INTRODUÇÃO

 

O presente aritgo tem como finalidade debater o tão complexo tema que trata do direito do investigado de exercer ou não o contraditório, princípio constitucionalmente garantido em seu artigo 5, inciso LV, que dispõe: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Para tanto, serão utilizados dispositivos de pesquisa doutrinária e jurisprudencial.

 

EXPOSIÇÃO

 

Ao Estado brasileiro é dado o direito de investigar um suspeito de ter cometido um ato ilícito por meio do inquérito policial. Tal procedimento é utilizado pela polícia judiciária e tem como objetivo produzir provas contra o investigado, que serão utilizadas numa segunda fase em que se dará início ao processo propriamente dito. Entretanto, tal procedimento é sigiloso e ao investigado não é dado o direito do contraditório até o momento em que é feita a denúcia.

À Constituição de 1988 foi incorporado o princípio do devido processo legal que tem como corolários a ampla defesa e o contraditório. Tais preceitos, segundo a própria Constituição, devem ser assegurados aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral. Entretanto, no que tange ao inquérito policial há aqueles que entendem ser defeso ao investigado o contraditório e os que entendem ser devido tal princípio.

Guilherme de Souza NUCCI conceitua o inquérito policial:

"O inquérito policial é um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria. Seu objetivo precípuo é a formação da convicção do representante do Ministério Público, mas também a colheita de provas urgentes, que podem desaparecer, após o cometimento do crime. Não podemos olvidar, ainda, que o inquérito serve à composição das indispensáveis provas pré-constituídas que servem de base à vítima, em determinados casos, para a propositura da ação penal privada."

Fernando da Costa TOURINHO FILHO, por sua vez, de forma sucinta, conceitua o inquérito policial como sendo "o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo".

Percebe-se que as definições guardam bastante semelhança entre si, e conclui-se que a finalidade principal do procedimento em questão é buscar indícios de que a infração ocorreu e de que determinado sujeito foi o autor da mesma para que tais informações sejam levadas a juízo.

São características do inquérito policial a inquisitividade, que é o tema discutido nesse trabalho, pois trata do não exercício do contraditório, uma vez que aqui, o sujeito não é tratado como acusado, mas apenas como indiciado. Além da inquisitividade, observa-se no inquérito a dispensabilidade, quando já se tem documentos suficientes para a propositura da ação; a obrigatoriedade, nos casos das ações penais públicas incondicionadas; a forma deve ser escrita, conforme exigência do artigo 9 do CPP; a indisponibilidade, já que uma vez instaurado, a autoridade policial não poderá arquivá-lo, salvo se com autorização do juiz solicitada pelo Ministério Público; o sigilo; e a oficialidade, pois tal procedimento só poderá ser instaurado por autoridade policial competente, no caso o delegado de carreira, com exceção aos magistrados, membros do Ministério Público e também nas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI's).

A maioria da doutrina e da jursiprudência entende ser o inquérito polícial um procedimento em que não deve haver a ampla defesa, isso porque, consideram ser uma fase preparatória para a propositura da ação, e que, portanto, não prejudica o indiciado, uma vez que, posto em julgamento, todos os fatos serão expostos e o agora réu, poderá praticar seu direito Constitucionalmente garantido sem que haja qualquer perda a esta parte do processo.

Nesse sentido expõe Fernando da Costa TOURINHO FILHO. Segundo o renomado autor a expressão "processo administrativo" presente no texto da Constituição, não engloba o inquérito policial, mas somente processos instaurados pela Administração Pública para apurar infrações administrativas, visto que nestes casos é possível a aplicação de uma sanção, o que não ocorre com o inquérito policial. Também na mesma linha de raciocínio, ressalta Alexandre DE MORAES:  "o contraditório nos procedimentos penais não se aplica aos inquéritos policiais, pois a fase investigatória é preparatória da acusação, inexistindo, ainda, acusado, constituindo, pois, mero procedimento administrativo, de caráter investigatório, destinado a subsidiar a atuação do titular da ação penal, o Ministério Público. "

Outro argumento encontrado para dizer que o contráditório não é legítimo ao inquérito policial, encontra-se no próprio Código de Processo Penal nos artigos seguintes:

Artigo 107. Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos de inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal.

Artigo 184. Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade.

A jurisprudência também entende que não há que se falar em contraditório durante o inquérito policial:

Inquérito policial e contraditório: STJ - "O inquérito policial é mera peça informativa, destinada à formação da 'opinio delicti do Parquet', simples investigação criminal de natureza inquisitiva, sem natureza judicial"(6.a T. - HC n.o 2.102-9/RR - rel. Min. Pedro Acioli - Ementário STJ, 09/691), assim, "não cabe o amplo contraditório em nome do direito de defesa no inquérito policial, que é apenas um levantamento de indícios que poderão instruir ou não denúncia formal que poderá ser recebida ou não pelo juiz" (5.o T. - RHC n.o 3.898-5/SC - rel. Min. Edson Vidigal - Ementário STJ, 11/600). 

STJ -HC38831/MG;HABEASCORPUS

2004/0143959-4 Relator(a) Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA (1128) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 12/04/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 20.06.2005 p. 310 Ementa

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. JUSTA CAUSA. LIMITES DO HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. AÇÃO PENAL. ORDEM DENEGADA.

1. Em sede de habeas corpus, conforme pacífico magistério jurisprudencial, somente se admite o trancamento de inquérito policial ou ação penal por falta de justa causa, quando desponta, induvidosamente, a inocência do indiciado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, circunstâncias não demonstradas na hipótese em exame.

2. As impressões dos impetrantes sobre a parcialidade das autoridades locais não podem ser consideradas, haja vista que não teriam o condão de afastar a tipicidade da conduta das pacientes, objetivamente relatadas nos autos, além da impossibilidade de dilação probatória na via estreita do habeas corpus.

3. Eventuais vícios procedimentais ocorridos no inquérito policial não teriam o condão de inviabilizar a ação penal, haja vista que aquele constitui mera peça informativa, não sujeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório.

4. Ordem denegada.

Segundo esta decisão, nem mesmo um vício no inquérito policial poderá gerar a extinção da ação penal a que deu causa, isso porque tal peça é considerada tão somente informativa. Ao contrário, se o vício ocorrer no curso da mesma, muito provavelmente tal ação seria extinta.

No posicionamento contrário e minoritário, encontra-se o professor Rogério Lauria Tucci que descreve:

"...à evidência que se deverá conceder ao ser humano enredado numa persecutio criminis todas as possibilidades de efetivação de ampla defesa, de sorte que ela se concretize em sua plenitude, com a participação ativa, e marcada pela contrariedade, em todos os atos do respectivo procedimento, desde a fase pré-processual da investigação criminal, até o final do processo de conhecimento, ou da execução, seja absolutório ou condenatória a sentença proferida naquele."

Para o professor Rogério Lauria Tucci, o contraditório e a ampla defesa devem estar presentes em todo e qualquer procedimento acusatório, ainda que este não seja formal. Isso porque, para ele, quando a Constituição fala sobre o "processo judicial ou administrativo" e "acusado em geral", a estes termos estão inclusos aqueles indiciados por inquérito policial.

Na mesma corrente está o autor Guilherme de Souza NUCCI, que alega ser a percepção do juiz no processo formada a partir dos fatos narrados pela investigação feita pela polícia através do inquérito.  Observa-se também, que as provas colhidas no inquérito não deveriam ser usadas durante a instrução criminal porque servem apenas de peça informativa, não tendo valor probatório judicial, pois colhidas fora do contraditório, que é princípio do devido processo legal, preceito este trazido pela carta magna vigente. Entretanto, não é o que ocorre na prática. Até mesmo para Nucci, autor que se contrapõe a doutrina que ora se observa, os juízes comumente se utilizam de provas periciais ou mesmo aquelas irrepetíveis, praticadas sem a participação do indiciado, para formarem seu livre convencimento. Isto posto, fundamentam suas decisões baseados exclusivamente no inquérito, o que, logicamente, seria inconstitucional. Assim define o autor, quanto ao juiz nacional:

"[...] se vale, sem a menor preocupação, de elementos produzidos longe do contraditório, para formar sua convicção. Fosse o inquérito, como teoricamente se afirma, destinado unicamente para o órgão acusatório, visando à formação de sua opinio delecti e não haveria de ser parte integrante dos autos do processo, permitindo-se ao magistrado que possa valer-se dele para a condenação de alguém."

Ainda que doutrina e jurisprudência estejam aparentemente pacificadas, essa minoria que contra-argumenta é expressiva e gera conflitos entre os doutrinadores.

 

CONCLUSÃO

A partir da análise do artigo 5, inciso LV da Constituição Federal, é possível interpetrar de forma a entender ser o inquérito policial, em sentido amplo, considerado como um processo administrativo, assim como o indiciado ser, também em sentido amplo, considerado um acusado. Nesse escopo, pode-se pensar ser plausível o uso do contraditório durante a fase inquisitória.

Por outro lado, a bilateralidade de todos os atos praticados na persecução criminal policial, a ciência de tudo aquilo que é produzido, certamente traria prejuízos a tal atividade estatal. Torna-se, assim, inviável a aplicação do contraditório.

Assim sendo, entendo ser a defesa possível, mas não irrestrita, de forma a evitar abusos cometidos pelas autoridades policiais em suas investigações e, do outro lado, de maneira a evitar que o investigado atrapalhe esse processo com suas interferências, com o intuito de praticar o mais próximo possível o Estado Democrático de Direito.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 2.a ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 256.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo. Revista dos Tribunais 2011.

FILHO, F da C.T; Manual de Processo Penal, 7ª Edição, Editora Saraiva.

TUCCI, R. L; Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro (Tese para o Concurso de Professor titular de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1993).