comércio mediterrâneo na Península Itálica, onde teve início o pré-capitalismo, que pregava o acúmulo de capital. (BONJOVANI, 2004, p.17)

Na América, o tráfico de pessoas se desenvolveu no sistema colonial. Pode-se entender como sistema colonial, um modelo mercantilista caracterizado por uma relação de subordinação entre colônias e metrópoles. Alves (2004) ressalta que, esse sistema teve início com a expansão marítima por volta do século XIV, momento histórico marcado por avanços náuticos e novas rotas comerciais marítimas, que proporcionou um aumento na economia europeia e a superação da crise financeira em que se encontrava.
No Brasil, não só durante o período de colonização, como também no decorrer de quase todo período do império de Dom Pedro II, se manteve um regime notoriamente escravocrata. Apenas em 7 de novembro de 1831, foi promulgada a primeira lei contra o tráfico Atlântico de escravos no Brasil, também conhecida como Lei Feijó Barbacena, criada com a intenção de proibir a entrada de novos escravos no Brasil. Posteriormente em 1888, quando se editou a chamada "Lei Áurea", assinada pela Princesa Isabel, foi que o país deixou de recepcionar navios negreiros. Por mais de três séculos, foram trazidos da África: homens, mulheres e crianças, com o intuito de exploração da mão de obra. Porém, muito mais que serviços braçais, essas pessoas, em especial as mulheres, serviam na casa dos Senhores de Engenhos (figura poderosa nesse período) como empregadas e objetos sexuais, sofrendo abusos e torturas desumanas constantemente.
O tráfico de seres humanos no século XXI representa a escravidão contemporânea. Como foi discorrido acima, essa prática tem raízes em contextos históricos remotos. Como afirma Damásio de Jesus (2003) "O tráfico de pessoas é a forma renovada da escravidão que se pensava extinta e seu combate depende de uma maior garantia dos direitos fundamentais das vítimas desse crime".
A comparação feita por Damásio de Jesus com relação ao tráfico de pessoas com a escravidão também é sustentada pela pesquisadora Lilian Rose Lemos (2005), que faz uma associação entre o tráfico de pessoas e o tráfico negreiro:
Se na época do tráfico negreiro o tratamento dado aos negros ignorava as questões da dignidade da pessoa humana o "outro gênero de negreiros" desenvolve suas atividades de um modo não menos asqueroso do que aquele. Nesse tipo de tráfico o produto negociado é a própria pessoa, o que se dá por meio de um processo de "coisificação" do homem (NUNES, 2005, pp.126-127)

A expressão "coisificação", utilizada pela pesquisadora Lilian Rose Lemos (2005), também é definido pelo pesquisador Hélio Estellita Herkenhoff, em seu artigo "Coisificação" e Direitos humanos, como sendo a desconsideração do homem como um sujeito de direitos (da sua humanidade própria), ou seja, da sua importância considerada em si mesmo. Ambas as práticas mencionadas, são marcadas pela degradação de seres humanos, em que não há observância alguma do princípio da dignidade da pessoa humana.


1. O CRIME ORGANIZADO E O TRÁFICO DE PESSOAS

Não há como falar do tráfico de pessoas sem fazer menção à organização criminosa, visto que a relação existente entre eles são correlatas. Através do estudo feito sobre o tema abordado não se pode encontrar um conceito sobre crime organizado, visto que a lei pátria, que dispõe sobre os crimes praticados por organizações criminosas não fornece uma definição precisa, para isso há uma corrente doutrinária que procura se valer de uma definição dada na Convenção de Palermo (sobre Crime Transnacional) que é a seguinte:

[...] grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. (GOMES, Luiz Flávio. Definição de crime organizado e a Convenção de Palermo. Disponível em:< http://www.lfg.com.br>. Em: <http://www.lfg.com.br>06 de maio de 2013).

A organização criminosa por se tratar de grupos que procuram atuar de forma sistematizada costuma ser denominados também de máfias ou conexões, sendo que este último recebe essa nomenclatura por apresentar uma estrutura mais organizada e abrangente, envolvendo vários países como rotas para destino, trânsito e origem.
Segundo estudos do Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crime (UNODC), apenas o tráfico de mulheres e crianças movimenta anualmente cerca de US$ 7 bilhões a US$ 9 bilhões, ficando atrás em lucros para o tráfico de drogas e contrabando de armas. Avalia-se que, de cada pessoa aliciada ilegalmente de um país para o outro (tráfico internacional) o lucro das organizações criminosas alcança os US$ 30 mil.

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