1 INTRODUÇÃO As evoluções das relações ligadas ao comércio são intrínsecas ao avanço das relações sociais humanas. As sociedades primitivas se bastavam em seus mercados subsistente em que se produzia apenas o necessário para viver. No entanto, o crescimento populacional e a descoberta de novos meios de produzir e de novos bens a serem explorados modificou quaisquer interesses sociais relativos a subsistência. As pequenas famílias expandiram-se, nasceram vilas, cidades, países. Buscava-se a especialidade de produção em um determinado bem, e quanto ao resto que fosse necessário, se faziam permutas, trocas, negociações. A necessidade e a vaidade incitaram o homem. Caçava-se comida, bebida, conforto, adorno, luxos. Para isso, as cidades e países se aproximaram, e viagens cada vez mais longas e austeras se fizeram necessárias para alcançar os objetos desejados. Os artigos de troca se aperfeiçoaram, usava-se o que era considerado precioso, raro, ou mais fácil de ser transportado. Ademais, a evolução das relações comerciais foi – e ainda é – um dos principais fatores de propulsão e depuração dos meios de transporte; de carroças a caravelas, o espírito explorador que buscava novos mercados e bens parecia não ter limites. Em decorrência de todo este espírito de excitação entre as gentes, e partindo do pressuposto que é natural dos humanos buscar o que lhe é mais vantajoso, fez-se necessário a elaboração dos primeiros artigos legais que regulassem os transportes – em especial o marítimo – e o comércio. Bem mais tarde, com o advento dos Estados Nacionais e as posteriores Revoluções Francesa e Industrial, as normas que regiam as atividades comercias entre as gentes sofreram tangentes modificações, acompanhando seus devidos estágios. Não poderia ser diferente na era digital, que se é contemporâneo. Informações e produtos chegam muito rápido a qualquer parte do mundo, de tal modo parece também crescer o desejo por um poder aquisitivo ilimitado e uma economia potente, e é esta última que, indubitavelmente, põe as nações no mapa e as identifica como parte de uma comunidade internacional. Eras tormentosas de guerras e indisposições deixaram claro que para o desenvolvimento de uma comunidade internacional que comercializasse de forma justa, fazia-se necessário a instituição de tratados e acordos internacionais, meios pelos quais os países abdicavam parte de sua autoridade supra para comungar pacificamente a fim de atender seus interesses com segurança. Na história temos mais recentes: Bretton Woods, o GATT, a fracassada OIC e o foco do presente trabalho, a Organização Mundial do Comércio. A Organização Mundial do Comércio – OMC – tem importância incalculável para a manutenção da estabilidade nas relações comerciais, e com o fim de dirimir conflitos econômicos e garantir que todos os signatários constitutivos tenham direitos e deveres em âmbito comercial garantidos com equivalência, organizou um corpo de regras e princípios que assegurassem a manutenção da ordem então desejada. Ademais sabe-se que as nações, mesmo se membros de uma organização superior pautada em regras e princípios de cooperação mútua, tendem a encontrar meios outros para fazer valer seus interesses, portanto, buscando um modo de lidar com possíveis contendas a OMC criou o OSC – Órgão de Solução de Controvérsias – que, regulado pelo ESC – Entendimento de Solução de Controvérsias – tem o objetivo claro de resolver litígios entre nações no âmbito do comércio internacional tomando como base o corpo normativo disponível neste – tratados, acordos, entendimentos. Sabe-se, no entanto, que o desenvolvimento econômico e social se deu de forma distinta e desigual pelas partes de globo e, por conta disso, as nações encontram-se em estágios financeiros e políticos diferentes. É natural de toda e qualquer sociedade que os mais fortes usem de suas características e imponham domínio sobre os demais, não seria diferente na comunidade internacional em matéria comercial. A Organização Mundial do Comércio, contudo, é traçada em princípios e regras que buscam eliminar estre tratamento diferenciado, bem como reduzir a influência negativa das grandes potências nos países em desenvolvimento. Objetiva-se na presente discussão entender de que modo esse trabalho se dá e se tem sido eficiente no tratamento equânime dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. O presente estudo faz-se importante visto que é necessário compreender de que modo os países em desenvolvimento devem agir em face da comunidade internacional e suas respectivas regras, para garantir a manutenção de suas prerrogativas. Para tal, deve-se estudar como os órgão e entidades aqui relatados se constituem e como se comportam, a fim de entender se seus compromissos e objetivos são cumpridos. Compreender-se-á como o OSC e seu processamento de litígios se dá, e a partir daí, utilizando do método dedutivo, entender-se-á se de fato tem sido fiel à sua intenção primária: garantir às nações internacionais, em especial às em desenvolvimento, um espaço não só equânime – já que equiparidade de tratamento não significa justiça – mas efetivo. 2 DAS RELAÇÕES COMERCIAIS NA HISTÓRIA 2.1 Da evolução das atividades comerciais Não há como estimar de forma exata em qual momento do curso histórico o comércio nasceu. Entretanto pode-se observar sua evolução, passando pelas primeiras atividades comunitárias desenvolvidas pelo homem a chegar aos instantes em que iniciou a comercializar aquilo que produzia. A sociedade primitiva tinha como principal meio de sustento a agricultura de subsistência e a caça. Tudo que era produzido estava voltado para consumo próprio, tanto na alimentação como no vestuário. Os pequenos grupos familiares – modo mais primitivo de sociedade conjunta – bastavam-se e a si próprios mantinham, retirando da natureza tudo o mais que fosse necessário, desde comida aos mais rústicos utensílios domésticos. O crescimento populacional, contudo, não pôde ser evitado. Famílias maiores e grupos mais famintos nasciam do correr da própria evolução, assim sendo, o sistema de subsistência foi se mostrando falho e incapaz de manter grupos maiores que desejavam uma vida mais cômoda – dentro dos padrões primitivos de conforto. As classes perceberam então que a troca poderia dar força a esta causa, e as já não tão pequenas famílias poderiam dar o que lhes era excedente, recebendo de volta o que lhes era escasso. Nesta época, as trocas tinham por base o remanescente do que era produzido, isto é, o que o grupo não aproveitava. A produção para estes fins, no entanto, não tardou, tendo em vista a condição intrínseca à natureza humana de buscar um padrão mais cômodo de vida, o que em tal período estava mais relacionado a alimentos diversificados, vestimentas apropriadas e uma gama de materiais que facilitassem a caça e tarefas domésticas. As atividades de troca aproximaram os grupos a fim de manter relações de sustento, o aproveitamento otimizado daquilo que era produzido levou as comunidades a dedicarem sua produção àquilo que faziam de melhor, o comércio passou a emanar os primeiros raios de sua luminescência a partir do momento em que o interesse coletivo voltava-se para a aquisição de produtos que eles próprios não podiam ou não tinham o interesse de construir. Da agricultura à agropecuária e o extrativismo: tudo passou a ser comutado, desde o que era de interesse alimentar a vestimentas e adornos. A intensidade de trocas e o valor adquirido a cada mercadoria incitou o homem, aproximou aldeias e formou comunidades, vilas e cidades. Buscava-se no local mais austero aquilo que se necessitava. Das carroças às embarcações mais remotas, tudo nasceu da integração do homem em busca do conforto, melhoria de vida. O comércio surgiu como meio de garantia para que essas características fossem preservadas. Anos à frente nascem os primeiros acordos de cooperação comercial, regras que insurgiram da necessidade de regulamentar as relações humanas na troca de mercadorias e seus respectivos meios de transporte. Surgia a necessidade de garantir uma justa negociação aos envolvidos. Na Grécia, por exemplo, foram elaborados os primeiros contratos escritos, com fins de regular o comércio marítimo. De modo crescente, as sociedades passaram a dinamizar suas relações comerciais com o intuito de facilitar as trocas, os transportes, e a segurança de suas transações – por mais primitivas que fossem. Nasceram então moedas, bancos, e variadas outras fundações que pudessem corroborar no mesmo sentido. No entanto, apenas na Idade Média nascem as primeiras linhas de uma legislação especialmente comercial, como assevera Ricardo Negrão (2011): Nesse período, o comércio, estava ligado ao comércio itinerante: o comerciante levava mercadorias de uma cidade para outra através de estradas, em caravanas, sempre em direção a feiras que ocorriam e tornavam famosas as cidades européias [...] Em sua evolução, as feiras se especializam, surgem os mercados (feiras cobertas) [...] As lojas, cuja função é a venda constante, num mesmo local, surgem quase que simultaneamente às feiras [...] Os mascates completam o quadro de distribuição de mercadorias. Não se diz aqui que não havia relações comerciais antes da Idade Média, tratamos, contudo, da maior atenção que as atividades mercantis receberam nesta época devido às condições especiais que lhe eram características. O sistema comercial, já previamente evoluído, serviu de base para alavancar as relações mercantis da Idade Média; também foi nesta época que surgiram as famosas letras de câmbio, que auxiliavam no transporte – evitando o peso das moedas de ouro e prata – e mantendo o comerciante seguro ao deslocar suas riquezas. A fragmentação territorial, bem como os crescentes aperfeiçoamentos das técnicas de tecelagem, carpintaria e comerciais, fizeram com que surgissem as chamadas Corporações de Ofício, associações de operários de função determinada que visavam defender suas habilidades e produções através de uma uniformização de técnicas, preços, materiais e intensidade de produção: Essas corporações estabeleceram regras para o ingresso na profissão e tinham controle de quantidade, da qualidade e dos preços dos produtos produzidos, chamado de preço justo. Um artesão nunca poderia estipular um preço maior ou usar material de qualidade inferior ao de seu colega. Isso evitava a concorrência dos membros de mesmo ofício. A corporação também protegia seus associados proibindo a entrada de produtos similares aos produzidos na cidade em que se atuava. Eles também amparavam seus trabalhadores em caso de velhice, qualquer tipo de doença ou invalidez. Uma instituição típica da sociedade medieval foi a corporação de ofício. Eram associações que organizavam a produção e a distribuição de determinados produtos, reunindo profissionais do mesmo ramo, como por exemplo, os sapateiros, ferreiros, alfaiates. As corporações de ofício representam um tipo próprio da sociedade medieval e também compõem a escada que alavanca o surgimento da burguesia. A organização em classes de mestres e aprendizes destas instituições, bem como o natural crescimento da demanda, concentrou riqueza e poder nas mãos de muitos, mais tarde chamados de classe emergente ou burguesa. Com o surgimento dos Estados Nacionais, a leis de regulamentação do comércio fugiram do âmbito feudal e passaram a ser elaboradas pelo governo, adquirindo status pátrio. Mais tarde, com o advento da Revolução Francesa e o ideal de intervencionismo estatal frente às relações privadas, foi elaborado o primeiro Código Civil e Comercial, apto a regular e inspirar a nova situação econômica mundial. A Revolução Industrial, neste âmbito, representou a maior ruptura de paradigmas desde o surgimento do comércio nos primórdios das civilizações; o que antes era uma aproximação de sociedades familiares, rompimento de fronteiras feudais ou expansão comercial em um continente de pouca extensão territorial, tomou proporções globais. O desenvolvimento tecnológico das máquinas levou consigo os meios de comunicação, bem como o surpreendente avanço dos meios de transporte: passou-se a chegar mais rápido em qualquer parte de mundo. A era digital trouxe o fenômeno da globalização, o mundo não comercializa mais apenas entre cidades, tudo chega a qualquer lugar numa época em que o consumismo parece não ter limites. O capitalismo domina um mundo em que apenas o fluxo de mercadorias parece sustentar a economia dos países. O poder de compra representa poder absoluto; quanto maior capacidade aquisitiva, maior destaque entre as gentes. Sabemos, contudo, que esse desenvolvimento não se deu homogeneamente mundo afora, e que os Estados pioneiros em atividades comerciais e suas respectivas regulamentações atingiram um alto nível de influência monetária, criando dependentes ao redor do globo. Estudar-se-á a partir de agora de que modo a comunidade internacional se portou com essas diferenças, buscando restringir comportamentos arbitrários inerentes dos poderosos, tentando amortecer os impactos que podem ser causados àqueles com menor capacidade aquisitiva, bem como o que foi feito para dirimir impactos que emergiram de conflitos entre grandes potências. 2.2 Da estabilidade jurídica no âmbito internacional O Direito representa, para os povos, um meio de regência e organização das atividades humanas, as normas jurídicas apresentam-se como gerais e cogentes, assim como igualmente aptas à adequação social para que sejam efetivas. Trabalha-se aqui com a ideia de que o meio internacional também constitui sociedade, ainda que formada por entes de identidade soberana, que de tal modo se agrupam ou se embatem de acordo com seus interesses e convicções. A história documenta eras de estabilidade e eras tormentosas nas relações dos países, fazendo-se crer, indubitavelmente, na necessidade de construir um sistema de normas reguladoras para ditar condutas toleráveis no âmbito ao qual nos referimos. Por fim, faz-se imperioso a criação de um Direito regimentar da comunidade global, o Direito Internacional. A primeira luz de cooperação internacional mediante subordinação a um tratado de regras superior à soberania das nações deu-se em 1648, com o Tratado de Westphalia, que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos na Europa, tendo em vista que regia regras de conduta que ao mesmo tempo satisfazia e restringia os Estados e suas vontades. O Direito tornou-se responsável pela solidificação estrutural dos Estados , assim como dos demais entes da comunidade internacional. Todos aqui se apresentavam como sujeitos de direito, possuidores de deveres e garantias em uma esfera global. Percebe-se, todavia, que não há um sistema de normas cogentes internacionais que guiam o comportamento de todos os Estados e entes, tendo em vista a inexistência de um órgão superior a todos. A elaboração de regras de comportamento frente à sociedade internacional se dá tão somente por meios de tratados facultativos, dos quais os signatários resolvem, por conta própria, dispor de suas vontades e interesses em prol de um bem comum, tomando por base os princípios da soberania, autodeterminação dos povos e manifestação da vontade •. Diante do exposto, não há como negar que o Direito Internacional pode ser adaptado e aperfeiçoado por aqueles que mantêm identidade para tal, isto é, os sujeitos da comunidade mundial. A vontade manifestada em regras de caráter cogente a serem seguidas por toda sociedade global podem assegurar paz, desenvolvimento, bem como boas relações culturais e comerciais. Afinal, o escopo inequívoco do positivismo jurídico á a obtenção da segurança jurídica, capaz de assegurar a observância e cogência da norma em uma situação real, devendo ser adotado e legitimado por todos que estejam sob sua égide. Quando tem-se por escopo o comércio internacional, concluímos que a segurança jurídica aqui tratada é imprescindível, levando em consideração os fatores competitivos, produtivos e atrativos de investimento. O estímulo à economia e ao desenvolvimento só tem espaço em um ambiente em que as nações podem orientar suas ações estrategicamente, mas também dentro de paredes normativas capazes de estabilizar o sistema a fim de não serem lesados por quem detém maior capacidade produtiva. Uma vez que as nações tomaram consciência que a manutenção e estabilidade do sistema internacional estavam ligadas à elaboração de suas políticas externas, buscaram outros meios de cooperação internacional, métodos capazes de estimular – por meio de sanções e benefícios- a continuidade das relações em prol do pleno desenvolvimento global. 2.3 O nascimento dos acordos internacionais em prol do comércio As relações econômicas no mundo pós Primeira Guerra Mundial demonstravam uma complexidade muito mais intricada do que em qualquer outro momento da história. Percebia-se não ser mais possível o retorno aos padrões econômicos vigentes do século XIX, verificava-se uma desfiguração na distribuição de riquezas, tomando como maior exemplo o declínio da supremacia britânica, dando lugar à emersão dos Estados Unidos como centro da economia mundial. Fizeram-se necessárias políticas externas que pudessem garantir um controle mais efetivo da nova ordem econômica global, de modo que os princípios capitalistas pudessem ser mantidos e, ao mesmo tempo, preservado o reestabelecimento financeiro das nações afetadas pela guerra. Em 1941 foi assinada A Carta do Atlântico, um acordo internacional firmado em alto mar pelo Primeiro Ministro inglês Winston Churchill e o Presidente americano Roosevelt. O acordo assinado entre as nações trespassava a natureza contratual, antes de tudo era uma declaração de princípios: Era, antes, uma declaração de princípios que condenava a tirania sob todas as formas e enfatizava a necessidade do empenho pela construção de uma paz baseada na defesa da liberdade, no respeito às linhas de fronteira consolidadas, na autodeterminação das nações e na renúncia ao uso da força. O documento também entendia que esses princípios estavam inexoravelmente ligados a ações a serem empreendidas no plano econômico e recomendava que um esforço de cooperação entre as nações para se construir uma paz duradoura deveria contemplar uma igualdade no acesso ao comércio e às matérias primas e o desenvolvimento de formas mais estáveis de arranjo institucional necessárias à promoção da prosperidade e da segurança social para todos os povos. Tal documento mostrou-se imprescindível na solidificação das negociações que mais tarde deram origem ao acordo de Bretton Woods. Ainda em pleno desenrolar da Segunda Grande Guerra, 44 nações encontraram-se na cidade de Bretton Woods, no condado de New Hampshire, para a Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas; deste encontro nasceram as bases da nova ordem econômica e financeira internacional . Apesar do foco voltado às recuperações no âmbito comercial, percebeu-se que apenas o acordo firmado não era capaz de manter o equilíbrio requerido. Com o fim da guerra e o lento reestabelecimento dos envolvidos, a heterogeneidade dos entes tomou força, bem como o conflito de interesses que daí surgia. Ainda como tentativa de regularizar a situação e visando estimular a liberalização comercial e enfrentar o protecionismo, 23 países assinaram um Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – o GATT. Este acordo, no entanto, seria apenas temporário, até o estabelecimento da Organização Internacional do Comércio – a OIC. Os fundadores do GATT, juntamente com outros países, elaboraram o projeto de criação e desenvolvimento da OIC. A Carta de Havana, assinada em 1948, tratava principalmente da criação da Organização, que além de disciplinar o comércio e suas respectivas restrições, estabelecia normas sobre emprego e investimentos internacionais. No entanto a Organização Internacional do Comércio não logrou êxito, sendo o principal motivo a não adesão dos Estados Unidos ao que havia sido convencionado: Quanto ao estabelecimento do GATT, cabe salientar que a criação de uma instituição verdadeiramente multilateral de comércio não interessava naquele momento aos Estados Unidos, por se constituir em uma barreira à sua supremacia econômica e comercial frente aos países europeus. Isto explica a própria criação de um acordo entre partes contratantes, em lugar de uma organização da qual os países se tornam membros . Ainda sob o domínio do GATT foram realizadas 8 rodadas de negociações entres os países signatários, sendo que numa delas, a Rodada Uruguai – em Punta Del Este -, estabeleceu-se a criação da Organização Mundial do Comércio: O GATT que chegou à Rodada Uruguai em 1986 reunia 76 membros, e outros 36 juntariam-se a ele até 1995. As negociações do GATT, a princípio envolvendo reduções tarifárias, tornaram-se, com o passar do tempo, também normativas, especialmente desde a Rodada de Tóquio. Não apenas novos produtos foram sendo acrescentados à pauta, mas centenas de acordos, regulamentações e mesmo distorções de regras, que contribuíram para transformá-lo em um verdadeiro labirinto jurídico. Vê-se com clareza que a Organização Mundial do Comércio nasce em um momento em que o mundo necessita mais do que um acordo de cooperação, de um órgão dotado de status jurídico, capacidade regulatória e punitiva, para que a retaliação dos países membros pudesse ser assegurada em situações conflituosas. Nasce aqui uma Organização com facetas tribunais. A OMC passou a atuar em 1995 como órgão internacional suprido de corpo normativo e sistemática próprios, tem por sede a cidade de Genebra, na Suíça, e objetiva a administração dos acordos internacionais de comércio, a elaboração de fóruns para negociações comerciais, a tutela em disputas do mesmo âmbito, a monitoria de políticas de comércio – ainda que nacionais – dos países signatários, e ainda tem por escopo oferecer suporte técnico e treinamento aos países em desenvolvimento, bem como cooperar com outras organizações internacionais que prezem pelos mesmos objetivos. Para auxiliar na implementação deste caráter conciliatório e punitivo, a nova Organização Mundial do Comércio criou o Órgão de Solução de Controvérsias, o principal responsável por suprimir quaisquer litígios que possam insurgir entre os países assinantes. Este tem atuado como principal dirimente nos conflitos, no entanto, ainda está limitado por inúmeras questões passíveis de discussão. Há de se pensar, como exemplo, na incapacidade da OMC, por meio de seu órgão especial, em impedir práticas ilegais ou injustas de países signatários no limite de seus respectivos territórios, a organização ainda não é dotada de capacidade jurídica para intervir na autodeterminação dos povos, assim como não é dotada de força para questionar a soberania de um Estado. Cabe no entanto, a discussão no que diz respeito à capacidade do Órgão de Solução de Controvérsias em dar cabo a retaliação de países causadores de prejuízos. Há de se verificar de que modo as situações tem se portado e se o órgão vem cumprindo seu papel jurídico-internacional. 3 A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO E ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS 3.1 Da estrutura e ordenação da OMC Criada em abril de 1994 na Rodada de Uruguai a partir da assinatura do Tratado de Marraqueche, a Organização Mundial do Comércio passou a funcionar no ano de 1995, em Genebra, Suíça. A OMC surgiu a partir da evolução do sistema multilateral de comércio, atingindo parâmetros institucionais e diferenciando-se do GATT a partir da ideia de que este último possuía natureza de Tratado, em que os signatários – através do sistema conhecido como pick up and choose - podiam escolher qual acordo lhes convinha tomar parte. Esta ideia é deixada para trás com a adesão à OMC: Ao aderir à organização, a adesão é total, à todos os existentes acordos impreterivelmente, como em um ‘empreendimento único’, o sistema do Single Undertaking. A grande importância desta mudança atribui-se à maior coesão desenvolvida entre normas criadas e adotadas por todos, o que confere maior efetividade jurídica à codificação e desenvolvimento progressivo das regras de Direito Econômico Internacional através da OMC. Conclui-se, portanto, que ao tornar-se membro, o Estado assume concordância com todos os acordos pré-existentes à sua filiação, assumindo um único compromisso, ao contrário da discricionariedade antes aproveitada. Sobre sua estruturação cita-se: Suas atividades são conduzidas sempre por seus Ministros através das reuniões em Conferências Ministeriais ou por seus delegados e embaixadores que se reúnem regularmente em Genebra. Nestas ocasiões, as decisões são tomadas sempre por consenso ou por votação, apenas se necessário, sendo que todos os membros possuem o mesmo direito a um voto (independente da relevância do país no cenário do comércio internacional). Não há voto qualificado ou poder de veto Dentre as principais funções atribuídas à Organização Mundial do Comércio, temos: a) administrar acordos comerciais que formam o corpo normativo da instituição; b) servir de fórum para debates e negociações na área comercial; c) resolver disputas e litígios ligados ao comércio; d) fiscalizar políticas comerciais dos Estados-Membros; e) prestar assistência técnica e treinamento para países em desenvolvimento; f) promover cooperações com outras organizações internacionais. 3.1.1 Princípios norteadores da OMC Os princípios que regem a OMC são os mesmos que norteiam o comércio internacional e que balizaram a criação do antigo GATT, observa-se: Princípio da não-discriminação ou do tratamento nacional: tanto os produtos importados, como aqueles produzidos em território nacional (também os serviços) receberão o mesmo tratamento . Aplica-se como meio de inibir ou coibir a descriminação do produto estrangeiro desfavorecendo-o em competição com o produto nacional. A previsibilidade como princípio norteador toma espaço na ideia de garantia de um conhecimento antecipado das regras sobre o acesso aos mercados, tanto na exportação quanto na importação, para que as atividades estejam garantidas . Diz respeito principalmente à consolidação de compromissos tarifários para bens e serviços a fim de garantir a eficácia do planejamento. Princípio da concorrência leal: objetivo claro e de fácil dedução, visa a OMC criar regras que prezem pelo comércio justo. Tratamento especial aos países em desenvolvimento: aqui reconhece-se a inadequação mundial no caráter econômico: Em face disso, concede aos países menos ricos condições especiais e prazos maiores para que possam implementar os compromissos firmados. Atualmente cerca de ¾ dos países membros da OMC são países em desenvolvimento ou em transição para economia de mercado. Portanto, os países considerados de menor desenvolvimento relativo (assim reconhecidos pela Organização das Nações Unidas – ONU), possuem um tratamento diferenciado, pois lhes é permitido assumir compromissos e concessões segundo a extensão adequada ao seu desenvolvimento e crescimento individual, atendendo sua capacidade administrativa, necessidades financeiras e comerciais . Fornecer condições para que os países em desenvolvimento se adequem de forma menos custosa e mais prática, com fins de reduzir o abismo socioeconômico entre eles e as grandes nações, é um objetivo claro da Organização Mundial do Comércio, e também não poderia ser diferente, tendo em vista que o objetivo é desenvolver uma grande comunidade global. Por fim, mas não menos importante, trata-se da liberalização gradual do comércio nas rodadas de negociações , em que se prevê a redução das barreiras comerciais, tendo em vista a completa adequação dos países ao modelo econômico e aos compromissos firmados pela Organização. 3.1.2 Objetivos da Organização Mundial do Comércio A Organização Mundial do Comércio rege-se nos princípios acima expostos em prol de objetivos claros, descritos no preâmbulo do seu Acordo Constitutivo, que segue: Reconhecendo que as suas relações na esfera da atividade comercial econômica devem objetivar a elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e um volume considerável e em constante elevação de receitas reais e demanda efetiva, o aumento da produção e do comércio de bens e de Serviços, permitindo ao mesmo tempo a utilização ótima dos recursos mundiais em conformidade com o objetivo de um desenvolvimento sustentável e buscando proteger e preservar o meio ambiente e incrementar os meios para fazê-lo, de maneira compatível com suas respectivas necessidades e interesses segundo os diferentes níveis de desenvolvimento econômico, Reconhecendo ademais que é necessário realizar esforços positivos para que os países em desenvolvimento, especialmente os de menor desenvolvimento relativo, obtenham uma parte do incremento do comércio internacional que corresponda às necessidades de seu desenvolvimento econômico, Desejosas de contribuir para a consecução desses objetivos mediante a celebração de acordos destinados a obter, na base da reciprocidade e de vantagens mútuas, a redução substancial das tarifas aduaneiras e dos demais obstáculos ao comercio assim como a eliminação do tratamento discriminatório nas relações comerciais internacionais, Resolvidas, por conseguinte, a desenvolver um sistema multilateral de comércio integrado, mais viável e duradouro [...] Percebe-se que a Organização trabalha com os ideais de garantir um âmbito internacional-comercial justo, que vise não só o bom desempenho econômico, mas também uma comunhão mais equânime entre os países de níveis de desenvolvimento proporcionalmente diferentes, tendo como principais objetivos práticos a redução de tarifas aduaneiras e demais empecilhos que representam óbice à boa execução de seus princípios, a exemplo, a comum discriminação nas relações internacionais, em especial para com as nações periféricas. Para alcançar tais anseios, a OMC, Administra, por meio de vários conselhos e comitês, os diversos acordos ocorridos na Rodada de Uruguai, mais os acordos sobre aquisições governamentais e aviões civis. Ela supervisiona a implementação das reduções tarifárias aprovadas nas negociações. A organização também acompanha o comércio internacional, examinando regularmente os regimes comerciais dos membros individuais. Em seus vários setores, os membros apontam medidas, propostas pelos demais, que podem causar conflitos comerciais. Os membros também são obrigados a atualizar diversas estatísticas comerciais, que são mantidas pela OMC em um grande banco de dados . Vê-se pois, que a instituição aposta num acompanhamento cerrado de seus membros, repartindo-se em comitês e conselhos que tratam de temas específicos a fim de garantir uma avaliação precisa de seus respectivos temas. Coleta dados e estuda fatores e casos para que possa coordenar e supervisionar as atividades dos países membros mais acertadamente. A fim de garantir os ideais acima expostos, a OMC precisou inovar, desenvolvendo um mecanismo de solução de litígios mais eficaz e eficiente que o GATT. Em prol da celeridade e da necessidade da instituição de um foro jurídico para resolução de conflitos, foi criado o Órgão de Solução de Controvérsias. O Órgão agora instituído apresenta características verdadeiramente jurídicas, e passa a operar com sanções; deste modo suas decisões tomam fibra coercitiva e, consequentemente, são mais eficazes e eficientes. 3.2 Das soluções de controvérsias 3.2.1 Soluções de Controvérsias Estuda-se em todo curso jurídico a importância do Direito na solução de conflitos e manutenção da convivência social pacífica. Conclui-se que em matéria de Direito Internacional não é diferente, ainda mais quando a identidade internacional apresenta um caráter “quase-anárquico” devido à falta de uma autoridade supra . Conta-se, portanto, com uma gama de normas oriundas de tratados internacionais ratificados pela sociedade global. A Organização Mundial do Comércio, tendo como objetivo o fair play (jogo justo), controla as relações de conflito e colaboração, tomando sempre por base as normas que são comuns aos países signatários, evitando interpretações unilaterais movidas por interesses individuais de determinados Estados , tendo sempre como escopo a segurança jurídica das relações, bem como um controle maior das expectativas. Normalmente, os litígios instauram-se no âmbito da OMC em função de acordos ou regras comerciais que de alguma forma foram infringidas por algum de seus membros, podendo inclusive ter causado prejuízos para outro membro. Com isso, uma disputa poderá iniciar-se quando um país tomar uma medida comercial ou realizar ato que um ou mais membros considerem atentatório contra as regras da OMC e capazes de gerar prejuízos a outrem. Assim, como signatários do Tratado de Marraqueche, os Estados membros buscarão resolver seus conflitos através dos mecanismos existentes dentro do sistema multilateral de comércio, ao invés de tentar resolvê-los unilateralmente e impor medidas punitivas contra si na defesa de seus interesses individuais, o que causaria grande instabilidade e desconfiança no plano internacional . Percebe-se pois a importância da implementação de um sistema que trate especificamente de litígios, pois o precípuo fim de sua constituição é evitar decisões unilaterais que prejudiquem os acordos internacionais e os objetivos e princípios da Organização Mundial do Comércio. O comércio justo e as respectivas soluções de seus conflitos só podem ser alcançados com a imparcialidade do sistema multilateral de comércio. O Sistema de Solução de Controvérsias hoje existente não é nada mais do que uma evolução daquele que atuava anteriormente dentro do GATT. Após a Rodada de Uruguai tal sistema passou a contar com uma estrutura própria e um mecanismo responsável pelo monitoramento da sucessão dos desentendimentos. Sobre sua importância e principais objetivos: O Procedimento de Solução de Controvérsias é essencial para dotar o sistema multilateral de comércio de segurança e previsibilidade, pois assegura o cumprimento das obrigações que permeiam as relações comerciais, por meio da observação dos princípios básicos do GATT, garantindo aos membros os direitos constantes dos acordos que integram a OMC. Como consequência, promove os sistemas multilaterais de comércio, dotando-o de maior credibilidade, preservando, desta forma, a liberdade do comércio, alcançada através das sucessivas rodadas de negociações comerciais, com a redução de taxas e direitos aduaneiros cobrados no comércio internacional. Adicionalmente, tem também a finalidade de interpretar e esclarecer as regras dos acordos abrangidos, segundo as normas de interpretação do Direito Internacional Público . São as três principais características do mecanismo de solução de controvérsias da OMC: abrangência, automaticidade e exigibilidade . Analisando do ponto de vista da abrangência das normas do sistema, partimos do pressuposto de que todas as possíveis violações de acordos celebrados pela organização devem ser examinadas pelo mecanismo próprio de soluções de litígios aqui apresentado, não havendo outro competente para tal no âmbito da entidade. A característica automatizadora importa que o mecanismo solucionador desenrola-se em etapas seguidamente ininterruptas e em prazos prévia e rigorosamente estabelecidos, a fim de evitar retardamentos processuais. Enfim, a exequibilidade assegura à OMC a capacidade de obrigar os Estados a cumprir as decisões proferidas pelos órgãos competentes . As regras do sistema tornam-no mais efetivo e coercitivo. Todo conflito apresentando ao mecanismo de soluções de litígios será passível, primariamente, de uma análise que buscará atender aos interesses de ambas as partes envolvidas em determinado conflito; não sendo esta alternativa viável, recorrer-se-á a outros meios dispostos dentro do sistema. 3.2.2 Do Órgão de Solução de Controvérsias Sendo impossível dirimir os conflitos por meio de procedimentos de mútuo acordo, um mecanismo específico poderá ser adotado, em que ao final o Estado em prejuízo poderá aderir, com autorização da Organização Mundial do Comércio, medidas reparadoras e compensatórias frente ao Estado causador do dano, desde que estas estejam amparadas nos acordos internacionais de comércio. O principal mecanismo de solução de litígios referentes à aplicação de normas comerciais internacionais é o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), vinculado ao Conselho Geral da OMC, órgão ao qual compete, portanto, a última instância, velar pela composição de conflitos em matéria comercial dentro da entidade . Em inglês chamado de DSU (Dispute Settlement Body), o OSC é composto para, dentre outras funções: estabelecer painéis, acatar relatórios resultantes dos painéis e do Órgão de Apelação; autorizar e conduzir a implementação de decisões, dentre outras atividades : O OSC tem quatro funções principais: autorizar a criação de painéis (panels), foros competentes para apreciar os litígios; adotar os relatórios elaborados pelos painéis e pelo Órgão de Apelação; fiscalizar a implementação das recomendações sugeridas pelos painéis e pelo Órgão de Apelação; e autorizar a suspenção de vantagens comerciais para os Estados que violarem as regras da OMC . Vê-se que a lista de atividades competentes ao OSC, apesar de curta, é custosa, pois lida com temas que interessam a nações de todo o globo e com toda a sorte de culturas e interesses, ademais, tratar da suspensão de vantagens e regalias de países – ainda mais se estes estão do lado mais poderoso do globo – não configura-se tarefa fácil. 3.2.2.1 Do processamento de controvérsias Partindo do já mencionado pressuposto de que a melhor solução satisfaz todos os entes envolvidos, num momento de instauração de um litígio frente ao OSC, o mecanismo inicia sua função solucionadora através da fase de consultas, isto é, um procedimento de feições diplomáticas pelo qual um membro estabelece contato com o causador de seus prejuízos, almejando um entendimento. É fase obrigatória, que no entanto depende da vontade das partes para obter resultado . A fase inicial é a de consultas, momento em que a parte demandante solicita à parte demandada informações sobre sua legislação e suas práticas comerciais, e requer as devidas modificações de modo que elas se conformem com as disciplinas previstas nos acordos da OMC. A parte demandada tem o prazo de até 10 dias para responder à parte demandante e as consultas devem se realizar em até 30 dias. Se as consultas não solucionarem a disputa em até 60 dias do recebimento do pedido, a parte demandante pode requerer o estabelecimento do painel . A consulta é estabelecida com o fim de informar ao demandado a causa do litigio e dar-lhe o tempo para defender-se e expor seu ponto de vista ou acatar a reclamação e modificar o que lhe foi questionado. Caso esta primeira etapa fracasse, num segundo momento poderá ser estabelecido, por requerimento do Estado reclamante, a instalação de um grupo especial, mais conhecido como painel (panels). Via de regra o grupo será composto por peritos especializados em matéria comercial, e as queixas devem ser formuladas e examinadas tomando por base os acordos de comércio internacional assinados em competência da OMC. Sobre este momento: O trabalho do painel poderá gerar um relatório com as recomendações cabíveis dirigido ao OSC, que poderá adotá-lo ou não. Cabe destacar que, ao contrário do que aconteceria no antigo GATT, quando o veto de um Estado poderia impedir a aplicação da decisão do painel, a não-implementação do relatório hoje só é possível se todos os membros da OMC vetarem a decisão, de acordo com a regra do consenso invertido, preceito que visa dificultar a paralisia da Organização por conta da ação de poucos Estados localizados ou por motivos puramente políticos . Entende-se que com o novo Órgão de Soluções de Controvérsias (pós-GATT), um dos principais objetivos é não permitir que interesses meramente políticos ou as grandes economias encontrem espaço para fazer valer seus interesses. Antes, a não implementação de uma decisão poderia ser revogada se apenas um Membro não a aceitasse; ora, sabemos pois que o próprio prejudicado ou qualquer aliado seu poderia – por interesses vários – impedir que se desse cabo à decisão tomada. Para solicitar a implementação do panel a parte reclamante há de cumprir alguns requisitos para a composição do requerimento. No pedido deve estar presente a identificação das medidas a serem contestadas, um embasamento legal que reforce o pedido e a classificação dos dispositivos que o requerente considera transgredidos. O Itamaraty esclarece resumidamente em seu endereço virtual o procedimento estabelecido pelo OSC aos panels: O painel deverá ser estabelecido até a reunião do OSC seguinte àquela na qual o pedido foi apresentado, isto é, o pedido somente pode ser bloqueado pelo Membro demandado na 1ª reunião do OSC. O painel será constituído por três membros, que deverão ser escolhidos de comum acordo pelas partes. Caso não seja possível acordo quanto aos nomes apresentados em até 20 dias da data do estabelecimento do painel, eles deverão ser indicados pelo Diretor-Geral da OMC. Em muitos casos, a seleção dos 3 membros do painel pode durar várias semanas. Após a constituição do painel, serão apresentadas petições escritas e realizadas duas audiências com as partes, de modo que elas tenham a oportunidade de apresentar seus argumentos aos membros do painel, sendo as deliberações destes confidenciais. Ressalte-se que, durante esta fase, a parte demandante poderá solicitar a suspensão dos trabalhos, a qual não poderá exceder 12 meses, sob pena de caducar a autoridade para o estabelecimento do painel. Após a apresentação de réplicas e argumentação oral das partes, o painel deve submeter as seções descritivas do projeto de relatório para comentários das partes. Ultrapassada essa fase, o painel deve elaborar um relatório provisório (interim report), em relação ao qual as partes podem oferecer comentários. Em seguida, será emitido o relatório final com a conclusão do painel, que será circulado primeiramente às partes e, depois de traduzido, a todos os Membros. Como regra geral, o prazo para a apresentação do relatório final, contendo a análise da compatibilidade das medidas questionadas em relação aos acordos da OMC, é de até 6 meses após o estabelecimento do painel e a determinação de seus termos de referência, prorrogável por mais 3 meses. Na prática, a fase de painel tem durado cerca de 12 meses . Caso haja inconformidade entre o acordado pelo panel e a vontade do Estado derrotado, poderá ser acionada a terceira etapa do processo jurídico do OSC, a fase de apelação. O requerimento apelativo é processado dentro do OPA (Órgão Permanente de Apelação), que é composto por sete especialistas em comércio internacional, muito embora apenas três atuem em cada caso. É garantido aqui, aos Estados componentes da OMC, o princípio do duplo grau de jurisdição, tendo em vista que é verdadeira reanálise de matéria já decidida por um órgão hierarquicamente superior, mas ainda passível de questionamento. Apontada como uma das mais salutares inovações trazidas pela OMC, a criação de uma segunda instância aponta em direção a um aprofundamento da juridicidade do sistema, possibilitando, em atenção ao princípio do duplo grau de jurisdição, amenizar a natural inconformidade das partes com provimentos que lhe são contrários. Esse recurso somente poderá versar sobre questões de direito e interpretações jurídicas presentes no relatório anterior . A profundidade jurídica aí exposta clarifica a ideia de que esta inovação faz-se extremamente salutar para renovados objetivos da Organização do Mundial do Comércio, como estabelecer uma sociedade internacional que comute de forma segura e justa. Ainda esclarece o Ministério de Relações Exteriores Brasileiro: A apelação somente versará sobre matéria de direito, não podendo examinar os aspectos factuais da disputa. O Órgão de Apelação tem 60 dias, prorrogável por mais 30 dias, a partir do momento em que a parte notifica a sua decisão de apelar, para examinar os argumentos das partes e apresentar um novo relatório. Por não haver mais possibilidade de recurso, o relatório do Órgão de Apelação deverá ser adotado pelo OSC e incondicionalmente aceito pelas partes, a não ser que o OSC decida, por consenso, pela não-adoção desse relatório (consenso negativo). O Consenso Negativo é, basicamente, uma concordância geral da não-adoção de determinada medida. No antigo GATT as decisões dos órgãos poderiam ser barradas se apenas um membro a objetasse; sob a nova perspectiva aqui exposta, para a rejeição de veredicto, a oposição deverá ser geral. Estabelecendo essas normas em sua composição jurídica, o OSC garantiu maior desenrolar e menor embaraço em seus processos. Com a adoção do relatório final do OPA pelo Órgão de Solução de Controvérsias, chega-se ao estágio final do processo, o momento em que se busca o cumprimento da decisão tomada e a devida adequação do Estado “perdedor” às normas e acordos da Organização Mundial do Comércio. Esta etapa é conhecida como fase de implementação. Que assim se porta: Nesta fase, em até 30 dias da adoção do relatório pelo OSC, o Membro vencido deverá informar a forma como implementará as recomendações existentes e indicará, se necessário, um período razoável de tempo para fazê-lo. Caso não haja acordo entre as partes sobre esse período, poderá ser estabelecida uma arbitragem com essa finalidade, a qual estabelecerá, em até 90 dias da data da adoção do relatório, esse período de tempo (que, regra geral, não deverá exceder a 15 meses). Ainda na fase de implementação e após expirado o período razoável de tempo sem o cumprimento das recomendações contidas no relatório adotado, as partes podem chegar a um acordo quanto a uma possível compensação da parte vencida à vencedora até o integral cumprimento do relatório. Caso não haja acordo quanto à compensação, a parte vencedora poderá solicitar ao OSC autorização para suspender concessões ou obrigações em relação à parte vencida na controvérsia, no que se convencionou chamar de “retaliação”. Os princípios definidores da suspensão da aplicação de concessões e a determinação de seu valor são objeto de arbitragem. Após a determinação, pelo painel de arbitragem, de que maneira e em que valor incidirá a suspensão da aplicação de concessões, a parte interessada deve solicitar autorização ao OSC para poder aplicar aquela suspensão. Esse mecanismo visa a conferir maior efetividade ao sistema de solução de controvérsias da OMC e, consequentemente, ao sistema multilateral de comércio . Vê-se que se passado o prazo imposto para o cumprimento das medidas determinadas pelo OSC – implementação – e o Membro sucumbente não houver findado com suas obrigações, poderão as partes acordar uma espécie de compensação, cedida à parte vencedora até a inteira realização do que fora deliberado. Se, ainda assim, não seja acordado uma compensação, o Membro reclamante poderá requerer a formação de um painel de arbitragem, cujo principal objetivo será autorizar e definir suspenção de concessões ou obrigações em favor da parte vencedora, a chamada retaliação. Apesar de apresentar função análoga aos demais órgãos jurisdicionais, não inclui-se no processamento de controvérsias do OSC cortes e tribunais, ademais, os integrantes de seus mecanismos também não configuram-se como juízes, mas sim especialistas em matéria de comércio internacional. Conclui-se por hora que o OSC nada mais é do que o meio pelo qual a OMC implementou sua autoridade jurídica sobre os membros que lhe fazem parte. É através dele que a mesma tenta equilibrar os mercados e garantir que Estados menos favorecidos possam ter suas demandas ouvidas e atendidas em escala mundial. É também através do OSC que se pune condutas que não condizem com as regras internacionais adotadas, e por meio dele também se busca a estabilidade comercial e uma livre concorrência justa. 3.3 Do Entendimento de Solução de Controvérsias Um dos grandes avanços objetivados com a criação da Organização Mundial do Comércio, em 1995, foi a possibilidade de se construir relações comerciais internacionais que não mais se orientassem por relações de poder e sim regras, que foram concebidas com a finalidade precípua de auxiliar países economicamente mais fracos. Nesse contexto, o sistema de solução de controvérsias foi criado para conceder segurança ao novo sistema, adquirindo importância única para sua manutenção. O Entendimento de Solução de Controvérsias (ESC) que regulamenta o sistema de solução de controvérsias da OMC define seus objetivos: dar segurança e previsibilidade ao sistema multilateral de comércio; ser útil para a preservação dos direitos e obrigações dos Membros dentro dos parâmetros dos acordos abrangidos, bem como para o esclarecimento das disposições vigentes dos referidos acordos conforme as regras de interpretação do Direito Público Internacional. Percebe-se, pois, que a elaboração e publicação do ESC é de suma importância para o próprio Sistema de Soluções de Controvérsias e sua validade jurídico-coercitiva. O Entendimento de Solução de Controvérsias está prescrito no Anexo 02 do Acordo Constitutivo da Organização Mundial do comércio, sendo fruto já de amplas discussões no que diz respeito a soluções de litígios comerciais ainda no âmbito do GATT. O estudo analítico e comparativo das normas previstas no ESC faz com que se possa extrair as suas principais características, tais quais: Trata-se de um sistema quase judicial, tornando independente das demais partes contratantes e dos demais órgãos da OMC; b) Cria um mecanismo obrigatório para os Membros da OMC, sem necessidade de acordos adicionais para firmar a jurisdição daquela organização internacional em matéria de conflitos relativos a seus acordos; c) O sistema é quase automático, e somente poderá ser interrompido pelo consenso entre as partes envolvidas na controvérsia, ou pelo consenso entre todos os Membros da OMC para interromper uma fase (“consenso verbal”); d) O sistema pode interpretar as regras dos acordos da OMC, mas não aumentar nem diminuir os direitos e obrigações de seus Membros; e) O sistema termina com a possibilidade, constantemente adotada durante o GATT, de que um Membro da OMC possa interpor sanções unilaterais em matéria comercial, sem que a controvérsia tenha sido previamente avaliada pela OMC; f) Finalmente, o ESC determina exclusividade do sistema para solucionar controvérsias envolvendo todos os acordos da OMC, eliminando desta forma a proliferação de mecanismos distintos, como ocorreria à época do GATT-1947; foram mantidas ainda algumas regras excepcionais, mas que não destoam fundamentalmente do procedimento geral adotado . O ESC afiança à OMC – em sede de solução de controvérsias – garantias mais rígidas e menos aleatórias que as anteriormente adotadas pelo GATT. Todos os membros estão agora regidos sob um único corpo normativo, que não deve ser alterado senão por todos os membros e/ou diretamente interessados. No que tange às principais alterações trazidas pelo ESC, veja: I – A unificação de procedimentos – Representa a criação de um único modelo de solução de controvérsias independentemente da matéria tratada, iniciativa que substitui a dispersão trazida pelos diversos códigos introduzidos pela Rodada de Tóquio; II – A inversão da regra do consenso (reverse consensus) – Representa talvez a mudança mais esperada para a efetividade do sistema de solução de controvérsia, ao extinguir a possibilidade de bloqueio do mecanismo pelo interesse de apenas um Estado-membro da OMC que assim desejasse. A partir do ESC, isso ocorrerá apenas se todos os Estados-Membros recusarem o estabelecimento do painel ou adoção de seu relatório. III – A criação de um Órgão de Apelação – Representa uma evolução significativa no procedimento da OMC. A expectativa é que a decisão do Órgão de Apelação impeça às partes perdedoras alegarem, como escusa para o não cumprimento, que o resultado da solução da disputa foi injusto, errôneo ou incompleto porque algum argumento não foi considerado . Parte destas alterações já foram vistas no presente trabalho quando tratou-se do processamento de controvérsias, como a inversão da regra do consenso (chamado agora de consenso negativo); frisa-se aqui que tais regras inovavam a forma como lidava-se com a solução de litígios, executando o ESC um papel modificador e inovador do processo estudado. O Entendimento também solidifica o processo de solução de litígios, dando-lhe mais força e abrangência, ademais, unifica-o, apontando-o como meio único de reclamação jurídica em matéria de comércio internacional. No que tange às normas de cunho processual do ESC, alguns comentários podem ser tecidos. O ESC, constitutivamente, abrange todos os acordos e tratados da OMC, estando os membros desta, portanto, suscetíveis à sua jurisdição. Isto é, o entendimento de solução de controvérsias incumbe ao órgão de solução das mesmas a responsabilidade de processar e julgar todos os litígios em face dos signatários da Organização. Outra peculiaridade a ser destacada no presente estudo é de que, muito embora as regras de processamento do ESC devam ser aplicadas em todos os acordos de competência da OMC, coexistem procedimentos especializados, decorrentes de tratados diferentemente constituídos. A exemplo temos o Acordo Antidumping e o Acordo de Têxteis e Vestuário. Percebe-se portanto, que a intenção do ESC é promover um modo adequado de solução de litígios, dando preferência sempre a soluções aceitáveis pelas partes contrapostas, desde que respeitados os acordos constitutivos. Apesar do grande acréscimo jurídico que o sistema ganhou a partir do ESC e da institucionalização da OMC, não há de se dizer que configura com natureza puramente jurídica. Não se pode partir do pressuposto de que está inerte às influências políticas e econômicas de seus membros. Por conta disso, passar-se-á a estudar a natureza dos casos e acordos em que o OSC tomou parte e, a partir daí, concluir-se-á se o objetivo precípuo do ESC e da OMC tem se cumprido. 4 SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS, OMC E OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO O Sistema Multilateral de Comércio (SMC) foi criado com o intuito de flexibilizar as permutas e negociações comerciais em escala global; para isso no entanto, foi “necessário convencer países, mesmo aqueles que não teriam muitos benefícios a auferir o novo sistema, a fazer parte dele” (CARNEIRO CUNHA, 2005, p. 228). A implementação do SMC, portanto, sob esse objetivo comprometeu-se a: [..]assegurar o pleno emprego e o crescimento forte e saudável do comércio, [..] considerando as diferenças de desenvolvimento econômico dos Membros, [...] e que há uma necessidade de realização de esforços para assegurar aos países em desenvolvimento, e especialmente aos menos desenvolvidos entre eles, uma parcela de crescimento no comércio internacional comparáveis às suas necessidades de desenvolvimento econômico . Nota-se portanto, que um dos princípios basilares da constituição do Sistema Multilateral de Comércio – e de todas as instituições reguladoras de comércio internacional que se seguiram – era equiparar os anseios e necessidades dos países em desenvolvimento aos dos países desenvolvidos, isto é, dar-lhes tratamento diferenciado para que pudessem encontrar meios de participar do SMC de forma equânime. Sabe-se já que a criação da OMC representou um grande avanço neste aspecto, tendo em vista que a partir da sua instauração as relações internacionais não se orientariam mais através de relações de poder, mas sim pelo meio de regras, o que segundo LAFER, favorece os países com menor poder econômico. 4.1 As instituições de comércio internacional e os países em desenvolvimento Apesar do intricado contexto normativo em que estavam envolvidos os GATTs (1947, 1994), a OMC e os demais tratados de direito comercial internacional, o sistema em questão sempre pautou-se orientado na ideia do auxílio das nações menos desenvolvidas através da redução das disparidades. No entanto, a partir da instituição do Sistema Multilateral de Comércio, percebeu-se que as nações periféricas não tinham nenhum poder de influência nos contextos decisórios que importariam em grandes definições para a ordem internacional. E pode-se arriscar que não só a diminuição de conflitos globais incentivou a criação da OMC, como também o interesse expansionista norte-americano, lembrando que anteriormente outras instituições reguladoras como a OIC falharam pela não anuência dos Estados Unidos. Mas a finalidade da instituição da OMC e sua respectiva justificativa tem outras bases: Para viabilizar um sistema que pudesse gerir as relações comerciais internacionais era necessário a criação de um órgão supranacional que teria com base de sua legitimação um plexo de normas fora do campo regulatório de cada Estado. Mas, para a implementação do sistema, era necessária a participação também das nações periféricas. Assim, os objetivos norteadores da OMC visam um discurso legitimador de seus fins, nesta perspectiva de convencimento das nações em desenvolvimento de que a criação do SMC seria vantajosa para todos. Percebe-se pois a impossibilidade de legitimar um sistema regulador de normas comerciais internacionais sem a participação das nações com poder econômico reduzido, do contrário abrir-se-ia espaço para uma ditadura comercial internacional, em que apenas países desenvolvidos negociariam entre si, concedendo apenas a si vantagens e soluções regulamentadas de seus litígios. Estes, no entanto, não configuram como objetivos do SMC. Para que os membros pudessem desfrutar das prerrogativas prometidas foi necessário que adotassem a ideia do liberalismo econômico, que retraíssem o poder regulador do Estado sobre essas determinadas questões e que se mostrassem abertos para o capital estrangeiro. As consequências destas medidas apresentam-se poderosas no que tange à influência das aspirações externas na política nacional das nações; isto é, “quanto maior a amplitude dos acordos abrangidos pelo SMC [...] maiores são as restrições jurídicas aos Estados nacionais para legislarem nessa matéria (CARNEIRO CUNHA, 2005, p.236)”. O que decorre destes ideais pode ser um tanto desastroso. A política da liberação econômica em meio internacional traz a concepção do tratamento igualitário entre nações desenvolvidas e as em desenvolvimento; sabe-se, pois, que a verdadeira equidade só será alcançada se os países desiguais forem tratados de forma desigual na medida de suas diferenças para com os que lhe são superiores, isto é, faz-se necessário a concessão de benefícios para que as nações em desenvolvimento possam de fato “competir” em âmbito internacional. Tais benefícios no entanto, em sede de SMC, são meramente formais, sem aplicação prática significativa. É o que traduz CARNEIRO CUNHA mais uma vez: Neste quadro que segue estritamente o ideário liberal, os desiguais são tratados como iguais, com algumas exceções em aspectos formais (prazos de implementação dos acordos, por exemplo). O sistema, apesar de tentar diminuir o poder do jogo político de forças através do tecnicismo, mantém-no no momento da confecção das leis. Neste momento, as Nações desenvolvidas fazem valer seu maior poder econômico quando exigem a liberalização de setores estratégicos aos países em desenvolvimento, tendo como justificativa a abertura de seus mercados em setores altamente industrializados; e, portanto, menos sensíveis à competição com outros países que não detém a tecnologia necessária para concorrer com eles. Em contrapartida, não admitem abaixar alíquotas de importação de produtos agrícolas (setor onde tradicionalmente as economias menos desenvolvidas são competitivas) com o fim de proteger os agricultores locais. Vê-se pois, que urge a necessidade de regras mais concisas, práticas eficientes no que diz respeito ao modo como os países desenvolvidos lidam com as normas dispostas pelo SMC. Ainda sob o curso do GATT, o estabelecimento de prazos mais longos no processo de implementação de acordos para países em desenvolvimento foi aprovado; no entanto, a própria OMC informa que nenhum dos países signatários a partir de 1995 gozou de tal benefício. Outro meio de auxílio disponibilizado pela OMC às nações em desenvolvimento é a assistência técnica. Tal auxílio dá-se por meio de cursos sobre negociações, soluções de controvérsias e outros temas; porém, apesar de útil, a eficácia em relação à concessão destes benefícios por parte dos países desenvolvidos é questionável. 4.2 Solução de Controvérsias e os países em desenvolvimento O Entendimento de Solução de Controvérsias (ESC), como já visto, faz parte do acordo constitutivo da Organização Mundial do Comércio e tem a função precípua de regulamentar e orientar as normas de comércio internacional. Como explicita BARRAL (2002) (IN: HOFMEISTER) “o ESC consolidou uma visão mais legalista (rule-oriented) das relações comerciais internacionais; ao mesmo tempo manteve algumas importantes brechas para que a soluções negociadas fossem preferíveis”. Não só o ESC preza pela pacífica solução de litígios – através de acordos baseados em seus artigos constitutivos -, como também reconhece a fragilidade dos países em desenvolvimento no que tange à validação de seus direitos e interesses frente às nações com grande potencial econômico. Passar-se-á agora a uma breve análise sobre os artigos definidos no ESC que tratam sobre os países em desenvolvimento e suas garantias. O artigo 4.10 do ESC, no setor que trata sobre consultas, preconiza que “os Membros deverão dar atenção especial aos problemas e interesses específicos dos países em desenvolvimento”, no entanto percebe-se na prática e no conhecimento doutrinário que esta determinação é genérica, sendo que as partes não encontram-se obrigadas a segui-lo, restando assim prejudicados os Membros que poderiam fazer bom uso deste comando. Viu-se anteriormente que findada sem acordo a parte de consultas passa-se à constituição dos painéis, momento em que se verifica a primeira luz jurídico-procedimental do OSC. Sobre a formação dos grupos especiais e analisando o artigo 8.10, verifica-se a garantia de que “quando a controvérsia envolver um país em desenvolvimento Membro e um país desenvolvido Membro, o grupo especial deverá, se o país membro solicitar, incluir ao menos um integrante de um país em desenvolvimento Membro”. Ora, apesar dos ares de norma benéfica, não se pode concluir que tal artigo configura prerrogativa ao país subdesenvolvido, tendo em vista que, primeiramente, a grande parte dos painelistas adequadamente especializados para a composição dos grupos especiais são oriundos de países desenvolvidos e, ainda se assim não o fosse, especialistas de nações periféricas não representam privilégio algum, tendo em vista que a principal característica de qualquer processamento jurídico (não diferentemente, o OSC) é a imparcialidade de seus julgadores. Ainda dispõem os artigos 12.10 e 12.11: 12.10 No âmbito das consultas envolvendo medidas tomadas por um país em desenvolvimento Membro, as partes poderão acordar a extensão dos prazos definidos [...]. Se, após a expiração do prazo concernente, as partes em consulta não acordarem em sua conclusão, o presidente do OSC deverá decidir após consultar as partes, se o prazo concernente será prorrogado, e, em caso positivo, por quanto tempo. Ademais, ao examinar uma reclamação contra um país em desenvolvimento membro, o grupo especial deverá proporcionar tempo o bastante para que o país em desenvolvimento Membro prepare a apresente sua documentação[...]. 12.11 Quando uma ou mais das partes for um país em desenvolvimento Membro, o relatório do grupo especial indicará explicitamente a maneira pela qual foram levadas em conta as questões pertinentes ao tratamento diferenciado e mais favorável para países em desenvolvimento Membros [...]. Ambos os artigos são deveras importantes para a garantia de tratamento privilegiado a nações de menor poder econômico. O ESC 12.10 traduz a ideia de “tempo bastante” para o país em desenvolvimento, quer dizer, partindo do pressuposto de que nações periféricas sofrem da carência de conhecimento técnico e de recursos rápidos e eficientes para uma contestação ou implementação concisa e eficiente, garante-se o direito de requerer prazos flexíveis para estas em processo de solução de litígios. Não só a concessão de benefícios há de ser estampada, como também o modo como se dará; no artigo 12.11 é explicitada a ideia de que os painéis, ou partes no processo em face do OSC, haverão de explicar de que forma, condição e método será o tratamento diferencial conferido. Tais dispositivos apontam tangível atenção das normas do ESC em relação aos países em desenvolvimento, no entanto, “não significam um tratamento diferenciado que favoreça os países em desenvolvimento” (CARNEIRO CUNHA, IN: LIMA-CAMPOS, 2005, p.241). Tratam-se de normas de caráter genérico, que não apresentam coercitividade e são deixadas de lado no âmbito prático. As expressões e caráter vago não expressam vantagem efetiva, e poucas vezes foi concedido tais benefícios para os países em desenvolvimento. O artigo 21 do Entendimento estudado, chamado de “ Supervisão da Aplicação das Recomendações e Decisões”, trata principalmente da fase de implementação das recomendações feitas pelo OSC, isto é, o momento em que a parte – país – sucumbente deverá aplicar as decisões, advertências e orientações do Órgão de Solução de Controvérsias. De acordo com os artigos 21.2, 21.7 e 21.8: 21.2 As questões que envolvam interesses de países em desenvolvimento Membros deverão receber atenção especial no que tange às medidas que tenham sido objeto de solução de controvérsias. 21.7 Se a questão tiver sido levantada por país em desenvolvimento Membro, o OSC deverá considerar quais as outras providências que seriam adequadas às circunstâncias. 21.8 Se o caso tiver sido submetido por país em desenvolvimento Membro, ao considerar a providência adequada a ser tomada o OSC deverá levar em consideração não apenas o alcance comercial das medidas em discussão mas também seu impacto na economia dos países em desenvolvimento Membros interessados . Trata-se aqui, mais uma vez, de uma prescrita ideia de tratamento diferenciado aos países em desenvolvimento em face de solução de controvérsias. O Entendimento incumbe ao OSC a tarefa de complementar medidas que tenham sido objeto de litígio e providências cabíveis às suas respectivas soluções quando impetradas por países em desenvolvimento. Percebe-se mais uma vez que a própria OMC, em seu entendimento constitutivo, compreende a carência de técnica e força representativa por parte das nações periféricas. No entanto, apesar do reconhecimento, as normas apresentadas, tais como as demais até agora analisadas, tem caráter retórico e genérico, isto é, faltam normas explicativas procedimentais – para vislumbrar de que modo estas prerrogativas se dariam- bem como poder de coerção para que o cumprimento das respectivas possa ser garantido. Na fase de Compensação e Suspenção de Concessões, no artigo 22 do ESC, abrange a regulação da imposição de medidas compensatórias, etapa esta que pode figurar-se muito danosa, tendo em vista o impacto econômico que pode causar nas nações em litígio. Ainda assim não se verifica nenhuma orientação cabível que assegure prerrogativas eficazes aos países em desenvolvimento. Apesar da divergência no que tange ao caráter jurídico do OSC e da OMC, deve-se compreender que, apesar da ausência de muitas características estritamente judiciais, o Órgão de Solução de Controvérsias foi criado na intenção de buscar um equilíbrio entre as partes litigantes em um conflito internacional. No entanto, muitos entendimentos e orientações não são concretizados porque, no atual sistema, “a parte reclamante necessita de influência política e econômica para implementar as contramedidas sugeridas nos relatórios do painel e do Órgão de Apelação” (CARNEIRO CUNHA, IN: LIMA-CAMPOS, 2005, p.244). Apesar das sequências normativas do ESC apontarem em sentido diverso, não há orientação factível e comprovadamente eficiente no tratamento especial das nações em desenvolvimento e de menor poder econômico. Entende-se que o Sistema de Solução de Controvérsias configura como verdadeiro alicerce do Sistema Multilateral de Comércio, no entanto, vem tratando desiguais em pé de igualdade; quando se sabe que deve lidar desigualmente na medida das desigualdades, em prol de um SMC equilibrado e que realmente objetiva a inclusão de todos os mercados no meio global, e não evidenciando a já latente diferença econômico-social entre as nações. 4.3 As dificuldades e superações dos países em desenvolvimento em face do SMC Sabe-se, até agora, que as normas do ESC têm por espoco – mesmo que superficialmente – reduzir as desigualdades entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. A construção de um sistema normativo auxilia no processamento de conflitos, especialmente entre as nações de maior e menor poder econômico. Teoricamente entende-se que o processo regularizado garante um andamento justo e posteriormente um desfecho técnico e juridicamente acertado para o litígio. A tabela a seguir, retirada do artigo de Raúl Torres , e baseada em dados da Organização Mundial do Comércio colhidos até setembro de 2011, expõe o cenário de participação dos países da América Latina no Mecanismo de Solução de Controvérsias (MSC). Tabela 1: Participação dos países da América Latina no MSC Membro Demandante Demandado Terceira Parte Brasil 25 14 64 México 21 14 55 Argentina 15 17 31 Chile 10 13 26 Guatemala 8 2 20 Honduras 7 0 16 Colômbia 5 3 29 Costa Rica 5 0 15 Panamá 5 1 6 Equador 3 3 14 Peru 3 4 10 El Salvador 1 0 12 Nicarágua 1 2 10 Uruguai 1 1 5 Venezuela 1 2 16 Bolívia 0 0 1 Cuba 0 0 13 República Dominicana 0 7 4 Paraguai 0 0 15 TOTAL 111 83 194 Observa-se, em breve análise, que a América Latina tem participação intensa em sede de contestação de litígios frente ao OSC e o SMC. Países como o México, no entanto, surpreendem com um índice de demandas mais baixo que o esperado para seu coeficiente de exportação – em relação às demais nações – de outro modo, Guatemala e Honduras superam expectativas, pois apresentam uma participação superior aos seus respectivos níveis de exportação. Conclui-se, tal qual TORRES em seu artigo, que de alguma forma os países periféricos da América conseguiram superar as dificuldades enfrentadas pelas nações de menor poder econômico frente às lacunas normativas do OSC e os interesses políticos e financeiros das grandes economias mundiais. Para Raúl Torres, há seis principais barreiras enfrentadas pelas nações periféricas para garantir efetiva participação no OSC em face dos países desenvolvidos, sendo elas: i)falta de expertise ou de capacidade para litigar na OMC [...], ii) identificação e comunicação de barreiras comerciais ao governo [...], iii) temor a pressões políticas e econômicas por parte dos membros questionados [...], iv) duração dos procedimentos [...], v) os compromissos que regulam parte do comércio dos PEDs não são exigíveis na OMC [...], vi) incapacidade de implementar as recomendações do OSC. A carência de conhecimento técnico é de preocupação da OMC; já foi visto no presente trabalho que, para tanto, o ESC prevê suporte jurídico e científico para os países que deles necessitarem. Estes auxílios se dão por meio de órgãos instituídos para tal, como o Centro de Treinamento e o Centro em Assessoria Jurídica em Assuntos da OMC. No que tange à ausência de comunicação e identificação de barreiras comercias, países periféricos enfrentam este problema devido à falta de mecanismos formais instituídos com o objetivo único de perceber e relatar quaisquer irregularidades e impossibilidades em mercado internacional. O Brasil, por exemplo, conta com outros institutos que informalmente cuidam deste assunto, como a Câmera de Comércio Exterior (CAMEX) e o Ministério das Relações Exteriores (MRE). No que se refere ao medo de pressões políticas e econômicas por parte dos países desenvolvidos, pode-se concluir que este receio tem se esvaído com o amadurecer financeiro das nações periféricas e suas recorrentes experiências em face do OSC. No caso do algodão, por exemplo, foi questionado pelas nações em desenvolvimento – o Brasil, de fato – a legalidade dos subsídios agrícolas norte-americanos. Tais subsídios, concedidos pelos Estados Unidos a seus fazendeiros, prejudicavam a concorrência dos produtores internacionais, em especial, claramente, os países subdesenvolvidos. A razão foi dada ao Brasil, e esta vitória representou um grande passo em sua afirmação e segurança política dentro da OMC. Outro comentário que se faz importante é sobre a incapacidade da OMC em tratar parte dos assuntos relativos ao comércio entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Isto se dá porque muitos acordos entre países são firmados unilateralmente, e não em face da OMC. O OSC e o SMC só tomam conhecimento do que é firmado constitutivamente pela Organização Mundial do Comércio. Não pode o OSC, por exemplo, tomar conhecimento de litígios que se deem em decorrência de acordos firmados pelo NAFTA . Talvez, por este motivo, o México não figura como esperado na tabela exposta, já que boa parte de sua exportação tem como destino Os Estados Unidos, sendo o NAFTA responsável – com seu próprio mecanismo de solução de litígios – pela primeira análise contenciosa. Percebe-se aqui uma reação dos países em desenvolvimento à desconfortável posição de fraqueza política e econômica em face do SMC. Notou-se que, se as normas do ESC são vagas e genéricas, sem nenhuma garantia tangível, para ganhar espaço dentro do mecanismo de solução de litígios deve-se participar mais intensamente dele, com garra e afinco. Partindo desse pressuposto nasceu o G-20 , um grupo de países emergentes que tem como principal objetivo equalizar percepções e interesses de várias nações em desenvolvimento para, deste modo, fortalecer a política frente aos grandes poderios econômicos da OMC. Sabe-se pois, que países como Brasil e Índia, por exemplo, apesar de emergentes, possuem grande capacidade política e comercial e, portanto, podem se fazer ouvir e representar de forma satisfatória se souberem usar suas forças. Pode-se dizer que países em desenvolvimento unidos fazem forte frente às grandes nações desenvolvidas, não sendo difícil lograr resultados favoráveis. Por fim, salienta-se a importância que as nações em desenvolvimento intermediário (Índia, Brasil, África do Sul) têm no atual sistema. Sabendo da carência de normas juridicamente eficazes para países periféricos, o OSC acaba por tratar nações desiguais em pé de igualdade – o que já foi visto – fator este que muito prejudica Estados carentes. É responsabilidade dos países mais poderosos dentre os emergentes assumir a liderança dos grupos de negociação, para que usem de sua potencialidade postulatória e deem voz àqueles que porventura não são fortes o suficiente para se fazer ouvir. 4.4 Breves análises: O OSC em prática Importante é abrir um pequeno espaço para demonstrar como o Órgão de Solução de Controvérsias tem se comportado. Para tanto, apresentar-se-á alguns casos históricos para que compreenda-se a prática da instituição. 4.4.1 Do programa de financiamento às aeronaves – DS46 Neste caso, em que o Brasil participa como reclamado, o Canadá, reclamante, dá início a uma série de consultas frente ao OSC questionando subsídios conferidos pelo governo pátrio a compradores estrangeiros de aeronaves da EMBRAER, justificado pelo PROEX – Programa de Financiamento a Exportações. Este consiste em um meio de equiparação das taxas de juros cobradas no financiamento de importação de bens de países em desenvolvimento por conta de seus riscos socioeconômicos. Isto é, o valor dos juros cobrados a companhias aéreas pela importação de aeronaves de países desenvolvidos é bem inferior àqueles taxados na importação proveniente de países em desenvolvimento. Trazer uma aeronave da Suécia, por exemplo, implicaria numa cobrança de juros ínfima. Do contrário, ao importar do Brasil, as taxas de mesma natureza teriam valores exacerbados. Ao final de uma rodada de negociações sem quaisquer resultados favoráveis a consensos, o Canadá requereu um painel alegando desconformidade do PROEX com o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC. Apesar da sucumbência brasileira, que levou à adoção de certas modificações em seu programa, foi descoberto que o Canadá também concedia subsídios inapropriados, o que levou ao DS70 , configurando o Brasil como demandante. O Brasil alegou que as taxas elevadas de juros repassavam subsídios ilegais às empresas de aeronaves canadenses, no entanto, o painel instaurado deu razão parcial a este requerimento, reconhecendo certas irregularidades mas não entendo a assistência repassada pelo Canadá como subsídio ilegal, recomendando apenas a suspensão de parte desta. A não apelação do Canadá, bem como sua recusa em retirar parte dos subsídios, deu ao Brasil o direito de adotar medidas compensatórias contra o rival, no entanto, não o fez. O mero reconhecimento de um valor a ser compensado pelo Canadá ao Brasil em sede de OSC demonstra, com esperança, que países em desenvolvimento podem sim – e devem – contestar nações desenvolvidas em meios internacionais, requerendo os benefícios que lhes são cabíveis, mesmo se em desacordo com os países poderosos. 4.4.2 Dos subsídios ao algodão americano DS267 Partindo do ano 2002, tendo o Brasil como demandante, o contencioso do algodão questionava a validade dos subsídios oferecidos pelos Estados Unidos aos produtores e exportadores norte-americanos de algodão. Analisando o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC, foi contestado a legitimidade dos subsídios acionáveis e proibidos . No ano de 2005 houve ampla condenação americana por parte do uso dos subsídios proibidos e acionáveis, recebendo assim um prazo específico para que pusessem um fim na concessão dos mesmos e remover seus efeitos adversos. A sucumbência norte-americana é deveras importante na compreensão de que os países em desenvolvimento têm força, habilidade e competência para questionar grandes potências no OSC; no entanto, choca-se com a impossibilidade de nem sempre lograr sucesso em resultados efetivos. As mudanças por parte dos Estados Unidos foram poucas, removendo alguns subsídios considerados ilegais, mas mantendo e substituindo outros. Após séries de disputas, painéis, apelações, implementações e contestações, o caso entre Brasil e Estados Unidos permanece sem uma solução concreta. O Programa de Garantia de Crédito de Exportação (GSM-102), um dos subsídios considerado ilegal pela OMC, continua assistindo os produtores americanos, e recentemente – final de 2012 – foi aprovada a concessão de 5 bilhões de dólares em subsídios para o setor agropecuário norte-americano. Todavia, por conta de acordos bilaterais de cooperação mutua, o Brasil decidiu, por hora, não adotar contramedidas retaliatórias mantendo um diálogo aberto e negociável com a maior potência econômica mundial. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Organização Mundial do Comércio é instituição reguladora de comércio internacional que se firmou após inúmeras tentativas falhas de constituição de acordos e tratados que pudessem lidar com o tema. Representou verdadeiro avanço em relação ao GATT porque este último usava do sistema “pick up and choose”, em que as nações escolhiam a seu interesse quais tratados acordavam e quais não lhe interessavam, enquanto a OMC tem como atributo o “single undertaking”, isto é, uma vez parte dela o membro está de acordo com e regido sob todas as suas regras, tratados e princípios normativos da instituição. Para nortear sua composição e seus ideais, a Organização se valeu de princípios que pudessem reger seus objetivos e elaboração de suas regras, tais quais a do tratamento nacional, da previsibilidade, da concorrência leal e do tratamento especial à nação em desenvolvimento. Este último configurou-se importante no estudo deste trabalho, visto que é a partir dele que se entende que nações economicamente menos favorecidas podem apresentar dificuldades em reclamar seus direitos na comunidade internacional. Dentro dos objetivos da OMC está o desempenho econômico sustentável de seus membros e a construção de relações equânimes entre eles, mesmo que economicamente diferentes; e para tanto, faz-se necessário trabalhar na remoção de quaisquer empecilhos que possam causar óbice a esta comunhão ensejada. Sabe-se pois, que as nações costumam buscar brechas para fazer valer seus propósitos individuais e benefícios próprios, experiências anteriores já comprovavam que o mero estabelecimento de acordos e tratados não inibiam práticas abusivas. Nasce daí a inevitabilidade de instituir um órgão dentro do órgão, uma parte da OMC que se responsabilizasse pela análise desses abusos, seus respectivos processamentos e sanções. O Órgão de Solução de Controvérsias nasceu da necessidade de composição de conflitos em matéria de direito comercial que fosse regido pela OMC. Ademais, tem autonomia para estabelecer painéis elucidativos, realizar consultas, e conduzir a implementação das decisões a tomar. Verificou-se que o processamento de solução de litígios em face do OSC é composto por regras previstas no Entendimento de Solução de Controvérsias, o ESC, e que se divide basicamente em quatro partes: a fase de consultas, os painéis, o órgão de apelação e a fase de implementação. As decisões do OSC são tomadas de caráter coercitivo e sancionatório, isto é, a sua não implementação ratifica a aplicação de sanções que variam de suspenção de benefícios concedidos a dever de restituir perdas e danos de outros interessados. A não implementação de uma decisão só terá espaço quando todo OSC – e seus respectivos membros – discordarem dela, configurando-se assim a regra do consenso negativo. Esta representa grande avanço, já que no antigo GATT bastava um membro discordar das condições de implementação que a mesma era suspensa. Na comunidade internacional, e especialmente em assuntos comerciais, sabe-se da dificuldade dos países em desenvolvimento em se fazerem ouvir. Apesar da OMC trazer em seus objetivos e princípios o tratamento diferenciado para nações economicamente mais fracas, faz-se imprescindível a elaboração de normas mais especificas, que sobretudo auxiliem tais Estados em seu processo de solução de controvérsias, principalmente se partirmos da ideia de que países mais pobres e economicamente inferiores aos países poderosos e desenvolvidos são acometidos por uma série de fatores que os impedem de questionar seus direitos, como: a falta de conhecimento técnico sobre os temas do OSC, medo de retaliação das nações mais poderosas, incapacidade de implementar adequadamente as decisões acertadas, dentre outros. O ESC, formalmente, arrola uma série de artigos que objetivam beneficiar os países em desenvolvimento em face de solução de litígios, tais quais: garantir atenção especial aos problemas dos países em desenvolvimento, prazos alongados em processos, direito a integrar um membro de nação em desenvolvimento a um painel do qual faça parte, auxílio técnico, dentre outros. Tais garantias, no entanto, não trazem resultado prático efetivo, já que configuram-se como normas meramente genéricas, sem regulamentação procedimental e que, muitas vezes, simplesmente não são aplicadas. No entanto, apesar de previsões normativas desencorajadoras, os países em desenvolvimento vêm apresentando forte participação frente ao OSC nos últimos anos, demonstrando cada vez mais capacidade e menos temor ao lidar com as nações desenvolvidas. A formação de grupos de negociação como o G-20 deu força aos países em desenvolvimento, já que com objetivos em comum e agrupados podem pressionar muito mais e apresentar força política frente às grandes economias. Estados como a Índia e o Brasil, por exemplo, são muito responsáveis por esse auto reconhecimento e autoafirmação dos países em desenvolvimento, pois são eles grandes economias em ascensão que muito embora fortes, ainda não obtiveram espaço “elítico” junto às demais potências. Portanto compreende-se que cabe a estes países de desenvolvimento intermediário a função de liderança no processo de fortalecimento da capacidade postulatória das nações periféricas. A breve análise dos casos expostos neste trabalho demonstra que a OMC pode estar cumprindo seu papel equalizador, e por vezes demonstrando que os países desenvolvidos têm sim conquistado seu espaço frente às grandes nações, especialmente no reconhecimento de seus direitos em soluções de litígios comerciais. No entanto, ainda faz-se necessário uma reanálise das prerrogativas concedidas às nações periféricas, visto que estas apresentadas no ESC não demonstram resultados práticos. Apesar de nações em desenvolvimento como o Brasil ou a Índia já fortemente postularem reclamações bem fundamentadas que encaram interesses de grandes potências, ainda existe uma gama de países menos desenvolvidos, que não possuem a mesma capacidade. Faz-se necessária a junção em massa destes, como no G-20, com fins de pressionar a OMC a complementar as normas do ESC relativas à participação dos Membros em desenvolvimento no Sistema de Solução de Controvérsias. REFERÊNCIAS ACCIOLY, Hildebrando e SILVA, G.E do Nascimento e. Manual de Direito Internacional Público. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. AMARAL JUNIOR, Alberto do. OMC e o Comércio Internacional. São Paulo: Aduaneiras, 2002. ÁRABE NETO, Abrão Miguel. Sanções na Organização Mundial do Comercio: Análise Crítica e Propostas de Aprimoramento. 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