Agamenon Suesdek da Rocha1

1.1 O PROBLEMA DO TRIBUTO E A EVASÃO FISCAL.

Não se desconhece que, em geral, a maioria dos tipos de conhecimento da humanidade pode ser vista sob vários prismas, e a história evolutiva da sanção não foge
à esta moldura. Com efeito, é de se considerar a ótica de que, desde os séculos passados, filósofos e pensadores das mais diversas escolas culturais e seguimentos investigativos da vida em sociedade, v.g., da escola dos estudos da moral, da religião, da economia política e da ciência dos costumes, dedicaram sua atenção ao tema das sanções e produziram trabalhos importantes, embora o tenham feito sem o balizamento metodológico e rigor que nos dias de hoje se espera e se exige em estudos da ciência.
Estes trabalhos que se convolaram em ensinamentos nos foram mostrados pela própria história das doutrinas da filosofia. Assim é que, amparado pelo magistério de Michel Villey2, o qual asseverou que "costuma-se recorrer intensamente à história porque a história das doutrinas da filosofia do direito pode ser considerada um método de
iniciação aos estudos de filosofia do direito" 3, entendemos nós que, no caso presente, o
recorrer à "história das doutrinas da filosofia" pode ser considerado também como "um método de iniciação aos estudos" das sanções, razão pela qual o adotamos.
Como já dissemos anteriormente no item Indicações gerais sobre a história das teorias da sanção, dizemos agora, neste item, que o mesmo fato se deu com as sanções de natureza tributária, às quais, desde os séculos passados, filósofos e pensadores das mais diversas escolas culturais e seguimentos investigativos da vida em sociedade, v.g., dos estudos da moral, da religião, da economia política, da ciência dos costumes, dedicaram sua atenção e produziram trabalhos importantes.
Particularmente no que diz respeito às teorias das sanções de natureza tributária, desde as mais antigas até as modernas, tais teorias tiveram em seus
1 Mestre e Doutorando em Direito Tributário pela PUC-SP.
2 VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno / Michel Villey: trad.
Cláudia Berliner. 2a. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. pp. 3-13.
3 Idem, obra cit., p. 3.
balizamentos, embora não exclusivamente, a idéia antiga e sempre presente entre os povos de que o tributo é um dano que serve para alimentar privilégios, que é o tributo, enfim, decorrente de injustiças e da necessidade de submissão do súdito ao soberano.
Angela Maria da Motta Pacheco nos dá uma nítida panorâmica desta situação e evolução a que nos reportamos e que diz respeito ao tributo e à evasão fiscal, como expõe:
Isto era tão mais presente quando todos os poderes concentravam-se em mãos de um só homem: o soberano na Idade Média e o monarca absoluto na Idade Moderna.
Com o evoluir do Estado até os nossos dias e com a presença no mundo dos Estados Sociais Democratas este sentido foi-se modificando. De um lado diluiu-se a figura única do soberano na complexa máquina administrativa. Diluiu-se a responsabilidade pessoal de um, na responsabilidade de muitos que encarnam a figura ideal do Estado.
De outro lado, tomou-se a consciência do verdadeiro significado do Tributo: os cidadãos conferem ao Estado parcela de seu patrimônio para que este cumpra os objetivos que as constituições lhe conferem e confiam, principalmente quanto às necessidades básicas de saúde, educação, segurança, energia e transporte.4
Neste sentido também leciona José Manoel Arruda Alvim Netto embora discorrendo em um contexto que diz respeito aos princípios fundamentais do processo judicial tributário. Assinala:
Se abstrairmos do presente, e voltarmos nossos olhos para a História, veremos que a tributação foi um dos mais duros instrumentos de que se serviram os monarcas e reis, no exercício ilimitado da soberania, sobre os súditos. As grandes lutas do passado, paulatinamente, foram limitando o poder real, até aboli-lo, chegando-se à República e logrando-se viver num Estado de Direito, onde prevalece também sobre os governantes o império da lei, inclusive no direito tributário, o
4 Motta Pacheco, Angela Maria da. Sanções Tributárias e sanções penais tributárias / Angela Maria da Motta Pacheco. São Paulo : ed. Max Limonad, 1997. p. 81.
que é especificamente previsto na Lei Magna (Constituição Federal
[de 1969], art. 153, § 29 5). 6
Como se vê do texto transcrito, embora sob a égide da CF de 1969 , Arruda
Alvim já ressaltava a importância do então extinto "princípio da anualidade". Tal como
afirmou, o princípio fazia prevalecer também sobre os governantes o império da lei, inclusive no direito tributário. É cediço que a Constituição de 1988 não recepcionou o
então "princípio da anualidade" contemplado na CF de 1969, mas, por outro lado, consagrou o "princípio da anterioridade da lei fiscal", conforme está insculpido no
artigo 150, III, b da CF de 1988. A respeito do chamado "princípio da anterioridade da lei fiscal", na atual CF de 1988, Regina Helena Costa7 desenvolveu interessante estudo onde mostra que é possível identificar diversos regimes jurídicos de anterioridade, conforme explicita:
1) observância de ambos os princípios - anterioridade genérica e especial, que constitui o padrão do sistema tributário; 2) não sujeição a nenhuma modalidade de anterioridade: empréstimo compulsório para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência (art. 148, I); Imposto de Importação (art. 153, I); Imposto de Exportação (art. 153, II); IOF (art.
153, V); e impostos extraordinários (art. 154, II); 3) aplicação da anterioridade genérica, mas não especial: IR (art. 153, III); fixação da base de cálculo do IPVA (art. 153, III); e IPTU (art. 156, I); 4) aplicação da anterioridade especial, mas não da genérica: IPI (art. 153, IV); bem como ao ICMS incidente sobre operações com combustíveis e lubrificantes (art. 155, § 4.º, IV, c); e à contribuição de intervenção
5 Nota. À época em que foi escrito este artigo (ALVIM, 1975, pp. 141-142), era vigente a CF de 1969, como esclarece seu autor. E, portanto, entendemos nós que se refere ao então extinto "princípio da anualidade". Contudo, cabe o registro de que a CF de 1969 aboliu a exigência de prévia autorização orçamentária prevista pela CF de 1967. Na vigente CF de 1988 o "princípio da anualidade" não foi
recepcionado, sendo, no entanto, consagrado o "princípio da anterioridade da lei fiscal" pelo artigo 150,
III, b da CF de 1988. Anotamos ainda que Regina Helena Costa identifica diversos regimes jurídicos de anterioridade (COSTA, 2009, pp. 67-68).
6 Alvim, José Manoel Arruda Alvim, Processo Judicial Tributário, Novo Processo Tributário
[coordenação Péricles Luiz Medeiros Prade e Célio Benevides de Carvalho], São Paulo, Resenha Tributária, 1975, p. 141, esp. p. 142). Apud James Marins, in Fundamentos do Processo Tributário e Execução Fiscal*.(* texto condensado do livro Direito Processual Tributário, 4 ed, São Paulo: Dialética, 2005, pp. 31-47; pg 84-91 , pg 625-683), Caderno de Direito Tributário - 2006 - James Marins -
APAMAGIS - Escola da Magistratura do TRF da 4.ª Região.
7 Costa, Regina Helena, Curso de Direito Tributário - Constituição e Código Tributário Nacional / Regina Helena Costa - São Paulo : Saraiva, 2009, pp. 67-68.
no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível (art. 177, § 4.º, I, b); por força da EC.
N. 33, de 2001; 5) aplicação da anterioridade nonagesimal, específica para contribuições sociais destinadas ao financiamento da seguridade social (art. 195, § 6.º).
James Marins8, louvando-se nos ensinamentos de Alvim, fez publicar no Caderno de Direito Tributário - 2006 - APAMAGIS - artigo aqui já referido sobre princípios fundamentais do processo judicial tributário, onde acentua a proposta feita pelo Professor Arruda Alvim que, de certa forma, diz respeito à evolução do Estado e ao nosso trabalho. Sendo assim, destacamos, por pertinente, o comentário seguinte:

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