O USO DO JURIDIQUÊS
ESTUDO DAS VARIANTES LINGUÍSTICAS NA ÁREA DE DIREITO

Autor:
Cláudio Versolato

2010

INTRODUÇÃO

O presente estudo visa apresentar uma forma de variante lingüística sociocultural de profissão chamada de juridiquês. Ou seja, o jargão (gírias) usadas por profissionais da área do direito (advogados, juízes, promotores,etc).
As atividades profissionais associadas ao Direito apresentam suas formas específicas de uso da língua. Em outros termos, um advogado, por exemplo, tem uma maneira de falar e de escrever bem distinta da de um médico. Por isso é que o social e o verbal estão intimamente ligados: cada atividade tem seus gêneros particulares, isto é, determinadas espécies de texto que circulam na área. No Direito, é comum o emprego de termos técnicos com o uso de palavras arcaicas ou desusos.
A pretensão desta pesquisa é fazer uma análise dos termos mais comuns utilizados pelos operadores da área jurídica. Foi dividido o presente trabalho em dois capítulos, sendo o primeiro o estudo da origem do termo, e o segundo as características e as principais palavras formais utilizadas.

CAPÍTULO 1- Origem

Segundo o site da internet Wikipédia, a enciclopédia livre, Juridiquês:
" é um neologismo em voga no Brasil para designar o uso desnecessário e excessivo do jargão jurídico e de termos técnicos de Direito. Embora tenha conotação pejorativa, a idéia de juridiquês como jargão profissional tem ganho cada vez mais espaço na sociedade letrada por causa de sua crescente utilização na imprensa e nos meios de comunicação de massa. No jornalismo jurídico, por exemplo, costuma-se dizer que repórteres e redatores que reproduzem em suas matérias os termos rebuscados utilizados pelos entrevistados (como juízes e advogados) são "contaminados pelo juridiquês" (assim como, no jornalismo econômico, o são pelo "economês").
Em outras palvras, existe a opinião do senso comum de que o "juridiquês", quando empregado por juristas ou em contextos apropriados (como em julgamentos ou no processo legislativo), denota floreio excessivo da língua e subterfúgio desnecessário a termos pouco conhecidos do grande público.
No Brasil, "juridiquês" é um vocábulo de uso corrente, mas que ainda não consta nos dicionários. O termo ficou ainda mais conhecido depois que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) lançou a "Campanha pela Simplificação do Juridiquês" em 11 de agosto de 2005.
Frases em juridiquês podem ser de difícil compreensão, até mesmo para juristas. É comum encontrar textos em juridiquês onde uma única frase se estende por um parágrafo inteiro, com dezenas de vírgulas e verbos no gerúndio, condicionais, apostos e outros. Nestes casos, quando o leitor chega ao meio do parágrafo-frase, a frase já deu tantas reviravoltas gramaticais e já agrupou tantas idéias que não é mais possível acompanhar o raciocínio sem voltar ao começo do parágrafo-frase e tentar novamente. Quando o juridiquês é traduzido para outros idiomas menos tolerantes de frases infindáveis, o tradutor costuma quebrar estes parágrafos originais e inteligíveis em várias frases mais coerentes.

CAPÍTULO 2- O uso e termos do juridiquês

Diz a lenda que Rui Barbosa, ao chegar em casa, ouviu um barulho estranho vindo do seu quintal. Chegando lá, constata haver um ladrão tentando levar seus patos de criação.
Aproxima vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o ao tentar pular o muro com seus amados patos, diz-lhe:
- Oh, bucéfalo anácrono! Não o interpelo pelo o valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndido da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada prosopopéia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à qüinquagésima potência que o vulgo denomina nada.
E o ladrão, confuso, diz:
- Doutor, eu levo ou deixo os patos?"
(Fonte: www.jornaldosamigos.com.br/anedotas.htm)
O exemplo acima denota de forma clara, e até divertida, como o uso excessivo do juridiquês torna incompreensível a comunicação.
Dessa forma, observa-se nos meios jurídicos, em vez de chamar simplesmente de "viúvo" usa-se "cônjuge supérstite", como também a "esposa" de "cônjuge virago", o tribunal superior (STF, STJ, TST) de "excelso pretório". Só mesmo o rebuscamento se justificaria o uso de "cártula chéquica" em lugar de "folha de cheque". Mesmo com toda a pompa, uma cadeia não fica melhor se designada por "ergástulo público".
Essa polêmica merece algumas considerações. Primeiro, a adequação da terminologia jurídica não deve ser avaliada em si mesma, ou seja, esta depende da situação concreta de comunicação: o que está sendo dito e para quem está sendo dito.
Um advogado dizendo a outro: "a sentença transitou em julgado". Como os dois são da mesma área, não há problema. Falando a um leigo, seria mais adequado dizer que a decisão do juiz não pode mais ser contestada, é definitiva.
Nota-se que é comum o emprego de termos técnicos com o uso de palavras arcaicas. Imagine agora um advogado dizendo a outro, a respeito de um cliente: "o réu vive de espórtula tanto que é notória sua cacosmia". Seria muito mais fácil compreender a mensagem se, em lugar de "espórtula" o advogado dissesse que o réu dependia de donativos; e, em vez de "cacosmia", afirmasse que vivia em ambiente miserável.
Nós conhecemos apenas o homicídio, veja agora alguns nomes curiosos que são usados para discriminar o assassinato de uma pessoa, por seu grau de parentesco.
Nomes do crime:
Sororicídio: morte de irmã
Mariticídio: morte de marido
Uxoricídio: morte de ex-esposa
Patruicídio: morte de tio paterno

Mais juridiquês. Ou expressões e palavras que fazem a pompa do jargão do Direito;
ABROQUELAR: fundamentar
APELO EXTREMO: Recurso extraordinário
AREÓPAGO: Tribunal
AUTARQUIA ANCILAR: Instituto Nacional de Previdência Social. -INSS.
CARTULA CHÉQUICA: Folha de talão de cheques.
COM ESPEQUE NO ARTIGO: Com base no artigo.
COM FINCAS NO ARTIGO: Com base no artigo.
COM SUPEDÃNEO NO ARTIGO: Com base no artigo.
ESTRIBADO NO ARTIGO: Com base no artigo.
CONSORTE SUPÉRSTITE: Viúvo (a).
DIGESTO OBREIRO: Consolidação das Leis do Trabalho ?CLT.
DIPLOMA PROVISÓRIO: Medida provisória.
ERGÁSTULO PÚBLICO: Cadeia.
ESTIPÊNDIO FUNCIONAL: Salário.
EGRÉGIO PRETÓRIO SUPREMO: Supremo Tribunal Federal ? STF.
EXCELSO SODALÍCIO: Supremo Tribunal Federal ? STF.
PRETÓRIO EXCELSO: Supremo Tribunal Federal ? STF.

EXORDIAL: Peça ou petição inicial.
PROLOGAL: Peça ou petição inicial
FULCRO: Fundamento.
INDIGITADO Réu.
PEÇA INCOATIVA: Peça ou petição inicial.
PEÇA-OVO: Peça ou petição inicial.
PEÇA VESTIBULAR: Peça ou petição inicial.
PETIÇÃO DE INTRÓITO: Peça ou petição inicial.
RES IN JUDICIO DEDUCTA: Petição inicial.
PEÇA INCREPATÓRIA: Denúncia.
PROEMIAL DELATÓRIA: Denúncia.
REMÉDIO HERÓICO: Mandado de segurança.
VISTOR: Perito.

O uso comum dessas palavras por parte deste grupo profissional, pode ser designada como gíria, é um fenômeno de um grupo restrito, como diz Pretti: "é uma decorrência dessa dinâmica social e lingüística. Caracterizada como vocabulário especial,a gíria surge como um signo de grupo, a principio secreto, domínio exclusivo de uma comunidade social restrita" (PRETI, 1984:3).
Na introdução ao Manual do Juridiquês (Simplificação da linguagem forense), escrito por Albino de Brito Freire, há observações adequadas e que produzem a insegurança jurídica, um dos males de muitos textos forenses. Construiu-se uma novilíngua batizada com o neologismo juridiquês. Nas palavras do autor: "esse dialeto, por assim dizer, esse jargão medonho não compreende apenas o uso indiscriminado do latim, mas a criação de expressões novas, baseadas, não na técnica gramatical da formação de palavras, mas apenas na sonoridade e na pompa do vocábulo". E, juntando a essa manifestação crítica a sua autoridade e experiência de ex-Juiz de Direito, sentencia: "Desse modo, a comunicação do Poder Judiciário, de um modo geral, com a população vem se tornando cada vez mais prejudicada. Chegamos, sim, a um impasse. Impõe-se a simplificação dessa linguagem, sob pena de se romper, definitivamente, a comunicação da Justiça com o povo". (Ob. cit., p. 3).
Essa preocupação assumiu caráter nacional com o movimento da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), como lúcida e vigorosa reação contra vocábulos e discursos herméticos que trafegam em muitos pedidos e julgamentos.
Como bem pondera o ex-Presidente da Associação dos Magistrados do Paraná, Gilberto Ferreira, na apresentação do Manual, não se pretende [com a campanha da AMB]: "abolir a linguagem técnica, a linguagem forense, mas apenas expurgar dela as expressões pedantes, textos intrincados, invencionices pomposas, mas sem sentido, o uso indiscriminado e mimético do latim, principalmente pelos não iniciados".

CONCLUSÃO

O presente estudo mostra como a linguagem do judiciário é uma variante sociocultural da profissão jurídica, e como é usado o juridiquês pelos advogados, juízes, promotores, etc. Quem já precisou de um advogado sabe que entender sua linguagem não é tão fácil. Tanta pompa e rebuscamento faz o vocabulário parecer outra língua.
A linguagem usada nos tribunais brasileiros, embora seja a norma culta da língua portuguesa, não é de fácil entendimento para a maioria dos cidadãos. Acredita-se que o vocábulo erudito é importante para o conhecimento dos operadores do Direito, entretanto, o mesmo não pode servir de obstáculo para que a população. O excesso de formalidade atrapalha, embora, a norma culta não deva ser totalmente substituída por uma linguagem mais próxima do coloquial. O ideal seria uma convivência pacífica entre a linguagem formal sem exageros e àquela que facilita o entendimento do cidadão. Pois, se todos tivessem uma educação de qualidade não haveria tantas dúvidas, o povo não ficaria tão distante da justiça.

REFERÊNCIAS

? PRETI, Dino, A gíria e outros temas, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1984, São Paulo
? http://pt.wikipedia.org/wiki/Juridiqu%C3%AAs
? LÍNGUA Portuguesa (www.revistalingua.com.br); Ano 1, número 2, 2005. Artigo: JURIDIQUÊS no Banco dos Réus.
? www.jornaldosamigos.com.br/anedotas.htm
? FREIRA, Albino de Brito. Manual do Juridiquês Decifrando a Linguagem Forense, Editora: JM 2ª edição, 2008, São Paulo.