OS DESAFIOS DO ENSINO SUPERIOR NA CONTEMPORANEIDADE: O tripé universitário*

Carolina Duailibe dos Santos
Luana Batista da Cruz


Sumário: Introdução; 1 As transformações históricas do tripé universitário; 2 Os pilares universitário e seu caráter indissociável; 3 A utilização do ensino-pesquisa-extensão pelas universidades atuais; Conclusão; Referências.


RESUMO
Apresenta-se as transformações históricas que os pilares universitários sofreram, fazendo uma abordagem da idade média até a contemporaneidade. Aponta-se como a correlação entre ensino-pesquisa-extensão tem um caráter importantíssimo na sociedade brasileira atual. Destaca-se, ainda, que o caráter indissolúvel desse tripé não é obedecido na prática, mesmo estando previsto constitucionalmente. Ressalva-se, também, de que forma as universidades atuais estão lidando com o aspecto da pesquisa e da extensão.

PALAVRAS-CHAVE
Ensino. Pesquisa. Extensão. Sociedade. Universidade.


INTRODUÇÃO


A sociedade está intrinsecamente relacionada com a educação que lhe é oferecida, sendo esta de qualidade fortalece o pensamento crítico e a busca por seus anseios. O escopo desse artigo científico é analisar a história da universidade e a importância dos elementos: Ensino, pesquisa e extensão e como eles foram criados e priorizados em determinados momentos, principalmente na atualidade.
O tripé mencionado é elemento de suma relevância como pilar para uma educação eficaz e é indispensável que seja executado, tanto que apresenta positivação na Carta Magna brasileira. O ensino como transmissão da informação é pré-requisito para a pesquisa, que é a construção e fortalecimento do conhecimento, que finalmente é posto em prática e promove sua função social através da extensão, portanto, são elementos inseparáveis.
Observa-se, destarte, como é efetivado o ensino-pesquisa-extensão nas universidades atuais, e se é dado por estas a importância devida. A mercantilização do conhecimento e o grande número de instituições de ensino são elementos colaboradores para o enfraquecimento do tripé universitário?
Esses desafios que serão explanados terão o intuito de entender a realidade de nossas universidades e a qualidade na prestação de seus serviços, para que seus estudantes não sejam apenas reprodutores de conhecimento, mas criadores e aplicadores do mesmo.


1 AS TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS DO TRIPÉ UNIVERSITÁRIO


A universidade é uma instituição social, na qual é construído dinamicamente o conhecimento. Esses laboratórios intelectuais utilizam alguns instrumentos para apresentar à sociedade o resultado de todo o processo que neles se desenvolve. A concretização desses instrumentos está no tripé: ensino-pesquisa-extensão.
No percurso de formação universitária o referido tripé passou por diversas transformações, entre elas o fato de que durante o processo eles eram analisados separadamente, no início era necessário somente o ensino para se ter o conhecimento concretizado, contudo com a evolução histórica foi necessária a transformação dessa forma de transmitir informação.
A universidade propriamente dita nasce entre o final da Idade Média e a Reforma Protestante (entre os Séculos XI e XV). Esse período é marcado, sobretudo pela influencia religiosa, especialmente pelas Igrejas, as quais tornaram-se detentoras dos meios de transmissão de ensino, impondo verdades (dogmas) e destruindo pensamentos contrários aos que lecionavam. Nesse período existe um primitivo método de "extensão universitária", no qual os debates eram moderados por um professor, que além de garantir a ortodoxia das idéias influenciava eventuais conclusões (LUCKESI et al., 2005, p. 30-31).
Não há que se falar conhecimento científico propriamente dito, uma vez que "os mestres medievais, especialmente os das universidades, preocupavam-se com o conhecimento empírico." (OLIVEIRA, 2007)
A Idade Moderna é consagrada pelos movimentos da Renascença, da Reforma e Contra-Reforma (Século XVI) (LUCKESI et al., 2005, p. 31). "Surge em um período histórico onde a ciência já se despontava como o aspecto estruturante do mundo moderno e os ditames epistemológicos rigidamente controlados pela igreja já não detinham a força que teve durante os dez séculos anteriores." (PEREIRA, 2009). A universidade nesse tempo começou a se fragmentar, e os dogmas impostos pela Igreja começaram e ser indagados, contudo os questionamentos foram duramente reprimidos com perseguições, agressões físicas sendo inclusive levados a fogueira (LUCKESI et al., 2005, p. 31-32).
Os enciclopedistas reforçam o questionamento aos dogmas da idade medieval e dão origem ao Iluminismo que sofre seu apogeu com a Revolução Industrial e definitivamente rompem com os ideais da Idade Média. A instituição de ensino superior pioneira desse período foi a consagrada Universidade Napoleônica, a qual possuía um espírito positivista, pragmático e utilitarista (LUCKESI et al., 2005, p. 32). Em contrapartida surge nesse contexto outra visão voltada para a pesquisa científica, que passa a ser a responsável por buscar respostas às necessidades sociais.
O ensino e a pesquisa não cumpriram suficientemente a função social da universidade ? "colaboração na integração social da maioria dos indivíduos" (SOUSA, 2000, p. 120). Portanto, as instituições de ensino superior encontraram um instrumento a fim de expandir seus trabalhos a toda a sociedade: a Extensão Universitária.


2 OS PILARES UNIVERSITÁRIO E O SEU CARÁTER INDISSOCIÁVEL


A universidade para transmitir adequadamente o seu conhecimento precisa estar assentada nos três pilares indissociáveis, quais sejam: ensino, pesquisa e extensão. Neste sentido, a Constituição Federal traz em seu dispositivo 207 a seguinte redação: "As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão." (grifo nosso). Tal matéria também é regulada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), em seu Capítulo IV, artigo 43, incisos III, IV e VII, nos quais se define que cabe a Instituição de ensino superior:


III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;
IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;
VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição. (grifo nosso)


Contudo, a função universalmente conhecida da universidade é a transmissão de conhecimentos, ou seja, o ensino. Quando é mencionada a pesquisa, logo é assimilado uma idéia de pesquisa de ponta, que procura desvendar os principais males sociais (SOBRINHO, 2000, p. 45-46). Porém, essa definição é equivocada e errônea, já que a pesquisa tem o intuito de concretizar o aprendizado, mesmo sem criar teorias ou verdades indissolúveis. A extensão na maioria dos casos é identificada como desnecessária, porque a interação social é desvalorizada e contraria a tecnicização do ensino.
Todavia, o ensino, a pesquisa e a extensão são conhecidos como "construção, reconstrução e socialização dos conhecimentos" (SOBRINHO, 2000, p. 50), logo todos são de suma relevância para a transmissão do saber, e quando analisados separadamente causam um colapso didático. Como assevera Boaventura Sousa Santos:


Numa sociedade cuja quantidade e qualidade de vida assenta em configurações cada vez mais complexas de saberes, a legitimidade da universidade só será cumprida quando as actividades, hoje ditas de extensão, se aprofundarem tanto que desapareçam enquanto tais e passem a ser parte integrante das actividades de investigação e de ensino. (SANTOS apud SOBRINHO, 2000, p. 50, grifo nosso).


O Ensino é responsável pela transmissão do conhecimento (DENCKER, 2002, p. 35) e sempre foi utilizado como principal fonte de todas as Universidades. É a partir dele que se conduzem as principais pesquisas e estudos sobre determinado assunto, incluindo as doutrinas, teorias e leis. Cabe ressaltar que esta forma de aprendizado é transmitida unilateralmente, de forma que o universitário recepciona conhecimentos fechados (prontos), sem poder influir criticamente acerca dos mesmos.
A Pesquisa é um método de se utiliza os universitários para construção de conhecimentos, uma vez que a sociedade está em constante mudança e o aprendizado tem que está intimamente ligado com o desenvolvimento social. É uma maneira de se estimular um pensamento crítico, firmando assim uma relação bilateral, uma vez que o estudante deixa de ser um mero receptor de informações, passando a intervir na produção científica.
E finalmente, é a extensão responsável pela comunicação à sociedade (DENCKER, 2002, p. 35), além dela ser "o instrumento necessário para que o produto da Universidade ? a pesquisa e o ensino ? esteja articulado entre si e possa ser levado o mais próximo possível das aplicações úteis na Sociedade." (SOUSA, 2000, p. 127).
Como o asseverado pode-se notar que:


A pesquisa, o ensino e a extensão são indissociáveis na universidade e, por isso mesmo, as três funções são institucionais no seu todo e, como funções permanentes, devem estar presentes no conjunto universitário. Por seu lado, o ser professor não resume em si apenas o docente capaz do ensino, mas inclui o pesquisador dotado de condições para promover investigações e para absorver resultados da pesquisa. Por sua vez, o ser pesquisador não é suficiente para ser docente. [...] Por isso essa relação deve consistir num círculo virtuoso em que as especificidades de cada qual se beneficiem mutuamente seja para a qualificação interna da universidade, seja para a formação de profissionais compromissados, críticos e competentes para o desenvolvimento do país. (CURY, 2004, grifo nosso)


Portanto, "Ensinar sem pesquisar afasta da realidade; pesquisar sem ensinar esclerosa; ensinar ou pesquisar sem vinculação com o meio elitiza." (SOBRINHO, 2000, p. 50).


3 A UTILIZAÇÃO DO ENSINO-PESQUISA-EXTENSÃO PELAS UNIVERSIDADES ATUAIS


As escolas de ensino superior foram se desenvolvendo, e em meados do século XIX surgiram as universidades privadas. (SAMPAIO, 2000, p. 37.). Com a privatização das instituições, ocorreu um exacerbado aumento na sua quantidade, e o ensino foi priorizado, contudo a extensão e a pesquisa foram postas em segundo plano.
O capitalismo disponibilizou um novo tipo de universidade, voltada quase exclusivamente para o mercado, tanto por parte dos docentes, os quais estavam interessados no lucro, numa visão mercantil, quanto pelos universitários, uma vez que estavam preocupados com o mercado de trabalho. No que tange os estudantes, ocorreu uma extrema tecnicização do saber, visto que na sociedade atual a necessidade está voltada para os especialistas, similar ao que se presenciou na Universidade Napoleônica.
Ocorre assim uma dicotomia, no qual se isola o ensino da pesquisa e extensão. "Essas dicotomias podem ser vividas no momento em que percursos profissionais são separados dos acadêmicos; em que disciplinas teóricas tornam-se pré-requisitos para disciplinas práticas" (MARASCHIN, 2004).
A elevação acentuada do ensino leva a um excesso de informações, que por sua vez não passa a mensagem devida, trazendo assim desinformação (DENCKER, 2002, p. 77). A busca por um ensino superior de qualidade é perdida no rol dessa procura incessante por lucros, trazendo a margem alunos alienados e sem visão crítica.


A centralização ou a redução a apenas uma ou outra destas dimensões, no mínimo, representa uma fragilidade da própria instituição. Contudo, atualmente, isto não é tão raro acontecer como se suporia. Há, inclusive, um estímulo por parte dos próprios Organismos Internacionais e até dos próprios governos no sentido de reduzir a maioria das Instituições de Ensino Superior ? IES ? ao ensino. Aliás, não há IES sem ensino, no entanto, não é possível dizer o mesmo em relação à pesquisa e à extensão. Com a anuência dos órgãos oficiais, existem muitas instituições que, numa relação mercadológica, excluem a pesquisa e a extensão e limitam suas atividades ao ensino, não sem prejuízos, é claro, para o próprio ensino, mas não só, também para a própria sociedade. Neste caso, temos o conhecimento reduzido a negócio (ORSO, 2008, p. 135, grifo nosso).


CONCLUSÃO


A universidade, hodiernamente, apresenta inúmeros desafios à sua real efetivação, principalmente pela mercantilização e tecnicização do conhecimento, e, conseqüentemente, formando profissionais desqualificados e que não experimentaram o tripé: Ensino, Pesquisa e Extensão.
Até meados da Idade Moderna as universidades priorizaram o Ensino. A partir da revolução industrial surgiu a pesquisa, com o intuito de buscar respostas aos males sociais. Contudo o Ensino e a Pesquisa não foram suficientes para suprir as necessidades da sociedade emergindo assim a Extensão. Tais elementos são protegidos constitucionalmente e são mecanismos fundamentais para a criação de profissionais capazes de entender a sociedade em que vivem, e atuar positivamente para a benesse coletiva.

REFERENCIAS


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MARASCHIN, Cleci. Pesquisar e Intervir. Psicol. Soc. [online]. 2004, vol.16, n.1. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-71822004000100008&script=sci_arttext&tlng=es>. Acesso em: 06 de novembro de 2009.

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ORSO, José Paulino. Estado, Educação e Sociedade Capitalista. In: ZANARDINI, Isaura Monica; __________. Estado, Educação e Sociedade Capitalista. Cáscavel: Edunioeste, 2008. Disponível em: <http://cac-php.unioeste.br/pos/media/File/educacao/Coletanea%20-%20Volume%202.pdf#page=135>. Acesso em: 05 de novembro de 2009.

PEREIRA, Elisabete Monteiro de Aguiar. A universidade da modernidade nos tempos atuais. Avaliação (Campinas) [online]. 2009, vol.14, n.1. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-40772009000100003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 05 de novembro de 2009.

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SOBRINHO, José Dias. Avaliação da Educação Superior. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

SOUSA. Ana Luiza Lima. A História da Extensão Universitária. São Paulo: Alínea, 2000.