SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL: Obrigações, Crédito e Fiscalização Tributária.[1]

 

Anderson Silva Pereira[2]

Márcia Christina Reis Perfetti²

 Fabiano Ferreira Lopes [3]

 

 

  1. 1.      DESCRIÇÃO DO CASO E DOS PERSONAGENS RELEVANTES

O caso em comento traz uma situação em que a EMPRESA “X” DE SERVIÇOS LTDA., pessoa jurídica regida pelo direito privado que atua na atividade econômica de limpeza em prédios e condomínios, preponderantemente para órgãos públicos, foi alvo de ação fiscal.

Houve no dia 15 de setembro uma fiscalização (por autoridade fiscal competente), na qual foram investigadas as transações realizadas pela empresa no período de agosto de 2006 a maio de 2011, conforme TEAF (termo de encerramento de ação Fiscal) nº 2011/004321A. Verificaram-se irregularidades referentes a obrigações tributárias acessórias, e por este motivo foi atribuída multa no valor de R$ 1.991,12 (hum mil e novecentos e noventa e um reais e doze centavos) em cada auto de infração, conforme o disposto nos AI (Auto de Infração) nº 2011/001234 (referente ao mês de janeiro de 2006) e 2011/001235 (referente ao mês de abril de 2006). Os autos se de infração referem-se à falta de declaração de notas fiscais de serviços tomados pela EMPRESA “X” na DMS-Declaração Mensal de Serviços.

O representante legal da EMPRESA “X” DE SERVIÇOS LTDA. procurou o meu escritório esclarecendo que, em ambas as competências, foram lançadas todas as notas de prestação de serviços. Entretanto, não foram lançadas 3 notas e 4 notas de serviços tomados referentes aos meses de janeiro e abril de 2006, respectivamente. Ademais, o representante pontuou também que todas as notas referiam-se à locação de bens móveis.

Diante da situação supracitada incumbe-nos agora a proposição das soluções possíveis do caso, observando para tanto, elementos como: os limites do poder de tributar, a interpretação, integração e vigência da norma tributária, a classificação das obrigações tributárias e a possibilidade de imposição de multa pelo seu descumprimento.

 

  1. 2.       TEORIAS ENVOLVIDAS

A)     LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR

O Estado enquanto ente soberano exerce o seu poder, internamente, podendo exigir dos indivíduos que lhe forneçam os recursos de necessita, instituindo o tributo, logo o poder de tributar nada mais é que um aspecto de soberania estatal, ou uma parcela desta (MACHADDO, 2002, pág. 37). Contudo o Estado não pode cometer arbitrariedades ao exercer o seu poder de tributar. Como forma de coibir os abusos (arbitrariedades) o sistema jurídico impõe limitações ao poder de tributar estatal, que na dicção do doutrinador Hugo Machado seria,

Em sentido amplo, é possível entender-se como limitação ao poder de tributar toda e qualquer restrição imposta pelo sistema jurídico às entidades dotadas desse poder. (...) Em sentido restrito, estende-se como limitações do poder de tributar o conjunto de regras estabelecidas pela Constituição Federal, em seus arts. 150 a 152, nas quais residem princípios fundamentais do Direito Constitucional Tributário, a saber: a) Legalidade (art. 150, I); b) Isonomia (art. 150, II); c) Irretroatividade (art. 150, III, ‘a’); d) Anterioridade (art. 150, III, ‘b’); e) Proibição de confisco (art. 150, IV); f) Liberdade de Tráfego (art. 150, V); g) Imunidades (art. 150, VI); h)outras limitações (art. 151 e 152). (MACHADO, 2002, pág. 236 e 237)

 

 

B)     CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS: PRINCIPAIS E ACESSÓRIAS

Um ponto essencial para o deslinde deste case é fazer a diferença entre as obrigações tributárias principais (art. 113, parágrafo 1º, CTN) e acessórias (art. 113, parágrafo 2º, CTN). Estas têm natureza de uma obrigação de fazer (fazer/não fazer/tolerar) enquanto aquelas consistem em obrigações de dar (pagar). Para Hugo de Brito Machado o objeto da obrigação tributária principal, a prestação da qual se obriga o sujeito passivo, sendo de natureza patrimonial. É sempre uma quantia em dinheiro, com o sentido de adimplir o dever jurídico, seja o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (MACHADO, 2002, Pág. 110, 111). Para José Eduardo de Melo a obrigação acessória,

Decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos (art. 113, parágrafo 2º, CTN), tendo a natureza de obrigação de fazer, não fazer, ou mesmo tolerar, desprovida do timbre de patrimonialidade. Em termos práticos, consiste em atribuição dos deveres aos administrados, relativos à emissão de notas fiscais, escrituração de livros, prestação de informações, e não causar embaraço à fiscalização, com o objetivo fundamental de serem registrados e documentados fatos que tenham, ou possam ter, implicação tributária. (SOARES DE MELO, 2007, Pág. 225).

É importante fazer a ressalva de que uma parte da doutrina defende que a aplicação de pena pecuniária pelo descumprimento da obrigação acessória seria também uma obrigação acessória, e não obrigação tributária principal.

C)    IMPOSTO SOBRE SERVIÇO DE QUALQUER NATUREZA

O Imposto sobre serviço de qualquer natureza (ISSQN) tem previsão Constitucional no art. 156, III, sendo este por sua vez imposto de competência municipal. A regulação sobre normas gerais deste imposto foi instituída pela Lei Complementar 116/2003. Existe a possibilidade que o Código Tributário Municipal, respeitando os limites fixados na LC 116, defina o fato gerador do imposto.

 

  1. 3.      DESCRIÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS E ARGUMENTOS CAPAZES DE FUNDAMENTAR CADA DECISÃO

Afastar o ISSQN e a incidência da multa.

O afastamento do ISSQN baseia-se no fato de que, o caso em concreto não traz uma hipótese de incidência deste tributo, pois conforme entendimento sedimentado no Supremo Tribunal Federal, não pode incidir ISSQN sobre a locação de bens móveis. Compreende-se isto da inteligência dos RE 116.121/SP, RE 455.613-AgR, RE 585.387-AgR e da Súmula Vinculante nº 31

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS - ISS. LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS. NÃO-INCIDÊNCIA. PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS. I - O Plenário desta Corte, no julgamento do RE 116.121, Rel. para o acórdão o Min. Março Aurélio, assentou entendimento no sentido da não-incidência do ISS sobre a locação de bens móveis. II - Entendimento mantido atualmente por ambas as Turmas desta Corte. III - Agravo regimental improvido. (RE-AgR 455613 MG)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA - ISSQN. MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DE IMPOSTO SOBRE A ATIVIDADE DE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS. PRECEDENTE DO PLENÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO (RE 585.387-AgR)

É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis. Súm. Vinculante nº 31

 

É importante observar que embora não seja hipótese de incidência do ISSQN, é possível a aplicação da penalidade pecuniária pelo não cumprimento da obrigação acessória (não apresentação das notas fiscais) pela EMPRESA “X”, conforme prevê o art. 153 do Código Tributário Municipal (DECRETO N. º 33.144/2007) de São Luís.  

Art. 153. Todas as pessoas físicas ou jurídicas, contribuintes ou não do imposto, ou dele isentas, que de qualquer modo participem direta ou indiretamente de operações relacionadas com a prestação de serviços estão obrigadas, salvo norma em contrário, ao cumprimento das obrigações deste título e das previstas em regulamento.

No entanto é possível afastar a incidência da multa, visto que já decaiu o direito da Fazenda Pública constituir o crédito tributário. Infere-se este entendimento a partir de dois entendimentos básicos, sejam eles: 1) O prazo decadencial estipulado pelo Código Tributário Nacional, para a constituição do crédito é de 5 anos, conforme o art. 173, e como as notas fiscais são de janeiro e abril de 2006 e a Ação Fiscal ocorreu em setembro de 2011, configurando o transcurso do prazo decadencial; 2) Nas hipóteses de lançamento por homologação o prazo decadencial começa a fluir da data do fato gerador respectivo, e não do primeiro dia do exercício seguinte aquele em que o lançamento poderia ter sido feito,  conforme explicita Hugo Machado (MACHADO, 2002, Pág.193).

Outro argumento que embasa a não incidência da multa é o vício formal encontrado nos Autos de Infração supracitados, pois estes aplicaram penalidades pelas inobservâncias das obrigações acessórias (não apresentação de notas fiscais de aluguel de bens móveis) referentes às Declarações Mensais de Serviço dos meses de janeiro e abril de 2006, no entanto a fiscalização incidiu sobre as transações realizadas pela EMPRESA “X” no período de agosto de 2006 a maio de 2011, conforme apresentado no TEAF (termo de encerramento de ação fiscal).

Ainda no aspecto da aplicação da multa, percebe-se que a autoridade fiscal, não observou a máxima da interpretação benigna prevista no art.112, IV CTN, visto que este aplicou multa exorbitante frente à infração cometida pela EMPRESA “X”, conforme observa-se no art. 183, III, “c” CTM de São Luís

Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto:

IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação. CTN

Art. 183. As infrações às disposições deste Capítulo serão punidas com as seguintes penalidades:


III – multa de importância igual a R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais), nos casos de:

c) falta de apresentação de informação econômico-fiscal de interesse da Administração Tributária; CTM de São Luís

 

Logo o cálculo da multa deveria ser feito a menor, a fim de beneficiar o acusado que no caso em concreto é a EMPRESA “X”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 21 Ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

SOARES DE MELO, José Eduardo. Curso de Direito Tributário. 7 Ed. São Paulo: Dialética, 2007.

VADE MECUM. 1ª Ed. RJ: Impetus, 2012.

Jurisprudência STF.  Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=stf+&s=jurisprudencia Acesso em 02 de abril de 2012.

CTM São Luís (DECRETO N. º 33.144, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2007). Disponível em: http://www.saoluis.ma.gov.br/semfaz/frmPagina.aspx?id_pagina_web=316. Acesso em 02 de maio de 2012.