I - Introdução
Passados vinte e quatro anos sobre a publicação do Código das Sociedades Comerciais (doravante designado por "CSC"), e face à transformação vertiginosa da sociedade com o correspondente impacto na economia, na vida e instrumentos mercantis à disposição das empresas, a reforma do CSC aprovada pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março , teve como um dos seus propósitos e para ao que a este trabalho interessa , actualizar a legislação societária nacional , em particular no que diz respeito aos desenvolvimentos ocorridos na temática da corporate governance ou governo das sociedades .
Das diversas alterações ao CSC, a Reforma de 2006 altera desde logo o artigo 64.º, sendo que para além de ter introduzido um novo número dois, relativo aos deveres dos membros de órgãos sociais com funções de fiscalização, passou a enumerar em duas alíneas do número um, aqueles que o Código considera serem os deveres fundamentais dos gerentes e administradores:
- Na alínea a) , que exemplifica que estes deveres incluem a disponibilidade, competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade, todos eles adequados às suas funções, mantendo, contudo, nesta alínea parte da redacção anterior do preceito, relativa à necessidade do comportamento diligente ao nível do gestor criterioso e ordenado;
- Na alínea b) , onde constam as menções relativas à actuação no interesse da sociedade.
Apesar de não inserido no capítulo VII , o artigo 64.º desempenha um papel bastante relevante neste âmbito, para além da sua relevância no que diz respeito à destituição dos administradores.
Em termos de enquadramento, esta reforma insere-se num amplo movimento que tem dedicado especial atenção ao complexo das regras (legais, estatutárias, jurisprudenciais, deontológicas), instrumentos e questões respeitantes à administração e ao controlo (ou fiscalização das sociedades) , ou seja, ao governo das sociedades, iniciado na década de 70 do século passado nos Estados Unidos da América, exportado para a Europa na década de 90 e reacendido mais recentemente com alguns escândalos financeiros tais como a Enron, Worldcom e Parmalat, etc.
Além das regras constantes de textos legais que consagram já soluções que acolhem princípios de Corporate Governance, a transposição para o mercado português da reflexão relativa a esta temática foi realizada através da aprovação, pela CMVM, em Outubro de 1999, de um conjunto de Recomendações relativas ao sistema de regras de conduta a observar no exercício da direcção e controlo das sociedades admitidas à negociação, revistas depois em 2003 no sentido de assegurar a sua actualidade e ajustamento às preocupações nacionais e internacionais.
Voltando um pouco atrás e aflorando o espírito preceituado nas alíneas vertidas no artigo 64.º, o que se pretende na certeza de um bom governo, é um processo orgânico de adequados "checks and balances", assentes no factor humano, a exigir honestidade, competência, profissionalismo, transparência e cumprimento efectivo das responsabilidades de cada elemento na posição que ocupa no sentido de gerar a confiança dos investidores e acreditação das economias nacionais num mercado global cada vez mais exigente e mais concorrencial, sendo para tal, necessário a competitividade e eficiência na criação de emprego e riqueza, devendo sobretudo serem estas a nortear as necessárias reformas legislativas em ordem à convergência funcional dos três modelos de estruturação da governação e fiscalização das sociedades comerciais em especial das sociedades anónimas cotadas em mercado regulamentado .
Propomo-nos, por isso, efectuar um enquadramento e análise da utilização dos deveres de cuidado dos administradores e da sua consequente responsabilização pela inobservância de tais deveres, enquanto estratégia de melhoria da qualidade do governo das sociedades bem como tecer algumas considerações acerca do impacto na responsabilidade civil dos administradores da explicitação dos deveres de cuidado pela Reforma de 2006.

II ? Os custos e a problemática do agente

É sabido que a actuação do administrador na gestão da sociedade (em regra na gestão do património alheio), se pode desviar da actuação que o mesmo teria na gestão dos seus próprios negócios ou património, sendo certo que este desvio constitui um dos principais problemas do direito das sociedades.
Alguns desses problemas são os custos que surgem quando o bem-estar de uma entidade ? sociedade -, depende da actuação de outra entidade - o agente -, sendo que o problema reside essencialmente em motivar este para, na sua actuação, privilegiar os interesses daquela e não os seus.
Também o são, os problemas decorrentes da relação entre os accionistas ou proprietários da sociedade e os administradores, bem como os problemas na relação entre os accionistas maioritários ou de controlo da sociedade e os accionistas minoritários e ainda os problemas na relação entre a sociedade e os terceiros com quem ela se relaciona, tais como clientes, trabalhadores e credores.

Como estratégias de regulação, a par de outros mecanismos previstos no CSC , salientam-se as estratégias relacionadas com a regulação da conduta dos agentes, através da utilização de regras que obrigam ou proíbem determinados comportamentos e de cláusulas gerais de conduta, em que se inclui o "dever de cuidado". As primeiras são frequentemente utilizadas no âmbito das relações extra-societárias, sendo que as segundas são mais frequentes nas situações intra-societárias.
O estabelecimento de padrões de conduta genéricos, tal como o dever de actuação cuidadosa, parece-nos uma das estratégias de melhoria do governo das sociedades, sendo que o incumprimento destes deveres de cuidado e como já atrás se referiu, apesar de aí não inserido nem até na sistematização do CSC, se encontra necessariamente ligado à responsabilidade civil dos administradores, também ela ligada à melhoria do corporate governance.
Sendo de todo evidente que a letra da lei a que se dirigem os deveres de cuidado é a relação accionistas-administradores, visando minorar os custos e problemas resultantes de uma actuação desatenta ou pouco esforçada dos administradores, terá de se admitir que a mitigação será, em regra, efectuada em termos indirectos, através da sociedade. Em regra, é perante a sociedade que os administradores são responsáveis pelo incumprimento dos respectivos deveres de cuidado (art. 75.º)
Assim, cremos que a utilização de padrões gerais de conduta (como os deveres de cuidado e outros deveres fiduciários) se tornam necessários em situações em que não é possível estabelecer à partida regras detalhadas sobre todas e quaisquer situações com que se deparará a actuação dos administradores , na medida em que é impossível determinar o que é uma gestão com qualidade, devendo então estabelecer-se esse padrão geral no esforço de uma actuação qualitativa.
Entendemos, ainda que não sirva como alternativa global, que, alguns dos conteúdos normativos que integram actualmente os deveres de cuidado dos administradores podem e devem integrar regras. E aqui propomos como exemplo, à imagem do que aconteceu, em parte, com a Lei Sarbanes-Oxley Act nos EUA, o dever de supervisão consubstanciar-se numa obrigação detalhada de estabelecimento de um sistema de controlo interno, pelo menos para as sociedades cotadas ou para as sociedades anónimas de maior dimensão no sentido de uma materialização em termos de regras de conteúdo normativo anteriormente apenas expresso em termos de padrão ou standard.




Sendo certo que no confronto entre o recurso a regras ou a cláusulas gerais de conduta, facilmente se atribui como principal vantagem das primeiras a certeza e como principal inconveniência a rigidez, pelo contrário, no que diz respeito às cláusulas gerais, como principal vantagem temos a maior adaptabilidade ao caso concreto (o que não deixa de poder ser feito pelo julgador, aquando da aplicação das regras) e à evolução da consciência colectiva, e como desvantagem o facto de não transmitir comandos tão claros quanto à conduta a adoptar em concreto.
Tendo em conta a variedade de comandos normativos concretos que entendemos ser possível retirar do dever de cuidado estabelecido no artigo 64.º/1, al. a), não nos parece razoável ser possível fazer um juízo genérico sobre a opção do legislador da Reforma de 2006 na escolha entre regras gerais e padrões de conduta.
Esta análise apenas poderá ser efectuada caso a caso. Não podemos, contudo, deixar de reconhecer que e tomando como exemplo o dever de disponibilidade, relativamente ao qual se torna bastante difícil estabelecer limiares quantitativos nem a todo o conteúdo normativo ínsito numa cláusula geral de actuação é possível estabelecer regras concretas.
Porém, à medida que o conteúdo dos deveres de cuidado se vai sedimentando quer pela prática, quer pela interpretação sentenciosa que dos mesmos vai sendo feita pelos tribunais, podem e devem os respectivos conteúdos normativos ser transpostos para regras claras que permitam aos administradores compreender o que deles se espera. Como se tem concluído a respeito dos fundamentos da business judgement rule / , a actuação dos administradores e a respectiva necessidade de tomar decisões arriscadas e tantas vezes prementes não deve ser coarctada por incertezas relativamente à legalidade do seu comportamento.

III - Os deveres de cuidado provenientes da reforma de 2006 e o seu impacto na responsabilidade dos administradores

Sendo certo que foram divulgados pela Comissão de Valores Mobiliários alguns estudos preparatórios de parte da Reforma de 2006, aquando da realização da respectiva consulta pública, certo é também, tanto o que nos é dado saber, que não foram divulgados ou mesmo efectuados quaisquer estudos relativos ao seu impacto.
Ora, esta ausência, combinada com a ausência de divulgação de estudos empíricos ou mesmo teóricos, permite questionar qual o impacto que a Reforma de 2006 teve e tem no tecido societário nacional, não só na actuação dos administradores, mas também na responsabilidade que para os mesmos poderá advir em resultado do incumprimento dos deveres de cuidado.
Ainda que se considere que o conteúdo normativo do artigo 64.º/1, al. a) não é completamente novo, a simples circunstância e oportunidade da sua natureza mais explícita na sequência da Reforma de 2006, poderia, certamente, expor os gerentes e administradores a uma maior responsabilidade.


Aliás, a falta de ocorrências judiciais relacionadas com a responsabilidade dos administradores por danos por si causados parece ser um dos pressupostos da Reforma de 2006 , ainda que não seja totalmente claro se a alteração efectuada ao artigo 64.º/1/a) teve como um dos seus objectivos alterar este estado de coisas.
Na verdade, mesmo que porventura a alteração do artigo 64.º/1, al. a) tenha tido como principal propósito a revitalização da responsabilidade civil dos administradores e gerentes, através da análise das conclusões dos estudos de direito comparado efectuados sobre o tema, poder-se-á concluir que será bastante difícil que tal se venha a verificar. Sendo uma situação de facto comummente referida pela doutrina e que pode ser verificada em termos jurisprudenciais , faltam, contudo, estudos empíricos e teóricos que analisem não apenas os motivos, mas principalmente as consequências que daí advenham para o governo das sociedades nacionais.

IV - A baixa ocorrência da responsabilidade civil dos administradores

Ainda que efectuados maioritariamente no âmbito da responsabilidade dos administradores não executivos de sociedades cotadas, existem actualmente alguns estudos que permitem concluir que não é tanto pela falta da previsão legal de um dever de cuidado (ou mesmo de outros deveres) que existe uma menor incidência da responsabilidade dos administradores por danos causados à sociedade e cujas conclusões serão eventualmente transponíveis não só para as sociedades cotadas da jurisdição nacional, mas também para outras sociedades, que não apenas sociedades cotadas.
Por outro lado, muitas das conclusões são também aplicáveis à responsabilidade em resultado da violação dos deveres de cuidado por parte de administradores executivos e mesmo por parte de gerentes, na medida em que a responsabilidade por violação dos deveres de cuidado é aquela a que estão mais expostos os administradores não executivos, especialmente em resultado da inobservância dos deveres de vigilância e investigação, e que são igualmente aplicáveis a todos eles.
Tanto quanto foi possível apurar, resulta desses estudos que para além da convergência funcional não apenas entre as jurisdições da common law mas também de direito civil , nos termos da qual os administradores não executivos das sociedades cotadas muito raramente são obrigados a desembolsar montantes no âmbito da obrigação de indemnizar no que diz respeito à responsabilidade por violação de normas de direito das sociedades, onde se incluem os deveres de cuidado (tal como acontece no panorama judiciário português ).
O dever de cuidado requer que administradores e supervisores cumpram as suas responsabilidades legais com a diligência profissional devida o que desde logo implica como consequência, no dever de cuidado, uma dupla diligência quer no exercício de poderes e deveres legais quer estatutários ou contratuais, pelo que, se estes, violarem disposições legais ou contratuais destinadas a proteger os interesses da sociedade (art. 71.º/1 e 81.º do CSC), dos credores sociais (art. 78.º do CSC), ou sócios e terceiros (art. 79.º do CSC), verificar-se há uma ilicitude cujo comportamento visto no plano geral e abstracto se enquadra na norma de protecção de interesses alheios prevista no art. 483.º/1 do Código Civil (CC). E logo aqui se centra uma questão de fundo que importa esmiuçar:
i. Essa conduta ilícita (porque violadora da norma de protecção), só será negligente, merecedora de juízo de censura e reprovação inerente à culpa, se os seus autores de facto agiram sem a competente diligência necessária face ao caso concreto. Assim a culpa, negligência, acção ou omissão de que fala o artigo 72.º/1, pode ser considerada intencional, com intenção contrária ao interesse da sociedade? Ou foi descuidada, consciente ou inconsciente por inobservância dos mais elementares deveres de cuidado que se impunham?
Sendo que a responsabilidade dos membros da administração e órgãos de fiscalização são de origem contratual, entendemos que a presunção de culpa consagrada nos artigos 72.º/1 e 81.º, é a regra de direito comum prevista no art.º 799.º/1 do CC, cabendo a estes ilidir a presunção, o que face ao referido em (i), não nos parece de todo difícil.
Por outro lado nas hipóteses de responsabilidade para com os credores sociais ou para com os sócios e terceiros, entendemos esta centrar-se no âmbito da responsabilidade extra-contratual , o que, à luz da regra geral da responsabilidade vertida no art. 487.º/1 do CC, cabe aos lesados alegar e provar a culpa dos administradores e/ou supervisores, o que à imagem do acima supracitado se afigura tarefa nada fácil.
Quanto à acção social de responsabilidade proposta contra administradores e/ou supervisores nos termos dos artigos 75.º e 77.º, a sociedade ou os sócios "só têm" de provar o incumprimento de dever legal ou contratual (preterição dos deveres legais, estatutários ou contratuais destinados à protecção dos interesses sociais ), o dano no património social e o nexo de causalidade adequada entre o acto ou omissão ilícita e o dano ocorrido cabendo aos administradores e/ou supervisores demandados, ilidir a presunção legal da culpa demonstrando que procederam com o cuidado e diligência devido exigível pelo art. 64.º, e assim afastarem a responsabilidade por falta de culpa, apesar da ilicitude cometida.
Ora aqui reside outra questão merecedora de observação:
ii. O facto de na acção social ut singuli ser difícil o acesso pelos sócios à informação detida pela sociedade relativa aos factos em causa, especialmente porque estes não sabem quais os documentos que existem.
iii. O facto de na acção social ut singuli a credora da obrigação de indemnização ser a própria sociedade, tornando os benefícios indirectos relativamente aos custos suportados com a acção social de todo inconveniente.
iv. A estes factores, juntam-se outros de ordem prática e com maior incidência geral, relacionados com a necessidade da acção social ut universi dever ser objecto de deliberação pelos sócios, facto que na Europa continental tem especial preponderância, tendo em conta a relação de maior proximidade entre accionistas e administradores resultante da menor dispersão do capital social. Este facto leva a que exista alguma relutância por parte dos accionistas de controlo em responsabilizar administradores relativamente aos quais existia uma relação de proximidade. Outro dos factores que também pode contribuir para esta relutância poderá ter que ver com a dimensão do mercado nacional e o consequente menor número de posições de administração disponíveis, o que poderá desencorajar a alienação de pessoas que poderão, em termos futuros, estar numa posição que influencie a contratação.
v. Acresce ainda o facto da configuração das regras relativas aos custos do processo, especialmente no que diz respeito aos honorários dos advogados, em que a parte vencida se pode ver obrigada a pagar parte ou a totalidade dos custos da parte vencedora, o que poderá implicar uma alteração na ponderação custos/benefícios .

V - A responsabilidade civil como instrumento de corporate governance

Parece-nos urgente e necessário proceder em Portugal uma investigação aprofundada das vantagens e inconvenientes do maior ou menor risco de responsabilidade dos administradores, especialmente no que diz respeito à inobservância dos deveres de cuidado, e também uma investigação às estratégias que, em alternativa à responsabilização dos administradores, se dirigem ou contribuem para assegurar a qualidade da conduta dos administradores.
Como inconvenientes da excessiva responsabilização dos administradores têm sido apontados não apenas o perigo de uma actuação excessivamente cautelosa por parte dos administradores, com a proliferação de cuidados desnecessários, tais como a obtenção de pareceres mesmo para as decisões mais básicas e a formalização e debates excessivos sobre cada decisão, mas também a diminuição do universo de pessoas disponíveis para ocupar os cargos e a questão da sua remuneração, tendo em conta o aumento dos riscos a que estão sujeitos.
No âmbito particular dos deveres de cuidado, deve salientar-se que a sua natureza genérica pode potenciar comportamentos excessivamente cautelosos normalmente associados ao excesso de responsabilidade.
Existem porventura outros factores que, a par ou em substituição da responsabilidade dos administradores também se dirigem ou contribuem para a qualidade da conduta dos administradores, entre os quais se salientam:
- A necessidade de acautelar danos de reputação;
- A existência de incentivos através da associação do património do administrador ao sucesso da sociedade, incluindo a detenção de acções da sociedade e determinados tipos de bónus;
- A monitorização por parte dos fornecedores de seguros;
- O profissionalismo dos administradores e o medo de responsabilidade, ainda que a mesma não tenha correspondência na realidade.
Estas estratégias ou factores alternativos podem ser combinados com a limitação da obrigação de indemnizar em caso de violação negligente dos deveres de cuidado a um determinado montante, normalmente relacionado com a remuneração auferida pelo administrador.
O que verifica na prática, é que existem profundas divergências quer quanto ao papel da responsabilização dos administradores, quer quanto ao papel das estratégias alternativas. A ponderação entre todos estes factores e a determinação do nível óptimo de risco a que devem estar sujeitos os administradores e gerentes não obtém uma resposta única, não podendo utilizar-se uma aproximação genérica para todos os tipos societários e para as sociedades de todas as dimensões.

VI - A responsabilidade civil e a business judgement rule

A "versão portuguesa" do business judgement rule consta do art. 72.º/2, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 76.º-A/2006.
A grande diferença entre o modelo original nascido nos EUA e o modelo português, no que concerne à "honestidade" com que os administradores gozam do benefício de actuarem devidamente informados, de boa-fé, no melhor interesse da sociedade e não no seu interesse pessoal, salvo melhor opinião, reside no facto do legislador português ter invertido o ónus da prova ao fazer recair sobre os gestores e administradores a demonstração que a decisão empresarial foi tomada de acordo com os pressupostos plasmados no artigo supracitado:
- numa base adequada devidamente informada acerca do objecto -, o que implica necessariamente no processo decisório, previamente o recurso a estudos e pareceres com a conatural observação do dever de cuidado tendo em vista o acto de gestão ou de fiscalização ponderado e razoável.
- livres de qualquer interesse pessoal -, o que permite inferir da ausência de interesses conflituantes com gestores e supervisores pessoalmente desinteressados na decisão.
- segundo critérios de racionalidade empresarial - , i.é, toda e qualquer decisão tomada, parte do princípio da razoabilidade, da sensatez, da racionalidade, da boa-fé e sempre no sentido dos superiores interesses da sociedade.
Neste contexto parece-nos que:
- Se algum dos pressupostos do citado preceito não estiver preenchido, a business judgement rule, não protegerá os administradores ou supervisores (o que não implica necessariamente que esse não preenchimento implique uma violação do dever de cuidado e a correspondente não elisão da presunção de culpa in re ipsa, adstrita ao n.º 1 do art.º 72.º), cabendo ao tribunal apurar se esta ocorreu ou não, podendo este na sua decisão, "escrever direito por linhas tortas, acertar por instinto, superior inteligência ou competência ou até mesmo por sorte grande".
- Por outro lado, verificados cumulativamente os pré requisitos exigíveis do art. 72.º/2, administradores e supervisores beneficiarão desta "business judgement rule", se demonstrarem ter actuado com racionalidade empresarial de modo informado, de boa-fé e não no seu interesse pessoal, não respondendo por violação do dever de cuidado sendo-lhes como que reconhecido o direito de errar na decisão em si mesma ? erro meramente negligente e conatural culpa leve, excluindo a lei a responsabilidade sem mais, como que presumindo a observância do exigível dever de cuidado profissional plasmado no art. 64.º, no exercício do poder discricionário dos decisores, dito de outro modo, mesmo que administradores e supervisores não provem ter procedido sem a culpa substantiva prevista no n.º 1 do art.º 72.º, agindo com toda a diligência profissional exigível decorrente do art.º 64.º, a sua responsabilidade é excluída se demonstrada a actuação informada, desinteressada e racional, mesmo que a decisão substantiva seja negligente.

Conclusão

Ainda que possa não ter influência directa na responsabilidade civil dos administradores e gerentes, a explicitação dos deveres de cuidado poderá, apesar de tudo, influenciar directamente a actuação dos mesmos, quer quando estes não tenham em conta os baixos índices de responsabilização, quer especialmente em resultado da intervenção supervisora dos investidores, especialmente institucionais, que, por exemplo, estabelecimento de sistemas de controlo interno, e da CMVM através nomeadamente do estabelecimento de regras que obrigam as sociedades (sobretudo as cotadas) a divulgar a implementação de sistemas de controlo interno.






























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