O PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA COMO GARANTIA AO DIREITO FUNDAMENTAL 

Vanessa Pereira Nunes 

RESUMO: Existe certa dificuldade doutrinária em se definir um conceito determinado sobre direitos e garantias fundamentais. Tal dificuldade justifica-se pelo fato de que através da evolução histórica da sociedade houveram inúmeras definições e concepções para o que, de fato, é fundamental ao homem. Porém, acredita-se que tais direitos e garantias estão diretamente ligados ao desenvolvimento do princípio da dignidade humana, ou seja, concedem proteção legal ao ser humano nos assuntos relacionados à vida, liberdade, igualdade, participação política e social. Neste sentido, o presente trabalho, cujo tema é O Principio da Individualização da Pena como garantia ao direito fundamental, busca analisar até que ponto o direito a individualização da pena previsto na atual legislação brasileira é aplicado na realidade punitiva do Estado Democrático de Direito do Brasil. A relevância deste estudo justifica-se através da diversidade bibliográfica disponível abordando o tema, visto que é um assunto de grande significado, pois limita a ação lesiva do agente assim como a ação punitiva estatal. Nesta direção, o objetivo geral do estudo a ser feito é analisar o sistema carcerário brasileiro enfatizando o princípio da individualização da pena e a aplicabilidade da lei. E de forma a atingir essa meta, há que cumprirem-se, as seguintes etapas: demonstrar o Princípio da Individualização da Pena em exercício ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; examinar o instituto da individualização da pena observando a aplicação da sanção ao apenado; comparar o ideal ressocializador previsto na legislação brasileira com o real social existente.  Nesta linha de raciocínio, os detentores de direitos e garantias individuais podem e até devem requerer do Estado a proteção prevista na lei, proteção esta que é inseparável dos direitos fundamentais, em qualquer ocasião. Sendo assim, o Poder Público tem a obrigação de se posicionar e contrair para si a posição de protetor e garantidor efetivo dos direitos fundamentais previstos na atual legislação brasileira. Após essas reflexões iniciais, podemos ultimar que a individualização da pena na legislação brasileira é em tese, perfeitamente aplicável, contudo o que acontece na real sociedade, é a falência de tal instituto, não conseguindo ser justamente aplicada aos condenados, estes que passam a fazer parte da estatística, dos números daqueles que cumprem pena e voltam a cometer algum ato ilícito, já que quando punidos, sentenciados e inseridos no sistema prisional, não tiveram seus avanços individuais devidamente reconhecidos.

Palavras-chave: Individualização da Pena. Garantia fundamental. Dignidade da pessoa humana.

A presente pesquisa, cujo escopo procura responder, mais especificadamente, ao seguinte problema:  A concretização do princípio da individualização da pena existe no atual sistema punitivo brasileiro?  Pode ser considerada a individualização da pena uma garantia aos Direitos Fundamentais?

A pesquisa realizada possui como fundamentação livros de renome, que servirá como análise em função de que autores encontrados defendem o mesmo pensamento, tais como: Guilherme de Souza Nucci[1] que diz: “Individualização da pena tem o significado de eleger a justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e aos efeitos pendentes sobre o sentenciado, tornando-o único e distinto dos demais infratores, ainda que co-autores ou mesmo co-réus.”

No decorrer da história constitucional, notória era à busca da proteção dos direitos e garantias individuais, que por estarem voltadas ao livre exercício da cidadania foram consolidadas.  O objetivo de tal proteção tem por finalidade resguardar os valores que influenciam diretamente a coletividade, fazendo com que as perspectivas de um Estado Liberal e de um Estado Social estejam agrupadas. Com o intuito de regularizar as provocações aos bens jurídicos, tanto individuais como supra-individuais as constituições abdicaram determinada fração à matéria penal.

Quanto ás garantias e prerrogativas individuais do ser humano, a intervenção penal do Estado é restringida.  Sobre bens jurídicos metaindividuais quando tutelados há uma ampliação do campo de atuação do Direito Penal, fundamentando na força dos efeitos dessas ações. Sendo assim, a inserção da matéria penal no corpo da Constituição Federal de 1988 guiará a atuação do referido Direito perante a coletividade.

Os princípios não deixam de exercer influência na matéria penal, mesmo sendo considerados constitucionais em amplo sentido. Tal influência possibilita a utilização do Direito Penal como um instrumento de regularização instituidor de ações, buscando a garantia de bens jurídicos de grande importância social.

Direito e garantia fundamental do apenado é a individualização penal, consagrada na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5°, inciso XLVI. Por esta razão é considerado cláusula pétrea, de aplicação e observação obrigatórias.

Na legislação está o dever uniforme da individualização da pena, segundo os méritos pessoais do acusado e a culpabilidade, ou seja, cada pessoa possui o direito de vislumbrar em sua pena sancionada a responsabilidade na prática delitiva e a medida de sua culpabilidade.

O artigo 5º, inciso XLVI, da CF/ 88[2] estabelece que:

Art. 5º, XLVI: a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição de liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social determinada;

e) suspensão ou interdição de direitos.

Essa proclamação afirma que o cumprimento da pena privativa de liberdade de locomoção mostra uma extensão que almeja a reestruturação do encarcerado.

O réu apenado com pena privativa de liberdade tem seu bem mais precioso restringido. Cabe ao Estado ao exercer o jus puniendi executar as observações necessárias para que a aplicação da sanção aconteça de maneira mais equilibrada e justa possível. Evitando quaisquer classificações ao apenado, feito isso, a justiça e o equilíbrio permanecerão seriamente comprometidos.

Portanto, podemos declarar que não apenas no momento da sentença condenatória é que será realizada a individualização do sentenciado. Mas também durante todo o curso da execução penal, tendo em vista às diversas transformações que ocorrem durante o período de ressocialização do apenado.

Nesta direção, o objetivo geral do estudo a ser feito é verificar se individualização da pena traz eficiência e garantia aos Direitos Fundamentais. E de forma a atingir essa meta, há que cumprirem-se, especificamente, as seguintes etapas: reconhecer se os critérios da individualização da pena estão sendo aplicado no atual sistema punitivo brasileiro, mostrar que o sistema carcerário brasileiro não possui condições físicas para a aplicação do princípio da individualização da pena.

Podemos vislumbrar através da evolução histórica, que os direitos e garantias individuais surgiram em decorrência da Revolução Francesa, pois esta tinha como lema: liberdade, igualdade e fraternidade, por este motivo todos os homens são livres e iguais perante a lei.

 Decorrente tal fato, todas as Constituições independentemente da forma descritiva destinaram uma parte especial aos direitos individuais.

 Os direitos, intrinsecamente ligados à dignidade humana, àqueles em que os homens são reconhecidos como entidades morais são os mesmos que encontramos hoje, porém com uma vasta ampliação. Tais direitos constitucionais consistem em: direito à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade facultando assim proteção legal ao ser humano.

Pelas inúmeras mudanças na evolução histórica da sociedade encontramos diversas definições e concepções para o que é fundamental ao homem. Isto justifica algumas divergências que a doutrina possui na definição de um conceito concreto sobre direitos e garantias fundamentais.

De acordo com Darci Azambuja[3], as garantias dos direitos individuais são: o regime representativo, as prerrogativas judiciárias, o princípio da inconstitucionalidade das leis, o habeas corpus, o mandado de segurança e outras, de caráter especial ou geral, porém;

 sua eficácia varia e afinal a liberdade depende, mais de que dos textos escritos, da educação e do caráter dos homens, das circunstâncias e vicissitudes que os povos atravessam, porque ela não se conquista de uma vez para sempre, mas lutando diariamente pela justiça, pela paz e pela civilização.

Em algumas ocasiões, estas garantias se encaixam nas esferas da ação do legislativo e do executivo, porém, sua positivação ocorre na órbita do judiciário sendo considerado este a ultima ratio.

 A inserção dos direitos e das garantias individuais à Carta Magna brasileira caracteriza um novo tipo estatal, pois abriu maior espaço para o funcionamento do Estado.

A individualização só é considerada princípio, a partir do instante em que aparece como preceito constitucional.

Segundo MARQUES[4], "individualizar a pena é aplicá-la de acordo com o individuo que praticou a ação penal."

Todo sentenciado, após receber sentença condenatória possui o direito a uma pena livre de qualquer padronização e acima de tudo justa. Isto no decurso natural de cada ser humano, visto que este possui personalidade e vida ímpares. Portanto é uma garantia contra a resolução do Estado-Juiz no ato da aplicação e execução da pena.[5]

Luis Regis Prado[6] ensina que:

O princípio da individualização da pena, conforme a cominação legal (espécie e quantidade) irá determinar a forma da sua execução. [...] Em suma, a pena deve estar proporcionada ou adequada à magnitude da lesão ao bem jurídico representada pelo delito e a medida de segurança à periculosidade criminal do agente.

Para o Ministro Sepúlveda[7], a individualização da pena consiste na faculdade onde há de se observar o agente e as circunstâncias do fato concreto e não a natureza do delito em tese. Nesse sentido, acrescenta o Ministro Pertence que:

"De nada vale individualizar a pena no momento da aplicação, se a execução, em razão da natureza do crime, fará que penas idênticas, segundo os critérios da individualização, signifiquem coisas absolutamente diversas quanto à sua efetiva execução.” [8]

Salienta o professor Alberto Silva Franco[9]:

(…) mais importante do que a sentença em si é o seu cumprimento na prática, porque é na execução que a pena cominada pelo legislador, em abstrato, ajustada pelo juiz ao caso particular, encontra o seu momento de maior concreção. É aí que o processo individualizador chega à sua derradeira fase: adere, de modo definitivo, à pessoa do condenado. Excluir, portanto, o sistema progressivo é impedir o princípio constitucional da individualização das penas. Lei ordinária que estabeleça regime prisional único, sem possibilidade de nenhuma progressão, atenta contra a Constituição Federal.

Segundo José Frederico Marques,[10] o processo individualizador da pena é realizado em três momentos diferentes, são eles: o legislativo, o judicial e o executório.

Cezar Roberto Bitencourt[11] sintetiza de forma clara esses três momentos individualizadores:

Individualização legislativa – processo através do qual são selecionados os fatos puníveis e cominadas as sanções respectivas, estabelecendo seus limites e critérios de fixação da pena; individualização judicial – elaborada pelo juiz na sentença, é a atividade que concretiza a individualização legislativa que cominou abstratamente as sanções penais, e, finalmente, a individualização executória, que ocorre no momento mais dramático da sanção criminal, que é o seu cumprimento.

É notório que na execução penal a individualização possui imensurável relevância. Portanto, é o juiz da execução em conjunto com os responsáveis pelos estabelecimentos prisionais que efetivam tão importante direito.

A pena privativa de liberdade alcança maior destaque, por ter sua individualização solidificada durante o curso da execução.

Fundamental é a individualização no decorrer da execução penal, quando reconhecida a irrefutável diferença entre todas as pessoas. Confirmada tal característica, conclui-se que no decorrer de todo tempo de cumprimento da sanção condenatória, a execução não pode ser única para todos os apenados.[12]

Inadequado seria se imposto igualitariamente o mesmo programa de execução aos apenados. Sendo assim um acompanhamento individual com atenção às condições pessoais de cada indivíduo, resultaria em uma legítima individualização no decorrer da execução penal.[13]

FERNANDES[14] descreve de maneira clara e objetiva as reais condições do sistema carcerário brasileiro:

Como o relatório descreve, a realidade no Brasil passa longe das descrições da lei. Primeiro, o sistema penal sofre a falta de uma infra-estrutura física necessária para garantir o cumprimento da lei. Em muitos estados, por exemplo, as casas dos albergados simplesmente não existem; em outros, falta capacidade suficiente para atender ao número de detentos. Colônias agrícolas são igualmente raras. De fato, como será descrito de maneira pormenorizada abaixo, não existem vagas suficientes para suportar o número de novos detentos, forçando muitos presos condenados a permanecerem em delegacias durante anos, o que é um fato muito prejudicial para os presos, pois o cumprimento nas delegacias e cadeiões do interior, se dá de forma absolutamente inadequada, face aos objetivos da pena.

Conseqüentemente, por respeito ao principio evidenciado nesta pesquisa, o ser humano causador de um delito, deverá ser reabilitado e submetido a um processo de reinserção social, devendo ser sentenciado com sanções que atenda m sua culpabilidade.

Portanto, percebe-se que o real estado do sistema não demonstra nenhuma possibilidade de efetivar as medidas que alcançariam a correta individualização do sentenciado recluso e da pena à ele impetrado, ou seja, embora todas as medidas aplicáveis e cabíveis pela legislação, as condições par que elas sejam aplicadas não são adequadas.

Assim, diante o que foi exposto, conclui-se que a individualização da pena na legislação brasileira é em tese, perfeitamente aplicável, contudo, o que acontece na real sociedade é a falência de tal instituto, não conseguindo ser justamente aplicada aos condenados, estes que passam a fazer parte da estatística, dos números  daqueles que cumprem pena e voltam a cometer algum ato ilícito, já que quando punidos, sentenciados e inseridos no sistema prisional, não tiveram seus avanços individuais devidamente reconhecidos.

Referências Bibliográficas

AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. Lisboa: Editorial Estampa, 1989.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 11. ed. v. 1. atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

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BARROS, Carmem Silvia de Moraes. A individualização da pena na execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

FRANCO, Alberto Silva. Lei de Crimes Hediondos. Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre: SAFe, v.5, n. 2, abr./jun. 1992.

FERNANDES, Newton. A Falência do Sistema Prisional Brasileiro. São Paulo: RG, 2000.

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte geral. 22. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999.

MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal – v. 3. – O delinqüente, a sanção penal e a pretensão punitiva. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1966.

MESQUITA JR., Sidio Rosa de, Execução criminal: teoria e prática: doutrina, jurisprudência, modelos. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

MIRABETE, Julio Fabbrini – Execução Penal, Revista e Atualizada por Renato N. Fabbrini, 11ª edição, Atlas, 2004.

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PRADO, Luis Regis. Curso de Direito penalparte geral. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2008.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. HC n. 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18.12.1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 147.



[1]  NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. São Paulo: RT, 2005, p.31.

[2] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 5 de outubro 1988. 25. Ed. São Paulo. Saraiva, 2011.

[3] AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. Lisboa: Editorial Estampa, 1989, p. 156.

[4] MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, vol. III. Ed. rev. at. e amp. Campinas: Millennium, 2002, p. 100.

[5] JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte geral. 22. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 55.

[6] PRADO, Luis Regis. Curso de Direito penalparte geral. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2008,p.139.

[7] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pleno. HC n. 69.657. Relator Ministro Marco Aurélio. Relator para acórdão Ministro Francisco Rezek, j. 18.12.1992. In: Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 147, p. 598-610.

[8]Idem.

[9] FRANCO, Alberto Silva. Lei de Crimes Hediondos. Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre: SAFe, v.5, n. 2, abr./jun. 1992, p. 52-53.

[10] MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal – v. 3. – O delinqüente, a sanção penal e a pretensão punitiva. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1966, p.224.

[11] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 11. ed. v. 1. atual. São Paulo: Saraiva, 2007,p. 85.

[12] MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 99.        

[13] BARROS, Carmem Silvia de Moraes. A individualização da pena na execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 55.

[14] FERNANDES, Newton. A Falência do Sistema Prisional Brasileiro. São Paulo: RG, 2000.p. 87.