AGES

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

COLEGIADO DE DIREITO

 

 

 

Anderson de Jesus Santos

 

O SURGIMENTO DA PRISÃO, SUA INTRODUÇÃO AO ROL DO DIREITO PENAL E A RELAÇÃO COM OS DIREITOS HUMANOS.

 

 

 

 

 

 

Trabalho apresentado no curso de Direito da Faculdade Ages como um dos pré-requisitos para a obtenção da nota parcial das disciplinas Hermenêutica jurídica, Direito Civil, Antropologia jurídica, História do Direito, Economia Política, Direito Penal I, e Direito Constitucional no 2º período, sob a orientação do professor Hiran Souto.

 

 

Paripiranga

Novembro de 2013

O SURGIMENTO DA PRISÃO, SUA INTRODUÇÃO AO ROL DO DIREITO PENAL E A RELAÇÃO COM OS DIREITOS HUMANOS.

 

Anderson de Jesus Santos

A ideia de prisão surgiu com a incumbência, e intenção de privar a liberdade daqueles que não fossem coerentes com o modo de vida da sociedade. As pessoas que se desviavam do ideal político, e social eram aprisionas em grandes masmorras situadas em lugares estratégicos como, por exemplo, em áreas desertas e distantes das moradias.

Na Antiguidade, em meados de 525 a.C., os trabalhadores eram convocados para construir as obras públicas e cultivar as terras do faraó, proprietário de toda a terra do Egito e toda a riqueza, que repousava no trabalho dos lavradores. Quem não conseguisse pagar os impostos ao faraó, em troca de construção de obras de irrigação e armazenamento de cereais, se tornava escravo. Assim como no Egito, a Grécia, a Pérsia, a Babilônia, o ato de encarcerar, tinha como finalidade conter, manter sob custódia e tortura os que cometiam faltas, ou praticavam o que para a antiga civilização, fosse considerado delito ou crime. As masmorras também serviam para abrigar presos provisoriamente. O ato de aprisionar, não tinha caráter de pena e sim da garantia de manter esta pessoa sob o domínio físico, para se exercer a punição que seria imposta.
Assim como não existia legalmente uma sanção penal a ser aplicada, e sim punições a serem praticadas, também não existiam cadeias ou presídios. Os locais que serviam de clausura eram diversos, desde calabouços, aposentos em ruínas ou insalubres de castelos, torres, conventos abandonados, enfim, toda a edificação que proporcionasse a condição de cativeiro, lugares que preservassem o acusado ou “Réu” até o dia de seu julgamento ou execução.

Com o transcorrer do tempo, na Idade Média alguns aspectos em com relação ao aprisionamento na Antiguidade continuaram a existir, perdendo força relevantemente somente na Idade Moderna. Para aprisionar, não havia necessidade da existência de um local específico. Assim sendo, ainda não se pleiteava uma arquitetura penitenciária própria, pois o cárcere era visto também apenas como local de custódia para manter aqueles que seriam submetidos a castigos corporais e à pena de morte, garantindo, dessa forma, o cumprimento das punições. É, então, na Idade Moderna que Cesare Bonesana Beccaria, “tinha a ideia generalizada de que as penas constituíam uma vingança coletiva, bem diferente do momento atual onde a pena visa a ressocialização do condenado, e a pena de prisão tem como objetivo segregar o preso perigoso. Abrindo possibilidade de que os presos que foram condenados por crimes de pouca periculosidade não sofram  o encarceramento, mas, penas de prestação de serviços a sociedade, penas restritivas de direito e penas pecuniárias.” (BECCARIA, 1764)   

Ao passar do tempo no século XVIII que surgem os sistemas da Pensilvânia e Auburn que serão modelos para as prisões na época. Seus antecessores são os chamados Bridewells e as Workhouses inglesas do século XIV, ou seja,

 "(...) para que pudesse surgir a ideia da possibilidade de expiar o delito com um quantum de liberdade, abstratamente predeterminado, era necessário que todas as formas de riquezas fossem reduzidas à forma mais simples e abstrata do trabalho humano medido pelo tempo: portanto, num sistema socioeconômico como o feudal, onde não existia a ideia do trabalho humano medido pelo tempo, leia-se trabalho assalariado, a pena-retribuição não estava em condições de encontrar na privação do tempo um equivalente do delito. Ao contrário, o equivalente do dano produzido pelo delito se encontrava na privação dos bens socialmente considerados como valores: a vida, a integridade física, o dinheiro e a perda de status (MELOSSI; PAVARINI, 1980, p. 26)”

No decorrer do século XIX, a pena que tira a liberdade do indivíduo passa a ser o principal meio de controle do sistema penal e começa a se desenvolver a noção de que a punição é o mesmo que a prisão. Com isso, alimenta-se ainda hoje a ideia absolutamente equivocada de que a criminalidade pode ser controlada com a Justiça Criminal e com a construção de mais prisões. A justiça de todo o mundo, inclusive a do Brasil acha que seu sistema prisional está perfeitamente capacitado à ressocializar o indivíduo preso, encarcerado na maioria das vezes em celas com um número extrapolado de pessoas, umas amontoadas nas outras.

É preocupante a situação das prisões na atualidade, uma vez que estas estão servindo somente como calabouços modernizados, ampliados estruturalmente, mas com uma carência gigantesca no que diz respeito à valorização do preso enquanto pessoa digna de direitos, e de um tratamento mais humanizado. O sociólogo brasileiro Fernando Salla afirma que mesmo no ato da instituição da prisão no Brasil, não houve a intenção em ressocializar o delinquente, de reinseri-lo nos moldes da sociedade:

[...] a emancipação política do Brasil certamente acarretou uma nova percepção, por parte dos quadros diretivos do país, em relação a diversas áreas, inclusive aquela ligada às prisões. O primeiro indicador desta mudança havia sido dado pelo decreto do príncipe regente, de maio de 1821, e depois também pelos vários artigos sobre as prisões constantes do projeto de Carta elaborado pela Constituinte de 1823. E finalmente pela Constituição Imperial de 1824, prevendo a existência de prisões sob condições de higiene e funcionamento até então inexistentes nos estabelecimentos coloniais. Um reflexo imediato disto, em São Paulo, foi a preocupação demonstrada pelo presidente da Província, em 1825, visconde de São Leopoldo, em destinar uma parte da Cadeia de São Paulo para servir de casa de correção (SALLAS, 1999, p.47-48).

É muito claro o artigo 3.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos que diz que “Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.” Continua o artigo 5.º da mesma declaração que “Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”. Prevê, por fim, o artigo 29.º desse articulado sexagenário composto por 30 artigos que: “No exercício destes direitos e no gozo destas liberdades, ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática”.

À luz desses artigos é factível denotar que todas as pessoas, em geral, têm direito à liberdade. Quem comete crime, será limitado no seu direito à liberdade porque em nome da ordem pública e do bem-estar social, a legislação penal assim o prevê. Porém, ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Violência nas prisões e tratamentos cruéis não é prevista pela legislação penal, não é permitida pela Constituição e é vedada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Espancamentos nas prisões, abusos de autoridade, jogos de poder concretizados em violência física e moral, são tratamentos cruéis que não constituem parte da pena de prisão e, em abstrato, não constituem exceção ao direito à liberdade, na medida em que em nada garantem a ordem pública e o bem-estar social. Esses acontecimentos “extras” nas prisões, de certa forma, já desfigura o sentido de igualdade social, como vislumbra o Professor Doutor Ingo Wolfgang Sarlet (1988):

[...] a dignidade humana constitui-se em "qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos".

A pena de prisão não tem apenas um fim punitivo. Tem também um fim preventivo e deverá ter também como fim a reabilitação e a capacitação para reintegração no sistema de ordem e paz sociais, no entanto, não é isso que se vê acontecendo.

Os presos quando cumprem a sentença na cadeia, saem na grande maioria muito mais revoltados, e sem um senso de respeito mútuo, via que foram desrespeitados e abusados pelas autoridades que os tratavam como “objetos” que balburdiavam na sociedade. A maioria dos tribunais no Brasil usa o termo “ressocializar” como se este desse no mesmo que encarcerar.

O tema ressocialização é muito perigoso porque é legitimador da prisão. Partindo dessas premissas, é de relevante importância expor o que pensa o Juiz da Vara de Execuções Penais no Amazonas e doutorando em Criminologia pela USP, Luís Carlos Honório de Valois Coelho (2013):

Nenhuma prisão no mundo ressocializa ninguém. A pessoa pode se ressocializar sem prisão, com prisão e apesar da prisão. O discurso ressocializador está sendo usado para encarcerar. Na minha pesquisa, em cada 100 acórdãos que usavam o termo ressocialização, 60 usavam para encarcerar, aumentar ou agravar pena, mesmo todos sabendo que a prisão não ressocializa. Como eu posso dizer para um cidadão que eu vou colocá-lo na prisão para ressocializá-lo? Soa até ridículo. Não podemos punir dessa forma, com um argumento desfeito pela realidade. Se chegássemos ao ponto de dizer: “olha, a prisão não é para ressocializar, é para te prender pelo que você fez, para te punir”, seria um grande avanço; contanto que levássemos em consideração o princípio constitucional, fundamento do Estado Democrático de Direito, a dignidade humana. O mínimo que se deveria fazer era respeitar a dignidade da pessoa humana. Isso já estaria ótimo.

Percebe-se, então, que os relatórios do Ministério da Justiça sobre o sistema prisional brasileiro no ano de 2009 constituem provas irrefutáveis da falência do sistema prisional brasileiro, especialmente quando se identifica as condições desumanas em que os internos são tratados, a exemplo da prisão contêiner, que existia no Estado do Espírito Santo. O fato mais grave é perceber que a reinserção do preso a sociedade fica completamente prejudicada pela incapacidade da vivência no presídio apontar para o princípio de justiça, ao se vivenciar o abandono, maus-tratos e negação total dos direitos humanos a aqueles que se encontra em situação de cárcere.

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

COELHO, Luís Carlos Honório de Valois. Toda prisão no Brasil é ilegal. Porque se a prisão que está na lei não existe, a que aplicamos na realidade é ilegal. Disponível em: http://www.pco.org.br/nacional/toda-prisao-no-brasil-e-ilegal-porque-se-a-prisao-que-esta-na-lei-nao-existe-a-que-aplicamos-na-realidade-e-ilegal-/epbz,y.html Acesso em: 26 fev. 2013.

MELOSSI, Dario, PAVARINI Massimo. Cárcel y fábrica: los orígenes del sistema penitenciario (siglos XVI-XIX). Cubierta delantera. Siglo XXI, 1985.

SALLA, Fernando As prisões em São Paulo: (Prisons in São Paulo) 1822-1940. São Paulo: Annablume/Fapesp, 1999

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas: São Paulo: Martin Claret, 2001.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 62.