OS TIPOS DE PRISÕES ADMITIDAS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO E SUA ANÁLISE NO CONTEXTO FÁTICO

                                       Miriam Albino Martins[1]

                                 

 A aplicação do direito penal é considerada a ultima ratio, isto é, ela se dá quando somente ela se mostra suficiente para reprimir determinada conduta, e a Constituição Democrática promulgada em 1988 é rica em princípios que endossam esta afirmativa:

Art. 5°, Inc. LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

 

Art. 5º, Inc. LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança[2].

 

Assim, a liberdade constitui um direito e garantia fundamental.

 

Paralelamente, o Código de Processo Penal Brasileiro prevê quatro tipos de prisões. Sendo uma definitiva decorrente de sentença penal condenatória irrecorrível e outros três tipos que são classificadas como cautelares, são elas: a prisão em flagrante, a prisão preventiva e a prisão temporária. A prisão provisória lato sensu é aquela que não decorre de sentença transitada em julgado.

 

 De acordo Fernando da Costa Torinho Filho[3], considera-se em flagrante delito quem: a) está cometendo a infração penal; b) acaba de cometê-la; c) é perseguido, logo após (...) em situação que se faça presumir ser autor da infração; e d) é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração (art. 302 do CPP)[4]. Já a prisão preventiva é empregada no caso em que o acusado coloca em risco a sociedade ou mesmo o processo, como no caso em que o agente ameaça testemunhas, e a prisão temporária, tem o fito de auxiliar nas investigações no curso do inquérito policial, em que estando solto o acusado poderá ocultar ou destruir provas.

 

Definidas as possibilidades de prisões, partiremos para o contexto fático de modo à análise de sua eficácia. Nas palavras de Marcelo Cunha de Araújo[5], a prisão em flagrante, em seu livro “Só é preso quem quer! Impunidade e Ineficiência do Sistema Criminal Brasileiro”, vê-se que esta é destinada, quase que exclusivamente, aos crimes que deixam vestígios materiais, por excelência, os violentos, que diga-se  de passagem, são praticados por  pessoas de baixo poder aquisitivo ( ou melhor, chegam ao conhecimento do aparato estatal quando praticadas por pessoas marginalizadas). Observe que, no maior nicho dos “crimes dos pobres”, os crimes hediondos, a fiança é impedida.(Araújo, 2010. p.10/11)

 

A lei não estabelece um prazo máximo para a prisão preventiva, e como são os pobres que geralmente não conseguem escapar do flagrante, uma vez que não possuem na maioria das vezes qualquer orientação jurídica, por não disporem de recursos, carecem como dito, de uma defesa eficiente. Assim, não há pressa para o julgamento por parte do Judiciário, sobretudo, pela quantidade de processos criminais que sobrecarregam este Órgão. Se o crime não teve repercussão na imprensa, aí que eles ficam esquecidos por detrás das grades.

            

Dessa forma, vê-se que o devido processo legal é privilégio de poucos, e não se aplica aos hipossuficientes, vez que estes são culpados muito antes do trânsito em julgado da sentença. A lei penal, embora seja destinada a todo e qualquer cidadão, só alcança aos pobres, pois eles não dispõem de recursos financeiros para arcar com pesados honorários advocatícios, sendo certo que a Defensoria Pública é insuficiente ante a demanda de processos criminais. Mas, isso é não é novidade, tendo em vista que há uma conivência dos aplicadores da lei, sobretudo àqueles das instâncias superiores. Nesta linha, verifica-se que há efetivo tratamento desigual, contrariando de forma latente, o tão festado princípio da igualdade trazido pela Carta Magna. Acredita-se que o legislador ao criar a norma em abstrato não pretenda dar tratamento diferenciado aos infratores da lei levando em conta sua condição social, pois a atividade legiferante não poderá jamais ferir a Constituição, sob pena de rigoroso controle de constitucionalidade, entretanto, infelizmente na prática cotidiana, somente àquele cidadão mais abastado consegue que a lei lhe seja cumprida, aproveitando-se de suas benesses.

 

A exemplo do que ocorre na prisão em flagrante, a prisão provisória decorrente de sentença condenatória que ainda não transitou em julgado, também sofre dos mesmos males. Enquanto o pobre é condenado antes do tramitar do processo, àqueles que têm dinheiro, assessorados por advogados renomados, são capazes de levar o princípio da presunção de inocência até as últimas consequências. Neste diapasão, condenados em 1ª Instância e com sentença confirmada pelo Tribunal ad quem, manejam recursos e mais recursos a fim de continuarem em liberdade. Há casos que mesmo o cometimento de crime violento e de grande repercussão não enseja a prisão, se o réu tiver condições materiais suficientes para se defender, é claro. Alguns deles conseguem a façanha de ficar em liberdade enquanto pendente o julgamento de recursos Especial e Extraordinário para os tribunais superiores.

 

O que se conclui diante disso é que se as cadeias estão cheias, as pessoas que lá estão são efetivamente pobres, porque do contrário fosse (tivessem dinheiro), certamente lá não estariam.

 

Semelhante ocorre com a prisão preventiva, tratada no artigo 312 do Código de Processo Penal, segundo o qual a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. O artigo 313 prevê a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos; em qualquer das situações descritas no artigo 312. De acordo com Marcelo Cunha Araújo[6], preferencialmente os crimes cometidos pelos menos favorecidos é que são classificados como hediondos.

 

No artigo 313, inc. I – “aplica-se a prisão preventiva nos crimes punidos com reclusão”, geralmente são os crimes hediondos que culminam penas maiores. No Inciso II – “quando se apurar que o indivíduo é vadio, ou havendo dúvida sobre a sua identidade”[7], (...), da leitura dos incisos artigos mencionados depreende-se facilmente que os reconhecidamente pobres é que os sujeitos destinatários da prisão preventiva. Os crimes tributários, financeiros entre outros são chamados de crimes de colarinho branco, aplica-se o princípio da especificidade da norma penal, nesta lei é praticamente impossível o agente ser levado à prisão e muito menos nela ser mantido.

 

Por tudo que foi esclarecido acerca das espécies de prisões, a prisão cautelar, seja ela a prisão em flagrante, a preventiva e a provisória, não atendem ao seu fim, qual seja a prevenção, uma vez que não alcança a sociedade em geral, visa tão somente determinados indivíduos, para alguns o sistema processual é eficaz, para outros, é a certeza da impunidade.

 

Dessa forma, a prisão no sistema processual brasileiro se apresenta como um acautelamento especial para a população de baixa renda, as estatísticas mostram que os presídios estão cheios de pobres e semi-analfabetos. Talvez, seja por isso que os estabelecimentos prisionais se localizam em periferias e em locais de difícil acesso, onde presos são esquecidos e suas garantias fundamentais também não são lembradas, sob a égide do Estado Democrático de Direito. É como se a prisão fosse forma de afastar do convívio social os indesejáveis, ou seja, os pobres que ameaçam a “ordem social”, e só assim a sociedade poderá alcançar a almejada “paz social”.

 

 

Referências

 

ARAÚJO, Marcelo Cunha de. Só é preso quem quer! Impunidade e Ineficiência do Sistema Criminal Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Brasport, 2010. 10/11 p.

 

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Brasília, DF, Senado Federal, 1998.

 

BRASIL, Código Penal Brasileiro, decreto-lei 3.689/1941, Rio de Janeiro, RJ, Presidência da República, 1941.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 1. 34 ed. Saraiva. 2012. 313 p.



[1] Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

[2] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Brasília, DF, Senado Federal, 1988.

[3] Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal 1. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 313 p.

4 BRASIL, Código Penal Brasileiro, decreto-lei 3.689/1941, Rio de Janeiro, RJ, Presidência da República, 1941.

[5] ARAÚJO, Marcelo Cunha de. Só é preso quem quer! Impunidade e Ineficiência do Sistema Criminal Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Brasport, 2010. 10/11 p.

[6] ARAÚJO, Marcelo Cunha de. Só é preso quem quer! Impunidade e Ineficiência do Sistema Criminal Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Brasport, 2010. 10/11 p. 

[7] BRASIL, Código Penal Brasileiro, decreto-lei 3.689/1941, Rio de Janeiro, RJ, Presidência da República, 1941.