Princípio da Insignificância e sua aplicação no Direito Penal Brasileiro

Emiliane Radael Mattos (Acadêmica de Direito da Faculdade UNES – Cachoeiro de Itapemirim/ES)

Resumo: Trata-se de uma análise sumária do Princípio da Insignificância no Direito Penal, ressaltando-se o que este deve intervir minimamente, e impor sanções quando esta for realmente necessária, deste modo, o Direito Penal só intervêm nos casos em que a ofensa ao bem jurídico protegido é relevante e essencial, excluindo do âmbito da proibição penal as infrações leves, sendo aplicado somente quando esta ofensa for intolerável e, mesmo assim, depois de esgotados todos os outros meios de proteção, que não os penais. Neste contexto surge o Princípio da Insignificância, que restringe a atuação do Direito Penal.

 

Palavras-chave: Princípios; Sistema Jurídico Penal; Princípio da Insignificância; Excludente de Ilicitude.

1. Introdução

 

            O tema principal deste artigo é a aplicabilidade do princípio da insignificância no sistema penal brasileiro e para melhor compreensão do assunto, é indispensável citar o princípio da intervenção mínima, como delimitador do Jus Puniendi, faz com que o legislador selecione, para fins de proteção pelo Direito Penal, os bens mais importantes existentes na sociedade. Com este propósito, uma vez escolhido os bens a serem tutelados estes.

            Por definição princípio é conceituado como:

“O mandamento nuclear de um sistema, seu verdadeiro alicerce, de sorte que sua violação é mais grave do que a agressão a uma norma, porquanto implica repúdio a todo um sistema. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais.”[1]

            Segundo Claus Roxin[2], “o chamado princípio da insignificância, permite,na maioria dos tipos, excluir os danos de pouca importância”. Deste modo, entende-se que não “há crime de dano ou furto quando a coisa alheia não tem qualquer significação para o proprietário da coisa”.

           

2. Princípio da Insignificância

2.1 Considerações gerais

            Quando a ofensa ao bem jurídico tutelado for de valor insignificante, e para isso é necessário que este desvalor esteja devidamente comprovado, nestes casos, o bem jurídico ofendido é de conteúdo tão pequeno que não existe nenhuma razão para a aplicação da pena.

            Para Toledo, o Direito Penal, por sua natureza fragmentária, só vai até aonde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não devendo ocupar-se de bagatelas.

            A jurisprudência concetua o Princípio da Insignificância da seguinte maneira:

O princípio da insignificância pode ser conceituado como aquele que permite desconsiderar-se a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade, constituem ações de bagatelas, afastadas do campo da reprovabilidade, a ponto de não merecerem maior significado aos termos da norma penal, emergindo, pois, a completa falta de juízo de reprovação penal (TACrim-SP, Apel. 1044.889/5, Rel. Breno Guimarães, 24/09/1997) (MAIA, 2009, não paginado).

            Com a aplicação deste princípio, o campo de atuação do Direito Penal fica restringido apenas a atuação na proteção dos bens jurídicos indiscutíveis. Neste entendimento, explica Bitencout[3]:

"A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio (...) é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal."

            Deste modo, mesmo algum fato se enquadrando em determinado tipo penal, este pode apresentar irrelevância material, uma vez que não chega a atingir efetivamente nenhum bem jurídico.

            Mesmo o sistema brasileiro não admitindo o princípio da bagatela, segundo entendimento da doutrina e jurisprudência:

APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 155, §4º, I, DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO-APLICAÇÃO. POSSE TRANQÜILA E EFETIVA SUBTRAÇÃO DA RES FURTIVA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A MODALIDADE TENTADA DO FURTO. IMPOSSIBILIDADE. LAUDO PERICIAL DE ARROMBAMENTO. CONFECÇÃO POR DOIS POLICIAIS CIVIS COMPROMISSADOS. PRESTABILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 159, §1º, DO CPP. DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO SIMPLES PREJUDICADA. RECURSO DESPROVIDO. Apelação Criminal, 1.0116.05.004454-8/001, Des.(a) Antônio Armando dos Anjos, j. 12/02/2008

            Todavia, este princípio é aplicado por analogia, desde que não seja contrário a lei, sendo que para muitos este princípio é espécie do gênero “ausência de perigosidade social e, embora o fato seja típico e antihurídico, a conduta pode deixar de ser considerada criminosa”.[4]

            Consoante Gomes[5], a letra da Lei é só o ponto de partida da construção do Direito. A lei é o princípio, o meio e o fim de toda interpretação, quando não conflita com o Direito. Havendo antagonismo entre a letra da lei e o Direito e seus princípios gerais, deve preponderar, na medida do possível, o último.

“No que se relaciona com a admissibilidade do princípio da insignificância no Direito penal já não há o que se discutir. Dos fatos mínimos (dos delitos de bagatela) não deve cuidar o juiz (minina non curat praetor). Esse importante princípio, já aplicado no tempo do direito romano e recuperado depois da segunda guerra por Roxin (Kriminalpolitik und Strafrechtssystem, em JUS, 1964, p. 373 e ss.), vem sendo reconhecido amplamente pelos juízes e tribunais, especialmente nos delitos de descaminho, furto etc”.

            Para o magistrado Rafael Gonçalves de Paula (autos nº 124/03 - 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas/TO) acabou por enquadrar o princípio da insignificância ao caso concreto analisando, para isso, todos os aspectos materiais deste. Senão vejamos:

"Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.

Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional).

Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.

Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário.

Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia.

Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra - e aí, cadê a Justiça nesse mundo?

Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.

Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.

Simplesmente mandarei soltar os indiciados.

Quem quiser que escolha o motivo.

Expeçam-se os alvarás. Intimem-se

Palmas - TO, 05 de setembro de 2003.

Rafael Gonçalves de Paula

Juiz de Direito (Revista Consultor Jurídico, 2 de abril de 2004)

2.2 Características

            Para a doutrina em geral, a distinção entre a criminalidade e a insignificância, dá-se, entre outras, pelas seguintes características[6]:

  • Escassa probabilidade;

  • Ofensa a bem jurídico de menor relevância;
  • Habitualidade;
  • Maior incidência nos crimes contra o patrimônio e no trânsito;
  • Dispensabilidade da pena do ponto de vista da prevenção geral.

            Por outro lado o STF elencou os seguintes critérios materiais para a aplicação do princípio da insignificância:

  • Mínima ofensividade da conduta do agente;

  • Nenhuma periculosidade social da ação;
  • O reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e,
  • A inexpressividade da lesão jurídica provocada.

            Assim sendo, ante a análise dessas características, “não deve o delegado instaurar o inquérito, o promotor de jsutiça oferecer denúncia, o juiz recebê-la ou, após a instrução, condenar o acusado. Há no caso exclusão da tipicidade do fato e, portanto, não há crime a ser apurado”.[7]

            Em outras palavras, Prado[8] afirma que, "o princípio da insignificância é o instrumento para a exclusão da imputação objetiva de resultados", ou seja, é um critério para determinação do injusto penal.

            Manifestou-se sobre este assunto, Brito[9], afirmando que:

"... o que mais fomenta a impunidade e o recrudescimento da criminalidade é muito mais a ausência de resposta efetiva aos grandes desmandos e ilicitudes da Nação, condutas que não raras vezes sangram os cofres públicos e o bolso dos cidadãos que trabalham e pagam impostos, bem como no não atendimento das necessidades básicas das pessoas".

            É importante mencionar que a aplicação do princípio da insignificância não pode ser arbitrário porque a aplicação desproporcional deste pode causar a sensação de impunidade para aqueles que cometem pequenos crimes. Pode-se afirmar para sua aplicação deve também se aferir por todas as circunstâncias que compreendem cada fato concreto.

3 Considerações Finais

            As peculiaridades de cada fato são de extrema importância, visto que estas determinam a possibilidade (ou não) de aplicação do princípio da insignificância. Para que não ocorra o desvirtuamento do real sentido deste instituto, para que este não seja aplicado de maneira a permitir a difusão da impunidade.

            Desta feita, por menor que seja o valor do bem jurídico ameaçado, a utilização dos critérios materiais do STF, são insuficientes, pois necessária se faz a análise dos os autores do fato, bem como das condições econômicas da vítima e a aferição do valor subjetivo (sentimental) que a vítima confere ao seu bem violado.

4 Referências Bibliográficas

AZEVEDO, André Boiani e. Princípio da insignificância no direito penal. Disponível em: <http://www.azevedo.adv.br/lermais_materias.php?cd_materias=51>. Acesso em: 29 março 2012.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Vol. 1. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

BRITO, Fernando Célio de. Boletim, IBCCRIM 116/7, ano 10, julho. 2002. Disponível em: <http://daleth.cjf.jus.br>. Acesso em: 21 mar. de 2012.

GESSINGER, Ruy Armando. Da dispensa da pena: perdão judicial. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1984.

GOMES, Luiz Flávio. Tendências político-criminais quanto à criminalidade de bagatela. Revista Brasileira de Ciências Criminais, número especial de lançamento.

GOMES, Luiz Flávio. Delito de bagatela, princípio da insignificância e princípio da irrelevância penal do fato. Disponível em: <http://www.lfg.com.br>, acesso em 28 mar. 2012.

 

JESUS, Damasio E. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2002.

 

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. Disponível em: <http://daleth.cjf.jus.br>. Acesso em: 04 abril. de 2012.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Geral. Vol. 1. 23ª edição revista e atualizada. São Paulo: Atlas, 2006.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Princípio da insignificância é aplicado a furto de objetos de pouco valor.  07 março 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/ cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=173584>. Acesso em: 29 março 2012.


[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de direito administrativo.

[2] ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal.

[3] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal.

[4] GESSINGER, Ruy Armando. Da dispensa da pena: perdão judicial.

[5] GOMES, Luiz Flávio. Delito de bagatela, princípio da insignificância e princípio da irrelevância penal do fato.

[6] Por GOMES, Luiz Flávio. Tendências político-criminais quanto à criminalidade de bagatela.

[7] QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi. A autoridade policial e o princípio da insignificância.

[8] PRADO, Luis Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro.

[9] BRITO, Fernando Célio de. Boletim, IBCCRIM 116/7, ano 10, julho. 2002.