Os aspectos jurídicos da confissão e sua aplicabilidade no Brasil

                                                             Patrícia Nunes Guimarães1

                                                            Claudia Raquel Alves Matos2

 

Sumário: 1- Introdução; 2-Origem histórica da confissão; 3- Características da confissão; 4-Natureza jurídica e elementos da confissão;5- Confissão judicial e extrajudicial; 6-conclusão

                                                    RESUMO

Realiza-se um estudo investigativo a cerca das espécies de prova e sua concreta aplicabilidade no judiciário brasileiro. Ressalta-se características fundamentais que fazem da confissão um instituto histórico. Destaca-se as diversas modalidades da confissão, suas formas e seus procedimentos. Analisa-se princípios associados ao instituto aqui abordado, de um ponto de vista hermenêutico-interpretativo.

                                                       PALAVRAS-CHAVE

                                           Processo. Aceitabilidade. Confissão

_____________________________________________________________________________________

 

1 Acadêmica do 5° período do curso de Direito da UNDB ([email protected])

2 Acadêmica do 5° período do curso de Direito da UNDB ([email protected])

 

 

  1. INTRODUÇÃO

Este artigo gira em torno dos aspectos processuais da confissão como meio de prova válido e as circunstâncias em que é incoerente a utilização da confissão. O presente trabalho inicia-se com a origem histórica da confissão apontando sua aplicabilidade no decorrer dos tempos. Em seguida são apresentadas as características da confissão, à saber: retratabilidade, divisibilidade e relatividade de valor. Posteriormente fala-se na natureza jurídica e os elementos da confissão, à saber: objeto, sujeito e intenção. E por fim é feita uma distinção entre as espécies confissão judicial e extrajudicial.

A teoria de base usada para falar de confissão é a relação de causalidade que enseja nas circunstâncias fáticas que levam à confissão. Algumas polêmicas giram em torno do instituto da confissão, entre elas: a confissão é um direito ou um dever? Ela fere o direito ao silêncio e obriga o acusado a condenar a si mesmo, com auto produção probatória? Atualmente sabe-se da fragilidade da confissão, que pode ser coagida e influenciada, portanto, gera um meio de prova oral inconsistente.

2-Origem histórica da confissão

A confissão de que trata ordenamento jurídico brasileiro tem suas raízes no Direito Romano Clássico. Ocorria, a confissão (confessio in iudicio), quando o réu, levado à presença do pretor pelo autor, confessava o pedido. 3 Na lição de Chiovenda, confissão é a declaração, por uma parte, da verdade dos fatos afirmados pelo adversário e contrários ao confitente. 4

No mesmo sentido são válidos os ensinamentos de João Monteiro, citado por Humberto Theodoro Júnior: confissão é a declaração, judicial ou extrajudicial, provocada ou espontânea, em que um dos litigantes, capaz e com animo de se obrigar, faz da verdade, integral ou parcial, dos fatos alegados pela parte contrária, como fundamentais da ação ou da defesa. 5 Conforme escreveram Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Nery, a confissão, como meio de prova, tem natureza de negócio unilateral, não receptício, processual ou não, conforme seja realizada fora do processo ou não. 6

Alguns motivos que levam à confissão segundo MALATESTA: 7

- No espírito humano há sempre um instinto de veracidade que se opõe à mentira, que coadjuvado pelo remorso, ao recordar o próprio crime, torna-se irresistível.

- No espírito do acusado há sempre o receio de ser atingido por outras provas, futuras, mas se já se sente perseguido pelas provas presentes, ele confessa.

Segundo ALTAVILLA os motivos que levam à confissão são: 8

- O remorso. Diferencia-se do arrependimento, por ser esse um fenômeno intelectual, é a reprovação pelo que se fez e o remorso é o estado emotivo que acompanha o arrependimento, é o sofrimento que ele determina, tanto que pode falar-se em arrependimento sem remorso. O remorso é acompanhado geralmente de angústia, uma tormentosa ansiedade, é o próprio sofrimento da espera. Apesar de aparentemente ser freqüente, devido ao egoísmo humano em tentar justificar todas as suas atitudes, essa modalidade não é tão comum.

__________________________________________________________________________________________________________

- A necessidade de se explicar, ao tentar humanizar o seu crime, atenuá-lo.

- O orgulho: mais freqüente nos delinqüentes «passionais», «políticos» e «ocasionais», vendo seus crimes com fator de glória.

- Para não deixar condenar um inocente: mais freqüente nos «ocasionais», quando percebem que seu silêncio poderá condenar alguém.

3-Características da confissão

A confissão tem como características próprias a retratabilidade, a divisibilidade e a relatividade de valor.

A retratabilidade consiste em a qualquer tempo, poder o acusado retirar o que disse, por motivos ponderáveis e comprovados (artigo 200 do CPP). A retratação pode ser total (nega-se o fato integral) ou parcial (nega-se parte do fato).

É divisível visto que pode ser considerada apenas em partes, quando necessário. Assim, se uma parte da confissão confrontar com as demais provas, aquela será desconsiderada se essas forem tidas como verdadeiras pelo juiz da causa.

A relatividade é importante visto que não necessariamente a prova em si vai ser levada em consideração pelo juiz. Outras provas serão produzidas e com aquela serão confrontadas, afim de se verificar se existe compatibilidade ou concordância, à procura da verdade real.

4- Natureza jurídica e elementos da confissão

A confissão tem sua natureza jurídica como meio de prova, pois os fatos confessados pelo litigante são tidos como provados, pelo reconhecimento que este faz como verdadeiros. Não dependem de prova ao fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária (art. 334, II do CPC).

Na confissão se compreendem três elementos inseparáveis, que dizem respeito ao seu objeto (elemento objetivo), ao seu sujeito (elemento subjetivo) e à intenção que o anima a produzí-la.

Pelo elemento objetivo, somente os fatos são suscetíveis de prova, e não o direito, e esses devem ser: próprios e pessoais do confitente; favoráveis à parte que o invoca e desfavoráveis ao confitente; E suscetíveis de renúncia do próprio direito pelo confitente, ou seja, devem ser relativos a direitos disponíveis; de natureza que sua forma não reclame forma especial.

Segundo o elemento subjetivo, a confissão deve ser prestada pela própria parte, capaz de obrigar-se, resultando na renúncia a um direito por conseqüência do reconhecimento da verdade de um fato, e pode ser feita por procurador com poderes especiais para confessar. É inadmissível a confissão do juridicamente incapaz, mesmo por seu representante legal.

Com relação ao elemento intencional, a confissão pressupõe a vontade de dizer a verdade quanto aos fatos, voluntariamente, não podendo ser viciada por erro, dolo ou coação.

A confissão não é válida se feita em desobediência à forma exigida pela lei (art. 107 do CC), ou, ainda, pode o negócio jurídico em que se deu a confissão extrajudicial ser declarado nulo em virtude de fraude, simulação ou confissão não verdadeira (art. 167, § 1º, II do CC).

A confissão não pode ser confundida com o reconhecimento jurídico do pedido (art. 269, II do CPC), pois este se refere ao reconhecimento da procedência do pedido do autor em toda a sua extensão pelo réu, enquanto aquela somente afeta, na sua condição de meio de prova, o livre convencimento do juiz em relação aos fatos controversos.

5- Confissão judicial e extrajudicial

A confissão extrajudicial, não pode ser fruto de obtenção ilícita. É composta por declarações extrajudiciais, escritas ou verbais, tendo por objeto a confissão de um fato, ainda que seja o fato da conclusão de um negócio jurídico. Quando feita por escritura ou outro documento público, diz-se autêntica; se feita verbalmente ou por escrito particular, diz-se particular, e deverá ser ratificada em audiência, pela parte ou por testemunhas, a fim de ser judicializada.

A confissão extrajudicial, feita por escrito à parte ou a quem a represente, tem a mesma eficácia probatória da judicial; Se feita a terceiro, ou contida em testamento, será livremente apreciada pelo juiz (art. 353 do CPC). Todavia, quando feita verbalmente, só terá eficácia nos casos em que a lei não exija prova literal.

Essa confissão extrajudicial, para ter a mesma eficácia probatória da judicial, deve ser feita mediante reconhecimento de firma por tabelião (fé pública) ou confirmada pela parte ou por perícia grafodocumentoscópica em juízo.

Na verdade, todas as confissões serão valoradas e apreciadas livremente pelo juiz. A lei aqui quer significar, apenas, que a própria existência da confissão extrajudicial, nos casos que especifica, será considerada pelo juiz. 9

Os requisitos para os casos em que a lei exige forma literal estão elencados no art. 215 do CC, que trata da escritura pública. A confissão judicial pode ser espontânea ou provocada. Da confissão espontânea, tanto que requerida pela parte, se lavrará o respectivo termo nos autos; a confissão provocada constará do depoimento pessoal prestado pela parte (art. 349 do CPC).

A distinção feita pelo legislador entre confissão espontânea ou provocada é fruto da sua origem, pois pode ser feita de livre e espontânea vontade ou ser induzida por meio de perguntas formuladas pelo juiz à parte. Em ambos os casos, o depoente confessa espontaneamente, pois, caso não o fosse, poderia se chegar à conclusão de que confissão provocada e não espontânea é aquela que se dá mediante força ou tortura, dois institutos rechaçados por todo o ordenamento jurídico brasileiro. Nas palavras de THEODORO JÚNIOR: 10

A confissão judicial é subdividida pelo Código (art. 349) em:

I – espontânea: a que resulta de iniciativa do próprio confidente, que dirige petição nesse sentido ao juiz, manifestado seu propósito de confessar. Deve, em seguida, ser reduzida a termo nos autos (art. 349);

II – provocada: a que resulta de depoimento pessoal, requerido pela parte contrária, ou determinado, ex officio, pelo juiz. Esta não pode ser prestada por mandatário.

A confissão poderá se dar por mandatário com poderes especiais para confessar em nome da parte, especificamente, sem os quais a confissão é inválida

O advogado também pode confessar em nome da parte, mas somente com poderes especiais para tal descritos na procuração, consoante reza o art. 38 do CPC: a procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido.

Em caso de litisconsórcio, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos, e os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros (art. 48 do CPC), o que remete, inclusive, aos efeitos da confissão. A confissão judicial faz prova contra o confitente, não prejudicando, todavia, os litisconsortes (art. 350 do CPC). O confitente deve ser o único prejudicado pelo ato de sua confissão, consoante o disposto no art. 48 do CPC, sendo que o efeito da mesma não irradia aos litisconsortes. NERY JÚNIOR diz: 11

A ausência de contestação implica o reconhecimento da veracidade dos fatos alegados na inicial (CPC 302 e 319). Em sendo assim, seria curial que se aplicasse ao confitente os efeitos da revelia. Contudo, a revelia não induz seus efeitos se houver pluralidade de réus e se um deles contestar a ação (CPC 320 I), justamente para que se cumpra o que consta no caput deste artigo.

Nas ações que versarem sobre bens imóveis ou direitos sobre imóveis alheios, a confissão de um cônjuge não valerá sem a do outro, o que remete a um instituto semelhante ao da outorga uxória, pois, em se tratando do patrimônio do casal ou de terceiros, a lei visa a evitar fraudes, tanto no processo como nos fatos gerais da vida. Outro exemplo é o art. 1.647, I do CC: ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis.

6- Conclusão

Com este trabalho conclui-se que a confissão é um meio de livre convencimento do juiz, que deve ser cuidadosamente analisada em cada hipótese, pois pela discricionariedade do magistrado, a confissão pode ser aceita ou recusada. Cabe ao detentor da palavra, a responsabilidade subjetiva de denunciar o feito em juízo ou extrajudicialmente, desde que de maneira válida.

 

______________________________________________________________________


 


3 COSTA, Moacyr Lobo da. Confissão e reconhecimento do pedido. São Paulo : Saraiva, 1983. p. 2.

4 .CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 1.ed. Campinas : Bookseller, 1998. v.3. p. 118.

5 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 28. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1999. v.1. p. 432.

6 NERY JÚNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado. 4. Ed. São Paulo RT,1999, p. 851.

7 MALATESTA, Nicole Franmarino Dei. A lógica das provas, 2ª edição, tradução de J. Alves de Sá, Livraria Clássica Editora, 1927.

8 ALTAVILLA, Enrico. Psicologia Judiciária. II Personagens do Processo Penal. Coimbra: Armênio Amado, editor e Sucessor. Vol. 03., 1957.

   9 NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de    Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. São Paulo: Ed. RT, 2003

   10 Ibdem (Humberto Theodoro)

    11 Ibdem (Nelson Nery)

                                                  

                                                  Referências

 

  COSTA, Moacyr Lobo da. Confissão e reconhecimento do pedido. São Paulo : Saraiva, 1983.

  CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 1.ed. Campinas : Bookseller, 1998. v.3

   THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 28. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1999. v.1.

NERY JÚNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado. 4. Ed. São Paulo RT,1999.MALATESTA, Nicole Franmarino Dei. A lógica das provas, 2ª edição, tradução de J. Alves de Sá, Livraria Clássica Editora, 1927.

ALTAVILLA, Enrico. Psicologia Judiciária. II Personagens do Processo Penal. Coimbra: Armênio Amado, editor e Sucessor. Vol. 03., 1957.

NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. São Paulo: Ed. RT, 2003.