TEORIAS E PRÁTICAS ENVOLVENDO SANÇÕES NO DIREITO TRIBUTÁRIO E A NORMA-MATRIZ DA SANÇÃO POLÍTICA

Agamenon Suesdek da Rocha 1

1. TEORIA DA NORMA JURÍDICA

Inicialmente, cabe destacar que não foram poucos os estudos dos filósofos do Direito e jurisconsultos procurando esclarecer o problema da norma jurídica, à luz da análise de suas categorias fundamentais, que se reflete em diferentes espécies. Estes estudos foram desenvolvidos contemporaneamente no âmbito da Teoria Geral do Direito conforme leciona Miguel Reale.2
Os estudos que aqui pretendemos desenvolver sobre normas jurídicas contemplarão os da norma jurídica (geral) e os da norma jurídica tributária. Cuidaremos da distinção entre norma primária e secundária e também da norma jurídica tributária sancionatória.
Muito embora existam importantes nomes de jurisconsultos e filósofos do Direito que se dedicaram aos estudos das normas jurídicas, optamos por trazer à colação o de Norberto Bobbio, pois, como adverte Paulo de Barros Carvalho, "poucos são os autores que se têm definido de maneira rigorosa a respeito do verdadeiro conceito de norma jurídica."3
Embora pareça contraditório falar em norma primária e secundária e relacioná-las ao nome de Bobbio, não se trata, efetivamente, de contradição, conquanto o Mestre da Universidade de Turim tenha criticado a distinção entre normas primárias e secundárias, apontando que esta distinção tem o inconveniente de ter duas acepções, uma cronológica, indicando uma precedência no tempo, e outra axiológica, significando uma preferência de
1 Mestre e Doutorando em Direito Tributário pela PUC-SP.
2 Reale, Miguel. Lições preliminares de direito / Miguel Reale - 11.a ed. revista, São Paulo : Saraiva, 1984, pp. 96-97.
3 Carvalho, Paulo de Barros.Teoria da Norma Tributária. 4.ª edição. São Paulo : Ed. Max Limonad, 2002, p.33.
ordem valorativa, razão pela qual sua preferência é por indicá-las como sendo de "primeiro e segundo graus".
Tampouco deve ser tomada com estranheza tal relação ao nome de Bobbio, pois é cediço que nem sempre os autores coincidem em chamar de primárias ou secundárias as normas, v.g., que prevêem a conduta ou aquelas que estabelecem as sanções, no caso de sua violação. Sabidamente conhecida neste sentido, conforme anota Miguel Reale, é a postura de Hans Kelsen, para quem a norma primária é aquela que enuncia a sanção, ficando em segundo plano, quase que eliminada por supérflua, como ainda nota Bobbio, a regra que fixa o que deve ou não ser feito.
Paulo de Barros Carvalho, a respeito, assim leciona:
A acolhida dicotomia das regras do Direito em primárias e secundárias tem servido de matéria-prima considerável a muitos trabalhos de construção jurídica, enquanto elemento que torna mais racional o entendimento do complexo sistemático do Direito. 4
Ainda sob os auspícios dos ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho, anotamos que o jus-filósofo argentino Carlos Cossio, mestre e fundador da escola egológica, "cogita do
Direito representado por meio da chamada norma dupla ou norma complexa, passando a desdobrá-la funcionalmente, para efeito de estudo mais aprofundado do fenômeno jurídico."
Nesta linha expositiva, falando sobre a norma completa da escola egológica de Carlos Cossio, prossegue Paulo de Barros Carvalho:
(...) a norma completa seria formada pela disjunção de dois juízos hipotéticos ou, em outros termos, trata-se de uma disjunção proposicional que reúne, na mesma estrutura lógica, por meio da conjunção disjuntiva
"ou", duas proposições de "dever ser". A primeira, que pode ser equiparada
à norma secundária de Kelsen, Cossio designou de "endonorma" e a
4 Idem, Teoria..., pp. 43-44.
segunda, que teria a mesma função da norma primária, o autor argentino
chamou de "perinorna".5
Concluindo seu raciocínio a respeito da dicotomia das regras do Direito em primárias e secundárias, averba Paulo de Barros que "de fato, o enfoque dicotômico da norma jurídica
tem o condão de demonstrar as funções radicalmente diversas de cada norma, ensejando e
mesmo estimulando tratamento sistemático diferenciado."
Tárek Moysés Moussallem, ao discorrer sobre a norma jurídica, assim a vê:
A norma enquanto proposição é uma estrutura sintática de significação pertencente ao plano da Lógica Jurídica. A Ciência do Direito se apropria de tal esquema para se aproximar do direito positivo. Trata-se de dado epistemológico por meio do qual o Direito-ciência se põe em comunicação com o direito-objeto.
Claro está que a norma jurídica não é a oral, nem a escrita, nem o ato ilocucionário, nem somente a proposição, nem somente a forma lógica. Para o presente trabalho, a norma jurídica, em sentido estrito, é a significação deôntica, completa, articulada entre esses elementos (semântica) e estruturada na forma lógica do condicional (sintática), resultado do uso prescritivo da linguagem (pragmática). Embora cientificamente possível, a circunscrição do conceito de norma jurídica à forma lógica (plano sintático), ou à significação colhida dos textos de direito positivo (plano semântico), ou apenas relativamente ao uso prescritivo da linguagem (plano pragmático), reduz consideravelmente o fenômeno normativo. 6
Afiança o autor que, para a compreensão da definição conceptual da norma jurídica, conhecer sua estrutura condicional é dado fundamental. Para tanto, em abordagem de natureza didática, assim descreve:
Visto pelo prisma sintático a norma jurídica possui a forma lógica do condicional (p  q). Atrela sempre uma ocorrência fáctica possível
5 Idem, Teoria ..., p. 46.
6 Moussallem, Tárek Moysés. Argumentação consequencialista na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal., in Congresso Nacional de Estudos Tributários. Sistema Tributário Brasileiro e a Crise Atual / Macedo, Alberto [et al]; Coord. Priscila de Souza. Pres. Paulo de Barros Carvalho - Obra Coletiva - São Paulo :
Noeses, 6v. 2009, pp.967-981 [969-970].
(antecedente "p") a uma relação jurídica (consequente "q") por meio do nexo
implicacional (). Em linguagem ordinária, pode se dizer que a norma
jurídica enuncia: "dado o fato F. deve-ser a relação jurídica R.7
Prossegue na sua explicação Tárek e nos fala sobre a hipótese normativa ou antecedente abstrato, e também do conseqüente da norma jurídica (geral):
A hipótese normativa (antecedente abstrato) estipula notas relevantes de acontecimentos possíveis no plano do ser, ou seja, cria uma classe de situações relevantes para o direito. Todos os elementos necessários para que determinado fato social ou natural seja alçado à categoria de jurídico têm que estar contidos numa hipótese normativa. A vontade do intérprete está limitada a esse dado, de maneira que não pode ao seu bel prazer acrescer elementos que o direito positivo não outorgou relevância.
O conseqüente da norma jurídica (geral) prescreve a conduta entre dois ou mais sujeitos, onde um (sujeito passivo) tem o dever jurídico de fazer, nãofazer ou dar algo ao outro (sujeito ativo), detentor do direito subjetivo. Por meio da imputação deôntica, a norma jurídica estatui a relação jurídica como decorrência do antecedente.8
Para que tenhamos uma compreensão melhor da estrutura lógica das normas jurídicas, se vistas não só pelos seus enunciados prescritivos, e.g., na função pragmática de descrever condutas, mas também como significações construídas a partir dos textos positivados e estruturadas consoante a forma lógica dos juízos condicionais, compostos pela associação de duas ou mais proposições prescritivas, reputamos importantíssimo trazer à colação estes ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho.
Trata-se de investigação de grande importância científica e que poderá ser útil aos estudiosos das normas jurídicas como um todo e particularmente no desenvolvimento destes estudos sobre sanções tributárias. Deixa claro o ilustre mestre da PUC-SP e da USP, no encerramento do tópico sobre antecedente da norma jurídica, que "a concepção da norma que temos operado é a chamada 'hilética', qual seja, a que toma as unidades normativas, de
7 Moussallem, Tárek Moysés. Argumentação... pp.967-981 [971].
8 Idem, Obra citada. pp. 967-981 [971].
modo semelhante às proposições, como o significado prescritivo de certas formulações
lingüísticas"...

[...]