PUBLICIDADE - ENTRE A DEFESA DO CONSUMIDOR E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Karla Giuliane Gomes Garcia e Mozaniel Vaz da Silva

Introdução

O CONANDA, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, aprovou a Resolução nº 163/2014, que “Dispõe sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente”, impondo vários limites à publicidade infantil. Contudo, a APP, Associação de Profissionais de Propaganda, é contra a resolução emitida, e providenciou um manifesto defendendo a liberdade de expressão no âmbito publicitário e que o CONANDA não possui legitimidade para legislar sobre tal assunto.  O problema envolve um aparente confronto entre a liberdade de expressão na atividade publicitária e a proteção aos interesses das crianças e adolescentes, enquanto consumidores, tendo como base a Resolução nº 163/2014 do CONANDA. Assim, estaria tal resolução atendendo a legislação consumerista, sem restringir a publicidade?

Metodologia

Este trabalho foi realizado com base na legislação brasileira vigente, bem como em livros e artigos que tratam sobre o tema. Assim, foi feita uma análise do material pesquisado para chegar as conclusões apresentadas. Além disso, com base na classificação de Gustin e Dias (2006), esta pesquisa enquadra-se em jurídico-sociológica, pelo fato de haver inovações no mundo fático e tentar aplicar a legislações a estas inovações sociais.

Resultados e Discussões 

O Código de Defesa do Consumidor - CDC - em seu art. 4º, inciso I, defende como princípio a vulnerabilidade do consumidor em face do fornecedor, sendo esta vulnerabilidade, técnica, jurídica, fática e informacional. O fato de o consumidor ser considerado vulnerável é o marco ou a base para que ele seja protegido. Mas, o CDC prevê, ainda, aqueles consumidores que são hipervulneráveis. O artigo 39, inciso IV, mostra que o fornecedor não pode se aproveitar de “idade, saúde, conhecimento ou condição social [do consumidor] para impingir-lhe seus produtos ou serviços”. Em complemento, o artigo 37 §2º, considera abusiva a publicidade que “se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança”. (MIRAGEM, 2013)

Especialmente no caso das crianças, por ainda não terem maturidade suficiente para compreender todos os fatos e, consequentemente ter uma opinião crítica formada sobre a sociedade em geral e a prática do consumo,  precisam ser mais protegidas das investidas de quem deseja aproveitar-se dessa sua inocência. Desta forma, o CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) emitiu a Resolução nº 163/2014 que estabelece uma série de orientações que devem ser seguidas por quem trabalha com a publicidade infantil, como por exemplo, não usar linguagem, personagens ou apresentações infantis. Além disso, há a doutrina da proteção integral às crianças (menores de 12 anos) e ao adolescentes (maiores de 12 e menores de 18 anos). 

Embora já exista o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP), que é aplicado pelo CONAR, Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, seguindo a doutrina da proteção integral, quanto mais específicas forem as regulamentações maior será a proteção e melhores os resultados. Contrapondo-se a esta restrição, a Associação dos Profissionais de Propaganda, APP, apelam para a liberdade de expressão, afirmando que este direito está sendo cerceado pela Resolução do CONANDA, questionando até mesmo a sua legitimidade. Além do mais, o artigo 221 da Constituição Federal, especialmente o inciso IV, mostra que a produção e programação da televisão e rádio devem respeitar os valores éticos e sociais. Em complemento, o artigo 220 do mesmo diploma legal indica que é possível a regulamentação destes meios publicitários. É importante destacar que os princípios não são absolutos, podendo ser restringidos no caso concreto, mas sem afetar o seu núcleo essencial, com base na teoria de Alexy (ARAGÃO, 2006). Assim, a regulamentação de publicidade não afeta a liberdade de expressão e, quanto a legitimidade, os autores Eugenio Bucci e Silvio Nunes Augusto Junior (2012) falam que nem sempre é necessária a intervenção estatal por meio de leis e que “há alternativas ao Estado”.

Mas, há o outro lado. Primeiramente, o artigo 220 da Constituição Federal, especificamente o §3º, mostra que compete à lei federal regulamentar “propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”. Assim, o CONANDA não possui legitimidade para realizar essa regulamentação, mas apenas o Congresso Nacional, como bem expresso na Carta Magna Brasileira. Além disso, já existe o Código Brasileiro de Regulamentação Publicitária, que estabelece orientações aos agentes publicitários para que exerçam a sua atividade tendo em mente a doutrina da proteção integral às crianças e aos adolescentes. Tanto que com o passar dos anos, a publicidade infantil tem sido mais cuidadosamente preparada para não cometer abusos e respeitar os limites já estabelecidos pela autorregulamentação - o que foi um grande avanço. 

Deve-se pensar no direito como um equilíbrio entre os dois lados, não beneficiando um e deixando o outro para trás. Do que adiantaria um mercado de brinquedos e produtos infantis sem a sua exteriorização por meio do mercado publicitário? Como ficaria a própria programação infantil na televisão sem a propaganda adequada para a idade? A total proibição da publicidade infantil levanta outros fatores. Os pais passam cada vez mais tempo longe dos filhos e as crianças são colocadas cada vez mais cedo na frente das televisões e passam cada vez mais tempo assistindo a programas infantis e consequentemente expostos a publicidade. Quando as crianças fazem “birras” em lojas e supermercados, os pais veem na compra de produtos, mesmo contra a sua vontade, a oportunidade de sanar o tempo perdido longe de casa e assim “confortar” o filho pela sua ausência. Seria, então, a publicidade a culpada por isso? Não. (FONSECA, 2012)

Os pais que hoje querem essa proibição, são aqueles que crescerem expostos à publicidade mais prejudicial, pois não havia regulamentação, e nem por isso se tornaram adultos insensatos ou foram filhos rebeldes. A publicidade infantil está sendo o “bode expiatório” de uma situação que agrega vários elementos, como os já citados. Ouvir um não faz parte da educação dos filhos, trabalho este que muitos pais não querem ter hoje. Sem falar da liberdade de expressão, um principio constitucional, que permeia todas as esferas da vida, inclusive a comercial. Como mostra Alexandre Santos de Aragão (2006) as pessoas jurídicas são titulares de direitos fundamentais e a proibição da publicidade infantil cercearia o princípio da livre iniciativa no âmbito econômico e do direito de se comunicar com o consumidor através da publicidade, sendo ainda, o produto comercializado lícito.

Referências 

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Liberdade de Expressão Comercial. Revista eletrônica de direito administrativo econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 6, mai/jun/jul de 2006. Disponível na internet: <www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 28 de setembro 2014. 

BUCCI, Eugenio; AUGUSTO JR., Silvio Nunes. A liberdade de imprensa e a liberdade de publicidade. Comunicação, mídia e consumo, São Paulo ano 9 vol.9 n.24 p. 33-48 mai. 2012. 

FONSECA, João Pinheiro. Em defesa da publicidade infantil. Disponível em: <http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1385>. Acesso em: 27 de setembro 2014.

LUZ, Wirlande da. A doutrina de proteção integral à criança. Disponível em: <http://www.crmrr.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=21021:a-doutrina-de-protecao-integral-a-crianca&catid=46:artigos>. Acesso em: 29 de setembro 2014. 

MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 

RODRIGUES, Raoni Andrade. A legitimidade de uma regulação jurídica da publicidade infantil no Brasil. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 103, ago 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12126&revista_caderno=10>. Acesso em: 29 de setembro 2014.

Vade Mecum universitário RT/ [Equipe RT]. - 5. Ed. revista, ampliada e atualizada. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.