O USUÁRIO, O TRAFICANTE E A LEI Nº 11.343/2006

Eduardo Veronese da Silva

No ano de 1971, em Viena, foi realizada uma convenção internacional para tratar sobre o uso e abuso de drogas psicotrópicas. Nela estavam presentes representantes das Nações Unidas e de toda parte do mundo. O evento aconteceu devido aos problemas sociais e de saúde pública apresentados pelo uso de substâncias psicoativas. Os países estavam decididos a prevenir e combater o uso e o tráfico ilícito de entorpecentes, considerando que são necessárias medidas rigorosas para limitar o uso, abuso e a comercialização dessas substâncias.  

Chegou-se a conclusão de que o problema do uso e abuso de drogas psicoativas era uma questão de saúde pública. Nereu Giacomelli (2008) escreveu sobre o assunto: a Convenção de Viena de 1971 sobre as substâncias psicotrópicas, enfatiza que o problema das drogas diz respeito à saúde pública e que a política acerca do uso das substâncias psicotrópicas, para serem eficazes e eficientes, devem ser coordenadas e universais.

Mais de quarenta anos se passaram, mas muitas pessoas defendem que a matéria é de responsabilidade das polícias (civil, militar, federal etc.). Concordamos em parte, quando diz respeito ao tráfico ilícito, isto é, a ação delituosa dos agenciadores da droga. Entretanto, quando o uso está relacionado à pessoa do usuário e dependente, trata-se de um problema social e de saúde pública.

A Lei nº 11.343/2006 trouxe como inovação jurídica, a distinção entre as figuras delitivas do usuário, dependente e traficante, o que não ocorria na lei anterior (6.368/1976), pois elas recebiam tratamento penal similar, sujeitos a pena privativa de liberdade (reclusão, detenção ou prisão Simples). De acordo com o art. 28, dessa lei em vigor no Brasil, os usuários e dependentes de drogas, estão sujeitos as seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Os legisladores retiraram desses dois agentes a “pecha” de criminosos, conforme versava a lei anterior, impondo-lhes penas restritivas de direito (sem o cerceamento de liberdade, mas com certas restrições). Observa-se um caráter pedagógico contido nesses incisos, levando o infrator a refletir sobre sua ação delituosa (alertá-lo sobre o risco a sua saúde, proveniente desse uso) e, também, colocá-lo para reparar possível dano causado à sociedade ou, ainda, freqüentar curso ou programa educativo.

Mudou-se consideravelmente o tratamento penal e processual sobre a pessoa do usuário e abusador de drogas. No entanto, caberá ao juiz do feito, distinguir se o infrator é mero usuário ou traficante. Para isso, deverá observar o dispositivo do parágrafo 2º, do art. 28: § 2º - Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

Deve ser lembrado, que mesmo havendo essa mudança legislativa, a ação continua revestida de ilicitude penal, inclusive prescreve sanções para esses infratores, conforme o § 3º - As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses; e o § 4º - Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. Observa-se que haverá aumento de pena ao usuário ou dependente, no caso de reincidência da ação delituosa.

Quanto à pessoa do traficante de drogas, foram adotadas medidas mais rigorosas, inscritas no art. 33 e seguintes, da Lei nº 11.343/06: “importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 a 15 anos e pagamento de 500 a 1.500 dias-multa”.

Outras condutas delitivas estão contempladas na lei, destacando-se a associação para o tráfico (art. 35) e o financiador das drogas ilícitas (art.36). A pena para o primeiro é de reclusão, de 3 a 10 anos, e pagamento de 700 a 1.200 dias-multa. Para o segundo é de reclusão, de 8 a 20 anos, e pagamento de 1.500 a 4.000 dias-multa.

Reza no parágrafo único, do art. 243, da Constituição Federal que: ”Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias”.

Nota-se que muitas instituições privadas e/ou filantrópicas (sem fins lucrativos), estão substituindo a função do Estado (Poder Público) no tratamento de dependentes químicos. A maioria delas sobrevive com dificuldades financeiras e dependem da ajuda de terceiros. Quem sabe, não seria possível legalizá-las e conseguir recursos financeiros por meio da apreensão desses bens em posse dos traficantes. A Lei nº 11.343, também contemplou essa possibilidade, estando prescrito nos artigos 24 e 25:

Art. 24.  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão conceder benefícios às instituições privadas que desenvolverem programas de reinserção no mercado de trabalho, do usuário e do dependente de drogas encaminhados por órgão oficial.

Art. 25.  As instituições da sociedade civil, sem fins lucrativos, com atuação nas áreas da atenção à saúde e da assistência social, que atendam usuários ou dependentes de drogas poderão receber recursos do Funad, condicionados à sua disponibilidade orçamentária e financeira.

Vê-se que a lei em vigor foi bem elaborada, contemplando com clareza a distinção entre as figuras delitivas do usuário, dependente e traficante de drogas, inclusive, apresentando sanções diferentes para esses infratores. Portanto, bastaria desburocratizar o procedimento administrativo (leilão) para viabilizar a liberação desses bens para serem revertidos em prol da sociedade, principalmente para reabilitação dessas pessoas que estão doentes e necessitam de ajuda para reintegrá-las ao convívio social, familiar e profissional.

                          EDUARDO VERONESE DA SILVA

Licenciatura em Educação Física - UFES

Bacharel em Direito – FABAVI/ES

Especialista em Direito Militar – UCB/RJ

Subtenente da PMES

 

                                       

 

 

 



[1] Bacharel em Direito – FABAVI/ES; Especialista em Direito Militar – UCB/RJ; Subtenente da PMES. Email: [email protected]