Área do Direito: Constitucional     

RESUMO

O objetivo deste artigo é avaliar sobre a constitucionalidade da Proposta de Emenda à Constituição nº 03/2011, de 10 de fevereiro de 2011, de autoria do Deputado Federal Nazareno Fonteles (PT/PI). A PEC 03/2011 propõe a alterar a redação do art. 49, V, da Constituição Federal para conceder ao Congresso Nacional a competência “para sustar os atos normativos dos outros poderes que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”. A competência reformadora, que autoriza o Congresso a emendar a Constituição Federal, não é absoluta, de modo que a PEC não pode ultrapassar os limites estabelecidos no art. 60, §4º, entre eles, o da Separação dos Poderes (inc. III). Avaliaremos quais os impactos da PEC 03/2011 na harmonia e independência dos Três Poderes para concluir se a proposta de emenda atende ou não os requisitos de constitucionalidade.

Palavras-Chaves: Separação de Poderes, Competência Reformadora (“Poder Constituinte”), Limites Materiais às Reformas Constitucionais.

ABSTRACT

The purpose of this article is to evaluate the constitutionality of the Proposal of Constitutional Amendment nº 03/2011, February 10th 2011, written by Federal Deputy Nazareno Fonteles (PT/PI). PEC 03/2011 aims to change the art. 49, V, of Brazilian Constitution to award the Congress the power to “interrupt the normative acts from other Powers which exceed its regulatory power or the limits of legislative delegation." The Reformer Competence, which authorizes the Congress to amend the Constitution, is not absolute, so the PEC cannot exceed the limits set out in art. 60, § 4, which includes the Separation of the Powers (inc. III). We will evaluate the impacts of the PEC 03/2011 into the harmony and independence of the Three Powers to conclude if the proposed amendment meets the requirements to be considered constitutional.

Keywords: Separation of Powers, Reformer Competence (“The Constituent Power”), material limitations to the constitutional amendments.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO (3)/ 2. LIMITAÇÕES À COMPETÊNCIA REFORMADORA (4)/ 3. SEPARAÇÃO DOS PODERES (7)/ 3.1 Conceito(8)/ 3.2 Núcleo Essencial (10)/ 4. A FUNÇÃO LEGISLATIVA (12)/ 4.1 Normas Gerais e Abstratas (12)/ 4.2 Princípio da Legalidade (14)/ 4.3 Função Legislativa Atípica(14)/ 4.4 Exceções ao Princípio da Separação dos Poderes (15)/ 4.5 Atos Normativos Regulamentares (16)/ 4.6 Síntese (16)/ 5. ATOS NORMATIVOS DE OUTROS PODERES (EXECUTIVO E JUDICIÁRIO) (17)/ 5.1 Atos Normativos do Poder Executivo (17)/ 5.1.1 Regulamentos Executivos (18)/ 5.1.2 Regulamentos Autônomos (20)/ 5.1.3 Medidas Provisórias (20)/ 5.1.4 Leis Delegadas (21)/ 5.1.5 Delegação Normativa anterior à Constituição de 88 e prorrogada por lei (21)/ 5.1.6 Controle dos Atos Normativos do Poder Executivo pelo Poder Legislativo (23)/ 5.2 Atos Normativos do Poder Judiciário (24)/ 5.2.1 Instruções da Justiça Eleitoral (24)/ 5.2.2 Súmulas Vinculantes (26)/ 5.2.3 Mandado de Injunção (27)/ 5.2.4 Competência Normativa da Justiça do Trabalho (29)/ 5.2.5 Regimento Interno dos Tribunais e atos normativos do Conselho Nacional de Justiça (30)/ 5.2.6 Controle dos Atos Normativos do Poder Judiciário pelo Poder Legislativo (31)/ 6. ANÁLISE DE CONSTITUCIONALIDADE DA PEC 03/2011(32)/ 7. BIBLIOGRAFIA (35)

  

1. INTRODUÇÃO

 

Causou polêmica no mundo político e jurídico a Proposta de Emenda à Constituição nº 03/2011, de 10 de fevereiro de 2011, de autoria do Deputado Federal Nazareno Fonteles (PT/PI), que se propõe a alterar a redação do artigo 49, inciso V, da Constituição Federal com objetivo declarado de conceder ao Congresso Nacional competência “para sustar os atos normativos dos outros poderes que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”[1]:

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº    , DE 2011.

(Do Sr. Nazareno Fonteles e outros)

 

Dá nova redação ao inciso V do art.

49 da Constituição Federal.

 

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:

Art. 1º O inciso V do art. 49 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art.49....................................................................

................................................................................

V – sustar os atos normativos dos outros poderes que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;

................................................................................

Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

Segundo a Justificação da PEC 03/2011, há uma lacuna entre os incisos V e XI do artigo 49, da Constituição Federal. O inciso V atribui ao Congresso Nacional a competência exclusiva para zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes. Tal competência, segundo o Deputado Nazareno Fonteles, seria um “verdadeiro controle político de constitucionalidade diante tanto do Poder Executivo quanto do Poder Judiciário”, cujo exercício seria garantido ao Congresso Nacional pelo inciso V, que lhe atribui a competência para sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa, porém silencia com relação aos “atos normativos viciados emanados do Poder Judiciário”. Segundo o autor da PEC, a “complementação” desta competência do Congresso Nacional para sustar atos normativos de outros Poderes seria a maneira de garantir a independência e harmonia dos Três Poderes.

Por sua vez, os detratores da PEC 03/2011 acusam-na de ser casuística, proposta unicamente como reação a recentes decisões do Supremo Tribunal Federal sobre assuntos aos quais o Congresso Nacional se omitiu. Além disso, segundo os críticos da PEC 03/2011, ao se conferir a competência para sustar atos normativos do Judiciário, o Congresso assumiria preponderância entre os demais poderes, o que seria uma agressão à independência e harmonia entre os três Poderes.

Realizaremos a análise da PEC 03/2011 sob o ponto de vista jurídico, com base especialmente nas disposições constitucionais sobre a competência reformadora e seus limites. No entanto, é importante destacar que, por se tratar a Constituição de um documento com conteúdo essencialmente político e em decorrência da abertura de seu texto, que muitas vezes utiliza-se de linguagem pouco técnica, com o uso de termos imprecisos e coloquiais, toda análise de constitucionalidade também depende de conceitos políticos.

 

2. LIMITAÇÕES À COMPETÊNCIA REFORMADORA

A Constituição Federal de 1988 pode ser classificada como “rígida”, ou seja, trata-se de um documento escrito cuja alteração de seu texto dependerá do atendimento a um processo solene e mais dificultoso do que a mera alteração da legislação ordinária. O Constituinte Originário previu dois modelos de mecanismos formais para as alterações da Constituição: a Revisão Constitucional (art. 30 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) e as Emendas Constitucionais (art. 60). A Revisão Constitucional já foi realizada em 1994 e não poderá ser repetida[2], de modo que a única maneira de alterar o texto da Constituição é via Emenda Constitucional.

O poder de promulgar Emendas Constitucionais e alterar o texto da Constituição é o exercício do que chamamos de Competência Reformadora. Existe na doutrina longo debate se tal Competência Reformadora é, ou não, uma manifestação do Poder Constituinte (neste caso, o Poder Constituinte Reformador). Apesar da divergência quanto ao fato de ser ou não uma manifestação do Poder Constituinte, já é pacífico o entendimento de que o exercício das alterações constitucionais é limitado[3].

Tais limitações podem ser de diversas ordens, sendo algumas previstas diretamente no texto constitucional (limitações expressas), enquanto outras são tácitas (limitações implícitas). No caso da Constituição Federal de 1988, as limitações expressas são previstas diretamente no artigo 60, podendo ser classificadas entre a) limitações formais; b) limitações circunstanciais; c) limitações materiais; e d) limitações temporais.

As limitações formais são aquelas relativas ao processo legislativo, ou seja, o texto da Constituição somente poderá ser alterado mediante emenda proposta por, no mínimo, um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal (art. 60, I); proposta pelo Presidente da República (art. 60, II); ou proposta por mais da metade das Assembleias Legislativas (art. 60, III). A proposta de emenda deverá ser discutida e aprovada, em dois turnos, por três quintos dos membros de cada uma das casas do Congresso Nacional (art. 60, §2º). Se aprovada, a emenda será promulgada pelas mesas da Câmara e do Senado (art. 60, §3º) e, se rejeitada, fica vedada a propositura de outra emenda com a mesma matéria durante aquela sessão legislativa (art. 60, §5º).

As limitações circunstanciais impedem a tramitação de propostas de emendas à Constituição em determinadas situações, com a finalidade de proteger a ordem democrática em momentos de perturbação ou comoção da vida nacional. De acordo com o Parágrafo primeiro do artigo 60, não são permitidas emendas durante a vigência de intervenção federal, estado de defesa ou sítio.

As limitações materiais são temas cuja abolição não será permitida e nem sequer proposta. Tratam-se das chamadas cláusulas pétreas da Constituição, seu núcleo mais duro e central. Deste modo, não será tolerada proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa do Estado; o voto secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais[4] (art. 60, §4º).

Já as limitações temporais são aquelas que definem um período de tempo pelo qual não poderá ser alterado o texto constitucional. Na atual Constituição não há limitação temporal, mas a título exemplificado apresentamos o art. 174 da Constituição Imperial (Constituição de 1824), que vedava a propositura de alterações naquela carta durante seus quatro primeiros anos de vigência[5].

Além das limitações expressas à Competência Reformadora, também existe limitações implícitas, que, apesar de não serem expressamente previstas no artigo 60, estão tacitamente presentes no corpo constitucional. As limitações implícitas são aquelas que impedem emendas que alterem o exercício da Competência Reformadora, de modo que implicitamente são vedadas alterações de sua titularidade, bem como modificações na forma de exercício e são proibidas tentativas de abolir as limitações expressas[6]. Sem tais limitações implícitas, o Poder titular da Competência Reformadora (no caso, o Congresso Nacional) poderia se outorgar poderes constituintes originários.

Existe na doutrina um importante debate sobre o significado da expressão “tendente a abolir”, presente no art. 60, §4º. Socorremos-nos das lições de José Afonso da Silva:

“É claro que o texto não proíbe apenas emendas que expressamente declarem: ‘fica abolida a Federação ou a forma federativa de Estado’, ‘fica abolido o voto direto...’, ‘passa a vigorar a concentração de Poderes’, ou ainda ‘fica extinta a liberdade religiosa, ou de comunicação.., o habeas corpus, o mandado de segurança...’. A vedação atinge a pretensão de modificar qualquer elemento conceitual da Federação, ou do voto direto, ou indiretamente restringir a liberdade religiosa, ou de comunicação ou outro direito e garantia individual; basta que a proposta de emenda se encaminhe ainda que remotamente, “tenda” (emenda tendente, diz o texto) para a sua abolição.”[7]

Com base nisso, é possível uma posição mais rígida, pela qual são vedadas quaisquer alterações no sentido de reduzir ou limitar as cláusulas pétreas no formato estabelecido pelo Poder Constituinte. Outra posição, menos rígida, entende que não há intangibilidade literal das cláusulas pétreas, mas apenas de seu núcleo essencial[8]. De acordo com este segundo entendimento, as cláusulas pétreas são normas-princípios[9] que, como tal, podem ser ponderadas e restringidas, desde que preservado seu núcleo essencial. Entre este núcleo essencial (definitivamente protegido) e o princípio em si (protegido apenas prima facie) existiria todo um espaço cuja conformação e preenchimento seriam permitidos ao titular da Competência Reformadora da Constituição. Acompanhando este segundo sentido, manifestou-se o Supremo Tribunal Federal em algumas ocasiões[10].

 

3. SEPARAÇÃO DOS PODERES

De todas as limitações à Competência Reformadora, do ponto de vista material, o que pode colocar em dúvida a constitucionalidade da PEC 03/2011 é a cláusula pétrea da Separação dos Poderes (art. 60, §4º, III).

 

3.1 Conceito

O Princípio da Separação dos Poderes é um dos mais importantes temas do Constitucionalismo, tendo sido concebido coletivamente por diversos pensadores e evoluído com o passar tempo, porém é sempre destacada a formulação realizada por Montesquieu em “O Espírito das Leis”. Ao analisar as instituições políticas inglesas, que considerava as mais perfeitas, Montesquieu concluiu que a separação entre as funções estatais seriam a melhor maneira de garantir as liberdades públicas e impedir o arbítrio:

“Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não há liberdade, porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado façam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Não há liberdade se o poder de julgar não está separado do poder legislativo e do executivo. Se ele estivesse confundido com o poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se ele estiver confundido com o poder executivo, o juiz poderá ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo de príncipes, nobres ou povo, exercessem estes três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar as questões dos particulares.”[11]

Obviamente que o Poder do Estado é uno e assim continuará sendo. A chamada Separação dos Poderes em si é a divisão das funções estatais (divisão funcional) a diferentes órgãos (divisão orgânica). Segundo a teoria política tradicional, as funções são três: legislativa, executiva (ou administrativa) e jurisdicional. A partir do critério objetivo formal[12], podemos definir as funções do Estado da seguinte maneira:

“Assim, função legislativa é a função que o Estado, e somente ele, exerce por vias de normas gerais, normalmente abstratas, que inovam inicialmente na ordem jurídica, isto é, que se fundam direta e imediatamente na Constituição.

“Função jurisdicional é a função que o Estado, e somente ele, exerce por vias de decisão que resolvem controvérsias com força de ‘coisa julgada’,a tributo este que corresponde à decisão proferida em última instância pelo Judiciário e que é predicado desfrutado por qualquer sentença ou acórdão contra o qual não tenha havido tempestivo recurso.

“Função administrativa é a função que o Estado, ou quem lhe faça as vezes, exerce na intimidade de uma estrutura e regime hierárquicos e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser desempenhada mediante comportamentos infralegais ou, excepcionalmente, infraconstitucionais, submissos todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário.”[13]


Acompanhando a teoria da Tripartição dos Poderes, a Constituição Federal atribui cada uma das funções estatais a um determinado Poder: a função legislativa ao Poder Legislativo (representado no âmbito da União pelo Congresso Nacional, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal); a função jurisdicional ao Poder Judiciário; e a função administrativa ao Poder Executivo.

Ocorre que tais funções não são exercidas exclusivamente pelo respectivo Poder. Na realidade, todos os Poderes exercem as três funções estatais, sendo uma delas em caráter dominante (função típica) e as demais de maneira subsidiária (funções atípicas). Deste modo, o Poder Judiciário, além da função jurisdicional, também exerce a função administrativa, quando realiza licitações, concursos ou lida com seus servidores (art. 96, I, “e”), e a função legislativa, ao aprovar seus regimentos internos (art. 96, I, “a”). O Poder Executivo, além da função típica administrativa, também exerce a função legislativa, por meio de decretos regulamentares e autônomos, e a função jurisdicional, seja internamente, quando relacionada a seus servidores, seja externamente quando se tratar de processos administrativos movimentados por particulares. Por fim, o Poder Legislativo exerce sua função legislativa típica, mas também executa funções administrativas (licitações, concursos e servidores) e jurisdicionais, tanto internamente, relativas aos seus membros e servidores, quanto externamente, como no julgamento de crimes de responsabilidade.

Como se vê, as funções atípicas são direcionadas internamente aos respectivos Poderes e, ainda que tenham repercussões externas, estarão sempre subordinadas ao exercício da função típica dos Poderes competentes. Sendo assim, o exercício da função jurisdicional pelos Poderes Executivo e Legislativo é subordinado à jurisdição do Poder Judiciário; o exercício da função legislativa dos Poderes Judiciário e Executivo não podem contrariar as leis emitidas pelo Poder Legislativo; e o exercício da função administrativa pelos Poderes Judiciário e Legislativo não tem por finalidade atingir a coletividade, mas a atender suas necessidades orgânicas.

Além do exercício das funções atípicas (internamente) pelos três Poderes, existem algumas Exceções ao Principio da Separação dos Poderes. Por se tratarem de exceções, elas são instituídas por normas-regras, ou seja, são expressamente prevista no texto constitucional e não são fruto de qualquer tipo de interpretação ou ponderação de princípios. À título exemplificativo, citamos a competência do Chefe do Poder Executivo para emitir Medidas Provisórias (art. 62), a possibilidade de convocação de Ministros de Estado (subordinados ao Poder Executivo) para prestar esclarecimentos ao Poder Legislativo (plenário ou comissões), incluindo seu comparecimento espontâneo (art. 50.) e a permissão concedida aos parlamentares (membros do Poder Legislativo) para exercer funções de Ministro de Estado (entre outros), que é função subordinada ao Poder Executivo (art. 56.). Este assunto será retomado adiante.

 

3.2 Núcleo Essencial

Para avaliar a constitucionalidade da PEC 03/2011 ante o artigo 60, parágrafo terceiro, inciso III, é necessário identificar o núcleo essencial do princípio da Separação dos Poderes, definindo qual é o limite intangível das alterações possíveis. De acordo com a Constituição Federal:

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Partimos do princípio de que o cerne da Separação dos Poderes é composto por dois elementos: a independência e a harmonia entre os Poderes.

Por independência entendemos a Independência Orgânica dos Poderes, ou seja, as condições para que cada um deles poderá funcionar autonomamente sem a interferência dos demais com relação a seus assuntos internos. Neste sentido que se justifica o exercício da função administrativa por parte dos Poderes Legislativo e Judiciário. Se todas as questões administrativas dependessem da boa vontade do Poder Executivo, a eles estaria subordinado o Legislativo e o Judiciário[14]. Da mesma forma, os Poderes Executivo e Legislativo exercem função jurisdicional para apurar responsabilidades internas de seus servidores e membros e, ainda que tais processos administrativos possam ser posteriormente revistos pelo Poder Judiciário, são definitivos e imponíveis ao Poder que os realizou. Enfim, a função legislativa é exercida pelos Poderes Judiciário e Executivo quando se tratar de normatização de suas estruturas internas, seja através dos regimentos do Judiciário, seja através dos decretos do Executivo[15] (art. 84. VI, “a” e “b” e art. 96, I, “a”). A Independência Orgânica também pressupõe as prerrogativas e garantias que protegem os membros de um Poder frente aos outros (art. 53, art. 95 e art. 102, I, “b”), bem como a vedação de que uma mesma pessoa seja membro de mais de um Poder ao mesmo tempo.

Por sua vez, a Harmonia entre os Poderes são controles recíprocos exercidos entre si.  Ainda que haja especialização funcional de cada um dos Poderes, pelo sistema de freios e contrapesos os Poderes podem colaborar com as funções dos demais. No caso do Poder Legislativo, a função legislativa sofre a colaboração do Poder Executivo, que participa do processo pela iniciativa de leis, pelo poder de veto e sanção, ou o pedido de urgência na tramitação (contrabalanceados com a possibilidade do Congresso alterar o projeto de lei de iniciativa do Executivo, bem como a eventual derrubada do veto presidencial). Ainda que o Poder Judiciário não colabore diretamente na função legislativa, o STF detém a competência para realizar o controle abstrato de constitucionalidade das leis. Com relação ao Poder Judiciário, os Poderes Executivo e Legislativo não influenciam nem interferem no exercício da função jurisdicional, porém a prerrogativa de nomeação dos ministros dos tribunais superiores compete ao Presidente da República, mediante aprovação do Senado Federal (Art. 52, III, “a”, e art. 84, XIV). Ressaltamos que a tal colaboração se dá nos limites estritos do que estabelece a Constituição, não sendo possível o esvaziamento das competências típicas de qualquer dos Poderes e nem a concentração de funções (seja quais forem) em um único Poder (o que também seria a usurpação das prerrogativas dos demais).

Concluímos, dessa forma, que o núcleo essencial do princípio da Separação dos Poderes é a independência orgânica e a harmonia entre os Poderes[16], ou seja, que não poderá haver emenda constitucional que:

a) Prejudique a autonomia orgânica dos Poderes (subordinando-o administrativamente a outro);

b) Retire competências típicas de um Poder (esvaziando sua especialidade funcional); ou

c) Atribua a um Poder as competências típicas de outro (de modo a criar uma instância hegemônica de poder).

 

4. A FUNÇÃO LEGISLATIVA

Todos os atos emitidos pelo Poder Legislativo, independente de qual função exerça, são atos formalmente legislativos. No entanto, o que nos interessa neste momento são os atos materialmente legislativos, ou seja, o exercício efetivo da função legislativa, independente do Poder que os emita.

Partindo-se da definição de Celso Antonio Bandeira de Mello, a função legislativa seria a competência para inserir normas gerais e geralmente abstratas, e que inovam inicialmente a ordem jurídica (porque fundadas diretamente na Constituição). Aprofundaremos esta definição.

 

4.1 Normas Gerais e Abstratas

Passemos agora a conceituar “normas gerais e abstratas”. Toda norma pode ser classificada com base nas dualidades geral/individual e abstrata/concreta. Normas gerais são aquelas dirigidas a um grupo indeterminado de sujeitos, enquanto normas individuais são aquelas dirigidas a um específico indivíduo ou grupo de indivíduos identificados. Normas abstratas referem-se a fatos não especificados no tempo e no espaço, mas apenas tipificados hipoteticamente, enquanto normas concretas referem-se a condutas identificadas no tempo e no espaço.

Com base nas dualidades geral/individual e abstrata/concreta, é possível classificar as normas em quatro diferentes espécies: (i) norma geral e abstrata; (ii) norma geral e concreta; (iii) norma individual e abstrata; e (iv) norma individual e concreta.

(i) A norma geral e abstrata é aquela cujas consequências não se realizaram e que dirige indistintamente seus efeitos. A típica norma geral e abstrata é a lei (ainda que existam leis de outras espécies, como, por exemplo, a lei municipal que dá nome a uma rua da cidade, que é norma individual e concreta).

(ii) A norma geral e concreta é o veículo introdutor de outras normas. O fato referido é identificado no tempo e no espaço (muitas vezes, trata-se de uma norma de outra espécie já inserida no sistema anteriormente) e o destinatário é toda a coletividade (que deve obedecer a conduta prescrita). Exemplos de normas gerais e concretas são atos administrativos ou judiciais que, com base nas determinações de uma lei específica, impõe genericamente a obediência a uma conduta concreta.

(iii) A norma individual e abstrata é aquela que prevê a realização de um fato (ou um conjunto) abstrato cujo destinatário é um indivíduo (ou um grupo) devidamente identificado. Um exemplo[17] de norma individual e abstrata é a sentença judicial que concede a servidão de passagem: o beneficiário da servidão é um individuo definido, porém os fatos (passagem) não são especificados no tempo e no espaço.

(iv) A norma individual e concreta é a norma que prescreve uma conduta específica e é dirigida a um individuo determinado e identificado. São exemplos de normas individuais e concretas a maioria das sentenças judiciais, mas também podem ser assim classificadas as leis municipais que denominam ruas específicas (neste caso, a lei municipal seria apenas formalmente legislativa, não materialmente).

Sendo assim, concluímos que somente podem ser considerados materialmente legislativos os atos que emitam normas gerais e abstratas[18], independente de serem formalmente legislativas (quando emitidas pelo Poder Legislativo) ou não (se emitidas por outros Poderes).

 

4.2 Princípio da Legalidade

Um dos pilares fundamentais da Ordem Constitucional Brasileira, diretamente relacionado à função legislativa, é o Princípio da Legalidade. Tal Princípio se manifesta de diferentes maneiras conforme o destinatário. Com relação aos particulares, o Princípio da Legalidade se traduz na máxima esculpida no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, ou seja, para os particulares a regra é a liberdade (permissão), porém a lei pode, excepcionalmente, prescrever condutas (obrigando ou proibindo). Note que a obrigação de fazer ou deixar de fazer não se manifesta exclusivamente por via da lei, mas também por outras medidas estatais derivadas dela. Um particular também poderá ser obrigado ou proibido frente ao que determina uma decisão judicial ou um ato administrativo, desde que tais ordens decorram de uma previsão legal. Sendo assim, todos os atos estatais (de qualquer de seus Poderes) que obrigam ou vedam condutas dos particulares decorrem direta ou indiretamente de lei. É por isso que se diz que somente a função legislativa pode inovar inicialmente a ordem jurídica (as demais medidas não podem inovar inicialmente, pois os particulares não seriam obrigados a cumpri-las em virtude do art. 5º, II, da CF).

 

4.3 Função Legislativa Atípica

Com relação aos entes públicos o Princípio da Legalidade se manifesta de maneira inversa (art. 37, CF). Se para os particulares a regra é a liberdade (permissão) e a exceção é a prescrição legal (obrigando ou proibindo condutas), para o Estado a regra é a prévia previsão legal, ou seja, os órgãos públicos só podem realizar ações devidamente estabelecidas por lei e toda conduta não prevista é proibida ao Estado. Ocorre que cada um dos três Poderes possui Independência Orgânica frente aos demais, de modo que, dentro dos limites constitucionais, podem definir livremente sua organização interna (função legislativa atípica). Neste sentido, a Constituição Federal também concedeu expressamente ao Poder Executivo (art. 84, VI, “a” e “b”) e ao Poder Judiciário (art. 96, I, “a”) a competência para emitirem normas gerais e abstratas que inovem a ordem jurídica, porém com efeitos internos, já que visam sua organização interna. Tal competência normativa inicial, geral e abstrata deve ser exercida nos estritos limites estabelecidos pela Constituição, não pode contrapor-se às disposições legais e seus efeitos não afetam aos particulares externamente ao Poder que os emitiu.

 

4.4 Exceções ao Princípio da Separação dos Poderes

Em suma, a função típica do Poder Legislativo é sua competência para inserir normas gerais e abstratas, que inovam inicialmente a ordem jurídica e com efeitos externos (obrigam os particulares e os outros Poderes). Ainda que seja função típica do Poder Legislativo, tal competência pode ser exercida com a colaboração (i.e. iniciativa de lei, sanção, veto etc) e controle (i.e. controle de constitucionalidade) dos demais Poderes, mas sempre nos estritos limites definidos pela Constituição. Trata-se do sistema de pesos e contrapesos idealizado pelo Constituinte Originário para garantir a Harmonia entre os Poderes.

Ocorre que a Constituição também consagra algumas exceções ao Princípio da Separação dos Poderes. São situações, bastante excepcionais, em que outros Poderes, que não o Poder Legislativo, recebem a competência para emitir normas gerais e abstratas, que inovam inicialmente a ordem jurídica e com efeitos externos (ou seja, atos materialmente legislativos, ainda que não formalmente). Assim como na função legislativa típica, que são exercidas em colaboração com os demais poderes, as Exceções são exercidas por outro Poder com a colaboração do Poder Legislativo[19]. No caso do Brasil, exceções deste tipo foram atribuídas ao Poder Executivo (Medidas Provisórias e Leis Delegadas) e ao Poder Judiciário (competência normativa da Justiça do Trabalho).

 

4.5 Atos Normativos Regulamentares

Por fim, existem outras espécies de normas gerais e abstratas com efeitos externos a estes Poderes, emitidos pelo Poder Executivo e pelo Poder Judiciário[20], mas que não inovam a ordem jurídica, porém a complementam dentro de seus limites[21].

Na verdade, tais atos normativos são derivados e vinculados diretamente a uma lei (i.e. os decretos regulamentares expedidos para fiel execução de leis, conforme art. 84, IV). Tais atos normativos regulamentares, por decorrerem de lei, devem seguir estritamente suas determinações, não podendo inovar a ordem jurídica. No caso dos atos normativos emitidos pelo Poder Executivo que exorbitem o poder regulamentar, a Constituição prevê o controle por parte do Poder Legislativo, conforme artigo 49, inciso V, da Constituição Federal.

 

4.6 Síntese

Assim, identificamos na Constituição Federal quatro diferentes formas de emissão de atos normativos. Em síntese:

  • Atos Normativos Típicos são (1) normas gerais e abstratas (2) que inovam inicialmente a ordem jurídica (3) com efeitos externos ao Poder que as emitiu. Sua emissão compete exclusivamente ao Poder Legislativo, porém é exercido em colaboração com outros Poderes. São os atos normativos decorrentes do exercício da Função Legislativa Típica. São atos material e formalmente legislativos.
  • Atos Normativos Atípicos são (1) normas gerais e abstratas (2) que inovam inicialmente a ordem jurídica (3) SEM efeitos externos ao Poder que as emitiu (efeito meramente interno ao Poder emitente). Sua emissão compete a qualquer dos Poderes, sem a colaboração dos demais. São atos normativos decorrentes do exercício da Função Legislativa Atípica de qualquer dos Poderes, sempre exercidos dentro dos limites estabelecidos pela Constituição e sem se contrapor às determinações legais.
  • Exceções ao Princípio da Separação dos Poderes são (1) normas gerais e abstratas (2) que inovem inicialmente a ordem jurídica (3) com efeitos externos ao Poder emitente. Tais exceções são atos normativos equivalentes à função legislativa típica, mas são emitidos por outros Poderes (que não o Legislativo) em situações previamente definidas na Constituição Federal e sempre com a colaboração do Poder Legislativo (titular da Função Legislativa Típica). São atos materialmente legislativos, ainda que não o sejam formalmente; e
  • Atos Normativos Regulamentares são (1) normas gerais e abstratas (2) que NÃO inovam a ordem jurídica (pois derivam diretamente de lei) e (3) com efeitos externos ao Poder. Tais atos normativos, em alguns casos, são submetidos ao controle do Poder Legislativo contra abusos.

 

5. ATOS NORMATIVOS DE OUTROS PODERES (EXECUTIVO E JUDICIÁRIO)

Partindo do entendimento de que a função legislativa típica é exclusiva do Poder Legislativo, os demais Poderes detém competência para emitir três espécies de atos normativos: Atos Normativos Atípicos (sem efeitos externos ao Poder emitente); Atos Normativos emitidos como Exceção ao Princípio da Separação dos Poderes (equivalentes à função legislativa típica e em colaboração com o Poder Legislativo); e Atos Normativos Regulamentares (que não inovam a ordem jurídica e, em alguns casos estão submetidos ao controle do Poder Legislativo).

Abordemos, agora de maneira mais aprofundada, cada uma destas situações.

 

5.1 Atos Normativos do Poder Executivo

O Poder Executivo é o principal colaborador do Congresso Nacional no exercício de sua Função Legislativa e, além disso, exerce Função Legislativa Atípica (competência normativa interna) e, até mesmo, detém competência legislativa externa (Exceções ao Princípio da Separação dos Poderes). Enquanto Função Legislativa Atípica, o Presidente da República detém a prerrogativa constitucional de emitir Regulamentos Executivos e Regulamentos Autônomos (ambos mediante decreto). Por sua vez, a Constituição atribuiu ao Poder Executivo três exceções ao Princípio da Separação dos Poderes no que se refere à Função Legislativa exercida com efeitos externos a ele: as medidas provisórias, as leis delegadas e a delegação normativa anterior à Constituição de 88 que foi prorrogada por lei.

 

5.1.1 Regulamentos Executivos

Os Regulamentos Executivos (art. 84, IV[22]) são decretos expedidos pelo Presidente da República para a fiel execução das leis. São normas gerais e abstratas com efeitos externos ao Poder Executivo, mas que não inovam a ordem jurídica, pois apenas determinam os procedimentos a serem executados pela Administração Pública durante o cumprimento de uma lei.

O regulamento executivo, “além de inferior, subordinado, é ato dependente da lei”[23], e não deve, de maneira alguma, inovar a ordem jurídica. Sendo assim, o decreto regulamentar não pode estabelecer quaisquer obrigações, proibições, direitos ou deveres aos particulares, mas apenas explicitar o que está implícito na lei ou estabelecer as regras orgânicas e processuais para seu devido cumprimento pelo Poder Executivo, disciplinando a discricionariedade administrativa e garantindo a aplicação isonômica da lei (ao estabelecer regras para a execução da lei, garante-se que todos os administrados serão igualmente atendidos pela administração pública, evitando soluções díspares, e atendendo ao princípio da igualdade).

“Em síntese: os regulamentos serão compatíveis com o princípio da legalidade quanto, no interior das possibilidades comportadas pelo enunciado legal, os preceptivos regulamentares servem a um dos seguintes propósitos: (I) limitar a discricionariedade administrativa, seja para (a) dispor sobre o modus procedendi da Administração nas relações que necessariamente surdirão entre ela e os administrados por ocasião da execução da lei; (b) caracterizar fatos, situações ou comportamentos enunciados na lei mediante conceitos vagos cuja determinação mais precisa deva ser embasada em índices, fatores ou elementos configurados a partir de critérios ou avaliações técnicas segundo padrões uniformes, para garantia do princípio da igualdade e da segurança jurídica; (II) decompor analiticamente o conteúdo de conceitos sintéticos, mediante simples discriminação integral do que neles se contém.”[24]

Uma vez que não inovam a ordem jurídica, tais decretos não são exceção ao Princípio da Separação dos Poderes e também não são resultado da Função Legislativa Atípica, tratando-se na realidade de Atos Normativos Regulamentares. Caso o decreto regulamentar ultrapasse o que determinou a lei regulamentada, inovando na ordem jurídica, então estará invadindo a Função Legislativa, rompendo os limites da Separação dos Poderes, e, por isso, estará sujeito à sustação pelo Congresso Nacional, conforme artigo 49, inciso V, da Constituição[25].

 

5.1.1.1 Atos Normativos das Agências Reguladoras.

As Agências Reguladoras são autarquias (ou seja, são parte integrante do Poder Executivo) criadas a partir da década de 90 para regulamentares atividades de específicos setores da economia, conforme artigo 174 da Constituição. Ainda que não haja qualquer previsão constitucional, as leis instituidoras das agências reguladoras lhes atribuíram a competência de emitir atos normativos. Ocorre que no atual regime constitucional, o setor econômico goza de ampla liberdade para se desenvolver, atendendo aos fundamentos dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV) e seguintes fundamentos: soberania nacional; propriedade privada; função social da propriedade; livre concorrência; defesa do consumidor; defesa do meio ambiente; redução das desigualdades regionais e sociais; busca do pleno emprego; e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País (art. 170, incisos). Sendo assim, somente por meio de lei é possível restringir o livre exercício da atividade econômica, seja ela qual for (art. 170, parágrafo único). Em suma, os atos normativos emitidos pelas agências reguladoras devem ser compreendidos como regulamentos executivos, sempre vinculados à lei, sem qualquer possiblidade de inovação inicial da ordem jurídica. Neste sentido, também estão submetidos ao controle do Congresso Nacional, sendo passíveis de sustação, caso ultrapassem o que determinou a lei, conforme artigo 49, inciso V.

 

5.1.2 Regulamentos Autônomos

Outra situação que merece destaque é a dos Regulamentos Autônomos (art. 84, VI, alíneas[26]). Os Regulamentos Autônomos podem ser emitidos nas situações de organização e funcionamento da administração federal quando não implicarem em aumento de despesas ou criação e extinção de órgãos públicos, ou para extinguir funções ou cargos públicos vagos. São instrumentos para normatização das estruturas internas do Poder Executivo, incidindo apenas e tão somente sobre a organização intrínseca da administração pública, sendo uma manifestação da independência orgânica deste Poder. Em suma, são normas gerais e abstratas que inovam inicialmente a ordem jurídica, mas com efeitos apenas internos ao Poder Executivo.

Apesar de inovarem inicialmente a ordem jurídica, por serem os efeitos dos Regulamentos Autônomos internos ao Poder emitente, tais decretos não podem ser considerados exceção ao Princípio da Separação dos Poderes, tratando-se na realidade de Atos Normativos Atípicos. Os Regulamentos Autônomos somente podem ser emitidos nas situações previstas e, por se tratar de elemento essencial à independência orgânica do Executivo, não estão sujeitos ao controle do Poder Legislativo, nem por sustação (art. 49, V) e nem por via legislativa[27], mas podem ser questionados por Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário.

 

5.1.3 Medidas Provisórias 

A primeira e mais famosa exceção ao Princípio da Separação dos Poderes no que se refere à função legislativa são as Medidas Provisórias. Expressamente previstas nos artigos 59, inciso V, e 62, da Constituição, as medidas provisórias são diplomas legais (normas gerais e abstratas que inovam inicialmente a ordem jurídica com efeitos externos ao Poder emitente) emitidos pelo Presidente da República em caso de relevância e urgência. O parágrafo primeiro do artigo 62 limita materialmente o teor das medidas provisórias, vedando uma série de matérias. Em nome da harmonia entre os Poderes, a medida provisória é submetida ao controle do Poder Legislativo, que poderá aprovar ou rejeitá-la, inclusive alterando seu teor, por meio do procedimento legislativo instituído pelos parágrafos terceiro a doze.

 

5.1.4 Leis Delegadas

A segunda exceção ao Princípio da Separação dos Poderes sobre a função legislativa é a possibilidade de elaboração de Leis Delegadas pelo Presidente da República, conforme artigos 59, IV, e 68[28] da Constituição. Neste caso, o Presidente deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional, que poderá conceder, ou não, por meio de Resolução, especificando o conteúdo e prazo para seu cumprimento. A resolução poderá, ainda, exigir a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional (desde que sem qualquer emenda). O parágrafo primeiro do artigo 68 restringe a delegação legislativa e expressamente veda a delegação sobre referidas matérias. O controle do Poder Legislativo sobre as leis delegadas poderá ser exercido por meio de apreciação do projeto (quando assim a resolução previr) ou por alteração posterior através lei ordinária. Além disso, caso o Presidente da República ultrapasse os limites da delegação, o Congresso Nacional poderá sustar a referida lei ordinária com base no artigo 49, inciso V. Existem em vigor 13 leis delegadas, sendo duas decretadas em 1992 e as demais em 1962.

 

5.1.5 Delegação Normativa anterior à Constituição de 88 e prorrogada por lei         

Por fim, a terceira exceção ao Princípio da Separação dos Poderes sobre a função legislativa é estabelecido pelo artigo 25, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:

Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:

I - ação normativa;

O referido artigo foi elaborado para regulamentar a transição entre a velha ordem jurídica (da Ditadura) para a nova ordem constitucional (democrática). Ocorre que, um dos motivos pelos quais a ordem jurídica anterior pode ser classificada como ditatorial, era exatamente a concentração de funções estatais no Poder Executivo (com auxílio de conivência covarde por parte do Poder Judiciário). Deste modo, até 1988 o Estado Brasileiro era organizado de forma que alguns órgãos do Poder Executivo exerciam Função Legislativa (usurpada do Congresso Nacional). Com a Constituinte, a fim de evitar um colapso das formas de organização do Estado por uma ruptura imediata com o antigo formato, o Poder Constituinte optou por estabelecer uma norma de transição, que estabelecia o prazo de 180 dias para a reorganização do Poder Executivo. A mesma norma, porém, previu uma exceção e autorizou a prorrogação, por lei (ou seja, por decisão do Poder Legislativo), da competência normativa do Poder Executivo. Vale ressaltar que a previsão do ADCT é a prorrogação da competência normativa já existente, e não o estabelecimento de novos casos.

O caso mais emblemático da utilização do artigo 25, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias é a competência normativa do Conselho Monetário Nacional, inicialmente atribuída pela Lei nº 4.595/64. Em 30 de março de 1989 (ou seja, 176 dias após a promulgação da Constituição), foi editada a Medida Provisória nº 45/88, prorrogando até 30 de abril de 1990 a vigência dos dispositivos legais que haviam atribuído competência normativa ao Conselho Monetário Nacional (entre outros órgãos do Poder Executivo). Tal competência foi sendo prorrogada sucessivamente por medidas provisórias (algumas convertidas em lei, outras reeditadas[29]) até que a Lei nº 8.392/91 determinou que a competência normativa do Conselho Monetário Nacional estaria indefinidamente prorrogada até “a data da promulgação da lei complementar de que trata o art. 192 da Constituição Federal”.

Ainda que tal prorrogação, sem medida, da competência normativa atribuída a órgão do Poder Executivo, seja questionável do ponto de vista político, não há qualquer violação do Princípio da Separação dos Poderes, já que a exceção é prevista expressamente no texto constitucional e está sujeita a duplo controle por parte do Poder Legislativo (conforme o sistema de freios de contrapesos, que garante a harmonia entre os Poderes):

a) A prorrogação da competência normativa dos órgãos do Poder Executivo é realizada por lei, ou seja, o Poder Legislativo pode derrubá-la a qualquer momento; e

b) O Poder Legislativo pode sustar os atos normativos exorbitantes, conforme artigo 49, inciso V.

5.1.6 Controle dos Atos Normativos do Poder Executivo pelo Poder Legislativo

Sendo o Poder Legislativo o titular da Função Legislativa, cabe a ele exercer o controle dos atos normativos emitidos por outros poderes. Note que os Regulamentos Autônomos (Ato Normativo Atípico) por se tratarem de manifestação da autonomia orgânica dos referidos poderes, não estão sujeitos ao controle do Poder Legislativo e somente podem ser questionados por Ação Direta de Inconstitucionalidade.

O artigo 49, inciso V, da Constituição estabelece um instrumento para controle político de constitucionalidade dos atos normativos do Poder Executivo pelo Congresso Nacional, pois, ao exorbitar o poder regulamentar ou os limites da delegação, o Poder Executivo está ultrapassando os limites da separação dos poderes e ampliando indevidamente suas competências.

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

..........

V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;

O uso deste instrumento tem como alvo os atos normativos do Poder Executivo, ou seja, não haverá que se falar em sustação de ato administrativo que não tenha natureza normativa. Além disso, a sustação não é discricionária, incidindo apenas quando o ato sustado tiver exorbitado o poder regulamentar (Atos Normativos Regulamentares) ou o limite da delegação legislativa (Exceções ao Princípio da Separação dos Poderes). José Afonso da Silva alerta ao fato de que ocorre a mera sustação do ato e não sua revogação, de modo que tal evento poderá ser questionado judicialmente caso o Congresso Nacional exorbite sua competência. Estão sujeitos à sustação pelo Congresso Nacional os seguintes atos normativos emitidos pelo Poder Executivo: as leis delegadas, a delegação normativa anterior à Constituição de 1988 prorrogada por lei e os regulamentos executivos.

Por sua vez, as medidas provisórias são elaboradas em colaboração do Executivo com o Legislativo, detendo este último a competência para modificar ou recusar sua aprovação, além de poder alterar seu teor posteriormente por via legislativa ordinária (o que também se aplica às leis delegadas cuja autorização preveja a apreciação do projeto pelo Poder Legislativo.

 

5.2 Atos Normativos do Poder Judiciário

Também a título de exceção ao Princípio da Separação dos Poderes, o Poder Judiciário exerce a função legislativa com efeitos externos a ele. Não há no texto original da Constituição de 88 qualquer dispositivo que delegue ou permita a delegação de função normativa para o Poder Judiciário, porém existem duas situações que podem ser enquadradas como tal: as instruções da Justiça Eleitoral e as súmulas vinculantes. Além disso, algumas decisões jurisdicionais também podem emitir normas, como Mandado de Injunção e as sentença da Justiça do Trabalho em sede de dissídio coletivo. Por fim, também são normativos o regimento interno dos tribunais e os atos normativos do Conselho Nacional de Justiça.

 

5.2.1 Instruções da Justiça Eleitoral

No Brasil, o processo eleitoral é organizado e realizado pelo Poder Judiciário através da Justiça Eleitoral. O Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65) atribui ao Tribunal Superior Eleitora (TSE) a competência para “expedir as instruções que julgar convenientes à execução” da organização das eleições e exercício dos direitos políticos (art. 1º, Parágrafo único, e art. 23, IX, da Lei nº 4.737/65). Tais instruções (emitidas sob a forma de “resolução”) devem ser imediatamente cumpridas pelos tribunais e juízes eleitorais (art. 21, da Lei nº 4.737/65). As instruções da Justiça Eleitoral são normas gerais e abstratas que não inovam[30] a ordem jurídica (uma vez que deveriam apenas organizar a execução das eleições conforme o Código e legislação eleitoral), com efeitos externos ao Poder emitente. Trata-se evidentemente de Ato Normativo Regulamentar emitido pelo Poder Judiciário.

A justificativa para a emissão de tais instruções seria o fato de que, a Justiça Eleitoral, além de julgar ações e recursos em matéria eleitoral, seria o responsável por organizar, dirigir e realizar o processo eleitoral, incluindo o alistamento de eleitores, o registro de candidaturas, a fiscalização do processo, a recepção dos votos, a apuração de resultados, expedição de diplomas, responder consultas em matéria eleitoral e todos os demais atos que forem necessários ao bom cumprimento das eleições. Deste modo, em matéria eleitoral, o Poder Judiciário exerceria função tipicamente administrativa, visto que a regulamentação por meio das instruções do TSE tem por objeto a organização interna da administração para a realização do fim determinado pela lei.

Em suma, as instruções do TSE têm exatamente o mesmo regime jurídico dos Regulamentos Executivos, porém, ao contrário dos decretos do Poder Executivo (art. 84, IV, da CF), não há qualquer disposição na Constituição Federal que atribuía tal competência ao Poder Judiciário.

Diga-se de passagem, existem duas únicas disposições constitucionais sobre a emissão de normas regulamentares por parte do Tribunal Superior Eleitoral: o plebiscito sobre a forma e sistema de governo (art. 2º, do ADCT) e a eleição presidencial de 1989 (art. 5º, do ADCT). Ocorre que a eleição presidencial já ocorreu em 15 de novembro de 1989 e o referido plebiscito já foi realizado em 21 de abril de 1993, trata-se de processos plenamente esgotados (assim como a Revisão Constitucional, conforme art. 3º, do ADCT), não sendo possível que tal competência específica houvesse permanecido com o Poder Judiciário e sendo seu objeto estendido para outros atos. Inclusive, o fato de o Constituinte Originário ter dedicado dois artigo especificamente sobre a emissão de normas regulamentares para o plebiscito de 93 e as eleições presidenciais de 89, mas ter silenciado sobre este tema quando relacionado aos processos eleitorais regulares, demonstra que se tratavam de situações únicas e extraordinárias. Deste modo, a emissão de normas regulamentares por parte do Tribunal Superior Eleitoral deve ser considerada uma exceção e não uma competência regular daquele órgão do Poder Judiciário, caso contrário, seriam absolutamente desnecessários o artigo 2º, parágrafo segundo, e o artigo 5º, parágrafo segundo, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (pois na Constituição não existe palavras inúteis).

Além disso, a Constituição é expressa quando atribui ao Congresso Nacional a competência exclusiva para legislar sobre matéria relativa a direito eleitoral, tanto que veda a edição de medidas provisórias (art. 62, §1º, I, a) e a elaboração de leis delegadas (art. 68, §1º, II) sobre o tema.

Desde modo, concluímos que as disposições do Código Eleitoral que atribuem competência normativa em matéria eleitoral para o Poder Judiciário estão em desacordo com a organização de competências prevista na Carta Magna, ou seja, são inconstitucionais.

 

5.2.2 Súmulas Vinculantes

A Súmula Vinculante é um instituto jurídico introduzido no ordenamento Brasileiro pela Emenda Constitucional nº 45/2004. A súmula vinculante é emitida pelo Supremo Tribunal Federal mediante aprovação de dois terços de seus membros (art. 103-A[31]) e será de observância obrigatória aos demais órgãos do Poder Judiciário, bem como da administração pública, direta ou indireta, em todas as esferas. Segundo o artigo 103-A, parágrafo primeiro, o objeto da súmula vinculante será “a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia” em matéria constitucional.

Partindo do entendimento de que as normas jurídicas não se confundem com o enunciado normativo, de modo que a norma deverá ser construída pelo interprete e aplicador da lei, conclui-se que, ao emitir súmula fixando a validade, interpretação e eficácia de norma sobre a qual haja controvérsia, o STF está virtualmente normatizando qual é o entendimento a ser seguido, ou seja, está emitindo ato normativo. O efeito externo da súmula vinculante está na obrigatoriedade de sua observância pela administração pública e pelos demais órgãos do Poder Judiciário, o que, indiretamente, atinge toda a sociedade.

Considerando que a súmula vinculante é norma geral e abstrata que não inova[32] a ordem jurídica (pois seu objeto é a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas) e tem efeitos externos ao Poder emitente, conclui-se que se trata de Ato Normativo Regulamentar.

Não se pode confundir a súmula vinculante (ato normativo regulamentar emitido pelo Poder Judiciário) com a Declaração de Inconstitucionalidade Parcial sem Redução do Texto[33] (exercício da função jurisdicional). No caso da declaração de inconstitucionalidade, o STF age como o que se convencionou chamar de “legislador negativo”, ou seja, ele não legisla, mas retira do sistema uma norma que esteja em desacordo com uma norma superior. No caso da Declaração de Inconstitucionalidade Parcial sem Redução do Texto, o Poder Judiciário não retira do sistema jurídico o enunciado normativo em julgamento, mas declara a inconstitucionalidade de uma das possíveis interpretações dele, deixando as demais para o livre entendimento dos intérpretes. No caso da súmula vinculante ocorre o processo contrário, pois o STF define, dentre todas as possíveis interpretações, qual será a válida, de modo que todas as demais restam inconstitucionais, e emite um enunciado de observância obrigatória na interpretação da norma original. Ao limitar as interpretações da norma a uma única e exclusiva possibilidade, trata-se de um evidente ato normativo (tal qual seria um dispositivo legal que esclarecesse ou indicasse o significado de outra, ou um decreto regulamentar neste sentido).

 

5.2.3 Mandado de Injunção

O Mandado de Injunção é um remédio constitucional concedido quando o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania estiver sendo prejudicado pela ausência de norma regulamentadora, conforme artigo 5º, LXXI[34]. Trata-se de um instituto jurídico único no mundo, que guarda algumas semelhanças com o writ of injunction do Direito norte-americano, com algumas medidas de equidade do Direito inglês e com instrumentos do Direito português, mas sem se confundir com eles. Por não haver contraparte no direito comparado, sendo uma criação do Constituinte de 1988, existem diversas teorias sobre os efeitos do mandado de injunção.

Alexandre de Morais sistematiza as diferentes posições presentes na doutrina e jurisprudência sobre o mandado de injunção da seguinte maneira: Teoria Não Concretista e Teoria Concretista (Linha Geral ou Linha Individual). Pela Teoria Não Concretista, ao julgar procedente o mandado de injunção, caberia ao Poder Judiciário apenas notificar o poder omisso, comunicando-lhe a existência da omissão. Diferente é a posição da Teoria Concretista, pela qual o Poder Judiciário deve solucionar a lide estabelecendo uma norma para aquele caso de omissão normativa. A Teoria Concretista subdivide-se em duas linhas: a Linha Geral, pela qual a norma estabelecida pelo Judiciário deva ser geral, abstrata e com efeito erga omnes; e a Linha Individual[35], pela qual a norma estabelecida pelo Poder Judiciário deve ser restrita ao caso concreto e com efeito inter partes.

Pela Teoria Não Concretista, o efeito prático do Mandado de Injunção é o mesmo da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão[36], ou seja, não há que se falar em ato normativo. Diferente são os efeitos do Mandado de Injunção pela Teoria Concretista. No caso da Teoria Concretista Linha Geral, a decisão do Mandado de Injunção é uma norma geral e abstrata, com efeito erga omnes, o que configuraria uma exceção ao Princípio da Separação dos Poderes. Por sua vez, de acordo com a Teoria Concretista Linha Individual, a decisão do Mandado de Injunção é uma norma individual e concreta, com efeito apenas inter partes, ou seja, não se trata de uma exceção à separação dos poderes, pois seria uma decisão judicial e não um ato normativo.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem sofrendo uma gradual evolução quanto às posições sobre os efeitos do Mandado de Injunção. Logo após a promulgação da Constituição, a posição majoritária do STF era pela Teoria Não Concretista (assim foram julgados os primeiros mandados de injunção), porém gradualmente a Teoria Concretista Linha Individual vem aumentando sua influência (especialmente em sua modalidade direta). Considerando que a posição do STF tem variado entre a Teoria Não Concretista e a Teoria Concretista Linha Individual, conclui-se que, segundo a jurisprudência da mais alta corte do Brasil, o Mandado de Injunção não representa uma exceção à separação dos poderes, sendo tais sentenças apenas decisões judiciais sem caráter de ato normativo.

 

5.2.4 Competência Normativa da Justiça do Trabalho

A competência normativa da Justiça do Trabalho (art. 114, §2º)[37] é a possibilidade da Justiça do Trabalho decidir judicialmente sobre conflito de natureza trabalhista, emitido as normas gerais e abstratas a serem seguidas pelas partes para solução da lide (efeito erga omnes na categoria). O Supremo Tribunal Federal identificou algumas limitações ao exercício desta competência[38]:

a)      Somente pode ser exercida em matéria trabalhista;

b)      Deve sempre respeitar as disposições mínimas de proteção ao trabalho e disposições convencionadas anteriormente;

c)      Não pode contrariar as disposições trabalhistas já previstas na Constituição Federal (i.e., art. 7º, IX);

d)     Não pode incidir sobre matérias reservadas pela Constituição Federal à lei formal (i.e., art. 7º, XXI); e

e)      Somente pode operar no vazio legislativo, de forma subsidiária e supletiva.

Sendo assim, a sentença em sede de dissídio coletivo com base no artigo 114, parágrafo segundo, configura uma decisão judicial que pode conter atos normativos, ou seja, é uma exceção ao Princípio da Separação dos Poderes. O controle do Poder Legislativo neste caso específico, deve ser exercido por meio da emissão de lei que ocupe o vazio legislativo em questão.

 

5.2.5 Regimento Interno dos Tribunais e atos normativos do Conselho Nacional de Justiça

Visando garantir a independência orgânica do Poder Judiciário, os Tribunais receberam da Constituição Federal a competência para organizar seu funcionamento, organização e normatizar suas estruturas internas, podendo, para tal, organizar licitações, concursos públicos, eleger seus órgãos diretivos etc (art. 96, I, alíneas[39]). Entre tais funções inerentes à independência orgânica, está a competência dos tribunais para elaborarem seus regimentos internos.

Assim como os Regulamentos Autônomos do Poder Executivo, o Regimento Interno dos Tribunais é composto por normas gerais e abstratas que inovam inicialmente a ordem jurídica, mas com efeitos apenas internos ao Poder Judiciário. Apesar de inovarem inicialmente a ordem jurídica, os Regimentos Internos não podem ultrapassar ou contrariar disposições processuais estabelecidas em lei. Em suma, os Regimentos Internos dos Tribunais são Atos Normativos Atípicos. O mesmo pode ser dito dos atos normativos do Conselho Nacional de Justiça. Em virtude da independência orgânica dos Poderes, os Regimentos Internos dos Tribunais e os atos normativos do Conselho Nacional de Justiça não estão sujeitos ao controle direto do Poder Legislativo, ainda que, indiretamente, as leis processuais indiretamente afetem os regimentos, mas, mesmo nestes casos a elaboração dos regimentos caberá ao Tribunal, não podendo o Poder Legislativo atuar diretamente sobre eles.

 

5.2.6 Controle dos Atos Normativos do Poder Judiciário pelo Poder Legislativo

Preliminarmente devemos ressaltar que os regimentos internos dos tribunais (Atos Normativos Atípicos) são essenciais à autonomia orgânica do Poder Judiciário, ou seja, não estão sujeitos ao controle pelo Poder Legislativo, em decorrência do princípio da separação dos poderes.

Também não estão sob o controle do Poder Legislativo os atos jurisdicionais (uma vez que são definitivos[40]), como as sentenças em Mandado de Injunção (até porque não são atos normativos), as decisões de Ação Direta da Inconstitucionalidade (ainda que represente uma atuação legislativa negativa) e as sentenças da Justiça do Trabalho em sede de dissídio coletivo (que contém atos normativos).

Com relação aos demais atos normativos emitidos pelo Poder Judiciário, não existe na Constituição Federal um dispositivo similar ao artigo 49, inciso V, que atribuía um instrumento para controle político de constitucionalidade de tais atos pelo Poder Legislativo. O mais próximo seria o artigo 49, inciso XI[41], pelo qual o Congresso Nacional deve defender sua competência legislativa contra usurpação dela pelos demais Poderes. Ocorre que este inciso não indica ao Congresso Nacional os meios específicos para zelar por sua competência e, considerando que as normas estruturais da Constituição Federal se interpretam restritivamente, não é possível, com relação aos atos normativos do Poder Judiciário, combinar a aplicação do inciso XI do artigo 49, em conjunto com o inciso V. Em suma, ainda que existam atos normativos emitidos pelo Poder Judiciário, para a defesa da competência normativa do Poder Legislativo, o Congresso Nacional deverá se socorrer de outros mecanismos, visto que não lhe foi atribuída a possibilidade de sustá-los.

Com relação às instruções da Justiça Eleitoral, considerando que são inconstitucionais, uma vez que se trata de delegação legislativa sem amparo na carta magna, a alternativa que resta ao Congresso Nacional para proteger a competência normativa do Poder Legislativo é a Ação Direta de Inconstitucionalidade. Caso as instruções da Justiça Eleitoral sejam entendidas como constitucionais, por serem equivalentes aos Regulamentos Executivos do Poder Executivo, ou seja, necessários para determinar os procedimentos a serem executados pela Administração Pública (neste em caso particular, exercida pela Justiça Eleitoral) durante o cumprimento da legislação eleitoral, então seria coerente a interpretação de que poderiam ser sustadas pelo Congresso Nacional[42].

Por fim, as Súmulas Vinculantes têm estrutura de Ato Normativo Regulamentar, já que são normas gerais e abstratas, que não inovam a ordem jurídica e têm efeitos externos ao Poder Judiciário, ou seja, em caso de exorbitância de seu objeto (análise da validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas), a medida adequada para proteger a competência normativa do Poder Legislativo também seria a Ação Direta de Inconstitucionalidade. Ocorre que as súmulas vinculantes são emitidas mediante aprovação de dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal, exatamente o órgão que seria encarregado de julgar sua constitucionalidade. Trata-se de uma evidente antinomia do sistema, decorrente da falta de técnica da Emenda Constitucional nº 45/04.

 

6. ANÁLISE DE CONSTITUCIONALIDADE DA PEC 03/2011

A principal alteração proposta pela PEC nº 03/2011 é a ampliação da incidência do instrumento previsto no artigo 49, inciso IV, para permitir ao Congresso Nacional sustar atos normativos do Poder Judiciário. Conforme já analisamos anteriormente o instrumento, somente poderão ser sustados atos normativos, o que já excluiria de seus efeitos os atos jurisdicionais (sentenças em Mandado de Injunção, as decisões de Ação Direta da Inconstitucionalidade e as sentenças da Justiça do Trabalho). Além disso, em decorrência do Princípio da Separação dos Poderes, também não seria possível a sustação das normas dos regimentos internos dos tribunais (manifestação da autonomia orgânica do Poder Judiciário).

Sendo assim, dois tipos de atos normativos do Poder Judiciário passariam a ser passiveis de sustação pelo Congresso Nacional: as Instruções da Justiça Eleitoral (caso fossem consideradas constitucionais) e as Súmulas Vinculantes que exorbitassem seu objeto, de modo a inovar a ordem jurídica.

Com relação à constitucionalidade da PEC 03/2011 são possíveis dois diferentes entendimentos.

De acordo com o primeiro entendimento, a Separação dos Poderes é cláusula pétrea no formato exato como foi elaborada pelo Constituinte Originário, ou seja, além de não ser possível abolir a separação, também é vedado propor qualquer alteração na configuração das competências entre os Três Poderes. Neste sentido, ao atribuir nova competência ao Congresso Nacional, a Separação dos Poderes estaria inconstitucionalmente alterada. Ocorre que, de acordo com tal entendimento, as alterações realizadas no texto constitucional pela Emenda Constitucional 45/2004 também desequilibraram a harmonia e independência entre os Poderes, uma vez que o Judiciário se arvorou em competências normativas (sumula vinculante) que não lhe teriam sido conferidas pela Assembleia Constituinte, e, deste modo, também são inconstitucionais. Neste sentido, a redação do artigo 49 não necessita de complementação, uma vez que o Constituinte Originário não atribuiu competência normativa ao Poder Judiciário, de modo que a competência do Congresso Nacional para sustar atos normativos do Poder Executivo é plenamente suficiente para zelar pela preservação de sua competência legislativa. Pelo primeiro entendimento, deve ser restaurada a configuração original das competências dos Três Poderes, sendo inconstitucionais tanto a PEC nº 03/2011, quanto o instituto das súmulas vinculantes, introduzido pela Emenda Constitucional 45/2004.

Menos rígido é o segundo entendimento, pelo qual a limitação material prevista no art. 60, §4º, III, impede apenas a completa abolição da Separação dos Poderes, sendo permitidas pequenas alterações nas competências dos Três Poderes, desde que continuem equilibrados, harmônicos e independentes entre si. Ocorre que a Emenda Constitucional nº 45 alterou a competência do Poder Judiciário ao introduzir as súmulas vinculantes, um instituto inexistente no texto original da Constituição. As súmulas vinculantes têm estrutura de Ato Normativo Regulamentar, ou seja, são (1) normas gerais e abstratas (2) que NÃO inovam a ordem jurídica (pois derivam diretamente de lei) e (3) com efeitos externos ao Poder Judiciário. De acordo com o texto original da Constituição, somente o Poderes Executivo detinha a competência para a emissão de Atos Normativos Regulamentares, o que justifica o fato de o artigo 49, inciso IV, referir-se unicamente aos atos normativos do Poder Executivo. Ao introduzir as súmulas vinculantes, a Emenda Constitucional nº 45 desequilibrou o Princípio da Separação dos Poderes, pois atribuiu ao Judiciário competência típica do Congresso Nacional (função legislativa), sem que este tenha instrumentos de controle contra abusos (diferente do que ocorre com os demais atos normativos regulamentares, emitidos pelo Poder Executivo e passiveis de sustação pelo Poder Legislativo). Neste sentido, a PEC nº 03/2011, além de constitucional, reequilibraria as competências dos Três Poderes, solucionando uma antinomia do sistema decorrente da alteração realizada pela Emenda Constitucional 45/2004. Considerando que o reequilíbrio da Separação dos Poderes é exatamente o que propõe a PEC 03/2011, ou seja, pelo segundo entendimento, a PEC 03/2011 não seria apenas constitucional, como também necessária para preservar a Constituição.

Assim como o STF e a parte majoritária da doutrina, filiamo-nos ao segundo entendimento, mais coerente com a flexibilidade e pretensão de permanência da Constituição, permitindo-a ser estável sem ser estática, e concluímos que a alteração proposta pela PEC nº 03/2011 não infringe o Princípio da Separação dos Poderes e, pelo contrário, complementa e corrige um defeito causado no sistema pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

 

7. BIBLIOGRAFIA

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TEMER, Michel. Elementos do Direito Constitucional. São Paulo, Malheiros Editores, 2008.



[1] Em 16 de maio de 2012, o Deputado Federal Mendonça Filho (DEM/PE) apresentou proposta semelhante (PEC 171/2012), que atualmente tramita em apenso à PEC 03/2011. A redação proposta para o artigo 49, inciso V, é ligeiramente diferente, conforme:

“Art. 49............................................................................................

..........................................................................................................

V – sustar os atos normativos do Poder Público  que exorbitem do poder

regulamentar ou dos limites de delegação legislativa

..........................................................................................................”

[2] De acordo com o art. 3º do ADCT, a Revisão Constitucional ocorreu 5 anos após a promulgação da Constituição, sendo promulgadas seis Emendas Constitucionais de Revisão, aprovadas mediante quórum de maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional em sessão unicameral (unificando os deputados e senadores). Por se tratar de um processo completado e esgotado, não é possível repetir a Revisão Constitucional.

[3] Esta limitação é, inclusive, um dos motivos pelo qual, pessoalmente, nos associamos aos que defendem que a Competência Reformadora não é uma manifestação do Poder Constituinte. Enquanto o Poder Constituinte é inicial (instituidor da Ordem Jurídica, da qual derivam todos os demais Poderes), incondicionado (não submetido a qualquer forma externa) e autônomo (podendo deliberar sem qualquer limitação), a Competência Reformadora é derivada (instituída pelo Poder Constituinte Originário), condicionada (sua atuação deve ser realizada na estrita conformidade do que estabelece o art. 60 da Constituição) e não-autônomo (sua atuação é limitada materialmente pelo art. 60, §4º). Em suma, a Competência Reformadora não tem as mesmas características do Poder Constituinte e não se confunde com ele.

[4] Existe amplo debate sobre a abrangência da cláusula pétrea que protege os “direitos e garantias individuais”. Alguns defendem que tal proteção é restrita exclusivamente aos direitos previstos no artigo 5º. Em sentido oposto, o Supremo Tribunal Federal já manifestou o entendimento de que a proteção se entende a outros direitos existentes no corpo constitucional (i.e. art. 150, III, b), havendo manifestações de ministros no sentido de que os direitos e garantias sociais, relativos à nacionalidade e direitos políticos também estão cobertos pela referida proteção (Adin nº 939-7/DF).

[5]   Art. 174. Se passados quatro annos, depois de jurada a Constituição do Brazil, se conhecer, que algum dos seus artigos merece roforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter origem na Camara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte delles.

[6] Existem autores que acrescentam a República entre as limitações materiais implícitas. De fato, todo o corpo constitucional incida a forma republicana de governo, porém o Legislador Constituinte optou por não incluí-la expressamente nas Cláusulas Pétreas para permitir a realização do plebiscito sobre a forma e sistema de governo. Uma vez vencedora a República, tais autores entendem que ela passa a ser uma limitação material implícita às reformas constitucionais. Discordamos desta tese, pois entendemos que tal reforma seria possível, desde que legitimada por um plebiscito.

[7] AFONSO DA SILVA, 2011.

[8] “A locução tendente a abolir deve ser interpretada com equilíbrio. Por um lado, ela deve servir para que se impeça a erosão do conteúdo substantivo das cláusulas protegidas. De outra parte, não deve prestar-se a ser uma inútil muralha contra o vento da história, petrificando determinado status quo. A Constituição não pode abdicar da salvaguarda de sua própria identidade, assim como da preservação e promoção dos valores e direitos fundamentais; mas não deve ter a pretensão de suprimir a deliberação majoritária legítima dos órgãos de representação popular, juridicizando além da conta o espaço próprio da política. O juiz constitucional não deve ser prisioneiro do passado, mas militante do presente e passageiro do futuro”. – BARROSO, 2009.

[9] Robert Alexy, desenvolvendo ideia de Ronald Dworkin, distingue regras e princípios como duas diferentes espécies do gênero norma. A diferença entre elas seria qualitativa, sendo os princípios normas com mandato de otimização, podendo ser limitadas, sopesadas e ponderadas, enquanto as regras seriam normas absolutas e imponderáveis (aplicação “tudo ou nada”). Apesar de ponderáveis, as normas-princípio têm um núcleo essencial com estrutura de norma-regra, sendo que este núcleo não pode, de maneira alguma, ser descumprido.

[10] MS 20.257/DF; ADInMC 2.024/DF; e MS 23.047/DF.

[11] MONTESQUIEU, 1973.

[12] Que se apega às características do regime jurídico da atividade, ou seja, do tratamento normativo aplicado a ela, independente da similaridade material que possa apresentar com outras atividades.

[13] BANDEIRA DE MELLO, 2011.

[14] Sendo este, inclusive, o principal motivo de crítica quando, durante a elaboração de leis orçamentárias, o Poder Executivo ignora os apelos do Judiciário para reajustes salariais dos juízes e demais servidores deste Poder.

[15] Ainda que não possam contradizer normas legais, a emissão de tais diplomas retira sua legitimidade diretamente do texto constitucional.

[16] Nossa definição é a combinação do entendimento de dois diferentes doutrinadores, conforme:

“Na experiência brasileira, a doutrina mais autorizada extrai dessas ideias centrais dois corolários: a especialização funcional e a necessidade de independência orgânica de cada um dos Poderes em face dos demais. A especialização funcional inclui a titularidade, por cada Poder, de determinadas competências privativas. A independência orgânica demanda, na conformação da experiência presidencialista brasileira atual, três requisitos: (i) uma mesma pessoa não pode ser membro de mais de um Poder ao mesmo tempo, (ii) um Poder não pode destituir os integrantes de outro por força de decisão exclusivamente política; e (ii) a cada Poder são atribuídas, além de suas funções típicas ou privativas, outras funções (chamadas normalmente de atípicas), como reforço de sua independência frente aos demais poderes.” – BARROSO, 2009.

E

“A Constituição manteve a cláusula ‘independentes e harmônicos entre si’, própria da divisão de poderes no presidencialismo, acrescentada, aliás, na Comissão de Redação.

“A Independência dos poderes significa: (a) que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos não dependa da confiança nem da vontade dos outros; (b) que, no exercício das atribuições que lhe sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; (c) que, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais (...)

“A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão das funções entre os órgãos do poder nem sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados.” – AFONSO DA SILVA, 2011

[17] Paulo de Barros Carvalho enumera outros dois exemplos de norma individual e abstrata, como a consulta fiscal (cujo objeto é abstrato, porém individualizada) e o regime especial tributário (o tratamento especial é abstrato, porém os beneficiários são especificamente identificados).

[18] Sendo assim, divergimos do ilustre professor Bandeira de Mello quando este entende que a emissão de normas gerais e concretas pode ser resultado do exercício da função legislativa.

[19] “(...) permanece válida a concepção tradicional no direito constitucional brasileiro de que é vedada a delegação de funções de um Poder a outro fora das hipóteses constitucionais; ou, ao mesmo tempo, de que a delegação, ainda que possível, não pode ser ‘em branco’, isto é, desacompanhada de parâmetros ou diretrizes obrigatórias.” – BARROSO, 2002.

[20] Ou seja, não são formalmente legislativos.

[21] Ou seja, são materialmente legislativos, porém de maneira complementar ao diploma regulado.

[22] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

..........

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;

[23] BANDEIRA DE MELLO, 2011.

[24] BANDEIRA DE MELLO, 2011.

[25] Os atos normativos emitidos pelos conselhos profissionais (CREA, CFM, etc) enquadram-se nesta mesma categoria, uma vez que não podem (ou não deveriam) ultrapassar a regulamentação da lei. Vale lembrar que a estrutura dos conselhos, considerando unitariamente todos os conselhos regionais e o conselho federal de uma categoria equivale à uma autarquia, ou seja, um órgão integrante da administração.

[26] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

..........

VI - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;

[27] As leis que dispõe sobre a organização administrativa são de competência exclusiva do Presidente da República, nos termos do art. 61, §1º, II, e não podem ser objeto de emenda que aumente a despesa prevista, conforme art. 63, I.

[28] Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.

§ 1º - Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre:

I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;

II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;

III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.

§ 2º - A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício.

§ 3º - Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional, este a fará em votação única, vedada qualquer emenda.

[29] MEDIDA PROVISÓRIA No 53, DE 3 DE MAIO DE 1989, e MEDIDA PROVISÓRIA No 188, DE 30 DE MAIO DE 1990.

[30] Ou não deveriam inovar.

[31] Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

[32] Ou não deveria inovar.

[33] Art. 28.

Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

[34]Art. 5º

..........

LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;

[35] A linha concretista individual, por sua vez, também tem duas subdivisões: intermediária e direta.  A posição intermediária defende que o Judiciário comunique a omissão ao poder competente e, somente após um prazo pré-determinado, permanecendo omissão, se estabeleça propriamente a norma. A posição direta defende que o Judiciário deve estabelecer a norma sem a necessidade de prévia comunicação ao poder omisso.

[36] O que diferencia os institutos é que no mandado de injunção há uma ampliação das partes legitimadas para intentá-lo, porém com objeto mais restrito, já que não se impetra mandado de injunção por qualquer omissão constitucional, mas apenas contra aquelas que inviabilizem exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

[37] Art. 114

..........

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do  Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

[38] Recurso Extraordinário 197911-9.

[39] Art. 96. Compete privativamente:

I - aos tribunais:

a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva;

c) prover, na forma prevista nesta Constituição, os cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição;

d) propor a criação de novas varas judiciárias;

e) prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, obedecido o disposto no art. 169, parágrafo único, os cargos necessários à administração da Justiça, exceto os de confiança assim definidos em lei;

f) conceder licença, férias e outros afastamentos a seus membros e aos juízes e servidores que lhes forem imediatamente vinculados;

[40] Segundo a definição de Michel Temer, “Por ato jurisdicional entende-se aquele capaz de produzir a coisa julgada (art. 5º, XXXVI). É a função típica, prevalecente, do Poder Judiciário exercer a jurisdição. Esta, por sua vez, consiste no poder de dizer o direito (juris dicere) aplicável a uma controvérsia, deduzida processualmente em caráter definitivo e com a força institucional do Estado.”

[41] Art. 49.

..........

XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes;

[42] Mas não é o entendimento ao qual nos afiliamos.