Como elucidamos no curso deste trabalho, a realização de todo negócio jurídico gera consequências no mundo do direito. Logicamente, como o contrato de compra e venda também é um negócio jurídico, é de se presumir que a sua celebração resultará na criação de diversos efeitos jurídicos. A doutrina civilista brasileira divide tais efeitos em: principais e secundários ou subsidiários. A partir deste ponto analisaremos cada um desses efeitos.

 

Efeitos principais

 

Os principais efeitos surgidos com a celebração de um contrato de compra e venda são: 1) gerar deveres recíprocos para os contratantes: para o alienante, a obrigação de transferir o domínio da coisa pactuada, e para o adquirente, a de pagar o preço acordado em dinheiro (artigo 481 do CC); e 2) provocar a obrigação do vendedor pelos vícios redibitórios e pela evicção.

O primeiro efeito principal surgido (reciprocidade obrigacional) é devido à natureza sinalagmática do contrato de compra e venda. Com a efetivação do contrato, fica o comprador obrigado à pagar o preço convencionado entre as partes, ao passo que é ônus do vendedor transferir a propriedade da coisa comprada, visto que o contrato de compra e venda no direito brasileiro não possui a característica de ser translativo.

Contudo, por mais certo que, no ato da compra e venda, o vendedor não transfira, de pronto, o domínio do objeto e, sim, prometa transferir, ambos os negócios jurídicos (compra e venda e o acordo de transmissão mediante tradição ou registro público) encontram-se estritamente ligados. Nesse sentido, preleciona Clóvis Veríssimo do Couto e Silva:

 

Quem vende um imóvel por escritura pública, não necessitará de outro ato ou de outra declaração de vontade para que possa ser realizado o registro, pois, na vontade de vender, está a vontade de adimplir, de transmitir, que, por si só, é suficiente para permitir o registro no albo imobiliário. (COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. A obrigação como processo. Edição única. São Paulo: Bushatsky, ano 1976, p. 62)

 

O segundo efeito principal criado com a efetivação de um contrato de compra e venda (obrigação do vendedor pelos vícios redibitórios e pela evicção), vale destacar, é inerente à todos os tipos de contratos tratados pelo nosso ordenamento jurídico. A razão pela qual a doutrina civilista brasileira trata deste efeito como sendo principal do contrato de compra e venda, traduz-se pela íntima relação que o mesmo mantém com o aludido contrato. Porém, o próprio direito brasileiro disciplina este efeito na teoria geral dos contrato.

No tocante à inteligência trazida por esse segundo efeito principal, podemos afirmar que o mesmo tem como principal escopo a fuga do descumprimento, por parte do vendedor, da obrigação de transmitir, plenamente, o domínio da coisa mediante a tradição ou o registro, uma vez que seu inadimplemento possibilitaria a resolução contratual, com o retorno das partes ao status quo ante. Ora, do que adiantaria a transferência do domínio de determinado objeto que apresentasse, posteriormente, vícios capazes de inutiliza-lo? Ou até mesmo um terceiro que futuramente viesse reclamá-lo judicialmente? Para evitar que tais infortúnios aconteçam, o direito civil brasileiro determina que durante a celebração de um contrato de compra e venda, a principal obrigação do vendedor seja, além do deslocamento do domínio da coisa para o comprador, arcar com todas as obrigações provocadas pelos vícios redibitórios ou por qualquer evicção.

 

Efeitos secundários

 

Após termos estudado os efeitos principais inerentes à compra e venda, abordaremos agora outras consequências surgidas com a celebração desse tipo de contrato, quais sejam: os efeitos secundários ou subsidiários. Dentro destes efeitos, três merecem destaque especial: a responsabilidade pelos riscos, a repartição das despesas e o direito de reter a coisa ou o preço.

Relativo à responsabilidade pelos riscos, estabelece o artigo 492 do Código Civil que “até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador”. Tal norma apenas relembra que o contrato de compra e venda no Brasil não possui caráter translativo. Portanto, até o momento da tradição (se coisa móvel) ou do registro (se coisa imóvel), ambas as partes possuem responsabilidades para com a outra. Logicamente, se já houve a transferência do domínio da coisa, pela tradição ou pelo registro, quem sofre com as consequências do perecimento é o comprador.

Prosseguindo nessa esteira, o parágrafo primeiro do dispositivo supra prevê ainda que “os casos fortuitos, ocorrentes no ato de contar, marcar ou assinalar coisas, que comumente se recebem, contando, pesando, medindo ou assinalando, e que já tiverem sido postas à disposição do comprador, correrão por conta deste”. Nada mais justo que o próprio comprador assuma com o ônus de determinado perecimento da coisa, se tal fato ocorreu exclusivamente por morosidade deste, mesmo que o objeto ainda se encontre com o vendedor.

Concernente à repartição das despesas, prediz o artigo 490 do CC que “salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição”. Conforme o próprio artigo menciona, observar-se-á o princípio da autonomia da vontade caso os contratantes acordem, por exemplo, que todos os ônus ficarão a cargo do comprador, inclusive as despesas referente à tradição.

Antes de iniciarmos o estudo quanto ao efeito subsidiário do direito de reter a coisa ou o preço¸ faz-se mister relembrarmos a natureza sinalagmática do contrato de compra e venda. Por força dessa natureza jurídica, podemos afirmar, em suma, que este tipo de contrato gera obrigações bilaterais, ou recíprocas, para ambas as partes, conforme estudado no item 2.2 desta monografia. Portanto, na compra e venda à vista as obrigações são simultâneas, cabendo ao adquirente cumprir com o primeiro dever: pagar o preço. Posteriormente, caberá ao vendedor transferir o domínio da coisa. É o que preconiza o artigo 491 do CC, ao dispor que “não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço”.

Note-se que o legislador referiu tal norma apenas à compra e venda à vista. Sendo a venda a crédito, poderá o alienante suspender a entrega, se antes da tradição o comprador cair em insolvência, até conseguir deste caução de que pagará no tempo ajustado, tudo conforme inteligência do artigo 495 do CC.

No mais, para evitar quaisquer atitudes desnecessárias ou procrastinatórias por parte dos contratantes, proclama o artigo 476 do Código Civil que “nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”.