Sistema de Cotas Raciais

“Uma análise sobre a legitimidade do sistema e sua aplicação no Brasil’’

                                                                   

                                                      Isabella Cossa do Prado Oliveira

 

Resumo:

Este artigo tem como objetivo fazer uma análise sobre um tema recente, feita através de pesquisas, expondo argumentos prós e contras a finalidade pela qual o sistema foi criado e seus respectivos fundamentos: A reserva de vagas para negros nos Ensinos Superiores.

No desenvolvimento do trabalho serão apresentadas alegações de constitucionalidade e inconstitucionalidade do Sistema de Cotas, todas avaliadas por uma visão tanto jurídica como metajurídica, mas, tendo como centro da questão e discussão o princípio da igualdade, sua aplicação e suposta violação.

Tendo como conclusão, um posicionamento fundamentado sobre a polêmica ocasionada.

Palavras-Chave:

Sistema de Cotas. Princípio da Igualdade. Constitucionalidade.

   

1 Introdução

O Brasil como um país democrático de direito, tem logicamente o objetivo de diminuir as desigualdades, e oferecer a todas as pessoas os mesmos direito e deveres, afinal “Todos são iguais perante a lei’’.

A política de cotas raciais visa a diminuição destas desigualdades, mas será que este sistema ajuda ou aumenta a segregação racial? Este artigo fará uma breve análise de pontos comentados, publicados e discutidos que levam as opiniões a se tornarem contra e a favor das cotas, resultando no apoio em uma das partes, com o fim de defender o princípio da igualdade.

Uma vez que entendemos a importância de se viver em um país democrático, e tomamos ciência sobre os diversos benefícios que a democracia nos traz, mesmo que esta venha a funcionar a base de leis, normas e sanções, passamos a respeitar, compreender e reivindicar o que nos diz a respeito, de acordo com o que é estabelecido na nossa estruturação de Estado.

A verdade é que somos iguais perante a lei, mas somos mesmo, literalmente TODOS iguais?

O sistema de cotas raciais não estende-se apenas aos negros, mas aos indígenas também.

Considerando a diferença cultural destes, uma cultura a parte, com seus próprios costumes, objetivos, meios de sobrevivência e comunicação, porém, por isto, não menos importante do que os outros, tendo direitos e deveres tanto quanto qualquer outro ser humano, entretanto, as formas de lidar com estas comunidades precisam ser diferenciadas por uma questão de necessidade e para melhor compreendimento e harmonia de ambas as partes. Por exemplo a FUNAI (Fundação Nacional dos Índios) um órgão criado pelo nosso Governo Federal.

É a FUNAI que estabelece e executa a política indigenista no Brasil, compatível e de acordo com a Constituição de 1988, imperativa a todos os cidadãos e residentes em território brasileiro.

Por uma questão de historicidade, diferenças culturais explícitas, não é tão polêmica a diferença de tratamento que se faz entre um cidadão comum e um indígena.

Mas e quando o assunto são os afrodescendentes?

Aqueles que lutaram por igualdade de direitos e deveres, nas condições de trabalho e remuneração. Persistiram na conquista de direitos humanos como a liberdade e a dignidade da pessoa humana. “Somos todos iguais perante a lei”, essa sempre foi a aclamação dos que hoje, recebem porcentagem de vagas reservadas para ingresso no Ensino Superior.

Seria justo e constitucional? Uma dívida que nossa sociedade teria com este segmento da população ou não seria isto uma contradição gritante, visto que, sempre procuraram ser tratados como todos, sem diferenças por causa de sua cor?

O STF e milhares de brasileiros não pensam assim, julgam e acreditam que o Sistema de Cotas Raciais concebido aos negros e pardos é constitucional. Contra milhares de brasileiros, que não.

2 Lei de Cotas Raciais: Origem e Aplicação

Os Estados Unidos da América iniciou esta ideia em 1960, definindo as cotas raciais segundo o conceito de ações afirmativas, as quais possuem tempo determinado, validação temporária, sua finalidade é combater a desigualdade seja ela por religião, etnia, raça e etc.  

A constitucionalidade das ações afirmativas não poderiam ser questionada, uma vez que buscam a superação das desigualdades socioeconômicas. Conforme expresso no Art.3º da Constituição Federal, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é “III – Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

A lei de Cotas Raciais (lei 12.711/12) foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff 29 de agosto de 2012. Regulamentada pelo decreto 7.824/12.

Atribui 50% das vagas nas 38 instituições federais e nas 59 universidades federais aos alunos egressos de ensino público ou bolsistas integrais na rede privada, renda familiar igual ou inferior a um salário mínimo, e então a sub cotas para os que se autodeclaram negros, afro descentes, pardos ou indígenas.

Divisão das cotas:

“Serão subdivididas – metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita e metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a um salário mínimo e meio. Em ambos os casos, também será levado em conta percentual mínimo correspondente ao da some de pretos, pardos e indígenas no estado, de acordo com o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).” Portal MEC.

O sistema de avaliação dos que poderão atender as cotas, segundo os analisadores do sistema, poderia ser feito através de avaliadores também. Porém, o critério da raça para atender ás cotas em nosso país é o auto declaratório. Apenas a renda é comprovada por documentação.

2.1 Princípio

Os princípios nada mais são do que normas, que não regem condutas como as regras, porém, tem como objetivo estabelecer ideais de um Estado. Talvez menos importante do que as regras por não submeter os indivíduos a nenhum tipo de sanção. Mas é válido lembrar que são eles que nos deixam a base, o caminho para trilhar cada passo do nosso Estado, nossos atos e sua consequente constitucionalidade e justiça.

A lei de cotas, por sua vez, se encaixa a qual princípio? Sua aparente constitucionalidade, ao ver de alguns atende ao que diz o Princípio da Equidade.

“Todo são iguais perante a lei” o princípio da igualdade, igualdade jurídica, mas como é aplicado? Segundo a equidade, consiste em aplicar as regras a todos, mas cada caso é um caso, será aplicado a um caso concreto e desenvolvida a aplicação da regra segundo suas particularidades. Adaptar a regra a uma situação concreta.   

"tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam" 

Esta definição encontra-se em toda doutrina nacional, originada de um discurso escrito por Rui Barbosa:

"A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real".

Alegar que as Cotas não obedecem ao Princípio da Igualdade não basta, é preciso entender seu significado e correta aplicação, pois até mesmo a igualdade, aplicada de maneira incorreta, divergirá com a justiça.

2.2 Justiça distributiva: Teoria compensatória

A justiça distributiva se faz valer, por pratica da teoria compensatória.

Muito grupos são discriminados, e por conta destas discriminações são impossibilitados de ingressar nos ensinos superiores, mercado de trabalho, grupos sociais e até locais públicos. Por restrição de capacidade adquirida ou preconceito dos demais grupos sociais, étnicos, religiosos.

As mulheres, nordestinos, negros, deficientes físico, são minorias que acabam por algum motivo sendo ‘’ apartados’’ de alguns privilégios, tratados de forma incoerente apenas por serem quem são e do jeito que são.

Se teremos, por exemplo, uma prova para alcançar um objetivo, e esta prova será igual para todos os concorrentes, nada mais justo do que os concorrentes serem igualados quanto a sua preparação, condição e possibilidade de ser aprovado.

Entretanto, não é assim que funciona, toda sociedade possuem seus casos e acasos. A teoria compensatória busca restituir ao grupo, indivíduo, uma igualdade perdida ou nunca tida. Afinal, esperar que estes grupos consigam vencer as diferenças, preconceitos, discriminações consequentes de falhas, de um passado, sejam estas pelo governo, sociedade, por seu próprio esforço é impossível. A grandeza destes abismos históricos clamam por ajuda.

A discriminação dos negros por exemplo, possui uma historicidade, muito tentaram abate-la, aboli-la, mas muitos mais persistiram em sua imputação e as consequências deste efeito nos afetam até os dias de hoje. O Estado tem, através desta teoria compensatória, um dever com estes segmentos, compensa-los por uma consequência passada.

Temos o atrito de dois pontos essenciais, afinal, esta teoria não afetaria aquilo que o liberalismo nos trouxe? Conquistas através de méritos?

De um lado a legalidade “Todos são iguais perante a lei”. Do outro a igualdade social “Nem todos partem das mesmas condições”.

As críticas quanto a constitucionalidade das cotas, não podem ser entendidas como meras opiniões sejam elas contra ou a favor. Os fundamentos são muitos, inclusive quanto a justiça distributiva... Seu objetivo pode ser interpretado por meio de sua prática como prejudicial, afinal, os efeitos podem ser contrários levando a segregar ainda mais as minorias.

 “Ademais, é praticamente impossível, em um país miscigenado como o Brasil, identificar quem seriam os beneficiários legítimos do programa compensatório, já que os negros de hoje não foram as vítimas e eventualmente podem descender de negros que tiveram escravos e que jamais foram escravizados. Culpar pessoas inocentes pela prática de atos dos quais discordam radicalmente promove a injustiça, em vez de procurar alcançar a equidade.”

(Igualdade Perante a lei. Artigos. Roberta Fragoso http://imil.org.br)

2.3 A História Deixa Marcas

O Brasil-colônia possui um passado de escravidão extremamente marcante, mesmo após a abolição, ação que supostamente terminaria com um mal, um desrespeito a liberdade dos afrodescendentes, mas trouxe em seu lugar condições precárias de vida, visto que apesar de livres, os negros ainda tinham que lidar com o preconceito, discriminação e racismo exalados por toda a sociedade da época, influenciando constantemente em seus locais de trabalho, convívio e lazer.

Ainda hoje, podemos afirmar sem medo que os negros são maioria entre os residentes nas áreas periféricas, são maioria também quando o assunto é miséria. Estes ‘’ quadros’’ estereotipam perfis de cidadãos moldados pelas condições sociais que levam a construção de indivíduos que provavelmente venham a cometer delitos, e infrinjam normas, leis estabelecidas para um justo e harmônico convívio no país.

Ou seja, a Lei Áurea iniciou um processo que apesar de submeter os negros as outros desafios, nos trouxe até o momento em que estamos, e apesar de anos e anos de tentativas de retratação e abolição destas diferenças... Aqui estamos com mais uma polemica tratando-se de diferenças entre raças.

O governo brasileiro entende que temos assim então uma “dívida histórica” com os negros, e é nosso dever oferecer a estes os meios constitucionais que os ajudem a alcançar seu espaço, mesmo que leve algum tempo, mas que incentive a raça que fora há muito discriminada e carrega até hoje as marcas do que seus antecedentes um dia sofreram. Uma “dívida social’’ da sociedade, e as cotas nada mais seriam do que um instrumento de retratação com 49,5% da população, porcentagem equivalente aos negros da nossa nação.

2.4 Educação, A Melhor Forma de Integração Social

A educação é mais do que um direito, é um direito fundamental e essencial para a dignidade da pessoa humana, um dos pilares de sustentação da nossa Constituição, e está consagrada na mesma, sendo além de um direito do cidadão, um dever do Estado assegurar escolaridade a todos os indivíduos. A educação é uma forma de inclusão social importantíssima.

Infelizmente, no Brasil, todos tem ciência de que o sistema público de ensino não corresponde a expectativa de qualidade esperada. As classes sociais mais elevadas, e condição econômica melhor do que as demais, possuem acesso a um sistema de ensino mais aprimorado e de melhor qualidade, consequentemente, serão indivíduos mais bem preparados para o ingresso nos ensinos superiores, mercado de trabalho, oportunidades no exterior e assim por diante.

A educação, não é segredo para ninguém, é o melhor e principal meio de inclusão social, o governo então ao invés de apoiar as cotas, não deveria investir no ensino público, uma vez que a maioria dos que possuem tal sistema como ÚNICA opção por dificuldades econômicas, são os negros por consequência histórica?

Se a educação pública no Brasil fosse bem estruturada, de fácil acesso, corpo docente bem remunerado, preparado e disposto, a situação poderia ser diferente e o sistema de cotas não se faria necessário.

Jogar para as Universidades a resolução dos problemas raciais pode ser visto de forma injusta, já que esta diferença poderia ser resolvida caso o Estado cumprisse com o que diz nossa utópica Constituição, o progresso econômico e o melhoramento de nível da nossa educação seria então capaz de romper barreiras, não por completo, mas já seria um passo no caminho para este objetivo.

3 Conclusão

Fica eminente a dificuldade em se tomar um posicionamento quanto a adoção das cotas, mas a nossa Constituição/88 nos permite terminar com os problemas ditos e alegados.

Sendo assim, não é aceitável que a reserva de vagas para negros seja “jogada”” para os ensinos superiores como forma de reparar um dano de anos atrás, é indiscutível que a cor do indivíduo e o vínculo desta com sua condição financeira é sim uma herança do passado pertencente ao Brasil-colônia, e influencia na dificuldade deste segmento populacional ao ingresso nos ensinos superiores de qualidade e mercado de trabalho.

Porém, caso nossas normas fossem rigidamente aplicadas por parte também, do governo e de todas as partes que compõe o regimento do nosso Estado, o direito a educação de qualidade também seria respeitado e efetivado.

O problema não é a cor, raça, etnia, religião dos indivíduos. Conforme analisado, o problema é socioeconômico.

A má qualidade de ensino não é racista. Ela é crônica e generalizada. Visto que, uma criança branca e uma criança negra, sem condições de pagar um ensino fundamental de qualidade, consequentemente, deduz-se que ambas não irão adquirir uma boa preparação pré-vestibular. Mas, logo, a negra será beneficiada por conta de sua cor e o passado que traz com ela, praticando nossa nação então, uma desigualdade com a criança branca que concorrerá de igual para igual com as demais.

Mesmo que por trás de argumentos para lá de consideráveis, as cotas não deixam de ser uma forma de dizer “O que pertence ao branco e o que pertence ao negro’’ deixando mais clara e extravagante a diferença entre os indivíduos.

As provas para ingresso nos ensinos superiores existem e não são a toa, elas visam permitir a entrada naquele sistema, daqueles que possuem parâmetro equivalente ao de sua qualidade no ensino superior. Sendo desproporcional e prejudicial a qualidade das nossas Universidades a permissão de alunos que não sejam capaz de corresponder aos objetivos do ensino. Esta balança permite que mantenhamos o avanço dos futuros graduados e profissionais e então, da nossa República Federativa.

A resolução deste problema, não está em facilitar o ingresso nas Universidades, mas no progresso econômico e educacional básico.

A raiz do problema está não apenas em tornar constitucional no papel uma norma ou outra, mas também em colocar em prática cada linha da nossa constituição, chamada de “utópica’’ por motivos obvies.

O racismo é uma infeliz realidade que precisa ser combatida, a mentalidade do brasileiro em separar brancos e negros e privilegiar ou desprivilegiar um ou outro usando como base sua cor é real. E enquanto isto existir, as ações afirmativas para terminar com estas desigualdades serão alternativas cabíveis. Porém, “segregar para beneficiar’’ ainda é separar, e estimula ainda mais esta separação.

 

Referências Bibliográficas

MAGNOLI, DEMÉTRIO. Uma Gota de Sangue, 1º Edição / 2009. Brasil. 400 p.

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TELES DOS SANTOS, JOCÉLIO. Cotas nas Universidades: Análises dos Processos de Decisão, 1º Edição / 2012. Salvador: CEAO. 288 p.

CESAR CELL, SANDRO. Ação afirmativa e democracia racial: Uma Introdução ao Debate no Brasil, 1º Edição / 2002. Brasil. 86 p.

CRUZ, ÁLVARO RICARDO DE SOUZA. O direito a diferença: As ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência, 3º Edição / 2009 Belo Horizonte, Brasil. 250 p.

Fontes

JUS BRASIL – ASSOCIAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS

http://amp-mg.jusbrasil.com.br

SOCIOLOGIA JURÍDICA – HECTOR CURY SOARES, MESTRADO EM DIREITO PÚBLICO – Universidade do Vale do Rio Sinos

http://www.sociologiajuridica.net.br/

FACULDADES INTEGRADAS “ANTÔNIO EUFRÁSIO DE TOLEDO” – Presidente Prudente, 2014