PENA E DIREITO DOS INSTITUTOS DISTINTOS FRENTE À REALIDADE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO ATUAL
Sandro Adriani Freitas dos Santos 1
Adriane Damian Pererira2
RESUMO: O presente artigo abordará o assunto pena como forma de punir delitos e o direito brasileiro atual. De forma sucinta far-se-á um paralelo entre a origem histórica da pena e a forma como vem se desenvolvendo o sistema prisional no país, os erros e acertos decorrentes da legislação vigente, bem como da aplicação dessa legislação. Principalmente, no que concerne a não existência de reabilitação ao indivíduo apenado e a viabilidade que esse indivíduo encontra, após cumprir a pena, em voltar a praticar novos crimes na maioria das vezes mais graves.
PALAVRAS CHAVE: pena, crime, punição, direito, sistema prisional.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A pena como instituto do direito é considerada um dos maiores problemas do direito penal, considerada sua complexibilidade. A palavra pena etimologicamente é oriunda do latim e significa dor, punição, castigo, expiração, etc. A pena na antiguidade era aplicada como forma de vingança a todo aquele que agia de forma diversa aos demais componentes da sociedade na época. As penas nesse determinado momento histórico eram severas demais extrapolando os limites do bom senso. A pena dosada é oriunda do Estado e a forma utilizada nos dias atuais segue os parâmetros mais antigos possíveis, não inovando em nenhuma área,
1 Bacharel em direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI Campus de Santiago.
2 Professora mestre em direito penal na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI Campus Santiago.
ao contrário a maneira como vem sendo conduzida a aplicação das penas no Brasil é um retrocesso às conquistas culturais e legislativas. Pode-se dizer que na atualidade o sistema prisional brasileiro é uma escola formadora de delinqüentes. O presente trabalho vem pontuar alguns aspectos históricos da pena frente a atualidade da aplicabilidade da legislação brasileira e o sistema prisional existente e o que realmente o direito necessita.
1.1 O surgimento da pena
A necessidade de existir pena em sociedade é de origem remota, considerando que os homens encontravam-se num estado de natureza, agindo de forma extintiva, assim, mesmo existindo liberdade havia momentos de tensão, que ocasionaram o surgimento do contrato social.
Segundo ROUSSEAU3 assim é definida a necessidade do contrato social:
Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum à pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça, portanto, senão a si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente.
Pode-se afirmar que da fala Rousseau presume-se a existência do direito civil individual anterior ao direito penal. Ocorre que, a necessidade da existência do direito penal se deu através da relação entre os civis.
BECCARIA4 descreve:
As leis são condições sob as quais homens independentes e isolados se uniram em sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra e gozar de uma liberdade inútil pela incerteza de sua conservação. Parte dessa liberdade foi por eles sacrificada para poderem gozar do restante com segurança e tranqüilidade.
Com o surgimento do Estado como soberano e geralmente teocrático, as penas surgiram como forma de repressão àquele que cometia qualquer ato contra este ente onipotente, assim a aplicação das penas não estava vinculada a normas ou condutas, e, sim a
3 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat Mores. Versão para ebook: ebooksbrasil.com. Fonte digital: www. Jahr.org. p.24.
4 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2ª Ed. Martins Fontes: São Paulo, 1998. p. 41.
vontade do Poder Absoluto, nem sempre a pena serviu como forma de regular a sociedade, ainda assim, a origem exata da pena não é precisa5. Surgem, então, leis e não direitos.
A sociedade foi regida por princípios, que surgiam através de fontes estes princípios seriam de moral e de política, aceito entre os homens, derivam em geral de três fontes: a revelação, a lei natural e as convenções sociais. Não se pode estabelecer comparação entre a primeira e as duas últimas, do ponto de vista dos seus fins principais; completam-se, porém, ao tenderem igualmente para tornar os homens felizes na terra. Discutir as relações das convenções sociais não significa atacar as revelações que podem encontrar-se entre a revelação da lei natural6.
Considerando que, o sistema funcionava através dessas três premissas segundo o autor o indivíduo para ser penalizado deveria transigir ou deixar de unir a moral a política, não necessariamente dentro de um ordenamento jurídico predisposto.
1.2 Definição de pena
A pena nem sempre foi utilizada da mesma forma, antigamente a pena era aplicada somente pela existência do delito não eram analisados os meios e motivações inclusas no ato. A pena na atualidade se aplica a todo aquele que transgredir ou ferir direitos, mas a esse individuo é dado o direito ao contraditório.
Assim OLIVEIRA7 descreve que “[...] a pena é uma instituição muito antiga, cujo surgimento se registra nos primórdios da civilização, já que cada povo e todo o período histórico sempre tiveram seu questionamento penal [...]”.
Nesse aspecto histórico cabe salientar que a aplicação da pena na antiguidade era banalizada e inúmeras eram as possibilidades da sua ocorrência. Não havia justiça e nem
5 LOPES, Carina Deolinda da Silva. O papel da pena diante do sistema prisional e da sociedade atual. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7818. Acesso em: 25/04/2011.
6 BECCARIA, Cesare. Op Cit. p.34.
7 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: Um paradoxo social. 2ª Ed. Editora da UFSC. 1996. p. 21.
mesmo a transgressão a direitos alheios era considerada apenas a necessidade de punição como forma de exemplo aos demais era necessária. Diferentemente da atualidade que as penas existem como forma de reprimir antecipadamente o cometimento de crimes que geralmente são ligados aos direitos alheios.
Para MIRABETE8 a origem da pena advém de castigo:
“[...] criaram-se séries de proibições (religiosas, sociais e políticas), conhecidas por “tabu”, que não obedecidas, acarretavam castigo. A infração totêmica ou a desobediência tabu levou a coletividade à punição do infrator para desagravar a entidade, gerando-se assim o que, modernamente, denominamos de crime e pena. O castigo a pena, em sua origem remota, nada mais significava senão a vingança, revide à agressão sofrida, desproporcionada com a ofensa e aplicada sem preocupação de justiça”.
Dentro da idéia do Contrato social a pena é aplicada a todo o individuo que não serve ao Estado devidamente. Nas palavras de ROUSSEAU9:
“[...] todo malfeitor, ao atacar o direito social, torna-se, por seus delitos, rebelde e traidor da pátria, cessa de ser um de seus membros ao violar suas leis, e chega mesmo declarar-lhe guerra. A conservação do Estado passa a ser tão incompatível com a sua; faz-se preciso que um dos dois pereça [...]”.
O direito penal aos olhos dos autores modernos segue delimitando-se através da teoria do contrato social, e, mesmo muitas formas de aplicação e até mesmo as finalidades da pena terem evoluído as características principais são basilares e irretocadas:
Aduz CAPEZ10:
“O direito penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em conseqüência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação”.
Evidencia-se desta forma que as bases do direito penal atual surgiram juntamente com as teorias da formação do Estado, e com a necessidade do ser humano viver em uma sociedade que possui limitações para que seja possível o gozo da liberdade.
8 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 35.
9 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Op. Cit. P.49.
10 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 7ªEd. Vl.1. Saraiva: São Paulo, 2004. p. 1.
1.3 Evolução da pena
Ao tratar das penas, não se podem esquecer as mais antigas codificações já existentes no mundo, muitas não estabeleciam penas e sim a conduta a ser seguida, o que baseava a sociedade em rotular aqueles que não obedeciam ao escrito.
A evolução da pena pode ser dividida em três períodos, os períodos de vingança, segundo OLIVEIRA11, foi a “vingança privada”, a “vingança divina” e a “vingança pública”, a primeira perdurou até meados do século XVIII por não existir um sistema de princípios gerais, mas uma necessidade de punição12.
A vingança privada foi desenvolvida em várias fases concomitantes e independentes entre si. Sendo as formas mais remotas como a vingança individual, partindo a vingança coletiva que já necessitava de organização dos clãs para sua devida aplicação até a vingança limitada ou Lei de Talião, onde a pena estabelecia uma proporcionalidade entre a ação e a reação do delito cometido13.
Sobre vingança privada pode-se citar FOUCAULT14, que descreve em detalhes o suplício do corpo, de Damiens que fora condenado em 1757, e sua pena fora:
“pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; na dita carroça [...] atenazado os mamilos, braços, coxas e barriga das pernas, sua mão direito segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada em fogo de enxofre [...] em seguida seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo [...]”
O suplício um dos maiores exemplos da vingança privada, e da falta de parâmetros para aplicação das penas, logo foi questionado se realmente era a melhor forma de aplicação das penas. MIRABETE15 ensina que:
11 OLIVEIRA, Odete Maria de. Op. Cit. p. 22.
12 Evolução das Penas, em 24/11/2007. Disponível em: http://vlj.spaceblog.com.br/70907/EVOLUCAO-DAS-PENAS/. Acesso em: 25/04/2011.
13 OLIVEIRA, Odete Maria de. Op. Cit. p. 23.
14 FOUCAULT, Michel. Op. Cit. p.9.
“No meio de tanta insensibilidade humana, porém, já Sêneca pregava a idéia de que se deveria atribuir à pena finalidades superiores, como a defesa do Estado, a prevenção geral e a correção do delinqüente e, embora nos tempos de solo e Anaximandro a pena fosse considerada como castigo, na Grécia Clássica, entre os sofistas, como Protágoras, surgiu uma concepção pedagógica de pena. Por vários séculos, porém, a repressão penal continuou a ser exercida por meio da pena de morte, executada pelas formas mais cruéis, e de outras sanções cruéis e infamantes”.
Assim, a pena evoluiu chegando à composição que fora proposta no Código de Hamurabi e Manu, essa forma de pena previa as indenizações cíveis e multas penais, mesmo que o primeiro tenha sido excessivamente cruel no que tange a aplicação de tais sanções16.
OLIVEIRA17 descreve a composição como sendo uma forma de o delinquente: “[...] poder comprar a impunidade do ofendido, ou de seus parentes, com dinheiro, armas, ou utensílios e gado, não havendo, então sofrimento físico, pessoal, mas uma reparação material proporcionalmente correspondente”.
Esse tipo de vingança dominou a antiguidade chegando aos tempos romanos, o sentimentalismo e a proporcionalidade da pena eram medidos de acordo com a comoção do povo, ou tribos. E, assim, da necessidade do povo conviver em sociedade surgiu à pena.
BECCARIA18 citando Montesquieu, diz que: “Toda pena que não derive da necessidade absoluta, é Tirânica”. Não classificando o tipo de pena aplicada, e sim sua simples necessidade de aplicabilidade. O fato de qualquer pena ser aplicada a um indivíduo que não cometeu infração já é uma forma tirânica de exercer autoridade.
A vingança divina como meio de penalizar surge com a queda do império romano, e a confusão entre Estado e igreja que dominou o período, vários países adotaram a vingança divina, sendo que, o já citado Código de Hamurabi trouxe esta forma de se fazer “justiça”, mesmo tendo surgido muito tempo antes do término do Império Romano.
15 MIRABETE, Julio Fabrini. Op. Cit. p. 243.
16 Evolução das Penas, em 24/11/2007. Disponível em: http://vlj.spaceblog.com.br/70907/EVOLUCAO-DAS-PENAS/. Acesso em: 25/04/2011.
17 OLIVEIRA, Odete Maria de. Op. Cit. p. 24.
18 BECCARIA, Cesare. Op. Cit. p.42.
Hamurabi trouxe em seu texto, apinhado de idéias teológicas formas de punição e penas a infratores, mas nem todo seu texto se resumiu as normas, mas serviu como um ensaio aos primeiros direitos humanos já discutidos19.
Assim, de forma codificada Hamurabi trouxe a vingança divina como se pode notar nos seguintes trechos:
1. Se alguém enganar a outrem, difamando esta pessoa, e este outrem não puder provar, então que aquele que enganou deve ser condenado à morte. 2. Se alguém fizer uma acusação a outrem, e o acusado for ao rio e pular neste rio, se ele afundar, seu acusador deverá tomar posse da casa do culpado, e se ele escapar sem ferimentos, o acusado não será culpado, e então aquele que fez a acusação deverá ser condenado à morte, enquanto que aquele que pulou no rio deve tomar posse da casa que pertencia a seu acusador. 3. Se alguém trouxer uma acusação de um crime frente aos anciões, e este alguém não trouxer provas, se for pena capital, este alguém deverá ser condenado à morte20.
Observa-se a pena de morte como uma das mais utilizadas no período, e, na maioria das vezes como medida de prova de culpabilidade ou não, situação que destoa da subjetividade da pena, ou do delito cometido.
A humanidade trilhou um longo caminho até a descoberta do banimento da liberdade como forma de sanção ao ser infrator, o que não foi resolvido até os dias atuais é como a supressão a liberdade fará que o infrator não cometa mais crimes.
A busca por justiça começou a ser balizada quando surgiu o termo proporção entre delitos e penas. Pioneiro nesta questão, assim expôs BECCARIA21:
“Não é só interesse comum que não sejam cometidos delitos, mas também que eles sejam tanto mais raros quanto maior o mal que causam à sociedade. Portanto, devem ser mais fortes os obstáculos que afastam os homens dos delitos na medida em que estes são contrários ao bem comum e na medida dos impulsos que os levam a delinqüir. Deve haver, pois, uma proporção entre os delitos e as penas”.
19 Código de Hamurabi. Biblioteca virtual de direitos humanos. Universidade de São Paulo. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/codigo-de-hamurabi.html. Acesso em: 25/04/2011.
20 Código de Hamurabi. Op. Cit.
21 BECCARIA, Cesare. Op. Cit. p.50.
Independente das modificações que as penas sofreram no decorrer do tempo a grande necessidade é de se fazer de forma moderada a aplicação da pena em relação à proporção do delito, sem esquecer que a finalidade precípua da pena é inibir o delinquente que cometa o crime. Essa breve analise da origem da pena trás a compreensão de que a pena é necessária a todo aquele que por intenção ou descuido transgride, mas que na atualidade se bem observada poderia ser mais amena e após sua aplicação poderia haver a possibilidade de ressocializar o apenado.
2 O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO NA ATUALIDADE
O sistema prisional brasileiro é marcado por duas características básicas; a desumanidade que é tratado o apenado e a ineficácia em razão a ressocialização deste. Estas características levam a conseqüências como o aumento da criminalidade, a violência interna nos presídios e principalmente a reincidência. Nesse diapasão encontra-se a pena de prisão idêntica ou até pior que a da época do suplício do corpo, com uma agravante que muitos dos apenados retornam ao convívio em sociedade sem interesse algum em agir de forma correta.
Segundo OLIVEIRA22:
O sistema prisional não representa hoje apenas uma simples questão de grades e de muros, de celas e trancas, mas é visto como uma sociedade dentro de uma sociedade, onde foram radicalmente alterados numerosos comportamentos e atitudes da vida livre.
A sociedade ignora as condições dos presidiários por uma questão simplesmente cultural, como foi tratado nas primeiras páginas do presente trabalho a forma como a pena é acolhida na maioria dos paises decorre da punição como vingança e o desejo das pessoas que cumprem os ditames sociais em ver os que estão à margem responderem por seus erros.
Nesse contexto ROSSEAU23 considera:
22 OLIVEIRA, Odete Maria de. Op. Cit. p. 75.
23 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Op. Cit. p. 50.
[...] a freqüência dos suplícios constitui sempre um sinal de fraqueza ou indolência no governo: não existe malvado que não possa servir para alguma coisa. Não se tem o direito de matar, mesmo para exemplo, senão aquele que se não pode conservar sem perigo.
O Brasil é um dos paises que mais demonstra essa fraqueza, pois os suplícios não são públicos, mas encarcerados onde o apenado vive no inferno e não busca melhorar ou repensar seus atos e sim procura uma forma seja pela fuga ou cumprimento da pena sair de trás das grades, e quando isso acontece encontra uma sociedade arredia não disposta a oportunizar uma nova vida, e, sim repudiar aquele que nunca deixará de ser criminoso.
Um dos principais entraves na questão prisional não está somente na atividade governamental executiva, mas principalmente na atividade legislativa, pois as leis surgem em quantidades exorbitantes e contraditórias, confeccionadas em linguagem complexa e inacessível ao entendimento da população.
BECCARIA24 já lecionava:
Enquanto o texto das leis não for um livro familiar, uma espécie de catecismo, enquanto forem escritas numa língua morta e ignorada do povo, e enquanto forem solenemente conservadas como misteriosos oráculos, o cidadão, que não pode julgar por si mesmo as conseqüências que devem ter os seus próprios atos sobre sua liberdade e sobre os seus bens, ficará na dependência de um pequeno número de homens depositários e intérpretes das leis.
Na atualidade os códigos legais estão disponíveis e são públicos a qualquer cidadão, entretanto, a carência educacional no país formou uma população quase no geral mediana e leiga mitificando certas questões como: matar não dá cadeia, roubar é normal. O autor supracitado tratou da dificuldade interpretativa das Leis a séculos passados, hoje em dia mesmo todos tendo acesso aos compilados legais a compreensão é mínima e a legislação inepta.
24 BECCARIA, Cesare. Op. Cit. p.36.
2.1 Principais erros no sistema prisional brasileiro
A Lei de Execução Penal25 trás no corpo de seu texto logo no artigo 3º a disposição constitucional da igualdade e não distinção, e logo depois elenca os principais direitos e assistências que devem ser observadas em relação ao apenado.
O artigo 14 da Lei de Execução Penal prevê a assistência à saúde do preso, entretanto, esse dispositivo é um dos que menos se observa sendo o caráter de tal prestação como preventiva e curativa, entretanto, o que se pode observar são os maus tratos, a proliferação de doenças entre os presos.
Em pesquisa recente ASSIS26 dissertou sobre a questão:
Os presos adquirem as mais variadas doenças no interior das prisões. As mais comuns são as doenças do aparelho respiratório, como a tuberculose e a pneumonia. Também é alto o índice de hepatite e de doenças venéreas em geral, a AIDS por excelência. Conforme pesquisas realizadas nas prisões, estima- se que aproximadamente 20% dos presos brasileiros sejam portadores do HIV, principalmente em decorrência do homossexualismo, da violência sexual praticada por parte dos outros presos e do uso de drogas injetáveis.
Este problema com a saúde do preso é só mais um dentre tantos outros de variados gêneros, pois as doenças surgem tanto da inobservância com a higiene básica da pessoa, quanto com a violência recorrente aos corpos dos apenados.
É recorrente a forma como é tratado o preso na Brasil, a função ressocializadora já não existe, pois o sistema habitou-se em manter aquelas pessoas dividas da sociedade de qualquer forma caindo por terra à previsão do artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil27 que está assim transcrito: “art. 5° - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
25 BRASIL, Lei 7.210, de 11 e julho 1984.
26 ASSIS, Rafael Damaceno de Assis. A realidade atual do sistema penitenciário brasileiro. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/revista/numero39/artigo09.pdf. Acesso em 15/08/2011.
27 BRASIL, Decreto Lei 4.657 de 1942.
Segundo PRADO28: “O Direito regula o convívio social, assegurando-lhes as condições mínimas de existência, de desenvolvimento e de paz.”
O referido artigo da lei de Introdução ao Código Civil possui aplicação subsidiária à esfera criminal e vem atrelado aos princípios constitucionais vigentes, deixando ainda mais claro que a questão da legislação escrita não garante sua efetiva aplicação, enquanto o autor deixa clara a função do direito em sociedade.
CAPEZ29 conceitua:
O direito penal é o seguimento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos a coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais cominando-lhes, em conseqüência, as respectivas sanções.
O sistema penal brasileiro vem buscar justiça só que se ramifica em torno de várias correntes que ao discutirem a teoria deixam o objeto de discussão ladeado e sujeito a danos jamais reparáveis como no caso da execução penal onde não há interesse de nenhum ramo da sociedade em garantir os direitos dos apenados e nem ao menos seu retorno digno a sociedade.
REALE JUNIOR30 trata da questão do papel do judiciário e o retorno do apenado que sofre um choque de liberdade:
O Judiciário tem um papel importante na Lei de Execução Penal: fiscalizar os presídios. O Ministério Público também tem o dever de fazer visitas aos presídios. Além disso, há os conselhos de comunidade, os patronatos. O que acho o mais importante é a assistência ao egresso. Posso dar toda a assistência possível ao preso, mas tudo o que foi feito por ele dentro do presídio se desfaz na primeira semana fora. Porque há aquilo que chamo de choque da liberdade, pois o preso encontra uma sociedade de competição com o estigma de condenado. A assistência ao egresso, à família para a qual ele vai voltar, aos seus amigos, é muito mais fundamental que a assistência ao preso, para que ele não sofra um processo de rejeição que leva à reincidência e ao retorno à casa de detenção.
28 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. 1, parte geral, arts 1º a 120, 6. ed., rev. e atual., amp. São Paulo: ed. RT, 2006. p. 49.
29 CAPEZ, Fernando. Op. Cit. p. 1.
30 REALE JUNIOR, Miguel. Reale Junior condena as falhas na lei penal. Disponível em; http://www.nossacasa.net/recomeco/0052.htm. Acesso em; 16/08/2011.
Esse retorno nos grandes centros nem é observado, pois inúmeros são os casos das execuções e presos que cumpriram suas penas e permanecem nos presídios, pois os juizes acabam por não analisar os processos e cometem o lapso de manterem presos aqueles que já pagaram sua divida com a sociedade.
JUNIOR31 descreve a situação no Estado de São Paulo:
O caos das execuções criminais no País, mais especificamente em São Paulo é estarrecedor. Os Promotores não lêem os processos, despacham sugerindo manutenções de prisões sabidamente já cumpridas, sob argumentos nada convencionais ou legais.
Ora! Reclamam de acúmulo de trabalho e não mandam sentenciados embora, negando merecidas liberdades e forçando com isto, a permanência do processo em andamento.
O descaso com o apenado e tanto e surge em meio a inúmeros problemas do judiciário, a principio a quantidade de processos que se acumulam tanto para os juizes, quanto os promotores que não dispõem de tempo para analise de caso a caso usando de fórmulas um tanto técnicas para aplicar penas, conceder remissões e julgar crimes de pequeno e grande porte.
Os meios cruéis foram extintos do texto legal, mas o autor supracitado ressalta o seguinte:
[...] o que seria então crueldade? Permanecer em um lugar superlotado, sem espaço para descanso, sujo, meio propício à propagação de doenças, passar frio, fome, ficar ocioso, cumprir pena com outras pessoas que cometeram delitos mais graves, ficar preso além do tempo previsto, e junto a tudo isso estar submisso às (des)ordens do Estado, figura forte e imponente que representa a sociedade vingadora sedenta por justiça32.
A confusão do sistema penal e de execução penal no Brasil pode ter sua origem em vários fatores, o fato é que as conseqüências são notadas dia a dia em sociedade, a discrepância dos acontecimentos onde pessoas que cometeram crimes leves acabam cumprindo longas penas enquanto aqueles criminosos perigosos devido às brechas da lei permanecem em liberdade. Na fase de cumprimento de penas apenado que seriam facilmente
31 JUNIOR, Arnaldo Xavier. A execução penal no Brasil. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2494/A-execucao-penal-no-Brasil. Acesso em: 16/08/2011.
32 JUNIOR, Arnaldo Xavier. Ibdem.
ressocializados acabam voltando para a sociedade e cometendo crimes maiores e com técnicas mais apuradas.
OLIVEIRA33 esclarece:
O Estado, no ato de segregar tais pessoas, não pode desconhecer as condições que dispõe para mantê-las e transformá-las. O juiz, ao julgá-las e condená-las, não poderá jamais ignorar os seus destinos nem restar cada vez mais distante delas, deixando-as em total abandono.
Segundo o autor principalmente ao Estado cabe o dever da manutenção humana ao preso e retorno confortável a sociedade para que este não venha a reincidir, não bastando o simples isolamento do criminoso como se este deixasse de existir.
Segundo REALE JUNIOR34:
[...] a confusão no sistema penal é causada pela promulgação de algumas leis, entre as quais a que amplia a abrangência das penas restritivas de direitos e até a dos Juizados Especiais. Segundo o advogado, a principal distorção consiste na quebra da proporcionalidade das penas.
[...]
há uma fragilização da repressão penal através da Lei 9.099/95, que criou o Juizado de Pequenas Causas, onde há injustiça. De uma parte se faz transação e sem processo se impõe pena restritiva em relação a fatos de menor potencial ofensivo. Em casos mais graves, de pena mínima de 1 ano, suspende-se o processo, com única medida de comparecimento em juízo a cada três meses. Acelera-se a justiça, sem se fazer justiça.
Desta forma a execução penal é falha desde seu cerne, pois a aplicação da lei penal é confusa o desenvolver da fase processual além e lento é falho deixando o momento da execução afogado em vícios, onde o apenado é simplesmente mais um em meio a tantos que a prestação Governamental não pode atender, pois a prioridade são aqueles que não atentaram contra a moral e os bons costumes da sociedade.
33 OLIVEIRA, Odete Maria de. Op. Cit. p. 233.
34 REALE JUNIOR, Miguel. Op. Cit.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através do presente trabalho ficou clara a finalidade da pena que através dos tempos surgiu para reprimir aquele individuo que destoa da limitação existente em sociedade. Antigamente não se observava e nem mensura a maneira que a pena era aplicada bastava essa servir como exemplo aos demais indivíduos para que não cometessem delitos da mesma natureza. Atualmente, as penas são mais brandas e mensuradas de acordo com o tamanho do delito, todavia, encontram um fator determinante no momento de sua aplicação, a execução penal no Brasil assumiu moldes desumanos e cruéis que habilitam o apenado a reincidir ao contrário de ressocializar. Portanto, passados tantos séculos do surgimento da pena o suplício perdura, possivelmente ainda pior, pois o suplício descrito da antiguidade levava a morte e o realizado hoje gera zumbis que retornam a sociedade com apenas uma alternativa voltar a cometer delitos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, Rafael Damaceno de Assis. A realidade atual do sistema penitenciário brasileiro. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/revista/numero39/artigo09.pdf. Acesso em 15/08/2011.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2ª Ed. Martins Fontes: São Paulo, 1998.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 7ªEd. Vl.1. Saraiva: São Paulo, 2004.
Evolução das Penas, em 24/11/2007. Disponível em: http://vlj.spaceblog.com.br/70907/EVOLUCAO-DAS-PENAS/. Acesso em: 25/04/2011.
Código de Hamurabi. Biblioteca virtual de direitos humanos. Universidade de São Paulo. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/codigo-de-hamurabi.html. Acesso em: 25/04/2011.
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