I-INTRODUÇÃO

À guisa de intróito, o direito sucessório possui matérias de peculiar interesse para o direito internacional privado uma vez que se defere ao indivíduo a probabilidade de regulação de seus bens.

O berço histórico da sucessão encontra-se na França e na Itália. O modelo de partição de bens, determinado entre os séculos XVI e XVIII, se dava de acordo com a mobilidade ou imobilidade deste.

A sucessão imobiliária era submetida ao estatuto real, enquanto à mobiliária se aplicava a regra mobilia sequuntur personam, ou seja, regia a lei do domicílio do de cujus.

Na Itália Mancini adotou o pensamento de Savigny quanto à unidade da sucessão e sua subordinação à lei pessoal do defunto.

Essa questão vem sendo controvertida há séculos. Conforme ensina o professor Amílcar de Castro o sistema fracionário é fonte de dificuldades quase intransponíveis, pois havendo pluralidade de bens haverá pluralidade de sucessões o que permitirá ao sucessor aceitar a herança em um país e renunciá-la em outro.

II – DOUTRINAS SUCESSÓRIAS

O direito internacional privado possui quatro doutrinas sobre a sucessão. A estatutária, submete os bens imóveis ao ius rei sitae, e a transmissão dos móveis ao ius domicilii. A do ius patriae estuda a sucessão sob o enfoque do direito nacional do de cujus. O ius dimicilii recomenda a apreciação pelo direito do último domicílio do defunto. Por fim, a do lugar do falecimento, que mantém a unidade mas que pode gerar uma série de imprevistos para os herdeiros caso o de cujus estivesse fora de seu país.

Para outros doutrinadores o pensamento mais lógico se reflete no fracionamento da sucessão. Para Haroldo Valladão (apud Irineu Strenger, p. 735), a “primeira e mais importante das excessões especiais à regra geral da unidade e universalidade sucessória pela lei do domicílio é a concernente ao tratamento dado nas sucessões de estrangeiros, com bens existentes no Brasil, ao cônjuge ou filhos brasileiros.”

III – ACEPÇÕES DA PALAVRA SUCESSÃO

A palavra sucessão pode ser explicada por dois prismas. No lato sensu refere-se a todos os modos derivados de aquisição de domínio, ou seja, sucessão inter vivos.

De outro lado, em sentido estrito pode ser conceituada como a transferência, total ou parcial, de herança, por morte de alguém, a um ou mais herdeiros.

O Código Civil classifica as espécies de sucessão quanto à fonte de que deriva, podendo ser testamentária ou legítima, bem como quanto aos seus efeitos, sucessão a título universal ou a título singular.

O artigo 10 da Lei de Introdução ao Código Civil, cuja transcrição segue abaixo, adota a teoria da unidade sucessória seguindo Savigny.

“Art. 10 . A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.

§ 1° A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.

§ 2° A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.”

Esse dispositivo abrange todas as formas de sucessão causa mortis, seja ela legítima, testamentária ou ocasionada por ausência.

IV – PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE SUCESSÓRIA

O princípio da universalidade sucessória se prende a um só direito, quando da ocorrência da saisine, que é o do domicílio do defunto.

Se o inventário for promovido no Brasil a partilha será realizada de acordo com a lei nacional em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros. Todavia, se a lei nacional do de cujus for mais favorável o inventário será feito no exterior e a sentença deverá ser homologada no Brasil para que produza efeitos.

Por esta razão, há um concurso cumulativo de elementos de conexão para a aplicação da lei brasileira, pois não basta a existência de bens no Brasil, é necessário que haja cônjuge ou filhos brasileiros que o represente, bem como que a lei pessoal do de cujus não lhes seja mais favorável.

Na hipótese de não ser mais favorável a lei alienígena, adotar-se-á a lei nacional para os bens aqui situados no tocante aos herdeiros nacionais.

Como bem salientou Pontes de Miranda, “O dispositivo constitucional de interpretação restritiva refere-se explicitamente a filhos brasileiros. Se netos forem brasileiros, mas os filhos estrangeiros, inaplicável se torna o preceito nacional.”

Tal dispositivo tem assento constitucional no artigo 5°, XXXI. O direito de sucessão é complementar do direito de família e o Estado tem interesse em manter as relações familiares protegidas.

É preciso cuidado na interpretação do princípio de proteção da família de modo que seja promovida a correta aplicação da lei mais benéfica, pois em geral utiliza-se exclusivamente a lei brasileira sem o prévio estudo do direito comparado, para averiguar se a regra estrangeira é mais benéfica do que a nacional.

V – PRINCÍPIO DA SOBERANIA

O Estado brasileiro funda-se sobre o princípio da soberania, que significa poder político supremo e independente. Nessa senda, compreende-se que o direito sucessório deve ser aplicado apenas aos bens encontrados no território brasileiro. A lei nacional não possui efetividade ou coerção em locais em que o país não exerce soberania.

Há situações em que o inventariado encontrava-se domiciliado no exterior com bens dentro e fora do Brasil. A regra brasileira é a do último domicílio do de cujus seja qual for a natureza e a situação dos bens. Regra essa pautada no já comentado princípo da universalidade sucessória.

Esse sistema é compartilhado por diversos países que também seguiram a doutrina de Savigny. Ocorre, porém, que havendo bens em diversos países não poderá ser aplicado este preceito dada a pluralidade de foros sucessórios.

Decorre desse efeito a norma processual de competência absoluta, uma vez que a maioria dos países não aceita qualquer decisão proveniente do exterior sobre bens situados em seu território.

Haverá, então, uma dupla regência legal da sucessão onde cada país aplicará seu direito interno para o processamento dos bens nele situados. Melhor exemplificando, nesse sentido, há uma decisão do STJ que negou provimento ao AG 678749, Ministro Carlos Alberto Direito, DJ 03.06.2005, cuja ementa se transcreve:

Na mesma linha de discussão outro ponto bastante controvertido refere-se a capacidade para suceder. Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho (apud Amílcar de Castro, p. 385) entendem que “a nova Lei de Introdução quando declara no art. 10, §2°, que a lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder, considera não a capacidade para ter o direito de sucessor, mas a aptidão para exercer o direito de sucessor reconhecida pela lei competente.”

Embora de extremo valor não é esta a posição vigente na douta maiora brasileira. Não se trata de capacidade, mas da qualidade de herdeiro.

VI – SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

A sucessão ab intestato é a que difere, por ministério da lei, da testamentária, por falta de disposições válidas. É a sucessão legal, determinada pelo legislador e embasada no princípio da saisine, para que os bens não se tornem res nullius ou res derelicta.

A sucessão legal consiste no fato da pessoa que se apresenta estar relacionada na ordem de vocação hereditária legalmente instituída. Lei esta, que deve coincidir com a competente para reger a sucessão do morto.

Herdeiro legítimo é o que figura na ordem de vocação hereditária. Compreende-se esta como a relação preferencial, estabelecida pela lei, das pessoas que são chamadas a suceder o finado. Ao estabelecer a ordem de vocação hereditária, o legislador se funda na vontade presumida do falecido.

A herança pode ser distribuída por lei ou disposição de última vontade. Havendo testamento atende-se a última vontade do testador. Quando não houver, ou em casos que a herança sobejar ele, segue-se a ordem de vocação hereditária legítima.

Posto isso, convém lembrar alguns conceitos de testamento extraídos do livro “Direito Civil, Direito das Sucessões” do ilustre professor Sílvio de Salvo Venosa:

“Testamentum est mentis nostrae iusta contestatio, in id solemniter factum, ut post mortem nostram valent (O testamento é o testemunho justo de nossa mente feito de forma solene para que valha depois de nossa morte) (Ulpiano) (Liber singularis regularum, XX, 1). Testamentum est voluntatis nostrae iusta sentential de eo, quo quis post mortem suam fieri velit (O testamento é a justa expressão de nossa vontade a respeito daquilo que cada qual quer que se faça depois de sua morte) (Modestino D., XX – VIII, 1,1).”

O testamento é um dos institutos mais formais e solenes do Código Civil. Ele permite a disposição de bens para depois da morte. Embora muito antigo, no Brasil ainda não é muito difundido o seu uso.

Conforme a consagrada afirmação de Washington de Barros Monteiro “para dez sucessões legítimas que se abrem ocorre uma única sucessão testamentária.”

Nos casos em que o testamento é feito no exterior, os conflitos legislativos ficarão a cargo do magistrado. Para isso, a primeira atitude a ser tomado se refere a validade intrínseca e extrínseca do documento.

No tocante a validade intrínseca, à admissibilidade de suas cláusulas e de seus efeitos serão aplicadas as normas do domicílio do testador vigentes ao tempo de seu falecimento. Não importará, assim, a lei onde as disposições testamentárias foram escritas, podendo inclusive ser considerada nula a lei do domicílio do de cujus caso não admita o teor do contido no testamento.

VII – CONCLUSÃO

Os temas que podem ser confrontados entre o direito nacional e o direito externo são inúmeros. Dentro do tema proposto o campo de análise também ainda é muito grande.

Saber se o país adota o sistema fracionado ou universal para aplicação do direito sucessório abre margem para pesquisa da qualidade do herdeiro, bem como da forma pela qual se herda, legal ou testamentária.

Dentro do direito brasileiro o tema também gera incômodo, pois é ínfimo o número de pessoas que realmente verificam se a lei do de cujus é melhor aos herdeiros do que a nacional.

Não há um procedimento fixo e padrão para esses casos. A forma como o judiciário trata essa questão e as influências do direito estrangeiro no ordenamento pátrio, são aspectos de análise imprescindível para adequada aplicação legislativa face as mudanças impostas pelo legislador face do novo rol legal brasileiro.

VIII – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004.

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CASTRO, Amilcar de. Direito Internacional Privado. 6ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2005.

DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2005.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Sucessões. 19ª edição. São Paulo: Saraiva, 2005.

MACHADO, Antonio Claudio da Costa; CHINELLATO, Silmara Juny. Código Civil Interpretado. 2ª edição. São Paulo: Manole, 2009.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito das Sucessões. 26ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª edição. São Paulo: Malheiros, 2006.

STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado. 6ª edição. São Paulo: LTR, 2005.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito das Sucessões. 5ª edição. São Paulo: Atlas, 2005.