RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS: responsabilidade por assalto[1].

 Thiago Ferreira Souza[2]

 

Sumário: 1. Introdução; 2. Responsabilidade Civil; 3. Conceito de Instituição Financeira; 4. Responsabilidade das Instituições Financeiras; 4.1 Incidência do Código do Consumidor; 4.2 Responsabilidade por assalto; 4.2.1 Responsabilidade civil do banco em assalto à agência bancária; 4.2.2 Responsabilidade civil do banco em assalto em caixa eletrônico após horário de funcionamento; 4.2.3 Responsabilidade civil do banco em “saidinha de banco”; Conclusão.

 

RESUMO

O presente trabalho desenvolve um estudo acerca da responsabilidade civil de instituições financeiras em situações de assalto. Primeiramente, esclarece o que seria instituição financeira em seu conceito amplo, após busca demonstrar a possibilidade das instituições financeiras serem responsabilizadas civilmente pelos danos sofridos por clientes e não clientes, mostra ainda a incidência do Código do Consumidor nessa relação.

PALAVRAS-CHAVE

Responsabilidade Civil/ Instituições Financeiras/ Responsabilidade por assalto.

 

1 Introdução

Vivemos em tempos que a violência urbana está cada vez mais presente, de forma que acaba sendo uma realidade incontestável, ao ponto de vislumbrar como “normal” a possibilidade do cidadão ser assaltado e não o inverso.

Esse quadro faz com que as pessoas fiquem receosas de perderem suas economias, em furtos e assaltos, circunstância que faz surgir nas pessoas o interesse em fazer uso dos serviços disponibilizados pelas instituições financeiras, as quais “vendem segurança” para aqueles que utilizem de seus serviços, mediante todo o aparato tecnológico e de agentes de segurança envoltos nas operações bancárias.

No entanto, a atividade desenvolvida pelo banco chama atenção de bandidos, em proporção cada vez maior e ousada, como bem pode ser observado através dos veículos de comunicação ao noticiar os assaltos a bancos pelo País afora. Assim, diante mencionada situação, os bancos têm o dever de segurança, uma vez que em observância a Teoria do Risco, quem aufere o bônus, suporta o ônus, fundado no brocardo ubiemolumentum, ibi ônus, ou seja, onde reside o ganho, reside o encargo.

Mediante determinada situação não tem como aceitar que aquele cliente ou não de instituições financeiras sejam prejudicados por situações oriundas da atividade de determinadas instituições. Assim, sendo estas prestadoras de serviços, nos faz enxergar a aplicação do CDC a fim de responsabilizar as instituições de forma objetiva, à luz do art. 3º, § 2º c/c arts.12 a14 e18 a20, CDC, quer seja por responsabilização contratual ou extracontratual.

2 RESPONSABILIDADE CIVIL

Cavalieri Filho (2010, p. 26), a exemplo de outros doutrinadores, alia o conceito de responsabilidade civil a uma noção pré-formulada acerca do principal objetivo da ordem jurídica: “proteger o lícito e reprimir o ilícito”. Nessa conjuntura inicial, fica compreendida a necessidade de que se deverá “tutelar a atividade do homem que se comporta de acordo com o direito e reprimir a conduta daquele que o contraria”. Nesses termos, tem-se a noção de “deveres do tipo positivo ou negativo”, conceituando-se esses primeiros como obrigações “de dar ou fazer”, e para estes últimos, “de não fazer ou tolerar alguma coisa”. 

O dever jurídico, partindo dessas idéias iniciais, conceitua-se como:

 

[...] a conduta externa de uma pessoa imposta pelo Direito Positivo por exigência da convivência social. Não se trata de simples conselho, advertência ou recomendação, mas de uma ordem ou comando dirigido à inteligência e à vontade dos indivíduos, de sorte que impor deveres jurídicos importa criar obrigações (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 2).

 

 

Ainda na leitura de Cavalieri Filho (2010), dentre muitos pontos de interesse, é referência o fato de que uma vez violado o dever jurídico configurando-se o dano, caracterizar-se-á em novo dever jurídico pelo qual se imprime uma obrigação de reparar o dano. Nesses termos, ter-se-á um dever jurídico originário ou primário e um dever jurídico sucessivo ou secundário, contendo este último a obrigação “de indenizar o prejuízo”.

Assim, Cavalieri Filho (2010, p. 2) define que o termo responsabilidade civil, em sua etimologia “[...] exprime a idéia de obrigação, encargo, contraprestação”:

 

[...] designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da noção da violação de outro dever jurídico em apertada a síntese, a responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 2). 

 

Continuando-se interpretação no texto de Cavalieri Filho (2010, p. 2), atribui o termo “responsável” a quem ressarcir um prejuízo qualquer desde que decorrente da violação de um precedente dever jurídico, ou seja, a responsabilidade civil “pressupõe um dever jurídico preexistente, uma obrigação descumprida”. Fica tácito, nesses termos, que se tem dois conceitos bases importantes que precedem a definição legal de Responsabilidade civil: o de obrigação e da própria responsabilidade, segundo Cavalieri Filho (2010, p.  2) dois termos que se distinguem quanto à natureza e apresentação . Assim, observa-se:

 

Obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, consequente à violação do primeiro. [...]. Daí, [...] a responsabilidade é a sombra da obrigação.

[...]

Sempre que quisermos saber quem é o responsável, teremos que identificar aquele a quem a lei imputou a obrigação, porque ninguém poderá ser responsabilizado por nada sem ter violado o dever jurídico preexistente.

3 CONCEITO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA 

Podemos encontrar na Lei 4.595/64 a definição acerca do que vem a ser instituição financeira, mais especificamente em seu art. 17::

Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.

A partir do que dispõe a lei, nos faz perceber como elemento caracterizador de uma instituição financeira o desenvolvimento de coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros.

Para que fique mais claro o entendimento de instituição financeira devemos interpretar o art. 17, p.u. associado ao § 1º do art. 18, de referida lei, onde observa-se a aquelas entidades equiparadas as instituições financeiras, a exemplo:

Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras.

§ 1º Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de crédito, financiamento e investimentos, das caixas econômicas e das cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam às disposições e disciplina desta lei no que for aplicável, as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras.

Juntamente ao que dispõe o art. 18 da Lei 4.595/64 , segundo a Súmula 283 do STJ, estão também equiparados as instituições financeiras as administradoras de cartão de crédito.

4 RESPONSABILIDADE DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

As instituições financeiras atualmente não se limitam a realizar apenas aquilo que dispõe a lei mencionada, de forma a realizarem uma infinidade de operações com o objetivo de atrair clientela. Assim, por mais organizadas que sejam essas instituições, diante infinidade de operações que desenvolvem não é surpresa acontecer falhas no sistema que reflitam prejuízos aos clientes ou terceiros. Dessa forma, muito tem se debatido no que tange a natureza da responsabilidade civil das instituições bancarias, variando as opiniões desde a responsabilidade fundada na culpa até a responsabilidade objetiva. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 384) 

4.1 Incidência do Código do Consumidor 

É possível verificar que o Código do Consumidor incluiu expressamente a atividade bancaria no conceito de serviço, em seu art. 3º, § 2º. Logo, no que diz respeito aos contratos e demais relações jurídicas estabelecidas por estas instituições que sofrem incidência da legislação consumerista, não resta duvida que sua responsabilidade será objetiva, em respeito ao que dispõe o art. 14 da Lei 8.078/90, in literis:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. 

4.2 Responsabilidade por assalto 

     Segundo preceitua Cavalieri Filho, o banco tem o dever legal de garantir a segurança de todas as pessoas, clientes ou não, que acorrem ao seu estabelecimento, isto em razão dos riscos inerentes à atividade bancária. A Lei 7.102/83, impõe aos bancos oficiais e privados, e aos estabelecimentos financeiros em geral, a obrigação de manter um sistema de segurança aprovado pelo Banco Central. Assim, a lei criou para as instituições financeiras um dever de segurança em relação ao publico geral, que não pode ser afastado nem mesmo pelo fato doloso de terceiro (o assalto), assumindo o banco, nesse particular, uma responsabilidade fundada no risco integral. (CAVALIERI FILHO, 2010)

Cabe destacar que o fato de contratar empresas especializadas para fazer a segurança, mesmo que idônea e conceituadas, não desonera o banco desse dever, nem acarreta a sua transferência, ficando a segurança prestada por empresa contratada por conta e risco do banco. O assalto, em si, evidencia a falta de serviço, devendo o banco responder perante a vitima, no entanto, poderá denunciar a lide à empresa de segurança que contratou. (Ibid)

 

4.2.1Responsabilidade civil do banco em assalto à agência bancária

APELAÇÃO CÍVEL. responsabilidade civil. assalto À agencia bancaria. falha na prestação do serviço. dever de segurança. DANO MORAL configurado. quantum. REDUÇÃO.

A responsabilidade do banco pela segurança de seus clientes no interior das agências é objetiva, advinda do risco inerente à atividade desenvolvida, conforme art. 927, parágrafo único, do CC, c/c art. 14, caput, do CDC. Inexistência de excludentes de responsabilidade. Quantum. Redução. Valor da indenização por danos morais deve ser estabelecido conforme as peculiaridades do caso concreto, bem como observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Valor que deve ser reduzido para se adequar ao caso concreto.

APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. POR MAIORIA.

 (Apelação Cível Nº 70036601672 - Sexta Câmara Cível – tjrs – relator: Des. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura)

4.2.2 Responsabilidade civil do banco em assalto em caixa eletrônico após horário de funcionamento

CIVIL E PROCESSUAL. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ASSALTO EM CAIXA ELETRÔNICO OCORRIDO DENTRO DA AGÊNCIA BANCÁRIA. MORTE DA VÍTIMA. DEVER DE INDENIZAR.

          I. Não há omissão, contradição ou obscuridade no acórdão estadual, eis que o mesmo enfrentou, suficientemente, a matéria controvertida, apenas que com conclusões desfavoráveis à parte ré.

          II. Inocorrendo o assalto, em que houve vítima fatal, na via pública, porém, sim, dentro da agência bancária onde o cliente sacava valor de caixa eletrônico após o horário do expediente, responde a instituição ré pela indenização respectiva, pelo seu dever de proporcionar segurança adequada no local, que está sob a sua responsabilidade exclusiva.

          III. Recurso especial não conhecido".

(STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 488310 RJ 2002/0170598-3 – Quarta Turma – Relator: Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR)

4.2.3 Responsabilidade civil do banco em “saidinha de banco”

Responsabilidade civil. “saidinha de banco”. Reserva de numerário de vultosa quantia entregue ao cliente em caixa de deficiente. Ausência de privacidade. Acesso visual do valor sacado por demais usuários do banco. Assalto sofrido pelo cliente ao sair da agência bancária. Dever de cautelas mínimas para garantia do consumidor. Fortuito interno. Responsabilidade do banco configurada.

1-      o fornecedor de serviços responde pelos prejuízos causados por defeito na prestação do serviço, consoante dispõe o artigo 14 do cdc.

2-      cabe ao banco destinar espaço reservado e sistema que evite exposição dos consumidores que saquem valores expressivos nos caixas de bancos, garantindo a inexistência de exposição aos demais usuários.

3-      dever de zelar pela segurança dos destinatários de seus serviços, notadamente quando realizam operações de retirada de valores elevados. Recurso parcialmente provido.”

(Apelação cível nº 2009.001.49066 – TJRJ - Relator: des. Antoniosaldanha palheiro )

CONCLUSÃO 

As instituições financeiras, em seu sentido amplo, com a intenção de atrair cada vez mais clientes oferecem um leque de serviços cada vez maior, estando a segurança nas diversas operações dentre os fatores que mais atraem atenção. Assim, enquanto prestadores de serviços devem fazer reverência ao que dispõe o CDC, respondendo de forma objetiva pelos danos sofridos tanto por clientes como por terceiros.

Parte majoritária da doutrina defende a adoção da teoria do risco integral, nessas situações retromenciondas, ou seja, o dever de indenizar mostra-se possível simplesmente em virtude do dano, mesmo em situações de culpa exclusiva da vitima, fato de terceiro, caso fortuito ou de força maior.

REFERÊNCIA 

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

HORA NETO, JOÃO. O crime de saidinha de banco e o fortuito interno. Disponível em: http://www.flaviotartuce.adv.br/index2.php?sec=artigosc. Acesso em: 20 de novembro de 2012. 



[1]Artigo referente à Disciplina de Responsabilidade Civil, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluno do Curso de Direito, da UNDB.