REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: UMA TEORIA SIMPLISTA

 

Valmintas Souza da Silva*

Resumo: A criminalidade juvenil tem aumentado no Brasil, e isso tem feito com que parte da sociedade defenda a redução da maioridade penal para 16 anos. Assim, o presente estudo objetivou avaliar não somente se essa proposta seria um meio eficaz de combate à criminalidade praticada pelos menores, mas também se, do ponto de vista jurídico, tal alteração constitucional é possível; além de, por fim, analisar a viabilidade ou não da Proposta de Emenda à Constituição – PEC n°. 33/12, que trata do assunto e que atualmente está em tramitação no Senado. Diante do que, face aos argumentos apresentados, concluiu-se pela inviabilidade da Redução da Maioridade Penal, por ser a mesma baseada em uma teoria simplista, que desconsidera premissas importantes em sua lógica, e que, consequentemente, viola o princípio da proporcionalidade, sendo inadequada e desnecessária ao prever a aplicação da medida mais extrema, encarceramento, quando ainda não se esgotou os outros meios disponíveis, como a garantia e efetivação dos direitos previstos, na Constituição Federativa do Brasil – CRFB/88, como de absoluta prioridade para crianças e adolescentes, bem como as medidas de proteção e de responsabilidade constantes no ECA/90. 

Palavras-chave: Menores infratores; Maioridade penal; Inimputabilidade.

Abstract: Juvenile crime has increased in Brazil, and this has caused the society to defend the reduction of criminal responsibility to 16 years. Thus, the present study aimed to assess not only whether this proposal would be an effective means of combating crime committed by minors, but also, the legal point of view, such a constitutional change is possible; besides, finally, analyze the feasibility or otherwise of the Proposed Amendment to the Constitution - n ° PEC. 33/12, which deals with the subject and is currently pending in the Senate. Before that, given the arguments presented, it was concluded by the unfeasibility of Criminal Majority Reduction, to be the same based on a simplistic theory that ignores important assumptions in his logic, and therefore, violates the principle of proportionality being inappropriate and unnecessary to provide for the application of the more extreme measure, incarceration, when not yet exhausted other means available, such as the guarantee and enforcement of the rights provided for in the Federal Constitution of Brazil - CRFB / 88, as a top priority for children and adolescents, as well as measures of protection and liability in the ECA / 90.

Keywords: Juvenile offenders; Criminal majority; Unimputability.

 

A TEORIA DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E SUA VIABILIDADE

 

A discussão acerca da imputabilidade do indivíduo em relação a sua idade arrasta-se por tempos remotos, e tem sido um tema de muitos diversos entendimentos e de muitas as variantes. Varia no tempo e no espaço, de país para país e de época para época. Não se tratando de uma ideia em que se possa aplicar uma ciência exata e dela obter um resultado certo e específico.

Ou se opta pelo critério psicológico ou misto, biopsicológico, e, nesse caso, adota-se um complexo sistema de apuração individualizada das condutas, ultrapassando em tais apurações a biologia e política criminal e, necessariamente, aprofundando-se nos campos mais complexos da filosofia, da sociologia, da psicologia e da neurociência; ou opta-se pelo critério biológico, estabelecendo uma idade razoável e especificamente delimitada, evitando assim o acúmulo de mais incidentes protelatórios no judiciário, bem como intermináveis discussões metafísicas acerca da consciência moral e legal dos atos delitivos.

Ao adotar o critério biológico, fixando a maioridade penal aos dezoito anos, o legislador constituinte levou em consideração diversos aspectos, e não somente se um indivíduo de dezesseis, dezessete anos tem ou não consciência do fato delitivo. Levou em consideração a realidade do judiciário brasileiro em lidar com a demanda de incidentes de análise de imputabilidade no caso da adoção de um critério psicológico, bem como o estado de vulnerabilidade social do jovem alvo de tais propostas de redução da maioridade, além das recomendações internacionais, que, face ao que propõe, como no caso da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução L.44 (XLIV), da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20.11.1989, aprovada pelo Decreto Legislativo nº. 28, de 14.09.1990, promulgada pelo Decreto nº. 99.710, de 21.11.1990 e ratificada pelo Brasil em 24.09.1990, não resta dúvidas que a idade de 18 anos passou a ser referência mundial para a imputabilidade penal.

Todavia, não obstante a isso, pressionam, de um lado, através de várias Propostas de Emendas à Constituição – PEC, grupos radicais, buscando a redução da maioridade penal sem se mudar o critério, estabelecendo simples e bruscamente a tal maioridade a partir de quatorze, quinze e dezesseis anos. E de outro, grupos autointitulados “uma terceira via racional quanto ponderada para o problema da delinquência juvenil no país”, propondo o estabelecimento e adoção do sistema misto, conservando o critério geral e biológico da maioridade aos dezoito, e estabelecendo o critério psicológico para os crimes mais lesivos dos dezesseis aos dezoito anos, como tem militado os defensores da PEC nº. 33/2012.

No entanto, embora se revista do status de “via ponderada” na discussão acerca da redução da maioridade penal, no final das contas, essa PEC, ao propor a possibilidade de desconsideração de inimputabilidade, implica não somente redução da maioridade penal, como também, alteração do critério de exclusão de imputabilidade, que, de biológico, passa a ser o biopsicológico, o que acarretaria mais travas e mais polêmicas à atuação do Judiciário. E não é somente por esse motivo que se conclui pela inviabilidade de tal proposta, mas também, e, sobretudo, conforme justificativa do parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ do Senado, por ser tal medida não somente inconstitucional como também desproporcional, por ser desnecessária e inadequada.

A inconstitucionalidade da proposta salta aos olhos; primeiro porque ignora o princípio do não retrocesso, retirando dos menores, que são sujeitos de direitos, um direito e garantia fundamental que no mínimo é ser submetido a uma legislação especial, legítima e apropriada a sua condição de desenvolvimento; segundo, por ser a inimputabilidade, que não se confunde com irresponsabilidade, um direito fundamental, razão pela qual é cláusula pétrea e impassível de modificação, conforme o art. 60§ 4.ºIV da Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/88, e cujo rol de direitos informados não é taxativo, mas, conforme entendimento já pacificado, há outros ao longo da Constituição que se revestem de mesmo status de cláusula pétrea.

No que diz respeito à desproporcionalidade, percebe-se que ao propor a medida mais extrema, modificação de garantia constitucional, sem antes esgotar ou nem mesmo implementar os meios disponíveis, a  PEC fere o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, não sendo razoávelem um Estadode Direito lançar mão de leis restritivas se não há farta prova de sua adequação e necessidade. E não é necessária porque, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD (IBGE, 2005-2006), de 24.461.666 de adolescentes no Brasil, apenas 0,1425% representa a parcela dos que se encontram em conflito com a lei, o que, se em números absolutos é um número significativo, aproximadamente 35 mil, em termos comparativos, embora sendo ainda preocupante, está longe de justificar uma medida tão drástica, como se toda a criminalidade fosse oriunda ou em função dessa parcela; assim, claro é que não é necessária. No entanto, ainda que o fosse, tal medida não seria adequada, uma vez que o simples encarceramento seria um tratamento à consequência da delinquência juvenil, não à causa.

Ora, é muito mais cômodo ao Estado simplesmente tentar conter com medidas de vingança e repressão as consequências da criminalidade juvenil do que combater as suas causas, o que implicaria, reforma profunda no sistema tributário, para melhor distribuição de renda, um maior investimento em educação de qualidade, formação profissional, lazer e, sobretudo, sem o qual nada disso se realizaria satisfatoriamente, e talvez a principal causa de todos os males brasileiros, o combate sério, austero e implacável à corrupção tão entranhada nos mais diversos setores dos Poderes da República.

O questionamento que se faz neste artigo é se tal medida, redução da maioridade penal, seria eficaz no que propõe ou tratar-se-ia de mais uma teoria simplista. E o que se percebe, face ao estudado, é que os mentores de tal proposta estão a fazer o que historicamente tem feito nossos legisladores sempre que o povo cobra mudanças e providências: utilização de falácias, lógicas distorcidas, premissas falsas e pesquisas imprecisas e comprometidas, para criação de leis e mais leis para tratamento a sintomas e não ao problema em si, contendo as massas através de uma lógica confusa, em que vítimas são autores, e responsável pela miséria é sempre e apenas o miserável, não tendo nada a ver com isso o Estado. É como se levassem a filosofia reducionista da “navalha de occan”[1] ao seu mais estrito sentido, simplificando tanto a solução de um problema ao ponto da inadequação.

A sociedade, ao insistir na discussão deste tema, na verdade anseia por trazer a baila não somente esse, mas problemas já intoleráveis que com esse, criminalidade juvenil, tenha relação, tais como segurança pública, criminalidade organizada, probidade e moralidade administrativa. Clama-se por providências que sejam estabelecidas por meio de uma lógica honesta, onde se tenha tantas premissas quanto forem necessárias, e não uma teoria simplista em que se confunde acessório e principal.

A temática da lógica aqui discutida é Criminalidade Juvenil, então veja que "juvenil" é um adjetivo, ou seja, acessório do substantivo "criminalidade", que é, no caso, portanto, o centro das atenções, o principal. Sendo assim, deve-se ter, preliminarmente, uma noção do estado do principal e depois seguir o raciocínio acerca do acessório. E o que se percebe acerca do principal é que o índice de criminalidade entre os brasileiros tem crescido vertiginosamente, desde os pequenos delitos aos hediondos. Seguindo assim um raciocínio lógico percebe-se que o problema central, o foco, não é “juvenil”, mas “criminalidade”.  O acessório está seguindo uma tendência natural do principal; o acessório acompanha o principal.

Assim, não se pode simplesmente mudar o nome dos problemas em vez de resolvê-los. E, no entanto, é isso que ocorrerá no caso da redução da maioridade penal, se analisada sob a ótica de um raciocínio lógico apurado. Vai-se dar ao menor o título de “maior”, mas isso não o impedirá de delinquir, pois não tem impedido milhares de “maiores” de 18, 25, 30, 40, 50 anos, por esse Brasil afora. O contra-argumento é que isso criará a possibilidade de puni-los, e que, por isso, se intimidarão; entretanto, talvez tenha algo errado com essa ideia, já que esse fim não tem sido alcançado com os “maiores” atuais, que mesmo na possibilidade de serem punidos não tem deixado de cometer crimes.

Ora, se a penalização é eficaz na redução da criminalidade, ou ela não está sendo executada e, portanto, impera a impunidade, ou o está de forma tão imprecisa e ineficiente a ponto de o infrator considerar que mesmo na possibilidade real de punição o crime ainda assim compensa. Então veja que, por trás dessas falhas, impunidade ou ineficiência, está o próprio Estado: judiciário com sua lentidão no julgamento dos crimes, Ministério público sem engajamento, Polícia Civil com sua notória ineficiência para a elucidação dos fatos, Câmaras, Senado e Conselhos de Justiça Superiores com o vergonhoso corporativismo e prevaricação, Código de Processo Penal – CPP e Lei de Execução Penal – LEP tendentes a beneficiar o criminoso, além do crime de “colarinho branco” praticado inescrupulosamente de dentro e por componentes do próprio Estado.

São milionárias, senão bilionárias, as cifras atingidas pelos crimes de colarinho branco no Brasil, praticados por políticos, ministros e servidores públicos. É o crime por excelência, de onde se origina e se expande toda a criminalidade genérica, inclusive a acessória lá na ponta, criminalidade juvenil. É a “macabra força” que alimenta a “roda da criminalidade”; causa miséria, ignorância e revolta, que, por sua vez, causam quase a totalidade dos demais crimes.

Para melhor elucidação acerca da relação entre a “criminalidade governamental”, de “colarinho branco”, e criminalidade juvenil, segue o raciocínio: de forma gradual está a se desenvolver neste estudo o delineamento do tripé: “quem, onde e o quê?”. Ou seja, qual foi o sujeito deste estudo? Qual o local e circunstância desse sujeito? Qual o objeto desse estudo? Ora, este estudo trata do menor, entre dezesseis e dezoito anos, brasileiro, e que se, por seu envolvimento na onda de crimes, seja ou não necessária e adequada a redução da maioridade penal.

Em relação ao sujeito do raciocínio acima, percebe-se que o perfil desse menor infrator infelizmente é de fato o estereótipo tão já definido na sociedade: negro e pardo pobres, da zona urbana e morador de bairros periféricos ou favelas.

Chamada de geração “nem-nem”, a geração dos jovens entre 15 e 29 anos levou esse nome recentemente porque cerca de 20% dos componentes desse grupo, segundo o IBGE (2013), nem estudam, nem trabalham, daí o nome “nem-nem”. E é nesse corte e dessa geração é que faz parte esse menor infrator.

Então, o objeto dessa mudança na legislação é o jovem entre dezesseis e dezoito anos, preto e pardo pobres, residente na zona urbana e morador de bairros periféricos ou favelas, que nem estuda e nem trabalha, vivendo em um ambiente em que geralmente o Estado é ausente e omisso.

Sendo assim, embora se entenda ser verdade que atualmente os jovens recebem uma carga de informação muito maior que os jovens de 50 ou 60 anos atrás, época em que foi normatizada a inimputabilidade absoluta do menor de 18 anos, é preciso diferenciar jovens de jovens e informação de conhecimento. Pois, se se afirma que o público alvo é o jovem que tem boas condições de vida, acesso a educação de qualidade e ambiente sadio de vida social, família, igreja e lazer, então tal norma seria inócua, no sentido de desnecessária, já que jovens nessas condições, com raríssimas exceções, não se envolvem em crimes relevantes.

Por outro lado, admitido que o público alvo é o perfil acima especificado, então é razoável também admitir que esse jovem pobre, sem estudos e aliciado pelo crime (organizado ou não), sem família, igreja ou lazer, talvez tenha acesso a informações e mais informações via TV, publicidade e internet, mas talvez não tenha acesso ao conhecimento, que é a informação lapidada pela visão crítica, ou a uma formação moral, e talvez muito menos aos direitos tidos como direitos de caráter de “absoluta prioridade” pela CRFB/88; e que, talvez, assim, por não ter-lhe sido garantidos tais direitos essenciais, esse indivíduo nem tenha esclarecimento intelectual e psicológico para a tal dita compreensão do nível de desvio de sua conduta, ou nem veja porque ser obediente e cumpridor das normas de um Estado ausente e omisso, configurando novamente o jovem “nem-nem”.

Para alguns, a miséria não justifica o crime. E de fato é verdade. Todavia, quando se fala na relação miséria-crime, não se fala como moralmente aceitável justificar o crime pela miséria. Fala-se apenas do que ocorre, do que é fato.  E é fato as pessoas resistirem e, por não ter benefício algum do Estado, rebelar-se contra ele. Se, para os que tem do Estado o respaldo e os direitos essenciais garantidos, é razoável entender a miséria, a ignorância e a marginalização como atenuantes no contexto de um crime, para muitos criminosos é plenamente justificável e justo, e não apenas atenuante.

Quando, por exemplo, ouve-se um jovem infrator questionar: “se a sociedade me ‘ferrou’, por que tenho que ser bonzinho?”, isso é apenas uma desculpa medíocre para o crime, ou essa questão levantada por ele traz em si uma discussão jurídico-sociológica importante?

Ora, para melhor entendimento segue o raciocínio: o homem, desde os primórdios da civilização, vive em clãs, tribos e, na considerada mais moderna fase da evolução, em sociedade. Esse fenômeno se deu quando os homens não tiveram mais a capacidade de subsistência individual e precisaram então unir e agregar-se, sacrificando sua liberdade natural em detrimento das convenções da coletividade. Conforme ROUSSEAU (DANESI. 2006), “cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral; e recebemos, coletivamente, cada membro como parte indivisível do todo.”.

Esse acordo é o que ROUSSEAU chama de primeiro pacto social. A partir desse momento o homem teria passado do estado natural para o estado civil, e esse estado, gerado pelo pacto social, consubstanciava-se em um contrato social cujo objetivo e finalidade eram a agregação, defesa e proteção implacável dos bens, direitos e interesses de todos os indivíduos agregados.

Entretanto, aprendemos também, no estudo dos Contratos, com base na exceptio non adimpleti contractus, exceção do contrato não-cumprido, prevista no artigo 476 do Código Civil, que, após firmado acordo entre as partes, caso um não cumpra com suas obrigações, o outro também não está obrigado. Daí, diante da notória ausência e omissão do Estado para com indivíduos, famílias e comunidades inteiras, não somente na negação de direitos e garantias fundamentais, mas com a própria violação dos poucos existentes, é no mínimo razoável nos perguntar novamente se é apenas uma medíocre desculpa a apontada no exemplo acima.

Questionamento que, aliás, inclusive, a eminente Maria Lúcia Karam faz, segundo a qual “hoje, como há duzentos anos, mantém-se pertinente a indagação de por que razão os indivíduos despojados de seus direitos básicos, como ocorre com a maioria da população de nosso país, estariam obrigados a respeitar as leis.” (KARAM, 1991, p. 77).

De um lado o indivíduo, que, como disse ROUSSEAU, entrega todo o seu poder, abre mão de seu estado natural, de parte de sua liberdade, e se submete ao direcionamento da vontade geral, e o faz com um objetivo; submete-se pelo interesse na sobrevivência, na garantia de receber em troca, pela submissão às normas estabelecidas pelo grupo, as condições e direitos fundamentais. E do outro lado, a coletividade, representada pela figura do Estado, que se compromete a garantir essas condições e direitos fundamentais. No entanto, o que ocorre é que o Estado é o primeiro a descumprir o pacto social, é ausente, omisso e, como se não bastasse, ainda viola direitos naturais.

Ora, ainda conforme dispõe o art.227 da CRFB/88:

 

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

E o que se verifica na verdade é que, para grande parte desses jovens infratores, pouco ou quase nada disso é concretizado. Pelo contrário, no Brasil, o jovem objeto desse estudo, geralmente é a principal vítima no país, que nada ou muito pouco tem feito para cumprir sequer as duas últimas linhas do citado acima: “[...] colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (CRFB, 1988, art.227).

Aos anos que antecedem essa faixa de ameaça, 16 aos 18 anos, é facilmente visto pelos semáforos afora, pedindo dinheiro e cheirando cola, e até mesmo nos lixões e entulhos, alimentando-se de restos, com dificuldade de sobrevivência igual ou pior que seu estado natural, como se animal qualquer fosse, “sem lenço nem documento”, e como se obrigação alguma tivesse o Estado, a sociedade, para com ele, como se pacto social algum houvesse.

Mas queira ou não, há um contrato social com esse jovem, há uma dívida que deve ser quitada, por toda a sociedade na figura do estado e das instituições, antes de qualquer exigência ou decisão por medidas extremas. Há boas legislações, como as garantias constitucionais, o ECA e a Doutrina de Proteção Integral, que devem ser postas em prática.

Antes de se optar pela punição do acessório deve-se punir o principal, pois o acessório é, não somente reflexo, mas também, vítima do principal. Quer-se atingir o acessório? Ótimo, é louvável, encarcerem-se os de 16 e 17 anos. Mas tem-se que ser lógicos, coerentes, atinja-se primeiro o principal: aumente-se a pena de aliciadores de menores e cuidem para que haja certeza da punição para os que estão na “roda da criminalidade”, e, sobretudo e principalmente, na “macabra força” que a alimenta: o crime de “colarinho branco” entranhado no Estado.

Assim, é esta a conclusão que este estudo proporciona. É inconstitucional, não necessária e inadequada qualquer proposta de redução da maioridade penal nesses termos; antes se implemente, de fato, as medidas já existentes tanto na CRFB/88 quanto no ECA/90, tanto de garantias, direitos e proteção, quanto de ressocialização e responsabilização, zelando pela sábia formação desses jovens, que, pois, parafraseando a Bíblia, são como flechas na mão do arqueiro, arqueiro este, os adultos, a sociedade, o Estado.

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*Acadêmico do 10° Período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES [email protected]

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[1]Navalha de Occam ou Navalha de Ockham é um princípio lógico atribuído ao lógico e frade franciscano inglês Guilherme de Ockham (século XIV). O princípio afirma que a explicação para qualquer fenómeno deve assumir apenas as premissas estritamente necessárias à explicação do mesmo e eliminar todas as que não causariam qualquer diferença aparente nas predições da hipótese ou teoria. O princípio recomenda assim que se escolha a teoria explicativa que implique o menor número de premissas assumidas e o menor número de entidades. Menger formulou a lei contra a avareza, segundo a qual "as entidades não podem ser reduzidas até ao ponto da inadequação", e "é inútil fazer com pouco o que requer mais".