Por que desconstruir práticas punitivas?
Publicado em 07 de junho de 2010 por Fábio Fernandes do Nascimento
POR QUE DESCONSTRUIR PRÁTICAS PUNITIVAS?
Fábio Fernandes do Nascimento
"Para descobrir quanta escuridão existe em torno, é preciso concentrar o olhar nas luzes fracas e distantes."
Calvino
Por que desconstruir as práticas punitivas? Não seria a punição o sustentáculo de nossa sociedade, marca indelével de nossa organização/evolução? Sinto dizer-lhes que não. A punição é uma forma de criminalizar, estigmatizar, rotular e excluir os ineficientes (improdutivos) ao sistema capitalista.
Tentaremos elucidar essa afirmação com os ensinamentos apreendidos por ocasião do IIIº Seminário Antiprisional: Desconstrução das Práticas Punitivas, que ocorreu no Centro Universitário Newton Paiva em Belo Horizonte. Onde tivemos a oportunidade de assistir à brilhante palestra do pioneiro da Criminologia Radical ? professor Juarez Cirino dos Santos.
A pena de privação de liberdade veio em substituição às práticas de punição imputadas ao corpo, datadas de períodos anteriores à Idade Média . A mudança do local de imputação da pena do corpo para o tempo, em síntese, decorre da mudança da percepção da sociedade em relação à severidade das penas que eram aplicadas e à necessidade crescente de mão-de-obra disciplinada, decorrente da expansão das cidades e do nascimento da indústria. A privação de liberdade surge, assim, em analogia às horas de trabalho dispensadas nas fábricas. Era uma forma, nos dizeres de Foucault, de educar o corpo insubordinado ao trabalho condicionado :
"Digamos que a disciplina é o processo técnico unitário pelo qual a força do corpo é com o mínimo de ônus reduzida como força ?política?, e maximizada como força útil. O crescimento de uma economia capitalista fez apelo à modalidade específica do poder disciplinar, cujas fórmulas gerais, cujos processos de submissão das forças e dos corpos, cuja ?anatomia política?, em uma palavra, podem ser postos em funcionamento através de regimes políticos, de aparelhos ou de instituições muito diversas". (Grifo nosso)
O ser humano, em nossa sociedade, é julgado em virtude de quanto ele pode consumir ou produzir. Quanto mais eficiente e eficaz à perpetuidade do sistema capitalista menos rotulado, etiquetado e criminalizado ele será.
As prisões praticadas pela "polícia-política" é uma forma de calar e mascarar as exacerbadas diferenças sociais prevalecentes em nossa sociedade. É como tirar a voz daquele que está para gritar e acusar o sistema pela exclusão da maioria em virtude e benefício de uma minoria.
Como não percebemos isto? Será que somos tão cegos a este ponto?
Não somos cegos! O sistema cuida de tudo, desde o etiquetamento do excluído com os estigmas da "periculosidade" e do "inimigo" até a sua eventual "ressocialização". Acreditamos que aquelas pessoas, no qual o Sistema Penal atingiu, precisavam realmente da aplicação severa das penas à elas impingidas. É uma maneira de reinseri-las numa sociedade "boa" e "virtuosa".
Percebemos que nossa bondade e virtude se encontram em retirar esses indivíduos do convívio social ? uma vez que já estavam excluídos ? e colocá-los (encarcerá-los) em um ambiente propício à sua "reinserção" na sociedade. E, ao saírem do cárcere a sociedade os recebe de braços abertos com a sensação de que cumpriram sua pena e que estão preparados para um convívio mais humano e fraterno. Fatal ilusão! O que fazemos é justamente o contrário. Transformamos pessoas desejosas de oportunidades mínimas em nosso capitalismo selvagem em criminosos e criminalizados por nosso egoísmo e hedonismo.
Quem são realmente os selvagens? Eles que foram, por nós, excluídos. Ou nós, que ao excluí-los, retiramos deles a oportunidade de uma vida digna em nosso meio e, assim, se viram obrigados a agir às margens do sistema. Neste ponto, como os adeptos da escola positivista, arriscamos dizer que não há livre-arbítrio para estas pessoas. E, sim, uma única e visível possibilidade de seguir o "destino pré-determinado" por uma sociedade que estigmatiza e rotula desde o nascimento.
Pode parecer uma opinião reducionista. Mas, são poucos os que conseguem escapar desta espiral imposta pelas estruturas de nossa sociedade.
O Sistema Penal exerce seu poder sobre o povo (a maioria ? excluída, etiquetada e sem oportunidades). E isto é mascarado através do que chamamos meritocracia e defesa social. O cárcere da atualidade não quer disciplinar o corpo ao trabalho, uma vez que já há uma considerável massa de trabalhadores excluídos do sistema capitalista em virtude de sua "precoce" industrialização. Quer, isto sim, retirar a massa, que não consegue inserir-se neste sistema, do convívio social, uma vez que ao perceberem esta exclusão seriam impingidos à uma reação por vezes radical. Mais uma vez a intenção de retirar a voz daquele que está para gritar. A pena "cumpre", desta forma, sua função social: proteção dos privilégios de uma elite dominante e manutenção da perpetuidade do sistema de castas.
Temos, desta forma, um estado mínimo ou Estado de direito para os "capitalistas" e um estado máximo ou Estado de Polícia para os que estão às margens deste sistema. Que, ao utilizar-se da máscara de que é igualitário e equitativo, maximiza a sua capacidade de justificar a severidade das penas aplicadas aos despossuídos pelas elites econômicas.
Nosso ideal, neste momento, seria a redução do Direito Penal ao mínimo necessário. Onde, de acordo com Juarez Cirino dos Santos , o crime e a criminalidade são problemas de políticas públicas de redução das condições sociais adversas (desigualdades), no qual a prevenção só será possível através de uma democracia real (redistribuição de riquezas). Temos que promover a redução dos preconceitos perpetrados pelos meios de comunicação de massa em todos os tempos. A criminalização está diretamente relacionada à questão de etnias e poder econômico. Iniciemos nossas reflexões com os ensinamentos do principal defensor do minimalismo penal, Alessandro Baratta :
"Nós sabemos que substituir o direito penal por qualquer coisa melhor somente poderá acontecer quando substituirmos a nossa sociedade por uma sociedade melhor, mas não devemos perder de vista que uma política criminal alternativa e a luta ideológica e cultural que a acompanha devem desenvolver-se com vistas à transição para uma sociedade que não tenha necessidade do direito penal burguês, e devem realizar, no entanto, na fase de transição, todas as conquistas possíveis para a repropriação, por parte da sociedade, de um poder alienado, para o desenvolvimento de formas alternativas de autogestão da sociedade, também no campo do controle do desvio."
Fábio Fernandes do Nascimento
"Para descobrir quanta escuridão existe em torno, é preciso concentrar o olhar nas luzes fracas e distantes."
Calvino
Por que desconstruir as práticas punitivas? Não seria a punição o sustentáculo de nossa sociedade, marca indelével de nossa organização/evolução? Sinto dizer-lhes que não. A punição é uma forma de criminalizar, estigmatizar, rotular e excluir os ineficientes (improdutivos) ao sistema capitalista.
Tentaremos elucidar essa afirmação com os ensinamentos apreendidos por ocasião do IIIº Seminário Antiprisional: Desconstrução das Práticas Punitivas, que ocorreu no Centro Universitário Newton Paiva em Belo Horizonte. Onde tivemos a oportunidade de assistir à brilhante palestra do pioneiro da Criminologia Radical ? professor Juarez Cirino dos Santos.
A pena de privação de liberdade veio em substituição às práticas de punição imputadas ao corpo, datadas de períodos anteriores à Idade Média . A mudança do local de imputação da pena do corpo para o tempo, em síntese, decorre da mudança da percepção da sociedade em relação à severidade das penas que eram aplicadas e à necessidade crescente de mão-de-obra disciplinada, decorrente da expansão das cidades e do nascimento da indústria. A privação de liberdade surge, assim, em analogia às horas de trabalho dispensadas nas fábricas. Era uma forma, nos dizeres de Foucault, de educar o corpo insubordinado ao trabalho condicionado :
"Digamos que a disciplina é o processo técnico unitário pelo qual a força do corpo é com o mínimo de ônus reduzida como força ?política?, e maximizada como força útil. O crescimento de uma economia capitalista fez apelo à modalidade específica do poder disciplinar, cujas fórmulas gerais, cujos processos de submissão das forças e dos corpos, cuja ?anatomia política?, em uma palavra, podem ser postos em funcionamento através de regimes políticos, de aparelhos ou de instituições muito diversas". (Grifo nosso)
O ser humano, em nossa sociedade, é julgado em virtude de quanto ele pode consumir ou produzir. Quanto mais eficiente e eficaz à perpetuidade do sistema capitalista menos rotulado, etiquetado e criminalizado ele será.
As prisões praticadas pela "polícia-política" é uma forma de calar e mascarar as exacerbadas diferenças sociais prevalecentes em nossa sociedade. É como tirar a voz daquele que está para gritar e acusar o sistema pela exclusão da maioria em virtude e benefício de uma minoria.
Como não percebemos isto? Será que somos tão cegos a este ponto?
Não somos cegos! O sistema cuida de tudo, desde o etiquetamento do excluído com os estigmas da "periculosidade" e do "inimigo" até a sua eventual "ressocialização". Acreditamos que aquelas pessoas, no qual o Sistema Penal atingiu, precisavam realmente da aplicação severa das penas à elas impingidas. É uma maneira de reinseri-las numa sociedade "boa" e "virtuosa".
Percebemos que nossa bondade e virtude se encontram em retirar esses indivíduos do convívio social ? uma vez que já estavam excluídos ? e colocá-los (encarcerá-los) em um ambiente propício à sua "reinserção" na sociedade. E, ao saírem do cárcere a sociedade os recebe de braços abertos com a sensação de que cumpriram sua pena e que estão preparados para um convívio mais humano e fraterno. Fatal ilusão! O que fazemos é justamente o contrário. Transformamos pessoas desejosas de oportunidades mínimas em nosso capitalismo selvagem em criminosos e criminalizados por nosso egoísmo e hedonismo.
Quem são realmente os selvagens? Eles que foram, por nós, excluídos. Ou nós, que ao excluí-los, retiramos deles a oportunidade de uma vida digna em nosso meio e, assim, se viram obrigados a agir às margens do sistema. Neste ponto, como os adeptos da escola positivista, arriscamos dizer que não há livre-arbítrio para estas pessoas. E, sim, uma única e visível possibilidade de seguir o "destino pré-determinado" por uma sociedade que estigmatiza e rotula desde o nascimento.
Pode parecer uma opinião reducionista. Mas, são poucos os que conseguem escapar desta espiral imposta pelas estruturas de nossa sociedade.
O Sistema Penal exerce seu poder sobre o povo (a maioria ? excluída, etiquetada e sem oportunidades). E isto é mascarado através do que chamamos meritocracia e defesa social. O cárcere da atualidade não quer disciplinar o corpo ao trabalho, uma vez que já há uma considerável massa de trabalhadores excluídos do sistema capitalista em virtude de sua "precoce" industrialização. Quer, isto sim, retirar a massa, que não consegue inserir-se neste sistema, do convívio social, uma vez que ao perceberem esta exclusão seriam impingidos à uma reação por vezes radical. Mais uma vez a intenção de retirar a voz daquele que está para gritar. A pena "cumpre", desta forma, sua função social: proteção dos privilégios de uma elite dominante e manutenção da perpetuidade do sistema de castas.
Temos, desta forma, um estado mínimo ou Estado de direito para os "capitalistas" e um estado máximo ou Estado de Polícia para os que estão às margens deste sistema. Que, ao utilizar-se da máscara de que é igualitário e equitativo, maximiza a sua capacidade de justificar a severidade das penas aplicadas aos despossuídos pelas elites econômicas.
Nosso ideal, neste momento, seria a redução do Direito Penal ao mínimo necessário. Onde, de acordo com Juarez Cirino dos Santos , o crime e a criminalidade são problemas de políticas públicas de redução das condições sociais adversas (desigualdades), no qual a prevenção só será possível através de uma democracia real (redistribuição de riquezas). Temos que promover a redução dos preconceitos perpetrados pelos meios de comunicação de massa em todos os tempos. A criminalização está diretamente relacionada à questão de etnias e poder econômico. Iniciemos nossas reflexões com os ensinamentos do principal defensor do minimalismo penal, Alessandro Baratta :
"Nós sabemos que substituir o direito penal por qualquer coisa melhor somente poderá acontecer quando substituirmos a nossa sociedade por uma sociedade melhor, mas não devemos perder de vista que uma política criminal alternativa e a luta ideológica e cultural que a acompanha devem desenvolver-se com vistas à transição para uma sociedade que não tenha necessidade do direito penal burguês, e devem realizar, no entanto, na fase de transição, todas as conquistas possíveis para a repropriação, por parte da sociedade, de um poder alienado, para o desenvolvimento de formas alternativas de autogestão da sociedade, também no campo do controle do desvio."