SELETIVIDADE DO SISTEMA PENAL[1]

Teoria do Etiquetamento e Principio da Isonomia

 

                                                                                                                       

                                                                                  Wendell Lauande Fonseca Lages Barbosa[2]

                                                                                                                  

SUMÁRIO: 1 Introdução, 2 Precedentes Históricos do Sistema Penal, 3 Relação entre Teoria do Etiquetamento e Principio da Isonomia, 4 Direito Penal no Brasil e sua Aplicabilidade, 5 Conclusão, Referencia.

RESUMO

Sistema Penal e algumas observações. Pretende analisar a Seletividade do Sistema Penal existente entre grupos humanos como forma de exclusão social, por ser uma realidade presente em toda sociedade mundial. Abordaremos aqui, o conceito de sistema penal, explicando quais são suas finalidades e objetivos, qual processo de seletividade existente no mesmo relacionando o tema com os direitos humanos e fazendo comparações sobre os paradigmas existentes, expondo os pensamentos de autores distintos sobre o tema.

  

PALAVRAS-CHAVE: Seletividade. Sistema Penal. Etiquetamento. Direitos Humanos. Criminalização.       

                             

1 INTRODUÇÃO

Pretende-se com este trabalho dispor sobre o sistema penal e sobre o processo de seletividade do mesmo. Para tanto, durante a explanação do tema ora apresentado, far-se-ão breves considerações para melhor entendimento do assunto em questão sobre a ideologia do sistema penal, os direitos humanos, as prevenções, a criminalização e as penas. Sabe - se que o sistema penal é todo aparelho punitivo do estado e que, além disso, é um sistema de controle formal que utiliza a pena como o modo de controle. Esse aparelho punitivo tem por objetivo, organizar a cidadania e combater a criminalização utilizando-se de penas ou sanções para manter um padrão entres os indivíduos.

Com efeito, importa dizer que é inadmissível a discriminação de qualquer natureza em relação aos seres humanos, visto que vivemos em um Estado Democrático de Direito em que os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos devem ser respeitados na sua totalidade.  Além disso, um dos objetivos fundamentais estabelecido para a Republica Federativa do Brasil é justamente “promover o bem de todos, sem preconceitos de qualquer natureza”. Logo, essa preocupação do legislador com a igualdade e a eliminação de qualquer forma discriminatória demonstra que eles devem ser respeitados e reconhecidos no dia a dia do ser humano.

2 PRECEDENTES HISTÓRICOS DO SISTEMA PENAL

         

          De acordo com a escola clássica, o método utilizado no Direito Penal é o dedutivo (se baseia na ciência jurídica) e não o experimental (típico das ciências naturais), a pena é tida como tutela jurídica, ou seja, como proteção aos bens jurídicos tutelados penalmente, logo a sanção não pode ser arbitrária, ou seja, regula-se pelo dano sofrido incluindo a finalidade de defesa social. Quanto a Escola Correcionalista, de Carlos Krause e Carlos Roeder, considera o Direito como necessário a que se cumpra o destino do homem como uma missão moral da descoberta da liberdade, essa escola estuda o criminoso para corrigi-lo e recuperá-lo por meio da pena indeterminada.[3] Outra escola de importante destaque na formação do Sistema Penal foi a Escola Positiva, que tinha suas raízes ligadas às teorias evolucionistas de Darwin e Lamarck e das idéias de John Stuart Mill e Spencer. A partir de então, começou a dar inicio ao movimento criminológico do Direito Penal que teve como grande expoente o italiano César Lombroso, o qual publicou o famoso livro ‘’ L’uomo delinqüente ‘’ (O Homem Delinqüente), dando inicio a criminologia positiva.[4]

          Na Escola Positiva se destaca três grandes filósofos do Direito Penal e da Criminologia: Cesar Lombroso, afirmava que o homem já nascia criminoso e a criminalidade fazia parte de sua natureza; Enrice Ferri, dizia que o homem se tornava criminoso não pela metade que o corrompe mais sim pelo todo e por ultimo Howard Becker designava a teoria do etiquetamento, ou seja, havia uma distribuição desigual de status de criminoso.

          A partir dos argumentos dos pensadores positivistas surge nos anos 30 a criminologia positivista que teve suas aspirações na filosofia e na psicologia do positivismo naturalista. Assim de acordo com Alessandro Barata:

A novidade de sua maneira de enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal a esta era constituída pela pretensa possibilidade de individualizar ‘‘ sinais ‘‘ antropológicos da criminalidade e de observar os indivíduos assim ‘‘ assinalados” em zonas regidamente circunscritas dentro do âmbito do universo social (as instituições totais, ou seja, o cárcere e o manicômio jurídico). [5]

             A criminologia vista como um universo de discurso autônomo tem por objeto o homem delinqüente, ou seja, considerado diferente e clinicamente observável. Esta tem por sua vez tem a função de individualizar as causas dessa diversidade, tornando assim fatores determinantes para relatar o comportamento do criminoso, visando combater várias práticas que detém a transformação do delinqüente.

          De acordo com estas informações, podemos estabelecer os princípios básicos da escola positiva dentre estes: o crime é fenômeno natural e social, a responsabilidade penal é também social, a pena é medida de defesa social e o criminoso é sempre um anormal.

          Diferentemente da escola positiva, a escola liberal clássica faz referência a teoria sobre o crime, direito penal e a pena, desenvolvidas no século XVIII e princípios do século XIX. Essa escola liberal fazia alusão a Cesare Baccaria, médico e professor italiano que escreveu a obra “Dos Delitos e Das Penas”, o qual teve como grande objetivo relatar a utilidade comum como base da justiça humana, porém essa idéia aflora com a necessidade de manter unidos os interesses particulares, caracterizando o hipotético estado de natureza, cujo contrato social está no alicerce da autoridade do estado e das leis. Logo, a função do contrato é defender a coexistência dos direitos individuais no estado civil, constituindo um limite lógico de toda liberdade individual perante a ação do estado e do exercício do poder punitivo do mesmo.

          A finalidade de discorrer sobre o processo histórico consiste em fazer uma abordagem sobre o sentido à até que ponto a criminologia pós anos 30 indagou a ideologia penal tradicional.

 

 

3 RELAÇAO ENTRE TEORIA DO ETIQUETAMENTO E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA

 

          Como visto no tópico anterior baseado na opinião de Howard Becker, um dos maiores pensadores da escola positiva, o processo de formação da seletividade penal se dá a partir da teoria do “labeling approach” ou teoria do etiquetamento, que consiste em um pré-julgamento desigual de “status” de criminoso imposta pela sociedade. Tal teoria se forma de uma maneira preconceituosa a partir das opiniões dos indivíduos, visto que o ordenamento jurídico constitucional pressupõe em seu artigo 5º que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros a igualdade.

          De acordo com o artigo citado no parágrafo acima, percebemos que existe uma contraposição entre a Constituição Federal e o Código Penal, pois como os dois ordenamentos jurídicos são públicos, devem ser aplicados igualmente a todos os cidadãos, porém a falha do código penal trata da utilização da teoria do etiquetamento, como método seletivo para julgar os indivíduos, indo de embate ao artigo 5º da constituição, que garante a igualdade, descaracterizando assim a seleção feita pelo sistema penal. 

          De acordo com Vera Andrade:

A revelação da lógica da seletividade como lógica estrutural de operacionalização do sistema penal, a qual representa a fundamentação científica de uma evidência empírica visibilizada pela clientela da prisão: a da” regularidade” a que obedece a criminalização e o etiquetamento dos estratos sociais mais pobres da sociedade. Evidência, por sua vez, há muito vocalizada pelo senso comum no popular adágio de que “ a prisão é para três pés: o preto, o pobre e a prostituta.[6]

          Analisado a citação de Vera Andrade, tendo como base o senso comum da sociedade, se formam tipos de seletividade, que são seleções não só utilizados pelos indivíduos como pelo sistema penal. Tipo de seleção comum no nosso cotidiano seria: o poder aquisitivo, distinção por raça e por gênero e discriminação na profissão. O Sistema Penal, por sua vez, não puniu de maneira igualitária as pessoas, pois os cidadãos podem sofrer variações de penas de acordo com os tipos de seleção e de acordo com o meio em que ele é inserido podendo uma pessoa que comete o mesmo crime que outra receber uma pena mais branda ou ficar impune.    

          A seletividade existente no Sistema Penal revela a impossibilidade de equiparações, pois não há um principio de igualdade de direitos. A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja aplicação em relação à finalidade e efeitos da medida sejam proporcionais entre os meios empregados e a finalidade perseguida. Logo, os tratamentos normativos são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado. Discorre sobre o princípio da igualdade e finalidades, Alexandre Moraes:

O princípio da isonomia deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios, sobre duplo aspecto: o da igualdade na lei e o da igualdade perante a lei respectivamente. A primeira constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação responsáveis pela ruptura da ordem isonômica, já a segunda, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamentos seletivos ou discriminatórios. [7]

          Por fim, a teoria do etiquetamento adotada no sistema penal é contrária ao princípio da isonomia adotada pela Constituição Federal, por mais que o código penal seja um controle de regulação social, admitindo restrição e violação dos direitos e necessidades, sendo reprodutor da desigualdade e da desconstrução da subjetividade como enfoque de exclusão social, enquanto os direitos humanos lutam pela afirmação da igualdade jurídica e construção dos direitos, integrando a emancipação humana como dimensão da inclusão social.

4 DIREITO PENAL NO BRASIL E SUA APLICABILIDADE

          No Brasil, o direito penal tem suas raízes vinculadas ao direito português, cujas regras de religião e moral se mesclavam com o ordenamento jurídico penal. Outro fator importante desrespeito às penas aplicadas, que além da desigualdade de tratamento entre os agentes possuíam sanções severas para crimes poucos relevantes. Com a evolução das leis em Portugal, houve uma nova criação das mesmas no Brasil, aflorando novos conhecimentos da matéria penal com o aparecimento de novos delitos.

          O novo código penal, já em 1940, sofreu influências da escola positiva, como por exemplo, a individualização da pena, cujo juiz ao observar a personalidade do criminoso ou a intensidade no grau de culpa fixa à lei aplicada ao caso concreto. A partir de então, o direito penal assume um caráter subjetivo, que busca em seus estudos não o crime em si, mas a pessoa do criminoso. Assim o ordenamento brasileiro de 40 passa a ser dividido em duas partes que são as seguintes: parte geral (assuntos relacionados à interpretação da norma penal) e parte especial (caracterizada pela tipificação dos crimes em espécie).

          Outro ponto crucial que caracterizou a evolução do sistema penal é relativo às penas restritivas de direito, no qual ensina o criminoso a ser útil a sociedade prestando serviço a comunidade. Quanto aos estudos das fontes, a lei é fonte imediata de conhecimento do direito penal. De acordo com Damásio de Jesus: “a lei penal é pressuposto das infrações e das sanções. Mas, não é só a garantia dos que não praticam condutas sancionadas, pois dela advêm pretensões para o Estado e para os próprios criminosos.” [8]

          Um importante princípio da lei penal brasileira trata-se da anterioridade da lei, cujo não haverá crime sem lei anterior que o defina, além de que não pode ser aplicada uma sanção sem uma lei prévia que a estabeleça. Nesse princípio, o objetivo da lei penal constitui na responsabilidade pelo Estado em combater o delito em sua prática. Admitido essa teoria, surge então a tipicidade, que consiste em corresponder o fato praticado pelo agente e o figurino legal além da configuração do ilícito penalmente punível.

          É essencial para aplicação da lei a sua interpretação, pois com o surgimento de novas leis entrará no embate de leis surgidas qual a aplicável no caso examinado. Portanto, é necessário para o entendimento e aplicação da lei, sua interpretação, “vacatio legis” e o princípio da irretroatividade da lei mais severa.

Conceituando o direito penal, vejamos como o definem os diversos penalistas, começando por Mezger que dizia ser exercício do poder punitivo do Estado, tendo o preceito como pressuposto e a pena como conseqüência. Já para Von Listz o direito penal seria o conjunto de prescrições emanados do Estado, ligando o crime ao fato e à pena, como conseqüência, esquecendo-se, ambos, que, hoje, a própria sanção vai cedendo espaço à medida de segurança, segundo Frederico Marques, que acrescenta ao objetivo dessas normas penais as citadas medidas de segurança em sua aplicabilidade, bem como a tutela do direito de liberdade, diante do poder punitivo do Estado.[9]

 

 

5 CONCLUSÃO

 

          Após ter estudado sobre o Sistema Penal, entendemos que a seletividade ocorre basicamente devido a seleção de pessoas que a sociedade faz aos indivíduos junto com a decisão que os estudantes de direito fazem, atribuindo sanções especificas para cada tipo de pessoa. O objeto, do direito penal é a proteção dos bens jurídicos, o que faz através da pena ou sanção ou, ainda, medida de segurança, quando se refere à tutela jurídica, na proteção de bens.

          Sabemos que o Direito Humano prevê a igualdade a todos sem distinção, porém não é bem isso que acontece no Direito Penal, pois este cria uma seleção das pessoas, tendo um caráter excludente, como afirma a ideologia do sistema penal dominante, estabelecendo um preconceito contra os indivíduos, elaborando uma etiqueta de criminoso.

          A exclusão existente no Sistema Penal se da na mudança do paradigma etiológico para o de reação social, colocando a sociedade para julgar uns aos outros de acordo com o meio em que o individuo é inserido, assim, tendo por base o estudo do Direito Penal, entendemos que sua aplicabilidade requer uma interpretação e um conhecimento amplo sobre as formas de aplicação e os tipos de penas. Logo, essas variadas formas de aplicar o direito acaba estabelecendo um critério excludente em relação aos tipos de seletividade existentes no Sistema Penal.

6 REFERENCIAS

 

MIRABETE, Julio. Manual de Direito Penal. 14. Ed. São Paulo: Atlas, 1998. Cap. 1. P. 39-40.

MIRABETE, Julio. Manual de Direito Penal. 14. Ed. São Paulo: Atlas, 1998. Cap. 1. P. 40.

BARATA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3. Ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. Cap. 1. P. 29.

ANDRADE, Vera. Sistema Penal Maximo x Cidadania Mínima. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. Cap. 1. P. 49-50.

MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais. 6. Ed. São Paulo: Atlas, 2005. Cap. 2. P. 83.

JESUS, Damásio de. Direito Penal. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 1983. Cap. 5. P. 55.

RODRIGUES, Maria. ABC do Direito Penal. 13. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. Cap. 1. P. 32.

           

 

           

 

 


[1]Paper elaborado a disciplina de Criminologia para obtenção da segunda nota

[2] Aluno do 2º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

[3] MIRABETE, Julio. Manual de Direito Penal. 14. Ed. São Paulo: Atlas, 1998. Cap. 1. P. 39-40.

[4] MIRABETE, Julio. Manual de Direito Penal. 14. Ed. São Paulo: Atlas, 1998. Cap. 1. P. 40.

[5] BARATA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3. Ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. Cap. 1. P. 29.

[6] ANDRADE, Vera. Sistema Penal Maximo x Cidadania Mínima. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. Cap. 1. P. 49-50.

[7] MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais. 6. Ed. São Paulo: Atlas, 2005. Cap. 2. P. 83.

[8] JESUS, Damásio de. Direito Penal. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 1983. Cap. 5. P. 55.

[9] RODRIGUES, Maria. ABC do Direito Penal. 13. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. Cap. 1. P. 32.