PROIBIÇÃO DE REVERSIBILIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: A VEDAÇÃO AO RETROCESSO NO DIREITO DO TRABALHO.

José Inácio Vilar Guimarães Rodrigues

Robston Cesar de Lima Filho

            Amanda Tomé Travincas

 

 

RESUMO

Os direitos constitucionais fundamentais, bem como dispostos em nossa Constituição, são representações basilares para a formação de um Estado Democrático de Direito, sobretudo em função da limitação aos poderes e das garantias sociais e individuais aos cidadãos. Por essas características é observado que os direitos fundamentais ocupam um patamar de prestígio em nosso ordenamento jurídico, sendo qualquer violação uma afronta a nossa ordem constitucional, o que, portanto, nos remete a ideia de que nenhuma medida tomada pelo Estado poderá comprometer sua efetividade, principalmente no que tange ao seu caráter progressivo. Isto nos leva, por consequência, a categoria da proibição do retrocesso, tendo por escopo no presente trabalho as relações fundamentais referentes aos direitos dos trabalhadores, sendo estes pilares fundamentais na construção de uma sociedade democrática e, por isso, devidamente merecedores de mecanismos de proteção frente a alterações e supressões estatais que venham alterar ou suprimir o núcleo essencial do referido direito do trabalho.

1. Introdução

O chamado princípio da proibição do retrocesso é o que podemos denominar de uma garantia constitucional existente de forma implícita, pois guarda fundamentos em princípios já existentes em nosso ordenamento, tais quais, os da segurança jurídica e dignidade da pessoa humana, bem como o da máxima efetividade dos direitos constitucionais, entretanto, vale ressaltar o caráter autônomo deste princípio, bem como sua carga valorativa dotada de eficiência própria. Este princípio nos remete a ideia de que ao implementar determinado direito fundamental, não deve Estado retroceder naquilo que esta passível de fruição, ou seja, estabelecida uma prestação de direito fundamental, não há que se falar em qualquer ato estatal que venha a restringir o direito fundamental, salvo nas situações em que há a compensação através de medidas efetivas e correspondentes. Vale ainda ressaltar a característica de progressividade que possuem os direitos fundamentais sócias, sendo qualquer alteração a eles realizada, devedoras de correspondência as mutações sociais com o intuito de moldar a sociedade, entretanto, tal alteração deve implicar acréscimo as prestações estabelecidas do direito fundamental em questão.

Considerando o Direito ao trabalho presente em nossa Constituição, temos característica expressa da natureza progressiva o Art.7º de Carta Magna, no qual é dito que “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.”. Diante do exposto, e clara a intenção do legislador de firmar uma posição fundamental ao direito trabalhista, vez que perceptível o intuito de melhora progressiva da condição anterior.   

2. Princípio da Proibição do Retrocesso.

O Atual parâmetro do principio da proibição do retrocesso, é definido, segundo Ingo Sarlet, de forma que Se tomarmos a ideia da proibição de retrocesso em um sentido amplo, significando toda e qualquer forma de proteção de direitos fundamentais em face de medidas do poder público, com destaque para o legislador e o administrador, que tenham por escopo a supressão ou mesmo restrição de direitos fundamentais (sejam eles sociais, ou não) constata-se, em termos gerais, que, embora nem sempre sob este rótulo, tal noção já foi, em maior ou menor medida, recepcionada no âmbito do constitucionalismo latino-americano. (SARLET. 2006).

Então, pode-se afirmar que, de certo modo, o principio da proibição do retrocesso é uma referência notadamente constituída e levada a cabo em nosso país, isso se deve em grande parte, ainda na linha de pensamento de Ingo Sarlet, a intima associação à necessidade de preservação da segurança jurídica, na qual o princípio da proibição do retrocesso representaria uma faceta do princípio da segurança jurídica, configurando dessa forma uma espécie de subprincípio deste ultimo.

Em direção ao cerne da questão acerca dos direitos trabalhistas, tanto analisados sob o aspecto social, tento quanto em aspectos de garantias individuais, temos, segundo J. J. Canotilho, o entendimento de que o princípio do não retrocesso social dispõe que os direitos sociais, uma vez obtido determinado grau de realização, passam a constituir tanto uma garantia institucional quanto um direito subjetivo, limitando a reversibilidade dos "direitos adquiridos", o que, para ele, violaria o princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural. (CANOTILHO, p. 338).

3. Vedação ao Retrocesso no Direito do Trabalho

Diante dos parâmetros acima expostos, passamos à análise de algumas alterações legislativas ou jurisprudenciais e da sua constitucionalidade consoante ao caminho constitucional da vedação ao retrocesso. Segundo o entendimento do Juiz do trabalho do Tribunal regional do trabalho, Geraldo Magela, observa-se o caráter progressivo das prestações advindas dos direito fundamentais desde a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que por volta de 1943, regulamentou o pagamento do adicional de insalubridade, o qual visa a retribuir o empregado pela labuta em ambiente nocivo à sua saúde, tendo o referido regramento utilizado como base de cálculo da mencionada verba o salário mínimo, conforme entendimento da Súmula n. 2281 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, que estava vigendo desde 1985, com nova redação em 2003. (MAGELA, p. 66).

Ainda seguindo a linha do referido Autor:

“A Constituição Federal de 1988 estabeleceu como um dos direitos individuais dos trabalhadores o adicional de insalubridade, em seu art. 7º, inciso XXIII, trazendo a redação uma norma de eficácia limitada, pois menciona “na forma da lei”.

Esclareça-se, exige a Carta Magna uma lei infraconstitucional para regulamentar a matéria para que haja a fruição do direito, tendo entendido, naquele momento, a maioria jurisprudencial que o direito estava implementado pela normatização Celetista.

Insta sublinhar que a moderna doutrina constitucional aduz acerca da chamada eficácia paralisante das normas constitucionais, que significa que a norma constitucional, ainda que classificada como limitada, possui carga valorativa e impede, no mínimo, a atuação contrária do poder público em relação a um direito estabelecido constitucionalmente.” (MAGELA, p. 67).

No decorrer desta construção acerca da não retroação dos direitos fundamentais de caráter trabalhista, nos deparamos com diversos episódios que constituíram marco nesse processo, a exemplo do referente à Sumula Vinculante nº 04 do STF, que entendeu estar vedada a utilização do salário mínimo como base de cálculo para vantagem de empregado, tendo, em contrapartida, o TST alterado o entendimento da Súmula nº 228, esclarecendo que a base do calculo seria o salario básico. Novamente, em sede de medida liminar, Reclamação 6.266-MC/DF, o STF suspendeu o entendimento do TST, com base na já referida Súmula vinculante nº 04.

A situação criada em função das divergências nos julgados do STF e TST, criaram um ambiente no qual o princípio da proibição do retrocesso foi colocado em evidência, observa-se ofensa a este principio vez que já havia um direito constitucional fundamental do trabalhador, devidamente implementado, que, por decisões do Poder Judiciário, colocou os trabalhadores em uma situação de vazio legislativo, sem uma base quantificável expressamente fixada.

O que se observa atualmente, no que tange a decisões judiciais, é uma não uniformidade em relação a verificação do principio da proibição de retrocesso social em matéria trabalhista, visto existir uma gritante disparidade nos julgados.

Por outro lado, no que se refere a um perceptível avanço, podemos citar os avanços e conquistas à Súmula n. 372 do TST, que garante a manutenção da gratificação aos empregados que a percebiam em razão de função por dez ou mais anos que, sem justo motivo, são revertidos ao seu cargo efetivo, tal entendimento é referente a aplicação empírica do princípio da não retrocessão social, conforme brilhante voto da lavra do Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira:

   

Deve-se ressaltar, no entanto, e mais uma vez, que não há uma proibição de modificação da legislação e sim uma vedação a que essa modificação implique perda do nível de concretização do direito social. A caracterização do retrocesso estaria no fato de afastar-se a tese consagrada em casos que tais, que tem a sua regência determinada a partir do art. 468, da CLT, o qual autoriza a declaração da ilegalidade da modificação promovida pelo empregador e assegura o direito à íntegra do valor correspondente à função de confiança exercida, substituindo-o pela norma interna, que criou o cálculo proporcional ao período de exercício.” (Brasília. TST-RR-1235/2004-028-04-00.4. ALBERTO LUIZ BRESCIANI DE FONTAN PEREIRA Ministro Relator).

Por fim, vale ressaltar, a nova redação do § 2º do artigo 114, com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional n. 45, de 08 de dezembro de 2004, que prevê a vedação ao retrocesso em matéria de dissídio coletivo, vez que determina ao Poder Judiciário do Trabalho que, quando proferida a sentença normativa, que essa respeite as condições acordadas anteriormente, ou seja, as conquistas da categoria em negociação coletiva anterior ou dissídios pretéritos não podem ser apenas suprimidas, devem ser respeitadas, como o claro querer constitucional da progressividade nos direitos sociais, inclusive tal matéria foi abordada pelo Egrégio TST, no PROC. n. TST-AIRR-25/2006-471-04-40.0.

 

4. CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, faz necessária a lembrança de que a Carta Constitucional de 1988 traz como fundamentos da República Federativa do Brasil os valores sociais do trabalho, referenciando um estado que deve zelar pela preservação de seus direitos sociais, assim como pela justiça em relação a estes, se valendo para tanto do principio da vedação de retrocesso com instrumento de garantia dos direitos sociais e fundamentais do trabalho.

REFÊRENCIA

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n. 228. Histórico: Redação original - Res. 14/1985, DJ 19.09.1985 e 24, 25 e 26.09.1985. N. 228 ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO. O PERCENTUAL DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE INCIDE SOBRE O SALÁRIO-MÍNIMO DE QUE COGITA O ART. 76 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n. 04. SALVO NOS

CASOS PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO, O SALÁRIO MÍNIMO NÃO PODE

SER USADO COMO INDEXADOR DE BASE DE CÁLCULO DE VANTAGEM DE

SERVIDOR PÚBLICO OU DE EMPREGADO, NEM SER SUBSTITUÍDO POR

DECISÃO JUDICIAL. Diário Oficial da União, Brasília, 09 de maio 2008. p. 1.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n. 228. Histórico: Redação original

- Res. 14/1985, DJ 19.09.1985 e 24, 25 e 26.09.1985. N. 228 ADICIONAL DE

INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO. O PERCENTUAL DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE INCIDE SOBRE O SALÁRIO-MÍNIMO DE QUE COGITA O

ART. 76 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO

BRASÍLIA. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n. 372. I - Percebida a

gratificação de função por dez ou mais anos pelo empregado, se o empregador,

sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não poderá retirar-lhe a

gratificação tendo em vista o princípio da estabilidade financeira.(ex-OJ n. 45

da SBDI-I - inserida em 25.11.1996) II - Mantido o empregado no exercício da

função comissionada, não pode o empregador reduzir o valor da gratificação.

(ex-OJ n. 303 da SBDI-I - DJ 11.08.2003). Diário de Justiça 20, Brasília, 25 de

abril de 2005. p. 22.

BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Rcl 6266. Rel. Min. Cármen Lúcia, Ano

2008, Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 24 fev. 2011.

BRASÍLIA. Tribunal Superior do Trabalho. TST-RR-1235/2004-028-04-00.4. Rel.

Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Ano 2009, Disponível em: <http:/

/www.tst.jus.br>. Acesso em: 25 fev. 2011.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª Ed.

MELO, Geraldo Magela. A Vedação ao Retrocesso e o Direito do Trabalho. Disponível em: http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_82/geraldo_magela_melo.pdf. Acesso em: 22 jul. 2013.

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 436-441. No mesmo sentido, SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas notas em torno da proibição de retrocesso na esfera dos direitos fundamentais. Direito & Justiça, Porto Alegre , v.32, n.1 , p.09-50, jan./jun. 2006.