INTRODUÇÃO
Apesar do Código Civil não trazer uma definição clara sobre propriedade, alguns doutrinadores tentaram defini-la, e por sinal obtiveram algum sucesso.
Maria Helena Diniz a definiu como sendo "o direito que a pessoa natural ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha".
Tito Fulgêncio, citado na obra de Caio Mário da Silva Pereira, traz sua definição: "Chama-se de propriedade o direito que tem uma pessoa de tirar diretamente de uma coisa toda a sua utilidade jurídica".
Neste sentido, o Direito de Propriedade, ao contrário que muitos pensam, não é o direito à propriedade, mas sim o direito de poder usar, gozar e dispor do bem que possui.
E como direito fundamental do ser humano, o direito de propriedade está previsto no artigo 5º, inciso XXII, da Constituição Federativa do Brasil, onde este prescreve: "é garantido o direito de propriedade".
No entanto, apesar de ser considerado um direito constitucional, ele sofre algumas restrições que foram sendo impostas pelo Estado em prol da supremacia do interesse público e também do interesse privado.
Com o surgimento dessas restrições, o proprietário cada vez mais desconhece o caráter absoluto, soberano e intangível que carregava o domínio antigamente. O proprietário atual vai ter sobre o bem o mesmo poder de dono, porém desde que satisfaça algumas obrigações.
As restrições referentes à supremacia do interesse público são atinentes ao bem-estar coletivo e à ordem econômica e jurídica do país. Neste caso, o direito de propriedade privada se subordina aos interesses públicos.
Já as restrições que se referem ao interesse privado são relacionadas à extensão do exercício do direito de propriedade, onde o exercício de um proprietário não pode prejudicar o exercício de outro, criando assim como uma de suas limitações, o direito de vizinhança.
A seguir, tratarei das restrições ao direito de propriedade em particular, baseando somente no interesse privado.

Restrições à propriedade baseadas no interesse privado

A proximidade entre os bens imóveis podem gerar certas dúvidas quanto ao limite do direito de cada proprietário. Podem surgir assim, certos conflitos nos quais é necessário se examinar o conceito de uso normal e de uso abusivo, para saber se o proprietário está se limitando a exercer somente o que lhe é de direito, ou se está abusando desse direito que lhe foi conferido, prejudicando assim, a saúde, a segurança ou o sossego de seus vizinhos.
A seguir falarei um pouco sobre os tipos de limitações que os proprietários podem sofrer em relação ao seu direito.

Direito de Vizinhança

Como Maria Helena Diniz cita em sua obra, Daibert definiu perfeitamente o que seria o direito de vizinhança, e aqui transcrevo: "Direitos de vizinhanças são limitações impostas por normas jurídicas a propriedades individuais, com o escopo de conciliar interesses de proprietários vizinhos, reduzindo os poderes inerentes ao domínio e de modo à regular a convivência social".
Nesse sentido, podemos entender que existem normas reguladoras da convivência social entre proprietários vizinhos, fazendo com que um não exceda o limite do outro. E desse modo, mesmo se sacrificando um pouco em razão dos limites impostos, cada um seria recompensado com o sacrifício do outro.
Cumprir essa norma jurídica nada mais é que estar à favor da harmonia social, reduzindo assim as prováveis discórdias, pois como sabemos a vizinhança, por si só, pode dar início a diversos conflitos, que poderiam ser evitados se cada um respeitasse mais o espaço do outro.
Porém, como isso não foi possível naturalmente, a lei teve que utilizar-se de seus próprios meios para que a paz fosse estabelecida entre os vizinhos. No entanto, sempre terá aqueles que ainda irão abusar de seu direito, desrespeitando assim o direito do outro.

Uso Normal e Uso Anormal da Propriedade

Nesse caso, o direito de propriedade estará limitado no que se refere ao indivíduo exceder o uso normal de seu direito, vindo a causar um prejuízo a alguém.
Aqui, o problema irá surgir quando o incômodo gerado pelo vizinho possuir relevância no âmbito jurídico. Pois desse modo, o incomodado terá o direito de reação, já que cada pessoa tem seu domínio garantido, fazendo com que os demais o respeitem.
Podemos citar um exemplo de anormalidade do uso da propriedade: Um proprietário que joga seus lixos no terreno do vizinho. Tal ato é ilegal, por isso, ao prejudicar seu vizinho o proprietário se enquadrará no artigo 186 do Código Civil, que prescreve: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".
Logicamente, não será punido aquele que estiver dentro de seus limites, ou seja, aquele que esteja exercendo o uso normal de sua propriedade, pois dentro de seu domínio o proprietário poderá tirar de seu bem todas as suas vantagens. Porém, se mesmo dentro de seus limites o proprietário causar incômodo em alguém, ele poderá ser punido, já que o exercício de seu direito importunou a paz de outrem.
Como exemplo, temos: Proprietário que acende sua lareira fazendo com que a fumaça se espalhe por todo o prédio, trazendo sérios prejuízos aos demais moradores.
Para se saber se a proprietário está agindo de forma normal ou anormal em relação ao seu direito, é necessário considerar alguns fatores, tais como: Grau de Tolerabilidade; A localização do prédio e; A natureza do incômodo, conforme o parágrafo único do artigo 1.277, do Código Civil prevê.
Se ao verificar esses fatores, for determinado o uso anormal, o prejudicado poderá provocar o Judiciário para impedir que persista o incômodo à sua segurança, sossego e saúde, já que assim prescreve o artigo 1.277, do Código Civil: "O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha".

Das Árvores Limítrofes

O surgimento das árvores limítrofes pode dar início a conflitos de vizinhança, que existiram devido a ocorrência de três situações:
1) Quando a árvore possuir seu tronco na linha divisória.
Nesse caso, o código civil prevê uma solução, onde se presumirá que ambos os donos dos prédios confinantes são donos.
Esse tipo de árvore é denominada árvore meia, pois não importa que seu tronco ocupe maior espaço em um dos imóveis ou que suas raízes se estendam mais para o outro, já que cada proprietário terá direito a metade dela, e não à sua parte ideal.
Nesse caso, qualquer ato que for realizado na árvore deverá ter a anuência dos dois proprietários. Serão comuns a eles as despesas com o seu corte e colheita de frutos; E esses frutos deverão ser divididos pela metade, não importando qual foi o ato que fez com que os frutos se desprendessem da árvore, se não foi o de colheita.
2) Quando as raízes e ramos da árvore vizinha ultrapassarem a linha divisória, causando incômodo ao vizinho.
Aqui, o código civil possibilita o corte até a linha divisória pelo proprietário do terreno invadido. E o dono da árvore não poderá reclamar, nem ao menos receber qualquer indenização. Porém, se o incomodado, agindo com dolo ou culpa grave, ocasionar prejuízos ao dono da árvore, responderá pelos danos causados.
3) Quando os frutos caem no terreno vizinho.
A solução prevista é que se o terreno vizinho for de propriedade particular, os frutos pertencerá ao proprietário deste. Porém, se for propriedade pública, continuará pertencendo ao dono da árvore.
No entanto, se a queda dos frutos foi provocada, o agente cometeu um ato ilícito, pois se apossou do que não lhe pertencia.

Da Passagem Forçada

Nas palavras do artigo 1.285, caput, do Código Civil, "O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário".
É de suma importância que o prédio se encontre real e naturalmente encravado, para que haja o direito à passagem forçada.
Desse modo, sofrerá o constrangimento, aquele vizinho, cujo imóvel, se prestar mais facilmente a passagem (CC, Art. 1.285, §1º).
Devido a esse constrangimento, o proprietário do imóvel cedente à passagem, receberá uma indenização, que será fixada por convenção ou judicialmente, como forma de compensação pelos prejuízos e incômodos que terá que suportar.
Logicamente, se cessada a necessidade de utilizar-se de prédio vizinho para ter acesso a via pública, nascente ou porto, se cessará a passagem forçada.

Da Passagem de Cabos e Tubulações

A passagem, também forçada, de cabos e tubulações só será realizada quando não houver outro meio possível, ou se apresentar excessivamente onerosa.
Se demonstrada a necessidade da passagem, em favor de propriedade vizinha, o juiz a determinará, tomando o cuidado para que a instalação se faça se maneira que não agrave tanto a propriedade do cedente. E este, terá direito ao recebimento de indenização, levando-se em conta o incômodo sofrido, o dano emergente no local atravessado e a desvalorização da área.
Das águas
Naturalmente, o prédio inferior recebe as águas que correm do superior. E desse modo, o primeiro não poderá impedir a passagem, realizar reservatórios ou outras obras que possam dificultar o fluxo das águas. Nem o proprietário do prédio superior pode realizar obras que agravem a condição do prédio inferior.
Em relação às nascentes, o proprietário do terreno onde se localize uma destas pode utilizar-se da mesma para suas necessidades, porém não pode desviar o curso das sobras, quando estas são utilizadas por vizinhos ou uma população. No entanto, se a nascente não é natural, o dono do prédio inferior não tem direito algum sobre esta.
O direito ao uso das águas, segundo o Código Civil e o Código das Águas, é imprescritível.
E podemos dizer que quem desviar ou represar, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias comete o delito de usurpação de águas.

Dos Limites entre Prédios

Esses limites dizem respeito à demarcação do espaço dos prédios de propriedade particular, para evitar invasões recíprocas e solucionar conflitos de vizinhanças.
São impostos por três motivos: para a paz social, para o exercício do poder de polícia do Estado e para a tributação.
Qualquer um dos proprietários vizinhos podem, a qualquer momento, entrar com uma ação demarcatória, que tem por objetivo levantar a linha divisória entre dois prédios; aviventar rumos apagados e renovar marcos destruídos ou arruinados.
Assim, o juiz irá definir a linha de confrontação. Porém, se não houver meios para encontrá-la, ela será determinada na conformidade das posses. E se estas não ficarem provadas, repartir-se-á o terreno contestado em partes iguais entre os prédios, ou adjudicará a um deles, anexando-o a seu prédio, mediante indenização ao proprietário prejudicado.

Direito de Tapagem

Pelo artigo 1.297, caput,1ª parte, do Código Civil, o proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio urbano ou rural, para que possa proteger, dentro de seus limites, a exclusividade de seu domínio, desde que observe as disposições regulamentares e não causa dano ao vizinho.
Orlando Gomes, citado na obra de Maria Helena Diniz, nos explica que isso é assim porque se é inequívoco seu direito de tapar o prédio, também o é de seu vizinho, e, sendo tão legítimo o interesse deste quanto o seu, de que os prédios sejam separados por tapumes, o concurso de ambos para a obra divisória pode ser considerado necessário ou não, criando-se, dessa forma, direitos e obrigações de vizinhança.
As despesas de construção, manutenção e conservação serão despesas dos proprietários vizinhos se forem comuns, isto é, se não tiver partido da iniciativa de apenas um.
O tapume especial, que visa impedir a passagem de animais de pequeno porte, é uma obrigação que se refere unicamente ao proprietário destes animais, que deverá arcar sozinho com as despesas de sua construção.

Direito de Construir

Sobre o direito de construir, podemos dizer que cada vizinho, ao construir ou reformar sua propriedade, tem a obrigação legal de não causar qualquer prejuízo aos seus vizinhos, pois se causar dano a alguém terá que reparar o prejuízo, tendo inteira responsabilidade pelo fato.
Existem normas regulamentadoras, ditadas pela administração, e, uma vez descumpridas, o proprietário da construção será obrigado a demoli-la, e bem como indenizar as perdas e danos, conforme reza o artigo 1.312, do Código Civil.

Jurisprudências a Respeito

? AÇÃO DE CONSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO ADMINISTRATIVA. REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO. LAUDO OFICIAL. RAZOABILIDADE DO VALOR FIXADO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE 1º GRAU.
1. Os critérios utilizados para se chegar ao valor necessário para se indenizar o particular pelas restrições decorrentes da servidão administrativa em questão foram explicitados pelo senhor perito judicial e se afiguram razoáveis. As restrições ao direito de propriedade acabaram por implicar em verdadeira desapropriação. Os dados colhidos para se aferir o valor comercial do imóvel são absolutamente válidos e não foram produzidas provas que pudessem contraditar a idoneidade das fontes destas informações. Legitimidade do laudo oficial.
2. Apelação improvida. Manutenção da sentença de 1º grau.

? ADMINISTRATIVO -INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE PRIVADA -RESTRIÇÕES AO DIREITO DE PROPRIEDADE -DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA -NECESSIDADE DE EFETIVO APOSSAMENTO E IRREVERSIBILIDADE DESSA SITUAÇÃO -LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA -PRAZO PRESCRICIONAL DE 5 ANOS.
1. Não há desapropriação indireta sem que haja o efetivo apossamento da propriedade pelo Poder Público. Desse modo, as restrições ao direito de propriedade, impostas por normas ambientais, ainda que esvaziem o conteúdo econômico, não se traduzem nessa modalidade de desapropriação. 2. Esta Corte já firmou entendimento de que, para que seja reconhecida a desapropriação indireta de um bem, é preciso a ocorrência de dois requisitos: a) que o bem tenha sido incorporado ao patrimônio do Poder Público, ou seja, que tenha ocorrido o apossamento; e, b) que a situação fática seja irreversível. Precedente: (EREsp 628.588/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, julgado em 10.12.2008, DJe 9.2.2009). 3. No caso dos autos, não houve o apossamento do bem pelo Poder Público, mas apenas a imposição de uma série de restrições, que podem até ter gerado perdas econômicas ao agravado, mas que não configuram desapropriação indireta, e sim limitações administrativas. 4. Por este motivo, ainda que tenham ocorrido danos ao agravado, em face de eventual esvaziamento econômico de sua propriedade, tais devem ser indenizados pelo Estado por meio de ação de direito pessoal, cujo prazo prescricional é de 5 anos, nos termos do art. 10, parágrafo único, do Decreto-Lei n. 3.365/41. Agravo regimental improvido.

Considerações Finais

Podemos concluir que apesar de um direito constitucional, o direito de propriedade não é um direito absoluto, pois existe restrições quanto ao seu modo de uso.
Restrições estas, que são tanto de caráter privado, favorecendo os particulares, como de caráter público, estabelecidas em favor da coletividade; e que têm por fundamento sujeitar os interesses do proprietário ao interesse coletivo, harmonizando assim, os direitos dos demais proprietários.


Bibliografias

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 4: direito das coisas / Maria Helena Diniz ? 25 ed. ? São Paulo: Saraiva, 2010.

WALD, Arnoldo, 1932- Direito das coisas / Arnoldo Wald ? 11 ed. rev., aum. e atual. Com a colaboração dos professores Àlvaro Villaça Azavedo e Véra Fradera. ? São Paulo. Ed.: Saraiva, 2002.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Código Civil de 2002.

http://www.jusbrasil.com.br/busca?q=RESTRI%C3%87%C3%95ES+DE+DIREITO+DE+PROPRIEDADE&s=jurisprudencia (19/05/10 ? 20:03hs).