O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Uma análise no caso da Assembléia Legislativa do Maranhão

Letícia Alves [1]

Vanessa Barros [2] 

RESUMO

É realizado um estudo acerca dos princípios e regras do direito ambiental referentes a áreas de proteção ambiental. Analisa-se o caso da Assembléia Legislativa do Maranhão no que tange a não observância destes princípios e regras. Examina-se as dificuldades do Estado na implementação das regras de proteção ambiental.

PALAVRAS-CHAVES

Princípios. Direito Ambiental. Proteção Ambiental. 

  1. 1.      ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO MARANHÃO: ESTUDO DO CASO

Os idealizadores da Assembléia defendem a construção afirmando que o terreno onde a Assembléia foi construída havia sido doado antes da transformação da área em estação ecológica. Um argumento falacioso.

A área onde atualmente se encontra a Assembléia foi convertida na Estação Ecológica do Rangedor pelo Decreto 21.797/05. Este Decreto justifica a proteção dessa área pelos seguintes pontos:

Considerando que todas as características fisiológicas e propriedades geotécnicas convergem para a indicação daquele Sítio, como área de recarga de aqüíferos[...] Considerando a necessidade de preservar amostra da flora e fauna local e permitir futuramente estudos comparativos com as áreas da mesma região, ocupadas e modificadas por ações antrópicas.

Considerando a necessidade de criação de espaços naturais, visando ao desenvolvimento de atividades de educação ambiental e de pesquisa básica aplicada à ecologia.

Considerando a necessidade de recuperar ou restaurar ecossistemas degradados, com espécies nativas e frutíferas que possam favorecer o equilíbrio ecológico e a diversidade biológica.

Considerando, ainda, a necessidade de preservar a vegetação, manter os padrões climáticos e diminuir ao efeitos da ilha de calor sobre a cidade, em consonância com as determinações da Organização Mundial de Saúde, que estabelece o mínimo de 16m² de área verde para cada habitante urbano. [3]

Os argumentos levantados no Decreto não foram mitigados. A área protegida pelo Decreto ainda é um importante aqüífero para a Ilha de São Luís e ainda comporta uma flora extremamente importante para a biota. A doação realizada anteriormente (em 2002) não invalida os pontos colocados acima. 

O art.7 do Decreto 21.797/05 traz ainda: “Fica determinado que na Estação Ecológica do Sítio do Rangedor não poderão ser desenvolvidas atividades que importem em prejuízo para a biota local.” [4] Em verdade “é proibida a visitação pública, exceto quando com objetivo educacional, de acordo com o que dispuser o Plano de Manejo da unidade ou regulamento específico” [5]

O art. 9º, em seu § 1º coloca que “a Estação Ecológica é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei.” [6]

  1. 2.      A INEFICÁCIA DOS PRINCÍPIOS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O Estado brasileiro é um Estado Democrático de Direito. O preâmbulo da Constituição de 1988 coloca a Assembléia Nacional Constituinte reunida:

[...] para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias. [7]

A expressão Estado Democrático de Direito enseja a confluência dos conceitos de Estado Democrático (“se funda no princípio da soberania popular” [8]) e Estado de Direito (que possui como características marcantes a “submissão ao império da lei, divisão de poderes e enunciado e garantias dos direitos individuais” [9]). Aquela expressão, contudo, não se encerra na mera adição de conceitos. “[...] a noção de Estado Democrático de Direito reúne os princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito, aliados a um componente revolucionário de transformação social, de mudança do status quo, de promoção da justiça social.” [10]

No Estado Democrático de Direito, não há lugar para o poder absoluto. (...) O respeito efetivo pelos direitos individuais e pelas garantias fundamentais outorgadas pela ordem jurídica aos cidadãos em geral representa, no contexto de nossa experiência institucional, o sinal mais expressivo e o indício mais veemente de que se consolida, em nosso País, de maneira real, o quadro democrático delineado na Constituição da República. [11]

Posto isso passaremos a análise do meio ambiente na Constituição de 1988 tendo por base os preceitos do Estado Democrático de Direito expostos anteriormente.

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”  [12] Como dito anteriormente a constituição de 1988 foi a primeira constituição a trazer a expressão meio ambiente.

Nosso Estado, portanto, ‘elevou’ o direito ambiental, com ênfase na proteção ambiental, a categoria de direitos constitucionais. Pelo ilustre jurista brasileiro Barroso: “Por força da supremacia constitucional, nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação de vontade pode subsistir validamente se for incompatível com a Lei Fundamental.” [13] Está explicita a preocupação do Estado brasileiro com a proteção e preservação do meio ambiente. Essa preocupação se torna ainda mais necessária se levarmos em consideração a imensa biodiversidade presente no território nacional. “Entre os especialistas, o Brasil é considerado o país da "megadiversidade": aproximadamente 20% das espécies conhecidas no mundo estão aqui. É bastante divulgado, por exemplo, o potencial terapêutico das plantas da Amazônia.” [14]

Embora o art. 225 traga vários pontos para a proteção do meio ambiene nosso objeto de análise será o trecho “[...] impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo [...]” [15]. Impor ao Poder Público a preservação do meio ambiente não se transfigura em impor ao poder executivo tal tarefa. Embora exista alguma discordância doutrinária no que diz respeito ao trecho o entendimento dominante afirma ser uma tarefa dos três poderes.

“Poder Público” não significa só o poder Executivo mas abrange o poder Legislativo e o Poder Judiciário [...] os constituintes engajam o três poderes da república na missão de preservação e defesa do meio ambiente, agindo eles com independência e harmonia recíprocas. [16]

É possível, portanto, afirmar que o Poder Legislativo do Maranhão possui a incubencia de proteger o meio ambiente. Fazer uma analogia entre a atitude do Poder Legislativo do maranhão e o comportamento de um “esquizofrenico” [17] nos parece perfeito. O Poder Público uma vez que a Prefeitura de São Luís, por meio de seu Plano Diretor, institui uma política de meio ambiente que tem como princípios, entre outros, a: “proteção, preservação e conservação dos recursos naturais, artificiais e culturais” [18] e o “controle das atividades e empreendimentos atuais e os que possam se instalar, que sejam potencial ou efetivamente poluidores, ou que de qualquer modo possam causar impacto ambiental.” [19]

Podemos apontar, destarte, a violação ao princípio do Estado Democrático de Direito que se refere a submissão as leis. Essa violação, a mais significativa uma vez que fere um preceito constitucional, o pilar do Estado brasileiro. O Poder Legislativo, ao manter o projeto de construção da nova sede da Assembléia Legislativa na estação ecológica do rangedor ignora sensivelmente a obrigação que lhe foi imposta pela constituição de ‘protetor’ do meio ambiente.

O antigo ideal do governo das leis encontrou no constitucionalismo moderno a sua forma institucional e, definitivamente, a sua realização em uma série de institutos aos quais um moderno Estado democrático não pode renunciar sem cair em formas tradicionais de governo pessoal, daquele governo no qual o indivíduo está acima das leis, ou, com as palavras dos clássicos, o governo é senhor das leis e não seu servidor. [20]

Os deputados constroem os mais variados discursos como forma de justificativa da construção. Como exemplo podemos citar a diminuição da importância da estação ecológica pois esta situada na área de maior expansão da ilha ou discurso emblemático do deputado Haickel: “não é de meu interesse simplesmente eliminar uma estação ecológica, mas me parece que não tem nenhuma flora tão importante a ser preservada em tamanha área.”

A proteção ao meio ambiente é, ainda, uma tarefa da coletividade, da sociedade civil. E essa sociedade civil, através de protestos e discursos, criticou abertamente a decisão dos deputados maranhenses. Tal posicionamento não apresentou os efeitos esperados e em 2009 a nova Assembléia Legislativa do estado do Maranhão foi inaugurada.

Não sendo suficiente a construção da nova sede da Assembléia em uma área de tamanha importância ambiental houve uma alteração no projeto original para melhorar o acesso a Assembléia. Para a concretização da referida mudança foi necessário a retirada de várias espécies nativas dentre elas ipê roxo e ipê amarelo.

O descaso por parte do Poder Legislativo não se deu como um ato isolado. Na área da Estação Ecológica do Rangedor foi permitido, ainda, a construção de um Centro de Convenções e um campo de futebol pertencente a Assembléia.

[...] a Política Ambiental não se limita a eliminação ou redução da poluição já existente ou iminente (proteção contra o perigo), mas faz com que a poluição seja combatida desde o início (proteção contra o simples risco) e que o recurso natural seja desfrutado sobre a base de um rendimento duradouro. [21]

O princípio da precaução trata da proteção ao meio ambiente de uma maneira inovadora: visa impedir o dano protegendo o risco de dano. Uma “ação antecipada diante do risco ou perigo.” [22] A Declaração do Rio de Janeiro/92 diz:

De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. [23]

 

Resgatando os princípios do Estado Democrático de Direito é mister ressaltar a ligação estabelecida entre o Estado e o princípio da precaução. A arbitrariedade do Estado se faz visível no caso em análise uma vez que aquele se escusa de uma tarefa no momento em que interesses dos deputados são postos em cheque.

O Poder Legislativo ignorou o princípio da precaução ao, deliberadamente, esquecer ou minimizar os riscos atribuídos a construção da Assembléia Legislativa na área em questão.  Ainda que, ao tempo do início da construção, a área não fosse oficialmente protegida pelo Estado esta se mostrava extremamente importante para a biota da ilha de São Luís. Esta importância é consolidada quando da transformação da área em Estação Ecológica.

“Deixa de buscar eficiência a Administração Pública que, não procurando prever danos para o ser humano e o meio ambiente, omite-se no exigir e no praticar medidas de precaução, ocasionando prejuízos pelos quais será co-responsável.” [24] No caso em análise o Estado não se não atentou para os riscos como ele mesmo foi autor de uma devastação significativa. Ele não seria, portanto, considerado co-responsável mas sim único responsável.

Evidente se torna a total arbitrariedade do Estado. É possível afirmar que além da total inobservância aos preceitos do Direito Ambiental o caso nos traz o desrespeito ao conceito de democracia defendido em nossa constituição. Nos propõem uma reflexão acerca da observância à constituição quando esta coloca: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” [25]

CONCLUSÃO

É patente a omissão do Estado no caso da Assembléia Legislativa do Maranhão. O Poder Legislativo não pode ser considerado o único responsável uma vez que a proteção ambiental perpassa todas as esferas de poder estatal. O Legislativo do Maranhão, contudo, pode ser apontado como principal responsável uma vez que seus interesses estavam em jogo.

É necessário apontar a existência de interesses políticos envolvidos embora não caiba apontá-los. Estes, contudo, não deveriam impedir que o Estado realizasse suas tarefas na proteção ambiental.

Apontar que a observância a apenas um dos princípios do Direito Ambiental seria suficiente para evitar essa irremediável situação. Em uma significativa parcela dos casos a degradação ambiental não pode ser anulada ou reparada o que torna a precaução uma das melhores armas do Estado para a preservação do meio ambiente. “Numa sociedade moderna, o Estado será julgado pela sua capacidade de gerir riscos.” [26]



[1] Acadêmica do 3° período do curso de Direito da UNDB

[2] Acadêmica do 3° período do curso de Direito da UNDB ([email protected])

[3] Decreto 21.797/05

[4] Decreto 21.797/05

[5] Lei 9.985/00, art. 9º, §2.

[6] Lei 9.985/00

[7] Constituição Federal de 1988.

[8] José Afonso da Silva. Pág. 117

[9] José Afonso da Silva. Pág. 112

[10] http://www.ibec.inf.br/roberio.pdf

[11] Constituição comentada pelo STF.

[12] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 15ª Ed. Malheiros Editores Ltda, São Paulo: 2007. Pág. 64.

[13] BARROSO. Interpretação e aplicação da constituição.

[14] http://www.wwf.org.br/informacoes/questoes_ambientais/biodiversidade/

[15] Art. 225, CF

[16] MACHADO. Pág. 124.

[17]

[18]  PDC, art. 84

[19] PDC, art. 84

[20] BOBBIO, Norberto. A Democracia em questão. Pág. 11.

[21] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 15ª Ed. Malheiros Editores Ltda, São Paulo: 2007. Pág. 64.

[22] MACAHDO. Pág. 66

[23] Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente/92

[24] MACHADO. Pág. 78

[25] Constituição 1988.

[26] MACHADO. Pág. 78