SUMÁRIO ? Introdução ? 1. Princípios norteadores ? 1.1 Direito ambiental ? 1.1.1. Princípio da solidariedade entre gerações. ? 1.1.2. Princípio do progresso ecológico. ? 1.1.3. Princípio da prevenção. ? 1.2. Direito minerário ? 1.2.1. Princípio da proteção à atividade minerária. ? 1.2.2. Princípio do resultado global. ? 1.2.3. Princípio da recuperação da área degradada. ? 2. A propriedade pelo: - 2.1. Direito ambiental. ? 2.2 Direito minerário. ? 2.2.1. Propriedade minerária. ? 2.2.1.1. Solo e subsolo. ? 2.2.1.2. Recurso mineral, jazida e mina. ? 2.2.1.3. Mineral Extraído. ? 2.2.1.4. Partes integrantes da mina. ? 2.2.2. Propriedade superficiária. - Conclusão.

INTRODUÇÃO

É natural que ramos jurídicos distintos, quando colidem na análise do mesmo objeto, cada qual com seu prisma, possa resultar em contradições e antagonismos, visto que no caso concreto de um litígio alguma solução jurídica terá de ser encontrada, resultando em descontentamento em ambos os lados da doutrina e partes.
Por conta disso é de suma importância a leitura da interface do direito ambiental e do direito minerário. Verificar a existência de divergências, procurando racionalmente buscar algumas soluções, ao mesmo tempo em que descobrindo as convergências - como forma de apagar o aparente conflito jurídico - visto que a sistemática jurídica não pode permitir a desarmonia no direito.
Desta forma, a primeira parte deste artigo analisará os princípios norteadores do direito ambiental e do direito minerário, que mantém uma relação muito próxima entre si, quando da necessidade de dirimir conflitos. Foram selecionados três princípios essenciais do direito ambiental, sendo; o princípio da solidariedade entre gerações, princípio do progresso ecológico e o princípio da prevenção. Os princípios do direito minerário selecionados foram; o princípio da proteção à atividade minerária, princípio do resultado global e por fim o princípio da recuperação da área degradada.
A segunda parte deste artigo tratou de analisar os prismas me que são abordados o direito de propriedade para o direito ambiental e o direito minerário. No direito ambiental, por conta da degradação ao meio ambiente que hoje assola o mundo, foi feita uma abordagem um pouco mais crítica acerca do direito de propriedade, tendo como foco a função social da propriedade e a proteção ao meio ambiente.
No direito minerário, haja vista o escasso material doutrinário disponível e o pouco número de doutrinadores que desbravam o direito minerário, optou-se por trabalhar os conceitos do direito minerário que regulam a propriedade minerária. Assim foi trabalhado com as classificações de solo e subsolo, depois de recursos minerais e sua diferença com jazida e mina, entre outros conceitos.
Ao fim uma especial atenção da relação entre o proprietário do solo (superficiário) e o proprietário do título minerário. A preeminência do titular do título minerário e os direitos do superficiário na justa indenização e participação do produto da lavra.


1. PRINCÍPIOS NORTEADORES

1.1 - DIREITO AMBIENTAL

1.1.1 ? Princípio da solidariedade entre gerações.
A utilização das mais variadas formas dos recursos naturais, nunca teve uma preocupação tão intensa acerca do seu exaurimento, como nas últimas décadas. A preocupação se acentuou com a crise do petróleo em 1973, ocasionando discussões acerca da alternativa energética no lugar do petróleo. Posteriormente a discussão começou a se alastrar para outros recursos naturais, que aos poucos se foram revelando escassos.
Paralelamente a discussão econômica da escassez do recurso natural, tomou corpo a preocupação para com o efeito estufa e a desconstituição da camada de ozônio, o abastecimento de água e entre outros problemas ambientais. Movimentos sociais, cientistas e posteriormente o sociedade como um todo começou a se preocupar com os danos ambientais e principalmente seus riscos para a vida humana. Como resultado começa-se a questionar se, na velocidade que está se dando o desenvolvimento econômico, aliado a irresponsabilidade ambiental e social, corremos o risco de esgotar os recursos naturais e por fim (e muito mais gravoso), ocasionar na transformação da terra em um local inabitável, por conta da poluição.
A preocupação consta no princípio da solidariedade entre as gerações, que para o doutrinador Canotilho está na preocupação no campo das alterações irreversíveis, do esgotamento dos recursos naturais e dos riscos duradouros. Podemos concluir então que na essência do princípio da solidariedade entre gerações está o desenvolvimento sustentável, sendo a solidariedade entre gerações a sua motivação. Maria Beatriz de Oliveira da Silva , acerca de desenvolvimento sustentável diz que ele concilia as necessidades humanas ao fato das limitações dos recursos naturais no presente e se acentuando cada vez mais no futuro, buscando uma equidade entre a necessidade infinita com os recursos naturais que são finitos, ou tem um tempo de renovação muito maior que o tempo das necessidades de consumo.
A constituição de 1988 de acordo com José Rubens Morato Leite adotou a visão antropocêntrica alargada , onde o meio ambiente é visto em função do ser-humano, mas não se restringindo como uma riqueza econômica, passível do escambo ou de qualquer outra relação jurídica possível. Com essa visão antropocêntrica alargada, a constituição de 1988 gerou direitos para as gerações futuras, como menciona MORATO LEITE , que os direitos intergeracional foram garantidos no art. 225 da Constituição brasileira, adotando uma visão antropocêntrica alargada. Para o doutrinador a preservação deve ser uma obrigação de toda a sociedade e o Estado, na busca de garantir o direito de um ambiente saudável para as futuras gerações.

1.1.2 ? Princípio do Progresso ecológico
Tendo em vista outros princípios ambientais que pugnam sempre pelo uso da melhor técnica na proteção (MTD ) ao meio ambiente, o princípio do progresso ecológico tem um destino primário ao Estado. É um dever do Estado sempre estar revendo suas exigências ambientais quando da licença ambiental de algum empreendimento, ou no caso do poder legislativo , deve este periodicamente rever a legislação da qual é competente, que disciplina o meio ambiente.
Este dever do Estado tem sua motivação pela simples realidade fática de alguns fatores. Primeiro, as exigências ambientais de 30 anos atrás não são suficientes para a mitigação dos danos ambientais, que constantemente vão se descobrindo e ocasionando seu impacto para a sociedade. Segundo que - também utilizando neste caso como referência os 30 anos atrás - a tecnologia disponível não tinha a mesma eficiência e a capacidade da existente no presente, e com certeza irá melhorar cada vez mais no futuro.
Utilizando a legislação que disciplina o uso do amianto, podemos ter uma boa noção da utilização do princípio do progresso ecológico. A lei federal 9.055/95 proibiu o uso de alguns tipos de amianto e restringiu algumas modalidades de uso do amianto crisotila, já o Estado do Mato Grosso do Sul promulgou a lei 2.210/2001 que proíbe totalmente qualquer uso do amianto no seu limite territorial.
Para o doutrinador Paulo Affonso Leme Machado , no caso do amianto crisotila, a lei foi restritiva no sentido de proibir parcialmente o amianto crisotila e totalmente nos demais tipos de amianto. Portanto não teria óbice um estado da federação, no mesmo caminho restritivo, vir por restringir por completo, toda a forma de uso do amianto. Para Leme Machado, a lei estadual não ofende a federal, pois somente utilizou de sua competência suplementar.
Como bem explicou o doutrinador Leme Machado - que a legislação não deve regredir - o estado do Mato Grosso do Sul atento para a necessidade da atualização da lei que disciplina o amianto, assim o fez, proibindo totalmente em seu território a única forma de amianto ainda liberada no Brasil. Importante verificar que a lei federal data de 1995 e a lei do estado do Mato Grosso do Sul é de 2001, ou seja, o legislador em nível federal proibiu as formas de uso do amianto que claramente atentavam quanto a saúde do homem e o meio ambiente em 1995, já em 2001 os legisladores estaduais do Mato Grosso do Sul atualizaram a lei, pois verificaram que toda forma de uso do amianto causava males a saúde e ao meio ambiente.

1.1.3 Princípio da Prevenção
No direito ambiental se pugna que, antes do dano ocorrer precisa-se atentar para duas situações, a de se precaver e de prevenir. Surgem aí os dois princípios de fundamental importância para o direito ambiental, o princípio da precaução e o princípio da prevenção. No caso irei aqui discorrer sobre o princípio da prevenção, porém é salutar diferenciar os dois princípios que são muito próximos conceitualmente. O princípio da precaução pugna para que na dúvida técno-científica acerca da ocorrência do dano, opte-se por cessar as atividades ou procurar a corrigir/prevenir de um possível dano.
Já o princípio da prevenção pugna para que se previna de um dano concreto, que sabe-se que tal atividade ocasionará um dano. Canotilho acerca do princípio da prevenção justifica a sua importância, pois para ele é mais benéfico para a sociedade prevenir o dano ambiental, já que na maioria das vezes é impossível a reconstituição do meio ambiente; também se justifica porque em muitos casos, mesmo sendo possível a reconstituição, ele é muito oneroso para o poluidor, de modo que o este não consiga arcar com o encargo ambiental; por fim já que prevenir é muito mais barato, não existe lógica correr o risco de ter que arcar com vultosos recursos por conta de um dano ambiental.
Nada garante que a atividade ou o empreendimento depois de causado o dano, consiga absorver todos os custos e arcar com o retorno do status quo ante, além do que, mesmo conseguindo este retorno, a sociedade terá por algum período de tempo, de abdicar do usufruto natural do meio ambiente atingido.
Dirimindo como venha a funcionar o princípio da prevenção, explanado anteriormente, a prevenção atua em cima de riscos conhecidos, semelhante a atravessar a rua sem olhar para os lados, é uma chance enorme de um automóvel lhe atropelar. A prevenção não trabalha com a certeza de que irá ocorrer, mas sim com uma certeza distinta, a certeza de que é plenamente possível ocorrência do dano.
Morato Leite definindo o conceito do princípio da prevenção e o da precaução, fazendo uma diferenciação entre os dois conceitos, diz que:
"(...) sobre a Teoria da Sociedade de Risco, pode-se deduzir que a atuação preventiva é um mecanismo para a gestão dos riscos, voltado, especificamente, para inibir os riscos concretos ou potenciais, sendo esses visíveis e previsíveis pelo conhecimento humano. Por seu turno, o princípio da precaução opera no primeiro momento dessa função antecipatória, inibitória e cautelar, em face do risco abstrato, que pode ser considerado risco de dano, pois muitas vezes é de difícil visualização e previsão".
Desta maneira o bem ?meio ambiente? não é protegido para depois do dano, mas de forma antecipada. Assim ele se materializa com as licenças ambientais , nas leis (Ex: que detalham o plano diretor; que restringem/proíbem o uso de algum material; que regulam o corte de vegetação), sendo estes alguns dos mecanismos que o poder público e a sociedade têm para se prevenirem de possíveis danos ambientais.

1.2 ? DIREITO MINERÁRIO

1.2.1 ? Princípio da proteção da atividade minerária.

A propriedade minerária é de complexa classificação. Majoritariamente a doutrina minerária é uníssona em afirmar que os conceitos do direito administrativo e civil não têm uma aplicação linear na atividade minerária, pois trabalham com conceitos diferentes .
A mineração necessita de vultosos investimentos ainda que em fase de pesquisa, pelo prazo para maturação dos investimentos e principalmente pela rigidez locacional. É fisicamente impossível mudar uma jazida de lugar, algo por sua vez totalmente factível para a construção de uma indústria, residência, comércio ou campo para agricultura.
Por esta característica o legislador nos artigos 57 e 87 do Código de Mineração, protegeu a atividade minerária de quaisquer medida judicial que tenham o condão de interromper a atividade. Isto porque o direito de explorar a lavra minerária, resulta também de um dever de explorá-la, como consta nos artigos 47, 49 e 58 do Código de Mineração.
Acerca da rigidez do local da mina o doutrinador Carlos Luiz Ribeiro explana que a localização da mina não é de escolha do minerador, é a natureza que define o local, já que haverá possibilidade de mineração, onde contenha minério.
Freire analisando o conflito entre direito ambiental com o princípio da proteção da atividade minerária, defende que deva existir um equilíbrio entre as duas necessidades humanas, procurando proteger-se dos riscos daqueles que utilizam o discurso ambiental, por motivação política e coorporativa . Para ele a aplicação da lei ambiental instiga paixões legítimas e oportunistas. Por isso cabe ao Poder Judiciário uma grande responsabilidade, de forma equilibrar esses dois direitos, inibindo a demagogia e a preservação romântica.
É claro que este princípio não deve ser aplicado de maneira inflexível, tendo em vista que todos os princípios são por essência maleáveis para que combinados entre si, tenham um bom resultado. Ele deve ser combinado tanto com princípios ambientais, como a prevenção e precaução, como também com outros princípios minerários que veremos a seguir.

1.2.2 ? Princípio do resultado global.

Este princípio orienta uma visão holística, dialética da atividade minerária. O princípio do resultado global exige que se avaliem os ônus e bônus da atividade minerária em todos os seus reflexos. Por exemplo, vamos que se descubra que debaixo da pedra do Morro do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, tenha uma enorme reserva de um mineral muito raro. Não se pode dizer que neste caso se aplicará inflexivelmente o princípio da proteção da atividade minerária e autorizar a exploração.
Este princípio tem uma enorme carga política, e o que é salutar para reforçar a democracia no país. Isso pode significar que num momento de escassez a prioridade possa ser a exploração, e que num momento de fartura possa ser a não-exploração. Importante ressaltar que este princípio não se limita a fazer o cálculo do bônus/ônus financeiro e ambiental, muito mais do que isso, ele avalia os ônus e bônus social também em todas as suas variáveis. Silvia Helena Serra descreve melhor o princípio:
"O projeto de engenharia deve ser avaliado conjuntamente com os projetos ambiental, econômico e social. Somente mediante uma avaliação conjunta de todos eles é que o Poder Público poderá avaliar a viabilidade do empreendimento mineiro".
A doutrinadora ainda complementa afirmando que este princípio não é operacionalizado pela simples conta aritmética, vindo a se somar os bônus e depois os ônus, verificando aquele que alcançou maior pontuação. Pode ocorrer que tendo 1 ponto positivo e 3 negativos, mesmo assim ainda aprova-se o projeto, da mesma forma pode ocorrer o contrário. Portanto é fundamental a participação popular neste processo, fazendo aplicar este princípio em casos de grande vulto e quando solicitados pela comunidade.
Já preocupando-se com a excessiva discricionariedade política do administrador, finaliza Serra afirmando que o administrador está adstrito à lei sobre se um aspecto deverá ou não inviabilizar um empreendimento, atentando-se a administração pública também para os aspectos sociais, econômicos e ambientais do empreendimento.

1.2.3 ? Princípio da recuperação da área degradada.

Este princípio minerário obriga que todo novo empreendimento inicie já com seu plano de recuperação da área que ficará degradada ao fim do potencial econômico da jazida. Brum em sua monografia conceituou o que seria a recuperação da área degradada, que ele chamou de descomissionamento de empreendimentos minerários :
"Na mineração, o descomissionamento é parte das operações de lavra e beneficiamento e representa a minimização de resíduos sólidos e efluentes nocivos ao meio ambiente. Essa fase é identificada como o cessar das operações de lavra e a conseqüente paralisação das demais atividades, seguida da transformação do sítio mineiro em área útil à comunidade que a cerca. Tais atividades de desativação programada têm a função de colocar as obras e instalações resultantes em condições tais que possam ser removidas, vendidas ou, caso permaneçam na localidade, não ponham em risco a saúde e a segurança do público e do meio ambiente. A área recomposta não será como a de antes das atividades mineiras; mas pode, em certos casos, ser melhorada, conforme o referencial adotado e os interesses das comunidades da região."
Este princípio é de grande importância para a atividade minerária, pois é impossível recuperar a área da jazida no decorrer da exploração minera. A constituição no §2º do artigo 225, ao mesmo tempo em que concedeu uma garantia ao minerador, também lhe impôs uma obrigação. Menciona o citado artigo: "aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei".
Nota-se uma diferenciação da atividade minerária perante as demais, tendo o constituinte garantido ao minerador a possibilidade de recuperar a área degradada somente ao término da atividade minerária. A doutrinadora Sílvia Helena Serra justifica o motivo da diferenciação da atividade minerária, perante as demais pelo fato que, primeiro por conta da rigidez locacional da jazida, e segundo pela possibilidade de recuperação do meio ambiente. Inexistindo a possibilidade recuperação ambiental ao fim da exploração minerária, evidentemente, não se deve permitir a exploração.
Observando o que acima registrou SERRA, nota-se uma clara busca pela harmonia principiológica, entre os princípios ambientais e minerários. Os princípios ambientais foram flexibilizados, da mesma forma que os princípios minerários também o foram, permitindo um melhor aproveitamento dos recursos naturais, sem comprometer o meio ambiente de forma acentuada.

2. A PROPRIEDADE VISTA PELO:

2.1 - DIREITO AMBIENTAL

O que preponderantemente disciplina o conceito de propriedade a luz do direito ambiental, sem dúvida alguma é a função social da propriedade. Como bem destacado pelo doutrinador Morato Leite, a visão ambiental adotada pelo constituinte de 1988, foi do antropocentrismo alargado .
Assim o meio ambiente não é visto simplesmente como um bem de valor econômico, mas como um bem de uso comum do povo, que não esta exclusivamente a disposição do particular nos seus egoístas interesses. Portanto a propriedade sofreu várias restrições, como forma de coibir os danos ambientais que atingem a sociedade como um todo.
A exploração da atividade econômica deve respeitar alguns critérios sociais e ambientais, virando estes um pressuposto para o posterior usufruto da propriedade . A defesa ao meio ambiente e a função social da propriedade transformaram-se em referências para a exploração de qualquer atividade econômica e uso da propriedade.
O jurista Carlos Gomes de Carvalho expõe a sua visão da relação do direito ambiental para com a propriedade :
"(...) o Direito Ambiental (...), não nasce como elemento da expansão social, mas como instrumento de defesa ante o crescimento desordenado e arbitrário (...), das relações de produção. Aqui se insere a questão jurídica do uso nocivo da propriedade, tanto preestabelecendo o tipo, forma e destino de sua utilização quanto aplicando sanções pelo prejuízo que possam causar à comunidade".
Para Ayala a Constituição de 1988, além de garantir a utilidade econômica dos recursos naturais através da propriedade privada, também garante a proteção de outros direitos fundamentais que se mesclam, tirando a aplicação ortodoxa de outrora da propriedade privada . A proteção da propriedade privada não pode ser analisada isoladamente, mas mesclada com outras referências da ordem econômica nacional. A proteção ao meio ambiente e a função social da propriedade moldam a utilização da propriedade privada, sendo que a propriedade privada se reveste de duas funções, uma individual e outra coletiva.
Modificar a concepção de propriedade e limitar o seu alcance, como está fazendo o direito ambiental, não é tarefa fácil. Importante salientar que a propriedade privada é o cerne do modo de produção atual ? capitalista ? que privilegia o interesse individual na busca da rentabilidade particular, em detrimento dos anseios coletivos básicos, como um meio ambiente saudável. Nessa direção aponta Sundfeld que seria inevitável para a doutrina ambiental atingir o instituto da propriedade, visto que para buscar uma nova ordem social e econômica, passa-se necessariamente pela mudança substancial no direito a propriedade.
A propriedade da forma clássica como foi concebida pelas revoluções burguesas, não existe mais e cada vez mais ela estará em função da coletividade . Porém ainda na atualidade o direito de propriedade sobrevive e ainda muito forte, como destaca Carvalho :
"Neste contexto (...) não se pode confundir jamais restrição ao direito de propriedade, (...) com a supressão ao direito de propriedade. O que a sociedade contemporânea coloca, e o fará crescentemente, são balizas ao uso da propriedade que não pode ser mais utilizada sem abrigar explicitamente uma consciência do social".
Marx em sua obra ?Uma Contribuição à Crítica da Economia Política? , já salientava que as relações jurídicas e de poder de uma época, devem ser compreendidas de acordo com o seu modo de produção:
"as relações jurídicas, bem como as formas do Estado, não podem ser compreendidas por si mesmas (...), mas se radicam nas condições materiais da vida. (...) a estrutura econômica da sociedade (constitui) o alicerce real sobre o qual se erguem as super estruturas jurídicas (...)".
Finalizando o tópico com a leitura de Marx - grande economista e filósofo do século XIX -, temos compreender que não será com boas intenções e retóricas, que a proteção ao meio ambiente será conquistada. As causas da destruição ao meio ambiente ao latu sensu são conhecidas, é a interferência do homem na relação com o meio que vive. Porém essa relação acontece alguns milhares de anos, mas somente após a ascensão da sociedade de consumo (capitalista) é que chegamos ao ponto crítico de ameaçar a nossa sobrevivência no mundo.
Como bem apontou Morato Leite acerca do esgotamento do modelo de produção atual: "A Teoria da Sociedade de Risco, característica da fase seguinte ao período industrial clássico, representa a tomada de consciência do esgotamento do modelo de produção, sendo marcada pelo risco permanente de desastres e catástrofes."
O ponto central da discussão da defesa ao meio ambiente, não pode ser outro que a substituição do atual modelo de produção de riqueza. Alguns chamam essa substituição do modelo de produção capitalista de Estado de Direito Ambiental , outros de socialismo, comunismo, utopia, enfim nos mais variados nomes. Cada uma com seu modelo diferente, mas com objetivos idênticos, mudar o que está posto buscando uma forma de justiça coletiva.

2.2 - DIREITO MINERÁRIO

A discussão acerca da propriedade no direito minerário se concentra basicamente na propriedade do minério. Cabe destacar as duas formas de propriedade que coexistem no mesmo espaço e tempo. Uma é a propriedade do minério/jazida/mina que é o que interessa ao estudo do direito minerária, outra é a propriedade da superfície, a propriedade em seu clássico formato. Portanto veremos no âmbito do direito minerário, como se comportam esse dois regimes jurídicos, coexistindo no mesmo espaço e tempo.
A constituição brasileira de 1988 constituiu um regime de propriedade diferenciado para a exploração mineral no país. Assim o fez, com o intuito de fomentar a transformação do recurso mineral inerte em riqueza, protegendo os direitos do minerador que assumiu a álea do negócio. Desta forma, procurou-se garantir os direitos do minerador, conciliando com os direitos do Estado, do superficiário e do meio ambiente .
O domínio da União sobre as jazidas e recursos minerais, se constitui de bens de domínio de uso especial. Isto porque de acordo com Freire a propriedade minerária da União tem características sui generis, "os recursos minerais são destinados à exploração e explotação exclusivamente pelo particular e são exauríveis ? o que lhes acrescenta um característica de temporalidade ? não se mantendo inteiros e perpetuamente no domínio estatal".
Característica importante da propriedade minerária, é que não cabe a União conceder ou impedir o aproveitamento dos seus recursos minerais . Sendo o ato administrativo vinculado, não cabendo um posicionamento discricionário quando for requerido prioritariamente e tendo cumprido as determinações do código. As exceções a regra se dará quando, a exploração vai contra o interesse nacional ou se incorrer no art. 42 do código de mineração.
Também explana (com posicionamento idêntico a Freire) o doutrinador Ribeiro sobre o mesmo tema . Ele pugna que quando satisfeitas as condições impostas pela lei, a administração deverá outorgar o título de direitos minerários requerido, não cabendo qualquer poder discricionário ou subjetivo da administração neste ato.

2.2.1 ? Propriedade Minerária

Não existe a possibilidade de iniciar a discussão da propriedade minerária, com seus títulos constitutivos geradores de direitos reais, sem trabalharmos alguns conceitos de grande importância para desbravar essa área tão específica do direito brasileiro.

2.2.1.1 Solo e subsolo

O direito brasileiro consagrou a distinção da propriedade do solo do subsolo no art. 176, caput da constituição de 1988. Já o código civil reforçou a diferença no art. 1.230, quando diz: "A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas, e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos em leis especiais".
Passada essa distinção, cabe verificar o que se classifica como subsolo para efeitos minerários. Nem todos os minérios são na atualidade explorados em cavernas subterrâneas, sendo muitos deles aflorados na superfície. Freire menciona que o momento que o subsolo adquire importância para o mundo jurídico, é quando este obtém potencial econômico ou científico, do contrário não é regido pelo código de mineração.
A importância que adquire a visualização destes conceitos, é que em caso de gravames sobre o solo, não atinge o subsolo e assim também no inverso. O solo e o subsolo não se confundem, portanto os negócios jurídicos contratuais ou administrativos do solo, não interferem no subsolo.

2.2.1.2 Recurso Mineral, Jazida e Mina

O subsolo tem várias classificações para o mundo jurídico afeito a mineração, sendo fundamental compreender a diferença de ?recurso mineral?, ?jazida? e uma ?mina?. Começando a conceituação de forma inversão, para fins didáticos, primeiro vamos conceituar a mina.
Para ser considerada uma Mina, primeira exigência é que esteja sendo explorada, enfim como menciona Freire , que deva possuir valor econômico e demanda suficiente para viabilizar o empreendimento.
Já a jazida tem entre suas características : tem natureza imobiliária; é uma atividade extrativa; possui autonomia em relação ao solo; possui rigidez locacional; é exaurível; não é renovável. O doutrinador Freire demonstra a diferença entre jazida e mina basicamente pelo critério do seu uso industrial, sendo mina justamente quando existe esse uso.
Agora para conceituar o recurso mineral ficou mais fácil, sendo que já sabemos o que ele não é. Enquanto o recurso mineral ainda não está titulável, enquanto ele não é uma jazida, então se encontra anônimo na natureza, porém fisicamente se constitui como um mineral somente. Porém não significa que está livre para ser lavrado clandestinamente, pois a constituição garantiu a propriedade dos recursos minerais no seu art. 176, caput da constituição de 1988.
Procurando demonstrar o momento em que o recurso mineral (coisa) acaba virando um bem de interesse ao direito minerário, expôs Freire que bens são coisas com valor econômico. Os recursos minerais são coisas, e a medida que for demonstrada a existência de sua expressão econômica, se transformam em bens.

2.2.1.3 Mineral Extraído

O momento que o minério deixa de ter qualquer relação dominial com a União, é quando este é extraído da mina. A constituição de 1988, no art. 176, caput, garante ao proprietário do título minerário a propriedade do minério extraído, "As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais (...) pertencem a União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra". Acerca do que seria o minério extraído, o STF já se posicionou a respeito , refutando a idéia de que o minério é fruto, mas sim que são produtos, que se extraem à coisa com alteração de sua substância, não podendo voltar ao status quo ante após a sua retirada da mina.
Freire, fazendo uma exceção a regra, afirma que o mineral extraído clandestinamente, não passa para propriedade do particular, permanecerá no domínio da União, tal como preceitua a constituição.

2.2.1.4 Partes Integrantes da Mina

Integram-se ao patrimônio da mina, não só os recursos minerários titulados e em exploração. No rol de propriedade da mina, incluem-se todas as benfeitorias, máquinas e equipamentos necessários a extração mineral e seu beneficiamento .
O parágrafo único do art. 6º do código de mineração se relaciona a um rol de itens que aderem a propriedade da mina. Entre esses itens, podemos destacar os veículos empregados no serviço; provisões necessárias para os trabalhos, para um período de 120 dias; edifícios e construções destinadas a mineração, além de outros matérias e equipamentos.
Freire enumera duas conseqüências importantes do referido mandamento; primeiro são as obras de aderência permanente, destinadas a atividade industrial, deixam de ser acessórios do solo, para constituírem da mina; segundo é que afasta a aplicação do art. 1.255 do Código Civil, possibilitando ao minerador que retire o que puder e desejar, desde que não afete a segurança ou o reaproveitamento da mina.

2.2.2 ? Propriedade Superficiária

Como visto a propriedade minerária pertence a União, que a requerimento de particulares está condicionada a outorgar os títulos minerários, caso o requerente cumpra todos os requisitos em lei. Já a propriedade clássica, chamada de propriedade superficiária, pertence ao particular. Porém cabe ressaltar que as duas propriedades são superficiárias, sendo, porém de características distintas. Ribeiro analisando a dicotomia afirma é falsa a idéia de duas propriedades superpostas, sendo uma superior (solo) e outra inferior (subsolo), até porque no Brasil a maioria das minas são superficiárias.
Verifica-se que o proprietário do solo terá em muito restringido o seu direito de uso integral de sua propriedade. Foi com vista nesta problemática que a legislação procurou mitigar e compensar o proprietário do solo, dos danos e restrições que lhe serão impostos. Ribeiro enumerando as compensações que a lei garantiu ao proprietário do solo verifica que a mesma lei que impõe ao proprietário do solo o dever de permitir a exploração minerária em sua propriedade, também concede alguns direito, como de participar dos resultados da lavra e a garantia de indenização pelos danos em sua propriedade.
Tendo estes direitos assegurados, como compensações em vista das restrições impostas, o proprietário do solo é obrigado a permitir a pesquisa mineral, tal como a exploração minerária, podendo o Estado utilizar da manu militari, se necessário.

CONCLUSÃO

Este artigo não teve a intenção por óbvio de exaurir a discussão acerca dos conflitos doutrinários e jurídicos, entre o direito ambiental e minerário, haja vista o enorme campo de discussão existente. Também importante destacar que este artigo não teve o intuito de ser um trabalho crítico, já que se faz necessário a análise e o estudo da interface dos princípios e conceitos, antes das reflexões críticas.
Portanto mesmo não exaurindo a discussão, das mais variadas formas, este trabalho objetivou analisar alguns princípios fundamentais do direito ambiental e minerário, de forma que procurou demonstrar que não há, necessariamente, um antagonismo entre os dois ramos, podendo em muitas circunstâncias se complementarem.
Quando na análise da propriedade privada sob a ótica ambiental, verifica-se que o direito à propriedade privada não é um "Leviatã" no ordenamento jurídico, acima de tudo e de todos. A postura da sociedade está se invertendo, a partir do momento que se toma consciência que sem um meio ambiente adequado, a própria qualidade de vida humana (para não falar da própria sobrevivência) corre grandes riscos de se deteriorar.
O direito minerário acerca da relação com a propriedade, hoje não encontra divergências doutrinárias, pois desde 1934 quando teve fim o regime de acessão, sendo o solo desmembrado (para efeitos de exploração minerária) do subsolo. Tendo em vista que é um ramo do direito ainda deveras exótico, quase que inabitável, foi esclarecido alguns dos principais conceitos. Foi verificado que o recurso mineral adquire várias classificações até o seu beneficiamento. Primeiro ele é um recurso mineral, posteriormente ele irá virar uma jazida, ao fim acaba virando uma mina. Importante ainda outra classificação, denominada do minério extraído, que é quando a propriedade mineral da União transforma-se em propriedade mineral do particular que explora a mina.
Muitos outros conceitos ainda foram trabalhados, mas um especial destaque, que ainda no mundo prático gera inúmeros conflitos. A relação do superficiário com o detentor do título minerário. A doutrina é pacífica e a lei da mesma forma, o complicador é quando da interface do direito minerário com o direito civil, acerca dos valores de indenização e lucros cessantes, que possibilitam inúmeras discussões, que muitas vezes foge do campo de atuação do direito minerário. Todavia o código de mineração fez constar inúmeros direitos e deveres para o proprietário do solo (superficiário).
O direito minerário deve procurar a utilizar de forma contumaz alguns princípios do direito ambiental, como forma a pacificar eventuais danos ao meio ambiente. O compromisso com as gerações futuras, tal como a consciência de transformar os negócios efetivamente sustentáveis, não pode passar de mera retórica. O princípio minerário do resultado global segue esse caminho, onde não basta para a exploração mineral, a viabilidade econômica da jazida, tende-se comportar também o mínimo impacto ambiental.
Todavia direito ambiental deve procurar conhecer a importância da mineração para a vida humana, onde não são salutares os obstáculos a exploração minerária, suficientes para impedirem a atividade. Conhecer o princípio da proteção da atividade minerária, analisando num escopo da Economia Política, podendo assim verificar a importância não só econômica, mas também social e soberana do país, na exploração de seus recursos sociais.
É uma prática de mútuas concessões, porém sempre atentos que o meio ambiente não pode ser comprometido a sua inanição. Algum erro referente a proteção da atividade industrial, mineira, ou qualquer atividade econômica poderá ser revertida a posteriori, com indenizações e cancelamento do ato equivocado. Já o meio ambiente não funciona na mesma temática, pois um erro que possibilite uma degradação ambiental, dificilmente conseguirá ser revertido, pois uma indenização não recompõe a vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AYALA, Patryck de Araújo. Deveres ecológicos e regulamentação da atividade econômica na Constituição brasileira. In: Direito constitucional ambiental brasileiro. Org. CANOTILHO, Joaquim Gomes e LEITE, José Rubens Morato. 3 ed. rev. ? São Paulo: Saraiva, 2010.

BENJAMIN, Antônio Hermann. Constitucionalização do ambiente e ecologização da constituição brasileira. In: Direito constitucional ambiental brasileiro. Org. CANOTILHO, Joaquim Gomes e LEITE, José Rubens Morato. 3 ed. rev. ? São Paulo: Saraiva, 2010.

BRUM, Irineu Antônio Schadach de. Recuperação de áreas degradas pela mineração. Monografia: Orientador José Batista de Oliveira Jr. Escola Politécnica da UFBa: Salvador, 1990.

CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito constitucional ambiental português e da união européia. IN: Direito constitucional ambiental brasileiro. Org. CANOTILHO, Joaquim Gomes e LEITE, José Rubens Morato. 3 ed. rev. ? São Paulo: Saraiva, 2010.

CARVALHO, Carlos Gomes de. Introdução ao direito ambiental. 3 ed. São Paulo: Editora Letras & Letras, 2001.

FREIRE, William. Natureza Jurídica do Consentimento para Pesquisa Mineral, do Consentimento para Lavra e do Manifesto de Mina no Direito Brasileiro. Belo Horizonte: Editora Mineira, 2005.

LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de Risco e Estado. IN: Direito constitucional ambiental brasileiro. Org. CANOTILHO, Joaquim Gomes e LEITE, José Rubens Morato. 3 ed. rev. ? São Paulo: Saraiva, 2010.

MACHADO, Paulo Afonso Leme. O federalismo, amianto e meio ambiente: julgado sobre competência. IN: Direito constitucional ambiental brasileiro. Org. CANOTILHO, Joaquim Gomes e LEITE, José Rubens Morato. 3 ed. rev. ? São Paulo: Saraiva, 2010. pg. 251.

RIBEIRO, Carlos Luiz. Direito minerário escrito e aplicado. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

SERRA, Silvia Helena. A formação, os condicionamentos e a extinção dos direitos minerários. Dissertação de Mestrado: Orientador Hildebrando Hermann. Campinas, 2000.

SILVA, Maria Beatriz Oliveira da. Desenvolvimento sustentável no Brasil de Lula: uma abodagem jurídico-ambiental. Santa Cruz do Sul: Edunisc; São Paulo: Anita Garibaldi, 2009.