RECUPERAÇÃO EMPRESARIAL X EXECUÇÃO DAS DÍVIDAS DE TRABALHO[1] 

Ana Vanessa Vieira Fernandes[2]

Humberto Oliveira[3] 

INTRODUÇÃO

 Vistidin confecções S/A enfrentando processo trabalhista referente a verbas rescisórias devidas pela empresa em valor superior a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), sofre o bloqueio de suas contas e valores decorrentes de vendas com cartões das empresas Redecard S/A e Visa, pelo Sistema Bacen Jud em face da fase de execução. Em resposta a tais bloqueios, a empresa alega que se encontra em recuperação judicial, aprovada por seus credores e questiona a competência do TRT.

A recuperação judicial tem por escopo “prevenir, (...) viabilizar a superação do estado de crise econômico-financeiro, ou obstar a declaração da quebra, caso o pedido de falência já tenha sido ajuizado”[4]. Escopo este versado no artigo 47 da lei 11.101 de 2005, a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas (LFR). Sendo assim, vem a buscar a reestruturação da empresa em crise sob o crivo jurisdicional. Por conseguinte, tem o

propósito de evitar ao máximo a decretação de sua falência, pois parte efetivamente do princípio de que a preservação da empresa é muito mais interessante para a sociedade porque ela privilegia os postos de trabalho, mantém o pagamento de impostos e garante o exercício do papel social da empresa com o conseqüente estímulo à atividade econômica.[5]

Os efeitos da recuperação judicial estão dispostos no art. 49 da LRF, tal artigo demonstra que há uma extensão dos efeitos da recuperação, tendo em vista que “submetem-se aos efeitos da recuperação judicial todos os credores anteriores ao pedido”[6]. Assim como no art. 59 da referida lei que, afirma que “o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias”. Novação é a criação de uma nova obrigação destinada a substituir e extinguir a obrigação anterior, por meio de uma estipulação negocial[7]. O art. 69 traz outro efeito, qual seja “em todos os atos, contratos e documentos firmados pelo devedor sujeito ao procedimento de recuperação judicial deverá ser acrescida após o nome empresarial, a expressão “em Recuperação Judicial””, que vem a atender ao princípio da publicidade.

            Quanto à responsabilidade dos sócios, se esta for ilimitada, 

seu patrimônio pessoal responde pelas obrigações sociais até seu exaurimento. (...) Se o patrimônio da sociedade for insuficiente para o pagamento de todos os credores, poderão ser arrecadados e vendidos todos os bens particulares desses sócios para o pagamento das obrigações restantes.[8]

Quando se tratar de responsabilidade limitada, “o patrimônio pessoal responde por dívidas da empresa até o limite do valor do capital social por ele subscrito e ainda não integralizado”[9].

Todos os créditos existentes na data do pedido da recuperação, ainda que não vencidos estão sujeitos à recuperação judicial. Todavia, são excluídos os créditos decorrentes do direito de propriedade, de adiantamento de contrato de câmbio, os garantidos por penhor, direitos creditórios, aplicações financeiras ou imobiliárias e os tributários. No processo de recuperação há prevalência de certos créditos em detrimento de outros em decorrência de sua natureza, como nota-se no art. 54 da LFR que narra que “o plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação”. Ainda em se tratando de créditos trabalhistas, de natureza estritamente salarial, no parágrafo único do mesmo artigo, afirma que “o plano não poderá prever prazo superior a trinta dias para o seu pagamento, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador”.

            O sistema de bloqueio online denominado Bacen Jud é uma parceria entre o Poder Judiciário e as instituições financeiras bancárias, com intermediação técnica do Banco Central do Brasil. “Surgiu com a necessidade de adequação das execuções trabalhistas à informatização trazida pela pós modernidade e, principalmente, com o objetivo de dar efetividade às execuções de créditos trabalhistas”[10].

            Compete ao Poder Judiciário o registro das ordens no sistema e o zelo por seu cumprimento, como exposto no § 2º do art. 2º do Regulamento do Bacen Jud 2.0.[11] O art. 13 da mesma disposição legal versa acerca das ordens judiciais de bloqueio, dizendo que a mesma tem por “objetivo bloquear até o limite das importâncias especificadas e são cumpridas com observância dos saldos existentes em contas de depósitos à vista (contas correntes), de investimento e de poupança, depósitos a prazo, aplicações financeiras e demais ativos sob a administração e/ou custódia da instituição participante”. Tem por efeito a indisponibilidade dos valores bloqueados e, permanece como tal enquanto o “magistrado não determinar o desbloqueio ou a transferência” (art. 14, §2ª, Regulamento do Bacen Jud 2.0). O período em que permanecer o bloqueio, “os valores não são remunerados em favor do Poder Judiciário pela instituição participante” (art. 14, §7º, do mesmo dispositivo legal).

1 DESCRIÇÃO DOS PERSONAGENS RELEVANTES

Vistidin Confecções S/A, ou seja, sociedade anônima, pessoa jurídica de direito privado, do ramo de confecções. Diante desta afirmação, se extrai as seguintes informações: Está abarcada pela lei 11.101/05, já que em seu art. 1º, ela diz que “esta lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária”, sendo assim, se não há atividade empresarial, não se está sob a incidência da referida lei. Por conseguinte, as atividades civis desenvolvidas por pessoas físicas ou jurídicas como as associações, fundações, sociedade simples etc. não estão passíveis de falência/ recuperação. A segunda afirmação que se extrai é que, por ser sociedade anônima, a responsabilidade dos sócios é limitada, logo, os sócios terão seu patrimônio pessoal respondendo pelas

dívidas da empresa até o limite do valor do capital social por ele subscrito e ainda não integralizado.

Caso o capital social de determinada empresa já esteja completamente integralizado por todos os sócios, eles não terão nenhuma responsabilidade pessoal pelas obrigações socais caso o patrimônio da empresa não seja suficiente. (...) Assim exauridos os bens da empresa, o prejuízo será suportado pelos credores. Se, por outro lado, o sócio com responsabilidade limitada ainda não tiver integralizado todo o capital social por ele subscrito, e os bens da empresa forem insuficientes para pagar todos os credores, seu patrimônio pessoal responderá pelas dívidas até o valor faltante para alcançar referida integralização.[12] 

            Tribunal Regional do Trabalho (TRT), órgão da Justiça do Trabalho que, mediante o Sistema Bacen Jud bloqueou contas e valores decorrentes de vendas com cartões visa e mastercard da empresa Vistidin Confecções.

            Justiça Estadual é o juízo em que tramita a recuperação judicial e, o competente para legalizar ou não o ato praticado pelo TRT, bem como o responsável pela organização dos créditos em sede do instrumento requerido.

2 DECISÕES POSSÍVEIS E RESPECTIVAS FUNDAMENTAÇÕES

 

            Têm-se dois posicionamentos a seguir: dar continuidade à execução na Justiça do Trabalho ou suspender o bloqueio judicial.

            A decisão que vier a suspender o bloqueio judicial basear-se-á nos seguintes argumentos:

Vistidin Confecções S/A preenche os requisitos expostos no art. 48 da lei 11.101/05, quais sejam: possuir inscrição no registro competente, sendo este superior ao período de dois anos, não ser falida, não ter concessão de pedido de recuperação judicial em menos de cinco anos, não existe condenação criminal. Bem como preenche o requisito econômico de admissibilidade, já que sua recuperação judicial é viável, não se trata apenas de uma forma de retardo da falência.

Apresentou todos os documentos necessários para pleitear a recuperação, documentos esses elencados no art. 51 da LFR e, teve seu plano de recuperação judicial aprovado por seus credores.

O art. 52, inciso III, traz em seu bojo como efeito da recuperação judicial, “a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor”, sendo assim, há de se suspender a execução em sede do Tribunal Regional do Trabalho.

“A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário (art. 6º da Lei nº 11.101/05). (...) O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e as não reguladas na Lei de Falências, em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo (art. 76 da Lei n° 11.101)”.[13]

“A penhora de contas bancárias do devedor, em muitos casos, contraria o princípio da menor onerosidade que se encontra inserido no artigo 620, do Código de Processo Civil, pois possibilita um bloqueio indiscriminado e amplo de contas bancárias trazendo prejuízos de grande monta ao devedor”[14]. Sendo assim, deve-se dar primazia ao escopo de recuperar a empresa insolvente.

Em jurisprudência, o STF já afirmou que nesse conflito de competência, entre Justiça do Trabalho e Justiça Estadual cabe a este último.  

A Segunda Seção desta Corte reconhece ser o juízo onde se processa a recuperação judicial o competente para julgar as causas em que estejam envolvidos interesses e bens da empresa recuperanda, inclusive para o prosseguimento dos atos de execução, ainda que o crédito seja anterior ao deferimento da recuperação judicial. (...)

É para se concentrar, no juízo da recuperação judicial, todas as decisões que envolvam o patrimônio da recuperanda, a fim de não comprometer a tentativa de mantê-la em funcionamento. (...)

Admitir a execução individual de alguns poucos créditos trabalhistas, em curso o pedido de recuperação judicial já deferido, é ferir de morte a possibilidade de solução coletiva, podendo gerar tratamento diferente até mesmo para credores da mesma classe.[15]

A decisão que visa dar continuidade à execução na Justiça do Trabalho se fundamenta nos seguintes argumentos:

Consoante art. 114, incisos I a X, da Constituição Federal cabe a Justiça do Trabalho processar e julgar: 

I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;  

V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

Sendo assim, é de competência da Justiça do Trabalho julgar acerca dos tramites trabalhistas. E, entre Constituição e lei federal, há de se dar primazia à Carta Magna, basilar de todas as demais legislações.

Ao se desrespeitar o que é imposto pela CF, se estaria admitindo que

o legislador constituinte teria previsto, na referida norma, duas formas de competência da Justiça especializada do Trabalho. Uma que seria Constitucional (incisos I a VIII) e outra, que apesar de constar da Carta da República, seria apenas legal (inciso IX).

(...) forçoso concluir que essa norma constitucional só autoriza o legislador infraconstitucional, através da edição de lei – como o faz a Lei 11.101/05 – a aumentar a competência da justiça especializada do trabalho, mas nunca a reduzir.[16]

Não existe mandamento que incumbe a Justiça Estadual de apreciar matéria de cunho eminentemente trabalhista.

Não há nem no texto da Constituição Federal (art. 114, incisos I a IX) e, muito menos na própria Lei de Recuperação Judicial (Lei 11.101/2005), qualquer previsão legal que confira a Juiz Estadual jurisdição sobre matéria eminentemente trabalhista, mesmo que dela se extraiam reflexos no patrimônio ou obrigações de empresas em recuperação judicial.[17]

3 DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES CONTIDOS

 

            As decisões baseiam-se em doutrina, julgados, tem por fundamento a própria lei de Falência e Recuperação de Empresas. Bem como, nota-se a primazia do interesse em preservar a sociedade empresária e a manutenção da atividade econômica em detrimento dos anseios dos trabalhadores em receber o que lhes cabe, referente ao que lhe é salvaguardado pela Consolidação das Leis Trabalhistas.

 

 

Referências

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?BCJUDINTRO>. Acesso em: 18 de setembro de 2011.

CARMO, Júlio Bernardo do. Efeitos da recuperação judicial e da falência sobre o processamento dos efeitos na justiça do trabalho. Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/2232/NOVA_LEI_DE_FALENCIAS_E_RECUPERACAO_JUDICIAL_DE_EMPRESAS>. Acesso em: 17 set 2011.

DREY, Caio Flávio Garcia; LEITE, Paolla Rodrigues Parreira. O bloqueio online, via Bacen Jud, nas execuções de créditos trabalhistas. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/33202-42104-1-PB.pdf>. Acesso em: 18 set 2011.

FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. 3 ed. Revista e ampl. São Paulo: Editora Atlas S. A, 2006.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – vol II: Obrigações. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

GONÇALVES, Maria Gabriela Venturoti Perrotta Rios; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Falimentar. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. (Coleção sinopses jurídicas; v. 23).

MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense. 28 ed. São Paulo: Atlas, 2008.

PERIN JUNIOR, Ecio. Curso de direito falimentar e recuperação de empresas. 3 ev. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2006.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <http://www.stjunior.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=101117&tmp.area_anterior=44&tmp.argumento_pesquisa=>.  Acesso em: 17 set 2011.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: <www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/.../RE577348RL.pdf> .  Acesso em: 17 set 2011.



[1] Case apresentado à disciplina de Falência e Recuperação de Empresas, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluna do 6° período, do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Professor Mestre, orientador.

[4] PERIN JUNIOR, Ecio. Curso de direito falimentar e recuperação de empresas. 3 ev. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2006. P. 330

[5] CARMO, Júlio Bernardo do. Efeitos da recuperação judicial e da falência sobre o processamento dos efeitos na justiça do trabalho. Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/2232/NOVA_LEI_DE_FALENCIAS_E_RECUPERACAO_JUDICIAL_DE_EMPRESAS>. Acesso em: 17 set 2011.

[6] FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. 3 ed. Revista e ampl. São Paulo: Editora Atlas S. A, 2006. p. 141.

[7] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – vol II: Obrigações. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 179.

[8] GONÇALVES, Maria Gabriela Venturoti Perrotta Rios; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito

Falimentar. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. (Coleção sinopses jurídicas; v. 23). P. 120.

[9] Id. Ibid., p. 121.

[10] DREY, Caio Flávio Garcia; LEITE, Paolla Rodrigues Parreira. O bloqueio online, via Bacen Jud, nas execuções de créditos trabalhistas. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/33202-42104-1-PB.pdf>. Acesso em: 18 set 2011. P. 01

[11] BANCO CENTRAL DO BRASIL. Disponível: <http://www.bcb.gov.br/Fis/pedjud/ftp/REGULAMENTO_BACEN_JUD_2.0_24_07_2009.pdf>. Acesso em: 18 set 211.

[12] Ibid.

[13] MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense. 28 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 742-743.

[14] DREY; LEITE. Op. Cit. P. 03

[15] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <http://www.stjunior.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=101117&tmp.area_anterior=44&tmp.argumento_pesquisa=>.  Acesso em: 17 set 2011.

[16] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: <www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/.../RE577348RL.pdf> .  Acesso em: 17 set 2011.

[17] Ibid.