QUANDO A EXCEÇÃO VIRA REGRA

Maria Adilma Vilela de Almeida[1]

RESUMO:  O presente artigo tem como escopo fazer uma abordagem das exceções enquanto norteadores do comportamento social. Em muitas situações de convivência, em especial, o trabalho, parece coexistir uma tendência que inverte o real significado do termo exceção, provocando um conflito generalizado calcado em um novo paradigma, cujo maior prejudicado é, sem dúvida, o elemento humano e o bem comum.

PALAVRAS-CHAVE:  Regra, Exceção, Exceção Legítima, Regras Sociais.

ABSTRACT: The article makes an approach to excepctions as guides of social behaviour.  In many companionship occasions, particularly at work, it seems that the real meaning of exception  tend to be inverted.  This causes a battle founded in a new paradigm, and the most damaged are human being and common good.

KEY WORDS: Rule, Exception, Rightful Exception, Social Rules.

As regras surgiram há muito tempo, concomitante à evolução da vida social. O filósofo Aristóteles (Século IV A.c)[2] muito acertadamente inferiu que a convivência social não é regida apenas pelos atos volitivos. Ao contrário, sendo o homem um ser naturalmente político, a convivência humana traz implicações, ou regras, que limitam as vontades, tornando uniformes alguns padrões de comportamento.

Regra é, segundo o dicionário Houaiss(2009), aquilo que regula, dirige ou rege. É também um princípio, norma ou preceito. Exceção, ao contrário, é o desvio da regra ou do padrão que é convencionalmente aceito.

Regras e exceções, embora semanticamente distintas, possuem em comum uma relação de causa e efeito, dependendo das circunstâncias e de casos concretos. Em geral, é mais comum que a sociedade siga as regras convencionadas em alguma das manifestações sociais por elas reguladas: normas de consumo, sociais, de cooperação, administrativas, técnicas, dentre outras.

A exceção também possui um viés dual. Nem toda exceção é um ato negativo ou danoso para a sociedade. Há, sem dúvida, em algumas exceções, um valor positivo. São as chamadas exceções legítimas; casos excepcionais em que elas são autorizadas a substituir as regras. Feita essa ressalva, atentemo-nos à ideia primeira de que há, por vezes, um dano social quando a exceção em sentido lato contraria a regra.

Assim, quando desconsiderada por indivíduos ou grupos de pessoas, o não cumprimento das regras pode provocar consequências: a incerteza (dúvida acerca de quais são as regras ou do preciso âmbito de certa regra instituída); o caráter estático (dificuldade em alterar, eliminar ou introduzir novas regras) e, finalmente, a ineficácia social (sem validez, a regra se torna inócua)[3].

As regras sociais não devem ser apenas orientadas por interesses próprios, por seus resultados ou ainda, por perspectiva de recompensa futura. Ao contrário, o uso das regras deve ser incondicional, ligado apenas a um sentimento natural de que as coisas devem correr bem, beneficiando a muitos. Em outras palavras, se o indivíduo faz a sua parte, consciente de que esta é uma atitude convencionada positiva, é natural que todo o grupo seja favorecido por essa ação. Mais ainda. A experiência tem demonstrado que o exemplo é por vezes mais eficiente que os pensamentos ou demais formas de expressão; porque reflete aquilo que somos de maneira incontestável. Parafraseando WEBER (1864-1920)[4], “uma norma social não é um táxi do qual uma pessoa salta quando quer. Os seguidores de uma norma aceitam-na mesmo quando ela não é do seu interesse.”

O filósofo italiano AGAMBEN (2007)[5]denomina, em sua mais recente teoria, a exceção como “terra de ninguém”, “zona incerta” ou “zona de indeterminação”. Ele afirma que o estado de exceção tende, cada vez mais, a constituir o paradigma dominante de governo na política contemporânea. Guardadas as devidas proporções, essa pincelada da tese defendida por ele é oportuna na discussão que se tece, sobretudo porque evidencia a desordem político-social que pode emergir ao se utilizar a exceção em detrimento da regra.

É certo que, quando a exceção faz-se norteadora dos comportamentos sociais, a incerteza e a dúvida se instauram. Torna-se difícil discernir o certo do errado, o compromisso do descaso, a razão da irracionalidade. A ausência de convicção gera um fosso no qual o indivíduo deixa de perceber qual ideia, fato ou ação é o correto.

Assim, o que é convencionalmente aceito por muitos passa a assumir um caráter dual. O que é certo: cumprir o horário ou chegar atrasado? Realizar o que faz parte do seu compromisso de trabalho ou omitir-se? Comunicar suas decisões com antecedência ou justificá-las depois? Preocupar-se com o impacto de uma ação negativa sobre o todo ou simplesmente desaperceber-se? Conscientizar-se sobre sua participação necessária no conjunto das decisões de seu grupo social ou de trabalho, ou conspirar tácita ou expressamente sobre o assunto? Cumprir com suas obrigações ou menosprezar quem as realiza? Pronunciar-se quando seu posicionamento será contributivo ou silenciar-se? Comparecer assídua e pontualmente aos compromissos assumidos ou preparar lista infinita de desculpas inócuas? Ser organizado, compromissado com seus afazes pessoais e profissionais; ou caótico e disperso? Relacionar-se com urbanidade e respeito com as pessoas de seu cotidiano ou jogar sobre elas sua ira, escárnio ou frustrações?

Inevitavelmente, se nas proposições acima vicejou alguma dúvida de que no início de cada enunciado, repousava silentemente uma norma, brotou aí o fenômeno dessa abordagem: a exceção que virou regra.

Nutrir suspeitas sobre qual diretriz deve ser seguida é, por vezes, paradoxal. Embora para muitos filósofos, dentre os quais Sócrates (399 a.C), o patrono da filosofia, a dúvida seja a essência de todas as coisas, não discernir regra de exceção naquilo que é base necessária à interação e à ação social humana geral, torna-se no mínimo, preocupante.

Felizmente, não deve haver absolutismo acerca das coisas que consideramos irregulares ou carentes de melhoria. É preciso conceber-se parte dos processos de mudança. Nesse sentido, três conceitos são imperiosos: tempo, esforço e perseverança. Assim, inevitavelmente a eficácia das regras e uso coerente das exceções estará diretamente ligada àquilo que é legítimo: o bem comum almejado por toda sociedade.

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REFERÊNCIAS:

AGAMBEN, Giorgio: Estado de Exceção.Tradução de Iraci D. Poleti. 2ª Ed. São Paulo: Bomtempo, 2007. Disponível em: http://www.ufabcdigital.blog.br/wp-content/uploads/2012/02/Giorgio-Agamben-Estado-de-exce%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em 19/05/2013.

CHAUÍ, Marilena: Convite à Filosofia. Ed. Ática, São Paulo: 2010.

HOUAISS, Antonio:Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Ed. Objetiva: São Paulo: 2009.

SILVA, Vírgilio Afonso da:  "Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção". Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais I (2003):607-630.



[1] Pedagoga, Pós Graduada em Coordenação Pedagógica e Psicologia Educacional, acadêmica do curso de Direito pelo Instituto de Educação Superior UNYAHNA.Barreiras (BA), maio 2013.

[2]Filósofo grego cuja teoria dominou o pensamento europeu a partir do séc.XII.

[3]Virgílio Afonso da Silva, Professor Doutor em Direito, livre docente de Direito Contitucional pela USP desde 2004.

[4]Max Weber,Intelectual alemão, jurista e economista, considerado um dos fundadores da Sociologia.

[5]Abordagem sustentada pelo Prof. Dr. em Direito, Virgílio Afonso da Silva, autor de várias obras que percorrem temas que vão da estética à política.