INTRODUÇÃO

 

O princípio da isonomia ou da igualdade encontra fundamento do fato de que, perante o Estado, todos nascem e vivem com os mesmos direitos e obrigações. Desta forma, imperioso que se cumpra a premissa elaborada por Aristóteles, qual seja: “tratar os iguais de forma igual, e os desiguais de forma desigual, na medida de suas desigualdades”. Essa máxima foi adotada por renomados juristas, como Duguit e Ruy Barbosa.

Nesta mesma toada, a Constituição Federal concede ao legislador a possibilidade de adotar tratamentos diferenciados, não para diferenciar, mas para desigualar aqueles que são desiguais. Somente dessa maneira é possível fazer valer de forma plena o princípio da isonomia.

Sublinhe-se que deve haver cautela quanto à aplicação do critério de discriminação, pois este serve justamente para conservar a Isonomia, e não para desconfigurá-la. A esse respeito, Bandeira de Mello tece importantes considerações:

 

“Tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério discriminatório e, de outro lado, se há justificativa racional para, à vista do traço desigualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade afirmada.”

 

É necessário, portanto, ter em mente que não é qualquer característica que servirá como critério para diferenciar os indivíduos. Não seria racional, por exemplo, determinado estabelecimento público conceder atendimento prioritário a um indivíduo, unicamente pelo fato de ele ter olhos castanhos, pois essa atitude estaria ferindo o princípio aqui discutido.

Desta forma, o fator diferencial entre dois indivíduos deve conter alguma pertinência lógica com o efeito legal dessa diferenciação. Qualquer manifestação diversa estaria sendo totalmente controversa ao intuito do postulado isonômico.

 

BASE CONSTITUCIONAL

 

Os direitos fundamentais tiveram início diante da necessidade de se limitar e controlar os atos do Estado e de seus agentes, exigindo uma abstenção da Administração Pública. Posteriormente, eles ultrapassaram essa condição de “direitos negativos”, exigindo também uma atuação positiva do Estado.

O Título II da Constituição de 1988 abordou, nos artigos 5º a 17, os “Direitos e Garantias Fundamentais”, concedendo o título de direitos individuais àqueles diretamente relativos ao conceito da pessoa humana e de sua personalidade.

Desta forma, a Constituição da República coroou a isonomia como direito fundamental, ao estabelecer, no art. 5º, caput, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Esse mesmo princípio foi abordado em outros dispositivos de nossa Carta Magna, uma vez que o legislador constituinte demonstrou considerável preocupação em proteger o direito à igualdade, em seus vários aspectos.

A título ilustrativo, vale mencionar a proteção da igualdade racial (art. 4º, VIII), igualdade entre os sexos (art. 5º, I), igualdade de credo religioso (art. 5º, VIII), igualdade jurisdicional (art. 5º, XXXVII), igualdade trabalhista (art. 7º, XXXII), igualdade na administração pública (art. 37, I) e igualdade tributária (art. 150, II).

Esta última, a igualdade tributária, é a que mais interessa ao presente estudo. A Constituição Federal assevera:

 

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”

 

O que se percebe da leitura do dispositivo supramencionado é uma clara alusão ao preceito aristotélico já mencionado. Tal como nas demais searas, no Direito Tributário o indivíduo também será tratado de forma igual, desde que em condições iguais. Por óbvio, os desiguais terão tratamento diferenciado.

 

CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

 

Ao tratar do Direito Tributário, a Constituição Brasileira adotou também o princípio da capacidade contributiva, que é corolário da Isonomia. O art. 145, § 1º assim dispõe:

 

“§ 1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

 

Analisando a redação do dispositivo acima colacionado, necessário que se façam duas observações preliminares: primeiro, a de que ele não se refere aos tributos em geral, mas apenas aos impostos; segundo, a de que o princípio da capacidade contributiva não será aplicado a todos os impostos, mas somente naqueles em que for possível realizar tal aferição.

A observância da capacidade contributiva é possível nos impostos diretos, que são aqueles cuja carga econômica é suportada pelo contribuinte que realizou o fato gerador. O mesmo não é possível quando se fala dos impostos indiretos, assim compreendidos aqueles cujo ônus tributário repercute em terceira pessoa, no contribuinte final.

Desta forma, percebe-se que a aplicação do referido princípio é possível ao Imposto sobre a Renda (IR) e ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), mas não ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte e de Comunicação (ICMS) e ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), por exemplo.

 

ANÁLISE DOS CRITÉRIOS ESPECÍFICOS DO IMPOSTO SOBRE A RENDA

 

 A capacidade contributiva se mostra inerente ao Imposto sobre a Renda. Afinal, como se observa pela própria literalidade, quanto mais o contribuinte afere renda, maior sua aptidão para cooperar com os cofres públicos. Essa lógica, assim como nos países em geral, é adotada também no Brasil.

Para corroborar esse entendimento, o art. 153, § 2º da Constituição da República elencou importantes características intrínsecas ao Imposto de Renda:

 

153. (...)

§ 2º - O imposto previsto no inciso III:

I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei;

 

A generalidade diz repeito ao fato de que haverá incidência sobre todos os contribuintes que pratiquem fato gerador do referido tributo. A universalidade, a seu turno, busca demonstrar que a renda, onde quer que seja gerada, será tributada no Brasil, desde que haja um elemento de conexão. A progressividade, por fim, exige uma variação da alíquota conforme a ampliação da base de cálculo.

Tratando especificamente da progressividade, o que se observa é uma divergência entre a previsão constitucional e o atual cenário brasileiro. Na prática, a legislação apresenta uma progressividade ínfima em relação ao real objetivo almejado pelo referido ditame. A Lei 11.945/2009 prevê apenas 04 (quatro) alíquotas para o Imposto sobre a Renda de Pessoa Física, que são distribuídas da seguinte forma:

 

Base de Cálculo (R$)                      Alíquota (%)

Até 1.499,15                                    -

De 1.499,16 até 2.246,75                7,5

De 2.246,76 até 2.995,70                15

De 2.995,71 até 3.743,19                22,5

Acima de 3.743,19                          27,5

      

O que se denota, portanto, é que, apesar de a legislação brasileira prever alíquotas diferenciadas conforme a renda do contribuinte, esta progressão se mostra pífia em relação ao que deveria de fato representar.

 

O MÍNIMO EXISTENCIAL

 

Há tempos a ideia do “mínimo existencial” vem sendo difundida e desenvolvida pelo mundo. No Brasil, é considerado corolário da dignidade da pessoa humana, com previsão no art. 1º, III da Constituição Federal.

Considera-se mínimo existencial aquela riqueza mínima necessária para a manutenção do indivíduo e de sua família, valor este que seria intangível pela tributação por meio de impostos.

Por esta razão, é crescente o entendimento no sentido de que aqueles contribuintes que aferem riqueza inferior ao mínimo existencial não possuem capacidade contributiva, sugerindo a criação de uma espécie de isenção nesses casos.

Em que pese os avanços no sentido de proteger as necessidades básicas do indivíduo, não há ainda um parâmetro concreto para se demarcar o quantum do mínimo existencial. No caso do IR isenta-se a renda igual ou inferior a R$ 1.499,15, mas a questão no campo doutrinário não é pacífica.

A doutrina também diverge quanto ao fato de ser o mínimo existencial uma regra absoluta ou um princípio a ser ponderado com a reserva do possível, por exemplo. Como se vê, o assunto é fruto de inúmeros questionamentos, que merecem uma abordagem mais aprofundada, cabendo por ora sublinhar que não basta ao Imposto de Renda estabelecer alíquotas progressivas, devendo também garantir o mínimo existencial.

 

CONCLUSÃO

 

Pela análise dos dispositivos elencados ao longo desse estudo, pode-se dizer que o legislador constituinte consagrou o princípio da igualdade como um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro.

No que concerne ao Imposto de Renda, a Constituição Federal apresenta uma série de mecanismos com o intuito de garantir o princípio da Isonomia. No entanto, esta seara encontra-se atualmente fragilizada, uma vez que as normas que dispõem sobre o Imposto de Renda estabelecem uma progressividade pífia, provocando uma sobrecarga tributária àqueles que possuem menor capacidade contributiva.

Por fim, infere-se que o princípio da isonomia só será efetivamente alcançado mediante a fixação de uma progressividade mais expressiva do Imposto de Renda, bem como o estabelecimento de uma isenção condizente com o mínimo existencial do cidadão brasileiro.

 

BIBLIOGRAFIA

 

BANDEIRA DE MELLO, Antônio Celso. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª edição – São Paulo: Malheiros, 2011.

 

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. 7. ed. – São Paulo: Método, 2011.

 

SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 4. Ed – São Paulo: Saraiva, 2012.