Autores: Alysson Klem Silveira e Débora Mendes Dias 

TESTAMENTOS ESPECIAIS

RESUMO 

Dá-se o nome de Testamento ao negócio jurídico personalíssimo, de última vontade, unilateral, solene gratuito e revogável pelo qual o autor da herança dispõe de seu patrimônio e outras questões que envolvam o mesmo ou tenham interesse jurídico para depois da morte.

Através de um Testamento o autor da herança pode instituir herdeiros legatários, reconhecer filhos havidos fora do casamento, nomear tutor para filhos menores, instituir fundações, criar cláusulas restritivas caso haja justa causa e até reabilitar filho indigno.

Um testamento não pode, sob hipótese alguma, ser feito por intermédio de procurador ainda que este tenha poderes especiais para o ato, somente o autor da herança pode fazê-lo. Sendo manifestação de última vontade e produtor de efeitos jurídicos diversos, produz efeitos e se torna perfeito com a declaração de vontade de apenas uma pessoa (autor da herança) e por isso é unilateral.  

A aceitação do legatário é ato posterior a abertura da sucessão, ou seja, o testamento não precisa da mesma para se tornar válido. A validade de um testamento advém da observância de todas as formalidades indispensáveis e prescritas na lei, porém este só produz efeitos após a morte de testador. O Código Civil Brasileiro chega a vedar o testamento feito por duas ou mais pessoas em favor de terceiro, recíproco ou que retribui benefícios. É ato gratuito, pois não tem por finalidade obtenção de vantagens ao testador.

Segundo o Artigo 1969 do C.C., o testamento é essencialmente revogável e qualquer cláusula que proíba a sua revogação é nula. Esse direito pode ser total ou parcial e exercido quantas vezes o testador aprouver. A única exceção para tal é o reconhecimento de filho que nunca pode ser revogado. Para ser apto a testar a pessoa deve ser civilmente capaz e possuir pleno discernimento. O C.C. permite que o maior de 16 anos exerça o direito de testar mesmo sem assistência de seu representante legal.

Os testamentos caracterizam-se pela formalidade e solenidade destinadas a conferir segurança à manifestação de ultima vontade do testador. Para isso, no ordenamento jurídico brasileiro existem três tipos de testamento: público, cerrado e particular. Além disso, existem os testamentos especiais, feitos sob condições atípicas, os quais serão objeto de análise no presente estudo.

 

Palavras – Chave: legatário; testamento público, cerrado e particular; efeitos jurídicos diversos; caducidade;

 

TESTAMENTOS ESPECIAIS

 

São chamados Testamentos Especiais aqueles cuja forma é diferenciada e somente podem ser utilizados em situações extraordinárias nas quais não se podem utilizar formas comuns de testamento.

Como obtempera Carlos Maximiliano, “circunstâncias extraordinárias impõem abrandamento de rigor, diminuição de formalidades, não só porque não há tempo nem meios de fazer vir oficial público, mas também porque o local não comporta a presença de juristas experimentados e as complicadas exigências legais não se acham ao alcance de qualquer leigo em Direito. Por estes motivos as legislações de todos os países cultos admitem os testamentos especiais, muito fáceis de elaborar, porém só permitidos como exceção, em condições restritas e determinadas. Tem ainda outra característica - a enfermidade: a sua eficiência é limitada no tempo”.

A forma exigida para a efetivação desse tipo de testamento é mais simples que a dos demais. Sua eficácia é temporária, pois o testamento caduca caso o testador sobreviva à situação emergencial em que o fez ou em um prazo de noventa dias após desembarcar em terra, ocasião que lhe permite fazer testamento ordinário que revogue o especial.

Mas, para que seja permitido o uso dessa modalidade de testamento, se faz necessário o comprovado e iminente risco de morte do testador, ou seja, a justificativa do caráter urgente para fazê-lo.

O Código Civil de 2002 regula três formas de testamentos especiais: o marítimo, o aeronáutico e o militar (arts. 1.886 a 1.896). E, no art. 1887, declara peremptoriamente:

“Não se admitem outros testamentos especiais além dos contemplados neste Código”.

O testamento militar já constava das Ordenações. O testamento marítimo, entretanto, foi inovação do diploma de 1916, inspirado no Código Civil francês (art.988) e no Código Civil Português de 1867 (art.1.948). O testamento aeronáutico foi introduzido em nossa legislação pelo Código Civil de 2002 e já era previsto no Código Civil italiano (art.616) e no Código Civil português de 1996 (art. 2.219).

Os testamentos especiais, malgrado a simplificação das formas, para atender a situações excepcionais, não derrogam os princípios do direito comum. Assim, além das regras específicas que orientam a realização dos testamentos especiais, a eles se aplicam todos os princípios que determinam a capacidade testamentária ativa (arts. 1.860 e 1.861), a proibição do testamento conjuntivo (art. 1.863), os preceitos referentes às disposições testamentárias em geral (arts. 1.897 a 1.900), os que tratam da capacidade para adquirir por testamento (arts. 1.799 a 1.801), o jus cogens da sucessão legítima, a ordem de vocação hereditária, o respeito à quota dos herdeiros necessários, os preceitos referentes aos defeitos da vontade, etc.

 

TESTAMENTO MARÍTIMO

 

O testamento marítimo, como o nome permite inferir, é aquele feito por quem, sendo passageiro ou tripulante, estando a bordo de navio ou embarcação nacional (de guerra ou mercante, de turismo ou transporte de pessoas) incorra em iminente risco de morte. Incluem-se por analogia no conceito de marítimo os rios e lagos navegáveis.

Esse tipo de testamento apresenta duas características: o testamento marítimo não prevalece, quando a embarcação estiver em pequeno cruzeiro ou até mesmo no decorrer de uma viagem, se ao tempo de sua confecção “o navio estava em porto onde o testador pudesse desembarcar e testar na forma ordinária”. Tal dispositivo se encontra no artigo 1892 do Código Civil. Outra característica desse testamento se encontra no artigo 1891 do mesmo diploma legal, que trata da caducidade, estabelecendo que “ se o testador não morrer em viagem nem nos noventa dias subsequentes ao seu desembarque em terra, onde possa fazer, na forma ordinária, outro testamento”.

O testamento marítimo apresenta vários requisitos, que condicionarão a sua validade. A viagem deve ser realizada em navio nacional, uma vez que é considerado extensão do território nacional, mesmo que esteja em águas territoriais de outras nações; o navio deve ser de guerra ou mercante, enquadrando-se como mercantes os navios de excursões de turismo, pois o transporte de pessoas tem caráter mercante; é preciso que o testador esteja a bordo do navio, em viagem; a cédula testamentária deve ser registrada em livro de diário de bordo, que todos os navios possuem; o testamento deve ficar sob os cuidados do comandante, e este entregará as autoridades administrativas do primeiro porto nacional.

O testamento marítimo pode ser publico se lavrado pelo comandante, que possui função notarial, na presença de duas testemunhas e registrado no diário de bordo. Este dispositivo se encontra no parágrafo único do artigo 1888 do CC. Caso o comandante queira testar, seu substituto faz o papel de notário. Caso o testador não possa assinar, o comandante declarará assinado pelo testador e a seu pedido por uma das testemunhas presentes para realização da solenidade.

Também poderá ser cerrado caso o próprio testador o faça ou peça para que outro o faça em seu nome, desde que o assine. Após a lavratura, deverá ser entregue ao comandante, perante duas testemunhas capazes para que o comandante ao verificar a veracidade do mesmo, assine, date juntamente com as testemunhas e o declare válido. Assim, logo que chegue ao seu destino, deverá entregá-lo as autoridades competentes. As testemunhas, escolhidas preferencialmente entre os passageiros, devem ter capacidade de compreensão e ser idôneas, em que serão aplicados os mesmo impedimentos que atingem as testemunhas nas formas ordinárias de testamento. É imprescindível que saibam assinar, pois tal ato dará autenticidade ao testamento.

Vale ressaltar que as proibições do artigo 1801 do Código Civil, como por exemplo, não poderem ser nomeados herdeiros ou legatários as testemunhas do testamento, aplicam-se ao testamento marítimo.

A doutrina critica o legislador, uma vez que a parte final do artigo 1888 do Código Civil não especifica as formalidades que devem ser seguidas para que o testamento marítimo seja elaborado, pois se limita a dizer que o mesmo deve ser efetuado “ por forma que corresponda ao testamento público ou ao cerrado”. Tal crítica tem fundamento no fato de que, para os críticos, se a ratio de tal conduta foi o entendimento de que o testamento a bordo de navio não se reveste de suficiente excepcionalidade a justificar o emprego de forma especial de testar, bastaria que o novo Código Civil estendesse a aplicação do testamento publico e cerrado aos testamentos feitos a bordo de navios, atuando o comandante como tabelião.

Como foi citado anteriormente, no que diz respeito à caducidade do testamento, caducará o testamento marítimo se o testador não morrer na viagem, nem nos noventa dias subsequentes ao seu desembarque em terra, onde possa fazer, na forma ordinária, outro testamento. A perda da eficácia do testamento, quando o testador não falece em virtude de caso excepcional que o levou a testar às pressas, nem mesmo após o período de tempo legal, justifica-se, uma vez que se trata de forma privilegiada, atendendo a uma situação emergencial.

Vale ressaltar que apenas o decurso do prazo de noventa dias é insuficiente para que o testamento especial perca a sua eficácia. É preciso que flua em terra, em que o testador tem a possibilidade de fazer, na forma ordinária, outro testamento, sem ser necessário que o porto esteja localizado em território nacional. O prazo tem início a partir do ultimo desembarque, no final da viagem. E no ultimo dia, o testamento se torna ineficaz. Se, depois do desembarque, o testador ser impedido de fazer um novo testamento ordinário, por obstáculo invencível, como por exemplo agravamento do estado de saúde, o testamento marítimo não caducará.

 

TESTAMENTO MILITAR

 

       Testamento militar é aquele feito por militar e por outras pessoas que se encontram a serviço das Forças Armadas (médicos, enfermeiros, capelões, etc.), que participem de operações de guerra, dentro ou fora do país.

        Algumas formalidades são necessárias para que o testamento militar seja válido. A força deve estar em campanha, com mobilização para a guerra interna e externa, ou que esteja com a comunicação interrompida; o disponente deve estar participando de guerra, em campanha ou em praça sitiada, sem haver a possibilidade de se desgarrar das tropas ou do campo de batalha. Ressalte-se que não é necessário que a pessoa esteja envolvido diretamente nos combates, bastando que se envolva em missão publica a favor da pátria, como por exemplo, uma missão de salvamento; no local, não deve haver um tabelionato em que a parte interessada em testar possa dispor de seus bens pela forma ordinária; a situação deve ser de perigo real, ou seja, que haja a possibilidade de não subsistir com vida depois de uma bataha ou até o fim do conflito armado.

      O testamento militar admite três formas: público, em que o comandante atua com função notarial na presença de duas testemunhas. O artigo 1893, parágrafo 3º, do código Civil, estabelece que “se o testador for oficial mais graduado, o testamento será escrito por aquele que o substituir”; o cerrado, em que o próprio testador escreve ou pede para que outro o escreva na presença de duas testemunhas. O testador entregará a cédula ao auditor, que é o militar encarregado da Justiça no acampamento ou o juiz militar que julga os soldados; e o testamento pode ser ainda nuncupativo, em que é feito oralmente perante duas testemunhas, por pessoas empenhadas em combate ou feridas. O testamento nuncupativo é a única exceção à forma escrita dos testamentos.  Não terá efeito se o testador não morrer na guerra e convalescer do ferimento, conforme estabelece o parágrafo único do artigo 1896 do Código Civil. Essa forma de testamento recebe muitas críticas, uma vez que facilita a deturpação de vontade do testador.

Em relação à caducidade do testamento militar, estabelece o artigo 1895 do Código Civil que “caduca o testamento militar, desde que, depois dele, o testador esteja, noventa dias seguidos, em lugar onde possa testar na forma ordinária, salvo se esse testamento apresentar as solenidades prescritas no parágrafo único do artigo antecedente”.

O prazo de noventa dias deve ser contado de forma ininterrupta, mesmo que o testador passe algum tempo em vários lugares, desde que em cada um desses lugares pudesse ter feito outro testamento, na forma ordinária. O artigo 1895 do Código Civil estabelece a hipótese do testamento militar não caducar, referindo-se ao parágrafo único do artigo anterior, que trata do testamento militar semelhante ao cerrado. Por ser escrito de próprio punho, datado e com a assinatura do testador, obedecendo a várias solenidades, o legislador entendeu que esse testamento representa uma disposição de última vontade, segura e de caráter definitivo. Assim sendo, não terá prazo de eficácia e não caducará, malgrado tratar-se de um testamento especial.

 

TESTAMENTO AERONÁUTICO

 

O Testamento aeronáutico é a declaração de última vontade da pessoa que se encontrava no interior de uma aeronave em trânsito.

Pouco importa se a vigem é domestica ou internacional e se o vôo é militar ou comercial, cabendo a elaboração do testamento a qualquer dessas hipóteses perante a pessoa designada pelo comandante. Assim, quem redigirá o testamento ou o auto de aprovação não será necessariamente o comandante da aeronave, mas a pessoa por ele designada para tal mister.

No mais, é instituto que se regula da mesma forma que o testamento marítimo. Necessita ser declarado na presença de duas testemunhas, bem como na do comandante ou outro pessoa competente na sua falta. O comandante da aeronave, desta maneira, procederá à entrega do testamento às autoridades administrativas do primeiro aeroporto nacional no qual a aeronave pousar, mediante contra-recibo averbado no livro de bordo. Sendo assim, o regramento de tal modalidade especial fica sob a guarda do comandante - ele deve entregar às autoridades no aeroporto. Por fim, é anulável se puder ser comprovado que a pessoa poderia ter desembarcado em algum porto ou aeroporto.

Nessa modalidade especial de testamento, completa Silvio Venosa, se o testador não morrer na viagem, nem nos 90 dias subsequentes a seu desembarque em terra, onde possa fazer, na forma ordinária, outro testamento, o testamento aeronáutico caducará, tal como o marítimo. O ordenamento italiano, em situação semelhante, no testamento lavrado em estado de calamidade pública, assina um prazo de eficácia de três meses depois da cessação da causa, para que o testamento perca sua eficácia. A lacuna em nossa lei a esse respeito é injustificável. Uma das principais características do testamento excepcional é a efemeridade: sua eficácia deve ser limitada no tempo. O exame desse importante aspecto nesse testamento, como se nota, ficará relegado ao critério da jurisprudência no caso concreto, mas não pode ser dispensado.

Logo, aliás, o testamento aeronáutico parece ser um paradoxo, pois não é crível que, numa aeronave em perigo, tenha seu comandante tempo e disponibilidade de preocupar-se com o testamento de um passageiro ou tripulante (art. 1.889). No entanto, aqui, sem dúvida, poderá estar presente uma situação excepcional que autorize o testamento de próprio punho, assim declarado pelo testador, conforme o art. 1.879. 

REFERÊNCIAS

FIUZA, Ricardo. Novo Código Civil Comentado. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Sucessões. 3.a ed São Paulo (SP). Editora Saraiva, 2009.

VENOSA, Silvio de Salvo. Coleção Direito Civil . 10º ed. São Paulo (SP). Editora Atlas, 2010.