Crônica

          O PROTESTO DAS RUAS E A LIÇÃO DO CARANGUEJEIRO

                                                              Edevaldo Leal                                             

                         “ O que eles querem mais, o governo já não reduziu o preço das passagens” ? , comentou a atualizada apresentadora de televisão, ao informar sobre mais uma manifestação do povo brasileiro anunciada para  o dia seguinte.

                          A resposta à indagação da belíssima e inteligente apresentadora viria depois, dada  nas ruas por um quase analfabeto vendedor de caranguejo, o Consolação, que só estudou até o quarto ano do ensino fundamental   para não passar vergonha ao assinar o próprio nome. A do Consolação, é bom que se conserte logo, não foi, como veremos depois, a única resposta endereçada a quantos indagaram, com  a  mesma suspeita pergunta, “ o que eles querem mais”. Outras viriam, trombeteadas em direção ao muro de Jericó, que cerca as omissões – quantas? – dos três poderes do Brasil.

                         Ó muro de Jericó, quantas trombetas ainda precisam ser tocadas, quanto clamor ainda precisa ser levantado para que sejas derrubado?

                         De uma coisa estou bem certo: sem o protesto do Consolação o muro não cairá.

                          Ainda não eram 11 horas, quando descobri que faltava farinha para o almoço. Se alguém vai ou não rir, se alguém vai ou não zombar (ou discriminar?) pouco me interessa, porque sei que , de seu riso zombeteiro, não escapo. A essa altura só temo, mesmo, a bronca que vou levar da  nutricionista pela confissão de que ainda sou um papa farinha. Infelizmente, Drª Carla, eu tenho que dizer, em bom som, como nas manifestações: “um, dois, três, farinha outra vez”. É que um nortista, toda vez que almoça ou janta, precisa da farinha para complementar o prato. Pronto. Fiz o meu protesto, rasguei a bandeira da boa alimentação, mas estou ciente do  alto preço que vou pagar ,até mesmo se resolver continuar comprando farinha que está custando o olho da cara. Quase me perco na digressão, mas como eu estava dizendo, ao saber que ia ficar sem farinha para o almoço, fui à feira e, ao retornar com a iguaria, já entrando na Praça do Lápis, dou de cara com o Consolação preparando um cartaz de papelão com os dizeres: “ Baixem o preço da farinha”.

                          Fazia sentido o protesto do Consolação. A farinha, que eu comprava a R$ 1,80 o litro, está custando R$ 7,00. Ora, enquanto eu consumo três colheres de farinha, cara e calórica, vigiado de perto pela nutricionista, que verifica meu peso a cada mês, o Consolação sobe o ranking do consumo individual e devora, no mínimo, 50 colheres a cada refeição. Se levarmos em conta que ele tem cinco filhos , um agregado e a mulher, não é difícil chegar à conclusão de que o lucro do Consolação, com a venda de caranguejos, nem dá para comprar a farinha de que eles precisam. Foi interessante ver na televisão o Consolação empunhando o  cartaz pela redução do preço da farinha ao lado de outros cartazes, como “Padrão Fifa para a saúde e a educação”, “ Professor vale mais que Neymar”, “ Tarifa zero para o transporte coletivo”, “Mais segurança nas ruas”, “Fora a roubalheira”, “ Corrupção tem nome e sobrenome”, “Os vinte centavos enfia no SUS”.

                           Por tudo o que se viu nas manifestações, não é mais possível ignorar o que querem os manifestantes : não é só a redução do preço das passagens. Aliás, essa redução de  centavos, digo eu em protesto: essa redução de centavos nem para enfiar no SUS serve. Os manifestantes, porém, parece que, enfim, começam a ser ouvidos: a comissão de  assuntos sociais do Senado aprovou projeto de lei que isenta o 13º do imposto de renda. Se passar na Câmara, a classe trabalhadora sai vitoriosa. Com mais dinheiro no bolso, todos saem ganhando, até mesmo o Consolação, que terá mais farinha para a sua farofa de Natal.

                                                                 20 de junho de 2013.