Crônica

QUEM SALVARÁ A FLORESTA?

Edevaldo Leal

                                               Eu vi  uma árvore chorar, mas até acontecer comigo, não acreditaria , se alguém me contasse.

                                              Enorme e bela, dezenas de metros de altura, um tronco que nem  cinco pessoas de mãos dadas conseguem abraçar, a castanheira se agiganta para cima, como se quisesse respirar entre nuvens. Alguma coisa se desprende dos galhos da gigante. Cai sobre meus pés. Um filete de água escorre. Tem a forma de uma lágrima. É uma lágrima grande de cor esverdeada. O vento bate forte nas copas. Galhos, em atrito, produzem um ruído áspero. Olho para as copas, para aquele mundo verde, e algo se mexe lá em cima. Se mexe e chora. Seriam os fantasmas da floresta, que se movem no silêncio ao redor? Seriam os meus fantasmas, que se atormentam com a solidão do silêncio?

                                              Como ninguém vê o que eu vejo, nem ouve o que eu ouço, guardo esse segredo para mim. Após cinco horas de caminhada na mata quase sem parar, lembranças de sons e imagens começam a aflorar em nosso cérebro  . Essas lembranças estimulam nosso instinto de sobrevivência. Para o que eu vi, ouvi e senti na floresta, nenhuma explicação me convence.

                                              Pergunto, aos que me acompanham, o que tem para comer e o velho mateiro se antecipa: “ Falta pouco para chegar na primeira casa”. Depois, fui saber que não havia segunda casa, ali. Ao mateiro interessa correr contra o tempo. O relógio marca meio dia e meia.

                                              O morador nos oferece carne de veado assada na brasa com arroz e farinha. Caboco criado no mato, dispenso o arroz. Faminto, aproveito o que posso da carne do bicho. Nem me importo em saber se a caça é farta ou rara. Só a iguaria e a saciedade me interessam. Porém me conforta a paz da consciência: a caça fora abatida somente para consumo do caçador.

                                             Atravesso os clarões da mata derrubada. São as manchas que vão sujar o mapa da devastação ambiental do sudeste do Pará. Passo por caminhos amassados, a terra revolvida pelas toras de madeiras nobres que os tratores arrastam. Impossível não chegar a uma conclusão: os fantasmas da floresta não conseguem expulsar o predador. Os ruídos das motosserras são reais. O predador, centenas que se multiplicam em milhares, tem um  objetivo: retirar da floresta o ouro que ela produz: angelim ,castanheira, mogno, pau d’arco, cedro, ipê, acapú,  andiroba,  vendido em dólar no mercado negro, à cotação do dia. Com as sobras da venda do produto,planta-se capim na terra arrasada e a pata do boi se encarrega de consolidar a grilagem. Humilhados, o pequeno produtor e o extrativista já foram expulsos e os ativistas ambientais, mortos a tiros em emboscadas.

                                              Quem defenderá a floresta?

Somente as armas podem deter a fúria do predador, mas o Estado, que detém esse poder e essa licença para o uso da força  ,  apenas  toma uma medida, aqui e ali, para desestimular o saque. Lá diante, indiferente à lei, o predador devasta a mata. E zomba do Estado.

                                              “Exploração sustentável da floresta”?, uma voz cochicha no meu ouvido. Não dou a menor atenção. Insiste. E some, quando eu respondo   que essa é uma visão messiânica com tempo para se cumprir daqui a duas gerações ou para  nunca, porque, até lá, não haverá mais floresta.

                                               Hoje eu me lembrei daquela incursão de cinco horas na mata, após ver, pela primeira vez, uma mulher chorar ao lado de uma castanheira – do  ­– pará, a quem ela chamava de majestade. José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, marido e mulher, morreram assassinados a tiros em 24 de maio de 2011, no assentamento Praia – Alta Piranheira, às margens do lago  da Hidrelétrica de Tucuruí, município de Nova  Ipixuna , no Pará. Madeireiros ilegais, os predadores da Amazônia, os mataram. O casal defendia a floresta, no Pará, como Chico Mendes, no Acre.

                                               Os predadores  cagam nas lágrimas da floresta.

                                                Quantas lágrimas majestade e Maria do Espírito Santo choraram juntas? Outras perguntas sacodem meu cérebro num vai e vem, como furiosas ondas do mar. Desligo a televisão, após a entrevista com os matadores dos heróis da floresta. Nada mais me  interessa. Um trovão aborrecido  me espanta. Começa a chover. Retiro-me em silêncio.

                                                         24 de março de 2013.