PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS NO PROCESSO PENAL

EARLY PRODUCTION OF EVIDENCE IN CRIMINAL PROCEEDINGS 

George Dantas Saraiva (1)

Francisco Bernardo de Araújo (2)

Marcelo Patrick Dias de Pinho Oliveira (3) 

RESUMO 

Certas situações que ocorrem na instrução probatória do processo penal merecem uma análise mais aprofundada, isso ocorre com a antecipação de provas feita pelo Juiz, certas provas, se não produzidas em momento oportuno, correm sério riscos de desaparecerem com o passar do tempo. Em virtude disso o próprio legislador criou mecanismos capazes de resolver tal impasse. Porém tais mecanismos, como tudo na vida e no direito, não podem ser usados de maneira exagerada, pois se assim proceder o aplicador (juiz), estará ,em ultima análise, ferindo o próprio estado democrático no que se refere às garantias constitucionais do cidadão.

ABSTRACT 

            Certain situations that occur in education probative of criminal deserve further analysis, this occurs with the anticipation of evidence taken by Judge, certain evidence is not produced in a timely, at serious risk of disappearing over time. As a result the legislature itself has created mechanisms to resolve this impasse. But such a mechanism, like everything in life and law, can not be used in an exaggerated manner, as if doing so the investor the right, is in the final analysis, injuring himself democratic state with respect for constitutional guarantees of citizens. 

  1. 1.     INTRODUÇÃO

            A prova antecipada surgiu com o objetivo de dar aplicabilidade prática ao princípio da busca da verdade real. Ou seja, com a antecipação das provas, tidas como urgentes, evita-se que as mesmas desapareçam dificultando o fim que perseguido pelo Processo Penal (busca da verdade dos fatos).

            A doutrina discute o que se deve entender por “provas urgentes”, como podemos observar da seguinte explanação feita pelo magistério de Tourinho Filho:

Que provas são estas? Depende do caso concreto. Todavia, em se tratando de perícias, busca e apreensão, e até mesmo de audiência de testemunhas, não se lhes pode negar o caráter de urgência, à semelhança do que ocorre com o art. 92 do CPP, ao dispor que, sendo suscitada questão prejudicial, séria e fundada, a respeito do estado civil das pessoas, o curso da ação penal ficará suspenso até que no juízo cível seja a controvérsia dirimida por sentença passada em julgado, sem prejuízo, entretanto, da inquirição das testemunhas e de outras provas de natureza urgente".           

Data vênia posições em contrário está com razão o autor, pois o conceito de provas urgentes depende sempre do caso concreto, uma vez que cada caso possui provas diferentes e, que essas podem ser ou não urgentes, considerando-se sempre as conseqüências de sua não produção naquele momento.

  1. 2.    PREVISÃO LEGAL

            No Código de Processo Penal encontramos a previsão para a produção antecipada de provas nos seus artigos 156, I e 366 que dispõem o seguinte:

Art.156- A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I- Ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

Art.366- Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312. 

Além dos requisitos da necessidade, adequação e proporcionalidade da medida, o CPP exige que sejam preenchidos alguns requisitos para que o juiz possa se valer da produção antecipada de provas prevista no art.366 do Código de Processo Penal. O primeiro desses requisitos é o de que o acusado seja considerado revel, ou seja, que sendo citado por edital o acusado não compareça nem constitua advogado para representar-lhe no curso do processo. O outro requisito que deve ser preenchido é o de que a prova deve, conforme o caso concreto, ser considerada urgente.

            Como o juiz diante da revelia do acusado deve suspender o processo e também o prazo prescricional. Restaria sem dúvida uma perda processual muito grande se não fosse possível a ele (juiz) determinar a produção antecipada das provas consideradas urgente, uma vez que estas poderiam, sem sobra de dúvida, vir a desaparecer com o decurso do temporal, frustrando desse modo a finalidade da instrução probante.

  1. 3.    URGENCIA DAS PROVAS TESTEMUNHAIS

            Como citado anteriormente neste trabalho, fazendo-se referencia ao magistério de Tourinho Filho, seria possível se dizer que a ouvida de testemunhas possui, por si só, caráter de urgência, baseado na ação do tempo sobre a memória das pessoas?

            Da indagação feita no parágrafo anterior surgem calorosas discussões doutrinárias. Pois o que se afirma não é a ouvida da testemunha quando se encontra em grau de enfermidade ou qualquer outro mal que lhe atinja a capacidade para prestar seu testemunho futuramente, neste caso não há qualquer dúvida que deve ser providenciado seu testemunho o quanto antes. Mas aqui se refere à situação de normalidade, onde a testemunha se encontra em perfeitas condições, mas mesmo assim o juiz presume que se não forem ouvidas naquele momento em que se dar a suspensão do processo possam, as mesmas a, com o passar do tempo, virem a esquecer o que presenciaram na ocorrência do fato delituoso.

            Respeitada doutrina defende ser sempre possível a ouvida de testemunhas para se evitar a ação do tempo em suas memórias, esta doutrina se baseia no art. 92 do CPP, que assim dispõe:

Art. 92.  Se a decisão sobre a existência da infração depender da solução de controvérsia, que o juiz repute séria e fundada, sobre o estado civil das pessoas, o curso da ação penal ficará suspenso até que no juízo cível seja a controvérsia dirimida por sentença passada em julgado, sem prejuízo, entretanto, da inquirição das testemunhas e de outras provas de natureza urgente.

 

O legislador, nesse artigo, considerou a prova testemunhal como sendo de natureza urgente, pois ao se referir à “inquirição das testemunhas e outras provas de natureza urgente” deu à prova testemunhal total urgência que deve ser dada a qualquer outra prova que corra o risco de desaparecer. Ora, se a simples suspensão do processo para se aguardar a prova do estado de fato, que será produzida pelo juízo cível, enseja questão prejudicial ao julgamento do processo, requerendo-se que o mesmo seja suspenso, porque a inquirição de testemunhas não poder ser feita de imediato. Quem garante que essa testemunha não irá morrer, desaparecer ou se tornar incapaz de prestar seu depoimento em um momento futuro?

            Na jurisprudência podemos citar o seguinte julgado favorável a esse entendimento doutrinário:

Na hipótese de suspensão do processo em face da revelia do réu, a memória testemunhal deve ser colhida no tempo mais próximo do fato, em face do fenômeno humano do esquecimento, sendo de rigor a sua produção antecipada. Exegese dos arts. 82 e 366 do Código de Processo Penal" (STJ - 6ª T. - RESP nº 169.324/SP - Rel. Min. Vicente Leal - DJU nº 195, de 9.10.2000, p.207).

 

            Assim melhor entendimento, hoje, é aquele em que o juiz, em seu livre convencimento motivado, trilhe pela apreciação do depoimento das testemunhas, tão logo suspenda o processo por conta da revelia do acusado. Evita-se com isso que maiores prejuízos sejam provocados futuramente ao deslinde do processo.

  1. 4.     PROVA ANTECIPADA E O CONTRADITÓRIO

O juiz ao suspender o processo por que o réu foi revel, pode proceder á produção de provas consideradas urgentes, como dito acima, porém uma dúvida surge na dogmática do processo e que muitas vezes da ensejo à decisões conflitantes. É o caso de como conciliar a prova antecipada feita sem á presença do réu com o princípio do contraditório e da ampla defesa?

A pergunta feita no parágrafo anterior foi alvo do julgamento proferido pela 10ª Câmara do Egrégio Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo que julgou a apelação n.º 1.312.505/9, dando ao art. 366 do Código de processo Penal o seguinte entendimento:

                                      A nova redação do art. 366 do Código de Processo Penal procura dar validade ao preceito constitucional que assegura aos acusados o exercício da ampla defesa e do contraditório. A primeira pressupõe defesa técnica e autodefesa. Esta, por sua vez, consiste no direito de audiência e no direito de presença, inconciliáveis, à toda evidência, com a revelia decorrente de citação ficta.

            Como conciliar a produção de provas antecipadas com o contraditório?

O entendimento da maioria é de que nesse ponto há um choque entre princípios. De um lado temos o princípio da busca da verdade real (ou aproximadamente real), consectário de todo o processo penal, e do outro temos o princípio do contraditório, direito fundamental do indivíduo frente ao Estado consagrado em nossa Carta Constitucional.

            Nesse ponto devemos relembrar que quando nos deparamos com um conflito entre princípios devemos resolvê-lo pela ponderação de interesses envolvidos, o que torna mais ainda subjetivo a resolução do caso concreto posto para o magistrado.

            Aqui merece uma observação feita pelo Douto membro do Ministério público do Estado de São Paulo, o promotor de justiça Renato Marcão, para ele entender pela prevalência do princípio da verdade real revela-se instrumento vigoroso de salvaguarda dos direitos da sociedade e do cidadão-réu, que em razão do passar dos tempos e do inevitável esquecimento que apaga da memória fatos pretéritos relevantes, não raras vezes se vê submetido ao constrangimento de uma sentença judicial absolutória por falta de provas suficientes para a condenação, a imprimir em sua história muitas vezes honrada a pergunta que provavelmente jamais se apagará perante todos: Cometeu ou não o delito?

             É por essa e outras razões que o juiz diante de um caso concreto deve proceder da melhor forma, se do desenrolar do processo ficar claro que pode se proceder com a antecipação de provas, que assim proceda, sempre tendo em vista que o réu tem direito à ampla defesa e ao contraditório, mesmo que este seja postergado para outro momento, quando o réu retornar ao processo. Porém, a colheita da prova de maneira antecipada nos casos em que a lei permitir se mostra sobre tudo uma garantia ao réu de que não vai ser condenado sem observância de situação que poderia até mesmo lhe inocentar.

  1. 5.     O ART.156 E A INICIATIVA PROBATÓRIA DO JUIZ

            A reforma processual do CPP ocorrida em 2008 pela entrada em vigor da lei 11.690/08 deu ao Juiz os poderes para proceder com a produção de provas antecipadas até mesmo no curso do Inquérito Policial. Tudo isso levando em conta a prevenção contra o perecimento da prova tendo em vista a verdade material (real) que permeia o processo penal. Assim é a redação do referido dispositivo:

Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:  

        I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida

Porém tal medida, como observa Nestor Távora, deve ser tomada como cautelaridade extrema, observando-se a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida, diga-se o ato deve ser de forma escrita, para que uma suposta busca da verdade incondicional não dispa o magistrado dos valores inerentes ao mister jurisdicional.

Esse tipo de prova produzida de oficio pelo magistrado, seja durante o Inquérito ou durante a Ação Penal, deve ser posteriormente passada pelo crivo do contraditório, pois não é dado ao juiz substituir a iniciativa das partes, pelo contrário o papel dele é complementar, visando apenas a esclarecer duvidas que por ventura surjam no curso do processo. A iniciativa do juiz, como lembra o exímio autor supracitado, encontra limites na imparcialidade exigida para o julgamento do feito.

Agindo o magistrado com exagero na antecipação de provas por iniciativa própria poderá ser contra ele levantado o incidente de impedimento (art. 254, IV, CPP) ou suspeição (art. 252, CPP). Uma vez que não é dado ao juiz assumir o papel de defensor ou acusador do réu em nenhum processo penal, esse papel processual pertence ao Ministério Publico e à defesa, sendo a atividade do juiz meramente complementar sobre a instrução probatória. Evita-se com isso ferir a imparcialidade do Poder Judiciário, garantia de todo cidadão.

Com pensamento mais severo Geraldo Prado afirma que o art. 156 do CPP traz ao Direito Processual Penal brasileiro resquícios de regimes ditatoriais, que devem ser banidos do sistema de garantias atuais do cidadão, assim cito trecho de sua obra:

O art.156 do Código de Processo Penal brasileiro, em sua parte final, que contempla o juiz com poderes probatórios, na linha de do art. 209 do mesmo código, é fruto do processo penal do Estado Novo, período autoritária em que a supressão das liberdades contava com apoio do Sistema de Justiça Penal, para fazer valer os interesses da ditadura Vargas.

  1. 6.    CONCLUSÃO

            Pelo exposto, chegamos à conclusão que mesmo havendo previsão legal para o juiz proceder à antecipação de provas, ainda de forma oficiosa, ele não pode se descurar dos ditames constitucionais sobre o assunto, sobretudo daquele que consagra como garantia do cidadão a ampla defesa e o contraditório. Uma vez que a não observância desses postulados pode agredir de morte o principio da imparcialidade do órgão do Poder Judiciário.

            Tendo em vista a busca da verdade real o magistrado tem o dever de proceder com auxilio às partes, porém sem que, em nenhum momento, ouse substituí-las. Isso porque o Processo Penal além de ser instrumento para o exercício do poder punitivo do Estado para com o delinqüente é, antes de tudo, uma garantia constitucional do cidadão contra a ingerência estatal em sua liberdade.           

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

  1. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado, vol. 1, 2.ª ed., São Paulo: Saraiva, 1997, págs. 628/629.
  1. TJAC/SP – 10ª T –AP n.º 1.312.505/9- Rel. Juiz Vico Mañas – DJSP 01/02/03.p. 123.

 

  1. TÁVORA, Nestor. Curso de Direito processual Penal. 6. Ed. Salvador: Jus podivm, 2011.p.379.
  1.  PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório. A conformidade constitucional das leis processuais penais. 4. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. P. 140.

 

  1. STJ - 6ª T. - RESP nº 169.324/SP - Rel. Min. Vicente Leal - DJU nº 195, de 9.10.2000, p.207.
  1. CPP- Código de Processo Penal -  Arts.92, 156, I e 366.